Penal. Tráfico internacional de entorpecentes. Art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06.
Tribunal Regional Federal - TRF 4ª Região.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2009.70.02.003188-3/PR
RELATOR: Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO: LUIS ALBERTO LESCANO MEDINA reu preso
ADV. (DT): Defensoria Pública da União
EMENTA
PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. ART. 33, CAPUT, DA LEI N.º 11.343/06. AUTORIA. MATERIALIDADE. COMPROVADAS. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. DROGA. QUANTIDADE EXPRESSIVA APREENDIDA. CONFISSÃO. PROMESSA DE RECOMPENSA. MULA. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO. APLICAÇÃO DA AGRAVANTE. MAJORANTES DO ARTIGO 40. TRANSNACIONALIDADE. INTERESTADUALIDADE. TRANSPORTE PÚBLICO. MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI N.º 11.343/06. PENA DE MULTA. SIMETRIA.
1. Incorre nas penas do art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06 o agente que transporta substância entorpecente de uso proscrito no País.
2. Em se tratando de tráfico de drogas, a expressiva quantidade e o elevado grau de potencialidade lesiva do narcótico apreendido autoriza o agravamento da pena-base. Precedente.
3. A confissão judicial, quando em sintonia com os demais elementos de convicção trazidos ao processo, é válida e deve ser levada em conta pelo julgador tanto como fundamento para uma decisão condenatória como para fins de aplicação da atenuante do art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal.
4. Revendo o posicionamento da Oitava Turma, não há como dizer que não incide o aumento para aquele que transporta a droga mediante pagamento, já que é prescindível para a ocorrência do crime do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 que haja paga ou promessa de recompensa. Entender que o tipo em questão engloba o transporte mediante paga é interpretar de maneira extensiva um texto que pretendeu ser claro e taxativo ao elencar as hipóteses puníveis.
5. A majorante do inciso I do art. 40 da Lei n.º 11.343/06 absorve a do inciso V. Se, num único contexto fático, configura-se o tráfico internacional e interestadual, prepondera a causa de aumento do inciso I.
6. Para o reconhecimento da causa de aumento do inciso V do art. 40 da Lei Antidrogas, é indispensável que a narcotraficância entre os Estados da Federação esteja devidamente comprovada nos autos, não bastando, para este fim, a mera intenção do agente em ultrapassar as linhas divisórias estaduais.
7. A aplicação da causa de aumento prevista no artigo 40, inciso III, da Lei n.º 11.343/2006 exige que a prática da traficância seja cometida em relação aos passageiros do transporte público, sendo insuficiente que o entorpecente tenha sido transportado no interior do bagageiro de um ônibus.
8. As circunstâncias subjetivas do agente e objetivas do fato ilícito, tais como a natureza e a quantidade de droga, devem ser sopesadas pelo julgador na fixação do quantum de redução de pena aplicado ao agente por força da minorante descrita no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06.
6. A pena de multa, de acordo com a orientação perfilhada pela 4ª Seção da Corte, deve guardar simetria com a quantificação da sanção privativa de liberdade final (EIACR n.º 2002.71.13.003146-0/RS, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, DJE 05.06.2007). Na terceira fase da dosimetria, é possível a cominação de pena aquém do mínimo legal abstratamente previsto no preceito sancionador, inclusive, no que se refere à multa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para exasperar as penas privativas de liberdade e de multa impostas ao acusado, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de dezembro de 2009.
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra Luis Alberto Lescano Medina, pela prática do crime capitulado no artigo 33, caput, combinado com o artigo 40, incisos I, III e V, ambos da Lei n.º 11.343/06. A peça inicial narra os seguintes fatos ilícitos (fls. 02/04):
"No dia 10 de maio de 2009, por volta das 21h00min, em zona secundária, no Posto Fiscal Bom Jesus, localizado na cidade de Medianeira, PR, por conta de fiscalização de rotina, servidores públicos da Secretaria da Receita Federal do Brasil pararam o ônibus da empresa Pluma, que fazia a linha "Assunção, Paraguai - São Paulo, SP, Brasil" e, tendo vistoriado todas as malas que se encontravam no bagageiro do veículo, acabaram por encontrar duas sacolas de viagem que, juntas, albergavam 18 (dezoito) pacotes da substância entorpecente conhecida vulgarmente por "maconha".
Diante da situação, os servidores públicos da Secretaria da Receita Federal do Brasil ordenaram ao motorista do ônibus que chamasse o proprietário das sacolas, no que foram prontamente atendidos e, ato contínuo, o denunciado foi identificado como dono dos entorpecentes, tendo lhe sido dada ordem de prisão em flagrante. Nessa ocasião, foi solicitado apoio de servidores do Departamento de Polícia Federal para a condução do denunciado LUIS ALBERTO LESCANO MEDINA até a Delegacia de Polícia Federal.
Diante da situação, o próprio denunciado acabou confessando, durante o interrogatório executado na esfera policial, que o que trazia consigo naquela oportunidade era efetivamente "maconha", a qual levaria até a cidade de São Paulo, SP.
Há nos autos evidências de materialidade e fortes indícios de autoria da prática delituosa tipificada no artigo 33, "caput", c.c. com o artigo 40, incisos I, III e V, todos da Lei n° 11.343/2006.
A materialidade delitiva consubstancia-se nos teores do Auto de Apresentação e Apreensão (fl. 05), do Laudo Preliminar de Constatação (fls. 13/14), e do Laudo de Exame de Substância (maconha) (fls. 33/35).
