Apelação cível. Inventário. Extinção do processo, sem resolução do mérito (art. 267, VI, CPC).
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.
Julgamento: 19/01/2010 Órgao Julgador: 2ª Câmara Cível Classe: Apelação Cível
Apelação Cível n° 2009.007569-5
Origem: Vara Única da Comarca de Pedro Velho/RN
Apelante: Maria de Lourdes de Lima Batista
Advogada: Ana Célia Felipe de Oliveira
Apelado: Estado do Rio Grande do Norte
Procurador: José Duarte Santana
Relator: Desembargador Cláudio Santos
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INVENTÁRIO. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (ART. 267, VI, CPC). BEM IMÓVEL OBJETO DE PARTILHA ENTRE HERDEIROS. INEXISTÊNCIA DA PROVA DA PROPRIEDADE (PELO DE CUJUS). DECLARAÇÕES QUE NÃO SUBSTITUEM O REGISTRO NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO. APLICAÇÃO DO ART. 984 DO CPC. QUESTÃO DE ALTA INDAGAÇÃO E QUE DEPENDE DE COMPROVAÇÃO. PROCEDIMENTO QUE NÃO TEM POR ESCOPO A REGULARIZAÇÃO DA PROPRIEDADE. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. REMESSA ÀS VIAS ORDINÁRIAS. PRECEDENTES DO TJ/RS E TJ/MG. APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que compõem a 2ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à Apelação, nos termos do voto do Relator, que integra o julgado.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIA DE LURDES DE LIMA BATISTA, por sua advogada, contra sentença proferida pela MM. Juíza de Direito da Comarca de Pedro Velho/RN, nos autos da Ação de Inventário proposta por MANOEL RIBEIRO DE LIMA, todos já devidamente qualificados.
Na sentença (fls. 241/242), a MM. Juíza a quo entendeu que restou evidente a falta de interesse da parte Inventariante, julgando extinto o processo, sem resolução do mérito, nos moldes do artigo 267, VI, do CPC.
Irresignada, a Srª. Maria de Lourdes de Lima Batista (Inventariante) interpôs recurso de Apelação (fls. 244/247), aduzindo, de início, que "(...) apesar de existir nos autos prova da propriedade e da posse do imóvel, fls. 08/11, inclusive, prestadas as primeiras declarações pela Sra. MARIA DE LOURDES LIMA BASTISTA, nos autos supra, na qual confirma a existência do bem objeto do inventário, (...), a MM. Juíza entendeu por bem declarar a inexistência de bens deixados pelo inventariado (...)". (fl. 245)
Ainda no tocante ao imóvel em referência, acrescentou que "a falta de escritura pública não constituiria óbice à interposição do arrolamento" (...), de modo que, no seu sentir, a declaração acostada à fl. 240 teria o condão de substituir tal documento.
Ao final, pugnou fosse o Apelo conhecido e provido, com a anulação da sentença, e o prosseguimento regular do Inventário.
O Estado do Rio Grande do Norte ofertou suas contrarrazões às fls. 249/252, sustentando, em suma, que a decisão vergastada não merecia qualquer retoque, eis que teria a MM. Juíza a quo aplicado o direito ao caso concreto, na medida em que "(...) não pode haver partilha de um bem, se o mesmo não está registrado em nome do inventariado" (fl. 251).
Salientou, também, que a Inventariante não teria se desincumbido de provar que o bem em discussão pertencia ao de cujus, pois, no seu entender, a declaração de fl. 240 não seria capaz de demonstrar a titularidade do imóvel inventariado em nome do falecido.
Já concluindo, enfatizou que "a jurisprudência dominante dos tribunais pátrios é unânime em reconhecer que as questões de fatos e de direito que dependem de provas no inventário serão remetidas para as vias ordinárias, conforme bem decidiu a douta Magistrada (...)". (fl. 252)
Por fim, rogou fosse negado provimento ao recurso.
Instada a emitir parecer, a 21ª Procuradoria de Justiça deixou de opinar, entendendo pela inexistência de interesse público na demanda, capaz de ensejar a intervenção do Parquet (fls. 260/262).
É o relatório.
VOTO
O recurso preenche seus pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.
Conforme relatado, trata a espécie de Apelação Cível interposta por MARIA DE LURDES DE LIMA BATISTA, por sua advogada, contra sentença proferida pela MM. Juíza de Direito da Comarca de Pedro Velho/RN, nos autos da Ação de Inventário proposta por MANOEL RIBEIRO DE LIMA.