No Auto de Apreensão reportou-se que foram encontrados em poder do denunciado 01 (uma) passagem da empresa Pluma com origem em Assunção, Paraguai, e destino a São Paulo, SP; 01 (um) ticket para malas de n° 927230 da empresa Pluma; 01 (um) cartão de entrada/saída emitido pelo Departamento de Polícia Federal em nome de LUIS ALBERTO LESCANO MEDINA; 23.175g (vinte e três mil e cento e setenta e cinco gramas) de substância vegetal com a aparência da substância entorpecente conhecida como "maconha", apresentada em diversos tabletes embalados com fita adesiva.
A autoria do crime de tráfico internacional de drogas afigura-se induvidosa, eis que a denunciado LUIS ALBERTO LESCANO MEDINA foi preso em flagrante delito na posse da quantidade de droga acima indicada, consoante se infere do teor do Auto de Prisão em Flagrante constante nas fls. 02/04.
Além da situação de flagrância delitiva em que fora encontrado, insta atentar que o denunciado assinou o Auto de Apresentação e Apreensão constante na fl. 05.
No interrogatório realizado na Delegacia de Polícia federal (fl. 04), o denunciado confessou que recebeu a droga ("maconha") em Assunção, no Paraguai, de um paraguaio conhecido por "Carlinhos", o qual lhe pagaria o valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) para transportar a substância entorpecente até a cidade de São Paulo, SP.
A transnacionalidade do delito encontra-se estabelecida diante da origem da droga apreendida nestes autos, haja vista que o denunciado LUIS ALBERTO LESCANO MEDINA, consoante ele próprio aduziu diante da Autoridade Policial, recebeu embalagens prontas de droga de um estrangeiro (paraguaio), no país vizinho Paraguai, na cidade de Assunção, Paraguai, após o que embarcou no ônibus da empresa Pluma, que faz a linha "Assunção. PY - São Paulo, SP, Brasil", trazendo consigo a substância entorpecente, com intuito de a levar até a cidade de São Paulo, SP. Tais fatos são corroborados, ainda, pela apreensão da passagem da empresa Pluma com origem em Assunção, Paraguai, e destino a São Paulo, SP (fl. 06), pelo "ticket" de malas nº 979737 da empresa Pluma e por um cartão de entrada/saída emitido pelo Departamento da Polícia Federal em nome de LUIS ALBERTO LESCANO MEDINA, todos documentos apreendidos que se encontravam na posse do denunciado na ocasião da realização da prisão em flagrante.
Ademais, no que concerne à natureza da droga apreendida, tem-se que o conhecimento do fato notório de que o Brasil não é produtor da substância entorpecente conhecida como "maconha", aliado ao conhecimento do fato de que vários países que estabelecem fronteira com o território nacional são produtores da referida droga, entre estes países incluído o Paraguai, consubstanciam fatores que reforçam a constatação da internacionalidade do delito ora denunciado.
Outrossim, afigura-se plenamente demonstrado que o delito de tráfico internacional de drogas que ora é imputado ao denunciado deu-se com a utilização de um transporte público e coletivo, uma vez que a prisão em flagrante daquele ocorreu em ônibus que saiu de Assunção, Paraguai, e seguia até a cidade de São Paulo, SP, na ocasião da execução de uma fiscalização de rotina feita pelos servidores da Secretaria da Receita Federal do Brasil em zona secundária, vale dizer, no Posto Fiscal Bom Jesus, localizado em Medianeira, PR.
É importante destacar que se afigura plenamente demonstrada também que o tráfico ocorreria entre Estados da Federação, pois o próprio denunciado em seu interrogatório policial, afirmou que, após receber a droga apreendida, na cidade de Assunção, Paraguai, seguiria até a cidade de São Paulo, SP. O bilhete de passagem confirma essa intenção do réu.
Pode-se afirmar, portanto, que o denunciado, de forma consciente e voluntária, adquiriu no Paraguai grande quantidade de droga, no total acima indicado, após o que embarcou em ônibus (transporte público), trazendo consigo tabletes de substância entorpecente, com destino a cidade de São Paulo, SP. Assim agindo, incorreu na conduta tipificada no artigo 33, "caput", c.c. com o artigo 40, incisos I, III e V, todos da Lei nº 11343/2006. A substância entorpecente apreendida, conforme se registros nos laudos periciais juntados aos autos, trata-se da droga conhecida como maconha, sustentando, pois, potencialidade para causar dependência física ou psíquica. Ressalva-se que todo o transporte da substância entorpecente apreendida efetuado pelo denunciado deu-se sem autorização legal ou regulamentar (nesse caso expedida pelo órgão de vigilância sanitária)."
A exordial foi recebida em 08/07/2009 (fls. 18/18v), sendo observado o rito processual introduzido pela Lei n.º 11.719/08.
Após regular instrução, sobreveio sentença (fls. 73/82v) que julgou procedente o pedido formulado na denúncia para condenar o acusado às penas de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e de 200 (duzentos) dias-multa, à razão unitária de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente na data do fato atualizado monetariamente.
A decisão foi publicada em 02/09/2009 (fl. 83) e o imputado dela foi intimado, pessoalmente, em 23/09/2009 (fls. 101/102).
Irresignado, apelou o Parquet (fls. 87). Em suas razões, postula a exasperação da penalidade fixada. Argumenta, em síntese, que, na segunda fase da dosimetria, deve incidir a agravante correspondente à promessa de recompensa financeira para a prática material do crime (artigo 62, inciso IV, do Código Penal). Ainda quanto a esta etapa, assevera que, tendo em conta a prisão em flagrante, desimporta a confissão prestada pelo acusado, de modo que deve ser afastado, ou ao menos reduzido, o quantum de diminuição decorrente da atenuante insculpida no artigo 65, inciso III, alínea 'd', do Estatuto Repressivo. No que pertine à terceira fase da fixação da reprimenda, sustenta que a majorante prevista no inciso III do artigo 40 da Lei n.º 11.343/2006 deve ser acrescida às causas de aumento reconhecidas pela sentença recorrida (incisos I e V do aludido normativo), o que deve conduzir a um aumento da pena provisória superior a 1/5. Por fim, afirma que deve ser reduzida a razão de diminuição da sanção decorrente da aplicação da minorante delineada no artigo 33, § 4º, da Lei Antidrogas.
Com contrarrazões (fls. 106/112), vieram os autos a este Tribunal.
A Procuradoria Regional da República, em seu parecer acostado às fls. 116/121, opinou pelo parcial provimento do apelo, para que a pena seja agravada em face da incidência da agravante contida no artigo 62, IV, do Código Penal e em razão da redução da minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006.
É o relatório.
À revisão.
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
VOTO
Embora não seja objeto da insurgência recursal, vale referir que a materialidade encontra esteio nos seguintes documentos (extraídos do Inquérito Policial em anexo): Auto de Prisão em Flagrante IPL 0851/2009-4 - DPF/FIG/PR (fls. 02/04); Auto de Apresentação e Apreensão (fl. 05/09); Laudo Preliminar de Constatação n.º 0607/2009 - NUTEC/DPF/FIG/PR (fls. 13/14), e Laudo de Exame de Material Vegetal n.º 0642/2009-NUTEC/DPF/FIG/PR (fls. 33/35).
No referido Laudo (fls. 33/35 do IP), os peritos assim atestaram:
"(...)As análises químicas realizadas na amostra de material vegetal encaminhada identificaram os componentes da espécie Cannabis sativa Linneu, popularmente conhecida como MACONHA, em face das suas características e da identificação do Tetrahidrocannabinol, seu principal componente químico e psicoativo, e de outros canabinóides presentes na sua composição."
Por sua vez, a autoria emerge dos depoimentos prestados pelo acusado em sede policial e em juízo, oportunidades em que confessou a prática do ilícito descrito na exordial (fls. 04 do Inquérito Policial e Compact Disc acostado à fl. 42). Tais elementos, aliados ao fato de o réu ter sido preso em flagrante, quando estava transportando aproximadamente 23 quilogramas de maconha, tornam certa a autoria.
Quanto à dosimetria, ponto ao qual se cinge a controvérsia recursal, observa-se que, considerando a quantidade de droga envolvida na operação (23 kg de maconha), o Magistrado a quo reputou corretamente como negativa a vetorial circunstâncias, fixando a pena-base em 05 (cinco) anos e 08 (oito) meses de reclusão. À míngua de insurgência das partes, e até porque se encontra corretamente sopesada, a reprimenda inicial deve ser mantida.
No que diz respeito à segunda etapa, o Juízo de origem entendeu como pertinente a aplicação, no caso, da atenuante contida no artigo 65, III, 'd', do Código Penal e, por outro lado, afastou a incidência da agravante contida no artigo 62, IV, do aludido normativo.
Não obstante as razões apresentadas pelo órgão ministerial, tendo em conta que o acusado admitiu expressamente a prática delitiva, tanto em sede policial quanto na fase processual, é devida a redução da pena em face da confissão. Sendo tal regra de caráter objetivo, sua incidência deve ser confirmada na dosimetria, ainda que haja nos autos outros elementos a respeito da autoria do ilícito. Nesse sentido, os seguintes precedentes do Colegiado:
"PENAL. HABEAS CORPUS. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. FLAGRANTES ILEGALIDADES NA DOSIMETRIA DA PENA. CABIMENTO DO WRIT. ANTECEDENTES CRIMINAIS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PROCESSO ARQUIVADO. IMPOSSIBILIDADE DE VALORAÇÃO NEGATIVA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CARÁTER OBJETIVO. APLICABILIDADE. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO. SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO. CABIMENTO.
1. Sendo objetivo da impetração atacar questões de flagrantes ilegalidades cometidas na dosimetria da pena, cabível é a discussão na via do habeas corpus, mesmo frente à coisa julgada.
2. A existência de uma ação penal anterior - que tramitou aproximadamente 10 anos antes da data dos fatos apurados na ação penal - não é suficiente para considerar como negativos os antecedentes, ainda mais porque reconhecida a prescrição e extinta a punibilidade do réu em relação ao delito anterior.
3. A confissão, prevista no art. 65, III, alínea "d", do CP, tem caráter objetivo e atenua a pena, mesmo quando presentes outros elementos de prova da autoria e materialidade do delito. Precedente do TRF da 4ª Região.
4. Inexistentes indicativos de que seria socialmente recomendável o cumprimento da reprimenda em regime mais gravoso do que o aberto, mormente por se tratar de réu primário e a penalidade ser reduzida ao mínimo legal.
5. Cabível a fixação das penas substitutivas, pois afastado o óbice da quantidade de pena, único utilizado na sentença guerreada."
(TRF4, "HABEAS CORPUS" Nº 2008.04.00.021370-5, 7ª Turma, Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, POR UNANIMIDADE, D.E. 07/08/2008 - grifei).
"PENAL. ART. 334 DO CP. DESCAMINHO. SENTENÇA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. DIFICULDADES FINANCEIRAS. PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ATENUANTE. CONFISSÃO. SUBSTITUIÇÃO. RESTRITIVA DE DIREITOS.
1. Inexiste qualquer violação a dispositivo constitucional e/ou mesmo legal, quando a sentença que acolhe a pretensão punitiva do Estado analisa todas as razões de fato e de direito relativos à autoria, materialidade, antijuridicidade e culpabilidade do ilícito cometido, bem como fundamenta as etapas da dosimetria da pena conforme determina o art. 68 do Código Penal.