Ao extinguir o processo, nos moldes do art. 267, IV, do CPC, a MM. Juíza de primeiro grau assim o fez considerando que faltava interesse processual à Inventariante, na medida em que esta não teria comprovado a propriedade (por parte do de cujus) sobre o imóvel a ser inventariado (Sítio Três Aroeiras, Município de Pedro Velho/RN), dada a inexistência do seu respectivo registro no Cartório Imobiliário competente.
Inconformada, a Apelante se insurgiu contra a sentença extintiva do feito, defendendo que "(...) apesar de inexistir nos autos prova da propriedade e posse do imóvel (...)", fora confirmada a existência do bem imóvel objeto do inventário, o que se deu por meio de declarações dos próprios herdeiros (fl. 245).
Sendo assim, observa-se, de plano, que o debate revelado nos autos reside na verificação da possibilidade, ou não, de um imóvel ser objeto de processo de inventário sem que tenha sido devidamente demonstrada a sua propriedade, pelo de cujus, com o registro no Cartório Imobiliário.
Pois bem. Iniciemos a elucidação da presente controvérsia fazendo alusão ao artigo 984 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:
"Art. 984. O juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas."
Acerca das citadas questões de "alta indagação", veja-se a referência feita por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery(1), verbis: " São aquelas em que aparecem elementos de fato que exigiriam processo à parte, com rito próprio. Questões só de direito são questões puras, em que não se precisa investigar fato ou apurar provas. A dificuldade de interpretação, ou de aplicação, não constitui questão de alta indagação. Alta indagação ou maior indagação não é indagação difícil, mas busca de prova fora do processo e além dos documentos que o instruem. (RJTJRS 102/287)" (destaques acrescidos)
A respeito do tema, ensina-nos Ernane Fidélis dos Santos, que:
"Em suma, a interpretação mais segura do art. 984, de acordo, inclusive, com a sistematização do Código, seja com relação a seus princípios gerais, seja com relação ao próprio procedimento de inventário e partilha, é a de que, em princípio, o juiz do inventário deve decidir todas as questões que se refiram ao processo. Só remeterá para as vias ordinárias as questões de alta indagação, tais como aquelas que forçosamente dependem de um pronunciamento anterior, sentença, para entrar no âmbito do objeto do inventário e partilha, e, aquelas de fato, quando haja necessidade da produção de outras provas, além dos documentos que informam a pretensão e a impugnação." (Cf. "Comentários ao Código de Processo Civil", vol. VI, 1ª ed., Forense, Rio de Janeiro, p. 324).
Trata-se de dispositivo legal que regula o procedimento de inventário e partilha. Interpretando-o, pode-se vislumbrar que o Juiz decidirá todas as questões de direito e também as de fato, quando este se achar provado por documento. Não sendo o caso, devem ser remetidas às vias ordinárias as questões que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas.
Daí se vê que não estaria facultado à MM. Juíza a quo, diante das simples alegações/declarações apresentadas e não provadas documentalmente pela ora Apelante, considerar que o bem imóvel a ser inventariado pertencia ao espólio, e incluí-lo no inventário.
Ora, se a propriedade do bem não fora objeto de prova pela Inventariante, não poderia, simplesmente, ser ignorada tal omissão e dado prosseguimento regular ao processo de inventário, até porque a sua finalidade não é a de regularizar propriedade de bens. Aliás, é dever do Judiciário a apreciação da discussão relativa à titularidade do bem imóvel arrolado, o que, a teor do preconizado pelo artigo 984 do CPC, deverá, como dito, ocorrer perante as vias ordinárias.
A jurisprudência de alguns tribunais pátrios, a exemplo dos Estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais, é unânime em admitir a remessa para as vias ordinárias das questões de alta indagação. Vejamos:
"EMENTA: INVENTÁRIO. DEVOLUÇÃO DE TRIBUTOS. PROPRIEDADE DE BEM IMÓVEL. POSSE. VIAS ORDINÁRIAS. (...) 2. Cabe ao juiz decidir no processo de inventário todas as questões de direito e também de fato quando se acharem plenamente comprovadas documentalmente, mas é imperiosa a remessa para os meios ordinários quando as questões fáticas forem de alta indagação, isto é, quando demandarem a produção de outros meios de prova, inclusive testemunhal. Inteligência do art. 984 do CPC. Recurso desprovido." (TJ/RS, Agravo de Instrumento Nº 70020707980, Sétima Câmara Cível, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 08/08/2007).
"EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. INVENTÁRIO. PEDIDO DE PARTILHA DE IMÓVEL CUJA TITULARIDADE É DE TERCEIRA PESSOA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE O INVENTARIADO DETINHA A PROPRIEDADE DA ÁREA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO ATACADA. Tratando-se, o inventário, de procedimento célere, cuja finalidade precípua é a de legalizar a transferência do patrimônio do morto a seus herdeiros e sucessores na proporção exata de seus direitos mediante a partilha, dar-se-á a partilha dos bens que sejam, induvidosamente, de titularidade do inventariado. A ação de inventário não é o procedimento adequado para regularizar a propriedade de bens. RECURSO DESPROVIDO." (TJ/RS, Agravo de Instrumento nº 70017238189, Oitava Câmara Cível, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 22/12/2006).
" EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVENTÁRIO NA MODALIDADE DE ARROLAMENTO. ARROLAMENTO DE BEM IMÓVEL DO QUAL O DE CUJUS ERA POSSUIDOR. INDEFERIMENTO DA INICIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR DA HERDEIRA DEMANDANTE, PORQUANTO O ÚNICO BEM A INVENTARIAR CONSTITUI-SE EM ALEGADOS DIREITOS POSSESSÓRIOS, OS QUAIS NÃO ENCONTRAM ESPAÇO PARA DISCUSSÃO NO ÂMBITO DA AÇÃO DE INVENTÁRIO. (...)" (TJ/RS, Apelação Cível Nº 70014894950, Sétima Câmara Cível, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, julgado em 18/10/2006).
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INVENTÁRIO - BENS A PARTILHAR - PROVA DA PROPRIEDADE - EXCLUSÃO DO ROL - ARTS. 984 DO CPC - QUESTÕES DE ALTA INDAGAÇÃO E QUE DEPENDEM DE PROVA - MEIOS ORDINÁRIOS. - Nos autos do inventário, havendo questões de fato que demandem alta indagação ou dependam de outras provas, que não as documentais, deverão elas ser remetidas para as vias ordinárias." (TJ/MG, Agravo de Instrumento nº 1.0145.02.016216-3/001(1), Rel. Des. Moreira Diniz, DJ 11.10.2005).
"EMENTA: INVENTÁRIO - IMÓVEL DE PROPRIEDADE NÃO COMPROVADA - SOBREPARTILHA - IMPOSSIBILIDADE." (TJ/MG, Agravo de Instrumento nº 000.156.879-9/00, Rel. Des. Aluízio Quintão, DJ. 16.05.2000).
Ademais disso, é imperioso salientar que:
" (...) trata-se, portanto, de procedimento ao qual deve se dar celeridade, já que tem finalidade determinada e inampliável. Ou seja, partindo-se do fato certo da morte de alguém, arrola-se o conjunto de seus bens e segue sua avaliação. Apurada a qualidade de quem é titular de direito hereditário, pagam-se as dívidas do falecido, se existentes, e, a seguir, divide-se o patrimônio líquido entre os que tenham direito de recebê-lo, quer a cota-parte, quer por inteiro." ( (TJ/RS, Agravo de Instrumento nº 70017238189, Oitava Câmara Cível, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 22/12/2006).
Dessa forma, tem-se que é impossível a inclusão, no inventário, de imóvel cuja titularidade não fora comprovada. Não há espaço, neste tipo de demanda, para discussões acerca da legítima propriedade de bens pelo inventariado, uma vez que a sua finalidade principal é a de legalizar a transferência do patrimônio a seus herdeiros e sucessores na proporção exata de seus direitos, o que se dá mediante a partilha.
Portanto, induvidoso é que a não exibição da certidão imobiliária constitui empecilho à inclusão do imóvel não registrado no Cartório Imobiliário competente no processo de Inventário do (s) bem (ns) deixado (s) pelo falecido, bem como a sua consequente partilha entre os herdeiros.
Diante de tais considerações, é evidente que não merece qualquer retoque a sentença, tendo acertado a MM. Juíza de primeiro grau ao extinguir o feito, nos termos do art. 267, IV, CPC.
Ante o exposto, conheço e nego provimento ao Apelo.
É como voto.
Natal, 19 de janeiro de 2010.
Desembargador OSVALDO CRUZ
Presidente
Desembargador CLÁUDIO SANTOS
Relator
Doutora MYRIAN COELI GONDIM D'OLIVEIRA SOLINO
20ª Procuradora de Justiça
Notas:
1 - In Código de Processo Civil Comentado, 8ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2004, p. 1265. [Voltar]
JURID - Apelação cível. Inventário. Extinção do processo. [01/02/10] - Jurisprudência
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