2. A materialidade e autoria restaram devidamente demonstradas, uma vez que o réu internalizou em solo pátrio cigarros de procedência estrangeira sem a devida documentação fiscal.
3. O elemento subjetivo do crime insculpido no artigo 334 do Estatuto Repressivo esgota-se no dolo genérico, bastando a vontade livre e consciente de importar produtos estrangeiros sem o pagamento dos impostos.
4. Eventuais dificuldades financeiras não podem justificar práticas criminosas, sob pena de violação aos princípios que regulam a vida em sociedade, principalmente o respeito às leis.
5. A existência de condenação transitada em julgado, autoriza a fixação da pena-base acima do mínimo legal, em face dos antecedentes e não na conduta social, pois esta deve ser ponderada tendo em conta o comportamento do agente no âmbito comunitário em que vive.
6. Sendo de caráter objetivo, a atenuante da confissão espontânea deve ser considerada mesmo que haja nos autos outros elementos a respeito da autoria delitiva. Precedentes.
7. Resultando a reprimenda em 01 ano de reclusão (mínimo legal) cabível a substituição por apenas uma restritiva de direitos (art. 44, § 2º, CP)."
(TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1998.70.05.014050-9, 8ª Turma, Des. Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, POR UNANIMIDADE, D.E. 26/06/2008 - grifei).
Em seu recurso, ainda quanto à etapa em estudo, o Parquet pleiteia a aplicação da agravante delineada no artigo 62, IV, do Estatuto Repressivo.
Embora em diversas oportunidades já tenha me manifestado no sentido de que a referida causa legal de aumento não incide em hipóteses como a dos autos, uma vez que a promessa de recompensa seria inerente ao delito, tenho por bem rever tal posicionamento.
Isto porque se trata "de uma hipótese de torpeza específica, ou seja, o agente que comete o crime ou dele toma parte pensando em receber algum tipo de recompensa" (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 328). Não há, portanto, como dizer que não incide o aumento para aquele que transporta a droga mediante pagamento, já que é prescindível para a ocorrência do crime do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 que haja paga ou promessa de recompensa. Entender que o tipo em questão engloba o transporte mediante paga é interpretar de maneira extensiva um texto que pretendeu ser claro e taxativo ao elencar as hipóteses puníveis.
Ademais, "o tipo (artigo 33 da Lei de Tóxicos) abarca situações que, nem sempre, pressupõem uma relação negocial, tais como trazer consigo ou guardar entorpecentes, de modo que não se pode considerar inerente à figura penal em questão, a paga ou promessa de recompensa" (TRF 3ª Região, ACr 2002.61.19.001699-0, DJU 10/08/2004, p. 195, Juiz Ferreira Rocha).
No mesmo sentido, confiram-se as percucientes considerações do eminente Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, na ACr 2007.70.05.003026-4, D.E. 04/06/2008 - in verbis:
"... No entanto, como já tive a oportunidade de afirmar, em sede doutrinária: 'o fato de ser corriqueiro o pagamento em certas modalidades criminosas não afasta a incidência da agravante do crime mercenário, objeto do inciso IV do art. 62 do CP, pois o fato de ser comum não afasta a possibilidade de que o crime venha a ser cometido sem pagamento ou promessa deste.' (BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 3ª. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 282). Aplicada tal linha de raciocínio, não se poderiam aplicar ao roubo a banco as causas de aumento do emprego de arma e do concurso de agentes, pois virtualmente todo fato dessa natureza se dá com o emprego de tais meios.
Esse é precisamente o caso do tráfico ilícito de entorpecentes, que pode ser praticado independemente de pagamento, ânimo de lucro ou atos de mercancia efetiva, razão pela qual o pagamento não pode ser considerado inerente ao crime.
Com efeito, é tranquilo o entendimento no sentido de que o delito em exame 'não supõe, necessariamente, a prática de atos onerosos ou de comercialização' (STF, HC 69.806/GO). Na mesma linha, de acordo com o STJ: 'É irrelevante a efetiva mercancia da substância ou, sequer, a presença do animus de revenda da droga para a caracterização do crime de tráfico.' (STJ, REsp. 220011/TO, Dipp, 5ª T., u., DJ 17.6.02). No mesmo sentido: STJ, REsp. 282.728/GO, Fischer, 5ª T., u., DJ 16.12.02; TRF1, AC 200334000179309/DF, Olindo Menezes, 3ª T., u., 9.5.06. ..." (grifei).
O referido acórdão foi assim ementado - in verbis:
PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA. PENA. DELAÇÃO PREMIADA. INAPLICABILIDADE.
1. Materialidade, autoria e dolo demonstrados pela prisão em flagrante, laudo de exame em substância e demais provas trazidas aos autos. 2. A quantidade da droga foi erigida à condição de circunstância judicial autônoma e preponderante pelo art. 42 da Lei 11343/06, de modo que é cabível o aumento de pena no caso da apreensão de 118 kg de maconha. 3. O fato de ser comum o pagamento ao transportador da droga não afasta a possibilidade de reconhecimento da agravante do crime mercenário (CP, art. 62, IV), pois a paga não é inerente ao tipo, uma vez que a conduta pode ser praticada gratuitamente. 4. Ao contrário do que afirmado pelo apelante, a sentença corretamente aplicou a atenuante da confissão espontânea, inscrita no art. 65, inc. III, 'd', do CP, e a causa de diminuição insculpida no art. 33, §4º, da Lei de Tóxicos. 5. Não incide a minorante consubstanciada no benefício da colaboração premiada, pois as informações prestadas pelo acusado foram superficiais, não fornecendo à investigação subsídios que levassem à incriminação de outros agentes. 6. A terceira fase de aplicação da pena não comporta compensação. Assim, ainda que reconhecidas uma causa de aumento de um sexto e uma causa de diminuição de um sexto, não se pode compensar uma com outra, tornando definitiva a pena provisória, pois o resultado será diferente daquele alcançado pela aplicação sucessiva de ambas.
Ainda, cito o seguinte precedente:
"PENAL. ENTORPECENTES. LEI N. 6.368, DE 1976. TRÁFICO INTERNACIONAL. CRIME COMETIDO MEDIANTE PROMESSA DE RECOMPENSA.
I - Se a cocaína é trazida pelo agente da Bolívia para a cidade de Campo Grande, Estado do Mato Grosso, Brasil, configurado está o tráfico internacional de drogas.
II - Praticando o agente o crime de tráfico de drogas - trazer a cocaína da Bolívia para o Brasil - mediante promessa de ser recompensado, aplicável é a agravante prevista no art. 62, inciso IV, do Código Penal.
(TRF 1ª Região - ACR 199701000004575/MT, 3ª Turma, DJ 03/10/1997, p. 81588, Relator Juiz Tourinho Neto).
Sendo assim, feita esta digressão, tenho como devido assentar a aplicabilidade da agravante prevista no artigo 62, inciso IV, do Código Penal à hipótese em exame, uma vez que o acusado declinou em seu interrogatório que receberia R$ 1.500,00 para levar a maconha até a capital paulista.
Neste contexto, diante do concurso de agravantes e de atenuantes regulado no artigo 67 do Estatuto Repressivo, a confissão deve ser considerada como uma circunstância predominante quando comparada à promessa de pagamento, por dizer respeito à personalidade do agente, que o levou a assumir a responsabilidade por seus erros e suas consequências.
Sendo assim, a pena-base deve ser reduzida em uma menor escala do que seria acaso não houvesse a agravante pertinente ao caso em comento, de modo que a reprimenda provisória deve ser fixada em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Ingressando-se no exame da terceira fase, verifica-se que foram aplicadas as causas de aumento previstas nos incisos I (transnacionalidade) e V (interestadualidade) do artigo 40 da Lei n.º 11.343/06.
Quanto à incidência da causa de aumento decorrente da internacionalidade, não há qualquer reparo a ser feito na sentença recorrida, pois o próprio acusado declarou em seu interrogatório que trazia a droga do Paraguai com destino à cidade de São Paulo/SP.
Não obstante, tenho que a majorante pertinente à interestadualidade não deve ser aplicada ao caso em comento. Isso porque, quando presente, a hipótese do inciso I absorve aquela do inciso V. Se, num único contexto fático, configura-se o tráfico internacional e interestadual, prepondera a causa de aumento do inciso I, conforme ficou assentado no seguinte precedente da 8ª Turma:
"PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ART. 33 DA LEI N.º 11.343/2006. AUTORIA. MATERIALIDADE. DOLO. COMPROVADOS. DOSIMETRIA. QUANTIDADE DE DROGA. VETORIAL NEGATIVA. ATENUANTE DA MENORIDADE. TRANSNACIONALIDADE. TRÁFICO INTERESTADUAL. MAJORANTE DO ART. 40, INCISO V, DA LEI N.º 11.343/06. INAPLICABILIDADE. MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI N.º 11.434/06. INCIDÊNCIA. REDUÇÃO DA RAZÃO DE DIMINUIÇÃO.
1. - 9. Omissis.
10. A majorante do inciso I do art. 40 da Lei n.º 11.343/06 absorve a do inciso V. Se, num único contexto fático, configura-se o tráfico internacional e interestadual, prepondera a causa de aumento do inciso I.
11. Para o reconhecimento da causa de aumento do inciso V do art. 40 da Lei Antidrogas, é indispensável que a narcotraficância entre os Estados da Federação esteja devidamente comprovada nos autos, não bastando, para este fim, a mera intenção do agente em ultrapassar as linhas divisórias estaduais. 12. Indispensável, para a incidência da regra do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, que o agente satisfaça, simultaneamente, aos requisitos legais. Se não há nos autos prova cabal de que o réu se dedica a atividades ilícitas deve ser aplicada a minorante, porquanto a dúvida resolve-se em favor do réu. As circunstâncias objetivas do fato ilícito, tais como a natureza e a quantidade de droga, devem ser sopesadas pelo julgador na fixação do quantum de redução de pena aplicado ao agente por força da causa de diminuição em comento.
(TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2008.70.04.001890-9, 8ª Turma, Juíza Federal CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, POR UNANIMIDADE, D.E. 28/08/2009 - grifei).
Além disso, para o reconhecimento da causa de aumento do inciso V do art. 40 da Lei Antidrogas, é indispensável que a narcotraficância entre os Estados da Federação esteja devidamente comprovada nos autos, não bastando, para este fim, a mera intenção do agente em ultrapassar as linhas divisórias estaduais. Considerando-se que, in casu, todos elementos dão conta de que a droga apreendida seria comercializada apenas no Estado de São Paulo, o simples fato de o acusado ter passado por outras unidades da federação não justifica, per si, a aplicação da causa de aumento em estudo.
No ponto, calha salientar que, não obstante a ausência de recurso defensivo, nada impede que esta Corte examine a correção do édito condenatório em favor do imputado. Com efeito, a incidência do princípio tantum devolutum quantum appellatum, no processo penal, apresenta dimensão mais ampla do que no processo civil, podendo o juiz examinar a sentença em todos os seus aspectos, inclusive na parte não hostilizada, desde que seja para beneficiar o réu, em atenção ao princípio do favor rei.
Ainda nesta fase, pretende o Parquet Federal a incidência da causa de aumento prevista no inciso III do artigo 40 da Lei nº 11.343/06. A redação do dispositivo em questão é a seguinte:
"Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
(...)
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; (...)"
Não obstante, tenho por incabível o aumento da reprimenda pelo simples fato de o imputado ter utilizado de transporte público para o transporte da droga. Compulsando os autos, percebe-se que o denunciado manteve a substância no bagageiro do ônibus, inexistindo nos autos qualquer indício de que pretendia praticar atos de traficância em relação aos demais passageiros do coletivo. Sobre o tema, destaco o seguinte trecho do voto condutor da ACr 2007.70.04.000397-5/PR, de lavra da Juíza Federal convocada Vera Lúcia Feil Ponciano, julgado pela 7ª Turma deste Tribunal em 22/01/2008, no qual a majorante em questão foi profundamente examinada:
"(...) A respeito, Renato Marcão leciona (Tóxicos - Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, Nova Lei de Drogas, Anotada e interpretada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 331/332):
"Nexo entre o local e a prática do crime
É necessário que com a prática ilícita o agente vise qualquer dos locais listados no inciso III do art. 40, cuja incidência reclama um agir dolosamente (ainda que eventual); requer a finalidade alcançar as pessoas que frequentam qualquer daqueles locais determinados.
A simples proximidade física ou geográfica, sem relação com a prática do crime, não autoriza a aplicação da causa de aumento, até porque algumas vezes poderá ocorrer que o agente nem mesmo saiba estar nas imediações de um daqueles locais referidos no inciso III, e diante de tal quadro reconhecer a causa de aumento implicaria responsabilidade penal objetiva.
A reforçar nossa conclusão basta verificar a extensão do rol trazido no dispositivo em comento para logo ver que, não sendo esse o entendimento, muito dificilmente, quase nunca, haverá crime tipificado nos arts. 33 a 37 da Lei n. 11.343/2006 sem causa de aumento de pena, o que evidentemente não é o desejo do legislador.
'A causa de aumento da pena somente tem lugar quando agente nos locais ali especificados se encontrar com o intuito de conseguir clientela ou ampliar seu torpe comércio de tóxicos, difundindo o vício entre doentes, estudantes ou presidiários.'
(TJSP, Ap. 5.803-3, 2ª Câm., j. 16-3-1981, rel. Des. Rezende Junqueira, v.u., RT 558/310).
No mesmo sentido: STJ, REsp 78.783-SP, 6ª T., j. 28-2-1996, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJ de 16-9-1996, JSTJ 93/344; TJRS, ApCrim. 700.0008.9243, 1ª Câm., j. 10-11-1999, rel. Des. Ranolfo Vieira, Revista AJURIS, n. 77, mar. 2000, v. III (Nova Série), p. 828".
(grifei)
Nestes termos, o simples fato de o acusado ter se utilizado de ônibus coletivo para o transporte, como se verifica nos autos, não configura a causa de aumento em questão (artigo 40, III). Entendimento contrário, traduzir-se-ia em responsabilização objetiva, o que é vedado pelo ordenamento penal vigente. Trago à colação, ademais, o seguinte precedente da Turma:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ARTIGO 33, COMBINADO COM O ARTIGO 40, INCISO I, AMBOS DA LEI 11.343/2006. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA. CAUSAS DE AUMENTO DO ARTIGO 40, INCISOS III E V, DA LEI Nº 11.343/06. INAPLICABLIDADE. REGIME INICIALMENTE FECHADO.
Configuradas a materialidade e a autoria na prática do crime de tráfico, nos moldes do artigo 33 da Lei 11.343/2006, quando demonstrado pelos elementos probatórios que o acusado transportou grande quantidade de maconha provinda do Paraguai.
A incidência da majorante do artigo 40, inciso V, da Lei nº 11.343/06 pressupõe a efetiva ocorrência de tráfico entre mais de um Estado da Federação, sendo insuficiente a mera intenção do agente.
A caracterização da causa de aumento de pena regulada no inciso artigo 40, inciso III, da Lei nº 11.343/06, exige que a prática da traficância seja cometida em relação aos passageiros do transporte público, sendo insuficiente que o a substância entorpecente tenha sido transportada no interior do bagageiro de um ônibus.
Conforme o disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (com a redação da Lei nº 11.464, de 28/03/2007), o regime de cumprimento da pena, nos crimes de tráfico de entorpecente, deve ser inicialmente o fechado. Sendo a lei dos crimes hediondos especial em relação ao Código Penal, a aplicação daquela prepondera em relação a esse.
(TRF4, APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2008.70.10.000952-0, 8ª Turma, Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, POR UNANIMIDADE, D.E. 24/09/2009 - grifei).
Dessa forma, percebe-se que, dentre as hipóteses previstas nos incisos do artigo 40 da Lei Antidrogas, apenas aquela prevista em seu inciso I restou devidamente configurada no feito. De tal sorte, o aumento pertinente à majorante em questão deve ser reduzido ao seu patamar mínimo, de 1/6.
Ainda no que pertine à presente etapa, insurge-se o Ministério Público Federal contra o quantum de redução de pena aplicado em face da regra contida no artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, que, na hipótese, foi de 2/3.
O legislador infraconstitucional, ao estabelecer na novel legislação antidrogas a minorante em tela, procurou diferenciar as circunstâncias pessoais de cada agente que venha a praticar qualquer uma das condutas incriminadas no caput e no § 1º do art. 33, de forma a cominar apenamento menos severo para o sujeito que não está, rotineiramente, em conflito com a norma penal.
No caso sub judice, Luis Alberto, efetivamente, não registra antecedentes criminais e não há nos autos notícia de que integre organização criminosa voltada para o tráfico ilícito de entorpecentes. A instrução criminal também dá conta de que o réu agiu na função de "mula", tendo sido contratado, mediante paga de pecúnia previamente ajustada, para transportar a droga apreendida.
Assim, não havendo dúvidas sobre a incidência da causa especial de diminuição de pena, faz-se necessário, agora, estabelecer o quantum de redução que poderá ser aplicado ao imputado.
Leonardo Schmitt de Bem, ao discorrer sobre a aplicação do § 4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06, apresenta uma proposta bastante proficiente objetivando alcançar a fixação da fração de redução de pena compatível com as diretrizes gravosas estatuídas na nova lei em relação ao tráfico de drogas (In: A Causa Especial de Diminuição de pena da Nova Lei de Drogas. RDPP n.º 44 - Jun-Jul/2007 - Doutrina, pp. 39-47).
"(...) Quais critérios devem ser utilizados pelo sentenciante para a redução da pena? Em outras palavras, quando será possível ao juiz ou Tribunal fixar a fração no máximo permitido e em decorrência de quais motivos estará ele vinculado à incidência da fração no mínimo legal?
A lei silencia. Porém, sabe-se que o juiz deverá considerar como preponderantes a natureza e a quantidade da droga para a fixação da pena-base (art. 42). (...)
Exemplificativamente poder-se-ia propor os seguintes critérios: a) a quantidade e a natureza das drogas apreendidas (...) (art. 42); b) ser o crime praticado na morada familiar, sendo a residência pontos de encontros entre usuários ou traficantes; c) ser o crime praticado em comarca de pequeno porte; d) ser a droga apreendida vetor de proliferação de doenças infecto-contagiosas; e) o tempo despendido por parte dos agentes públicos nas diligências anteriores à prisão do acusado, alterando a rotina de segurança local e prejudicando o combate a outras formas de criminalidade; f) ter o agente dificultado as operações policiais, como, por exemplo, em sua prisão ou numa busca e apreensão; etc.
Essas circunstâncias, uma vez presentes, tornariam a fração de redução de pena em menor escala aplicável, mas essa variação não deve seguir critérios fixos, como ocorre com os crimes continuados, amplamente sustentada nos Tribunais nacionais (v.g., dois crimes aumenta-se em 1/6 ou três crimes aumenta-se em 1/5, etc.), porque essa sequência apresenta-se somente de fácil memorização, mas matematicamente não é sustentável.
E como fixar? Estará dependente de fundamentação do juiz ou do tribunal, conforme os parâmetros de ordem factual, como, exemplificativamente, os mencionados. Ressalto, inclusive, a aplicação dessas condições em julgamento de recurso perante este tribunal [TJ-SC] (Apelação Criminal n.º 07.008122-1, de Brusque, Rel. Des. Torres Marques, J. 10.04.2007)."
Na esteira deste entendimento, colaciono magistério de Abel Fernandes Gomes:
"O quantum da redução da aplicação da causa de diminuição anunciada pelo § 4º, deverá variar em razão das circunstâncias objetivas e subjetivas, do fato e do agente, respectivamente, e que influenciaram na prática do crime. Não há nenhum problema em que o juiz possa levar em consideração, tanto na fixação da pena-base quanto na aplicação da maior ou menor fração da redução. Afinal, a utilização das circunstâncias estaria atuando como causas diferentes, o que não repercute no bis in idem. Tome-se como exemplo a motivação torpe de um delito. Se essa circunstância é usada para a fixação mais gravosa da pena-base (art. 59 do CP), não poderá ser usada de novo para dar vazão a uma causa da mesma natureza, qual seja o aumento da pena como agravante do art. 61, II, a, do CP. Entretanto, quando vem a ser levada em conta como causa de diminuição, não haverá nenhum bis in idem quando se utiliza a circunstância para atribuir uma menor fração de redução. Do contrário, a própria utilização da reincidência como agravante, nos crimes do art. 33, caput e seu § 1º, e, depois, a ausência de primariedade para fins de negar a aplicação ao § 4º já representaria um bis in idem e fulminaria, in natura, a existência do próprio § 4º.
Mas a incoerência acima ainda seria perceptível no efeito mais benéfico da causa de diminuição em tela. Veja-se, por exemplo, a hipótese de ausência de antecedentes criminais que viesse a influenciar na fixação da pena-base no patamar mínimo. Se não se distinguir essa causa pela qual a circunstância influi na aplicação da pena (fixação da pena-base), daquela pela qual é levada em conta na sua diminuição (fixação da fração de diminuição), ela também não poderia ser utilizada para fins do § 4º do art. 33, posto que já teria sido adotada para fazer com que o juiz aplicasse a pena-base no patamar mínimo. Assim, acolhendo raciocínio contrário, o que temos é que a ausência de antecedentes fará com que a pena-base parte do limite mínimo cominado ao crime, e ainda levará o juiz a aplicar a causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da NLA, sem que isso represente uma dupla diminuição contra o pleito da acusação e a expectativa social, dado que uma circunstância é capaz de gerar duas causas diferentes de individualização da pena . O que se veda é a utilização da mesma circunstância, mais de uma vez, como única causa de individualização da pena, tanto para mais quanto para menos."
(Nova Lei Antidrogas: Teoria, Críticas e Comentários à Lei 11.343/06. 1. ed. Niterói: Impetus, 2006. pp. 32-3).
Com efeito, na redação original da Lei n.º 11.343/06 (Projeto de Lei do Senado n.º 115, de 2002), a incidência da minorante em apreço, limitada entre o mínimo de um sexto e o máximo de um terço, estava sujeita ao preenchimento, simultâneo, dos seguintes requisitos: "a) exiba o agente primariedade, bons antecedentes, conduta social adequada e personalidade não inclinada à delinquência; b) reduzido potencial ofensivo da conduta, expresso na ausência de habitualidade, caráter não profissional, pequena quantidade e baixa nocividade da substância ou produto; c) inocorrência de qualquer das hipóteses a que se referem os arts. 24 e 26 (correspondentes ao art. 40 da redação final); d) seja o agente dependente" (art. 14, § 4º).
Na hipótese em comento, à vista da quantidade de droga apreendida (vinte e três quilos de maconha), entendo que o denunciado não deve ser beneficiado com a redução de pena no patamar de 2/3 (dois terços), como consignado pelo ilustre Magistrado de primeiro grau.
Outrossim, não se pode olvidar que, muito embora Luis Alberto não fosse o legítimo proprietário do tóxico e não estivesse, ao que parece, vinculado ao tráfico de grandes proporções, a sua participação, ainda que eventual, teve relevante papel para o sucesso da empreitada ilícita, já que foi ele o responsável pela internação da substância entorpecente no solo brasileiro. Além disso, conferir ao transportador de droga status privilegiado é criar um artifício de estimulo à terceirização desta etapa do iter criminis, de forma a incentivar ainda mais, em razão da impunidade, a prática criminosa.
Não é demais dizer que o parâmetro de redução adotado no decisum implicaria verdadeira afronta ao princípio da proporcionalidade, pois poderíamos nos defrontar, v.g., com o cúmulo de prever punições idênticas para o agente que introduz no solo pátrio cigarros descaminhados/contrabandeados (e não detém, nas diversas etapas da dosimetria da pena, um quadro totalmente favorável) e aquele agente que importa substância estupefaciente de uso proscrito no país.
Ora, não foi por acaso que o legislador infraconstitucional, atento à extensão do dano causado ao bem jurídico tutelado (no caso, a saúde), inseriu o tráfico ilícito de drogas no elenco de crimes equiparados a hediondos. Assim, a fixação de reprimenda insuficiente para a reprovação e prevenção ao condenado pelo crime de tráfico, a meu sentir, significa negar à lei a sua finalidade precípua, que é justamente impor tratamento mais rigoroso aos delitos que especifica.
A condenação do réu deve ser na medida certa de sua culpabilidade e imposta de forma necessária e suficiente à reprovação da infração penal perpetrada, servindo como exemplo negativo para a comunidade e, dessa forma, contribuindo com o fortalecimento da consciência jurídica à medida que procura satisfazer o sentimento de justiça do mundo circundante. Eis o mais relevante papel da atividade jurisdicional, dar ao caso concreto o justo julgamento. A jurisprudência não pode e nem deve apresentar papel meramente inerte e amorfo de aplicação automática de lei, de operação mecânica de submissão do fato à norma. Realmente, "o juiz criminal, ao individualizar as penas na sentença, deve fazê-lo (...) imbuído, sempre, desse sentido de humanidade. Sem ele as pena s voltarão a ser o 'mal' contra o crime, como propunham os clássicos, desprovidas de finalidades construtivas ou integradoras." (In: BOSCHI, José Antônio Paganella. Das penas e seus Critérios de Aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 39).
Assim, entendo que a redução de pena, por força da incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, deve se dar na fração de 3/5 (três quintos). Nesse sentido, observa-se que, embora a quantidade da substância recomende uma redução inferior ao máximo, a espécie de droga apreendida não apresenta gravidade significativa se comparada com aquela decorrente de outros tóxicos, como heroína, crack e cocaína, cujo prejuízo à sociedade é consideravelmente mais elevado do que aquele que seria causado pela maconha.
Portanto, a pena de 05 anos e 06 meses, com a sobredita redução, torna-se definitiva em 02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão.
A multa, em simetria com a pena privativa de liberdade cominada, resta arbitrada em 256 (duzentos e cinquenta e seis) dias-multa, mantida a razão unitária em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, patamar que se encontra adequado à condição econômica do réu.
Para o cumprimento da reprimenda, será observado o regime inicial fechado (CP, art. 33, § 2º, alínea a), nos moldes da previsão contida no art. 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90, com a redação dada pela Lei n.º 11.464/07.
Segundo a explicita o caput do art. 44 da Lei n.º 11.343/06, descabida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ao condenado pelo crime de tráfico de entorpecentes.
Ante o exposto, nos termos da fundamentação, voto por dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para exasperar as penas privativas de liberdade e de multa impostas ao acusado.
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 16/12/2009
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2009.70.02.003188-3/PR
ORIGEM: PR 200970020031883
RELATOR: Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Paulo Afonso Brum Vaz
PROCURADOR: Dr. Manoel do Socorro Tavares Pastana
REVISOR: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO: LUIS ALBERTO LESCANO MEDINA reu preso
ADV. (DT): Eliane Davilla Savio
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 16/12/2009, na seqüência 2, disponibilizada no DE de 10/12/2009, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a DEFENSORIA PÚBLICA. Certifico, também, que os autos foram encaminhados ao revisor em 05/11/2009.
Certifico que o(a) 8ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA EXASPERAR AS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE E DE MULTA IMPOSTAS AO ACUSADO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
RELATOR ACÓRDÃO: Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
VOTANTE(S): Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI
: Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
AUSENTE(S): Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Lisélia Perrot Czarnobay
Diretora de Secretaria
D.E. Publicado em 14/01/2010
JURID - Penal. Tráfico internacional de entorpecentes. [04/02/10] - Jurisprudência
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