Motorista é condenado a cumprir pena de 6 anos.
Circunscrição: 1 - BRASÍLIA
Processo: 2006.01.1.084443-8
Vara: 11 - TRIBUNAL DO JÚRI
S E N T E N Ç A
O Ministério Público ofertou denúncia em desfavor de LEONARDO LUIZ DA COSTA, imputando-lhe a prática do crime descrito no artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, narrando a peça acusatória o seguinte:
"No dia 19 de agosto de 2006, por volta das 21 horas, no Eixo Rodoviário sul, altura da SQS 114, nesta Capital, LEONARDO LUIZ DA COSTA, de forma livre e consciente, assumindo o risco de causar o evento morte, conduzindo o veículo Fiat/Marea, placa JFL 7804/DF, invadiu a "faixa presidencial" e atropelou PEDRO DAVISON causando neste as lesões descritas no laudo de Exame de Corpo de Delito (Cadavérico) nr. 30.493/06 as quais foram a causa da morte deste."
O réu foi citado (fl. 213) e interrogado (fl. 214).
A defesa apresentou as alegações preliminares - fls. 218/219.
Na primeira audiência de instrução foram ouvidas as seguintes testemunhas: PÉRSIO MARCO ANTONIO DAVISON, fls. 264/265; ARTHUR CAVALCANTI CORDEIRO, fls. 266; MARCELO TOMÁS DE OLIVEIRA, FLS. 267; TIAGO VERÍSSIMO DO NASCIMENTO SILVA, fls. 268; DIEGO BENAZIO PASCOAL RIBEIRO, fls. 269; ZENILTON BOMFIM DOS SANTOS, fl. 270 e CARLOS DANIEL MARTINS SCHNEIDER , fl. 271. na continuação da instrução foram ouvidas as testemunhas: AILTON PAULINO DA CRUZ, fl. 277; ELISVALDO JOSÉ ALTINO, fl. 278 e JAMILE VASCONCELOS MIDAUAR, FL. 292.
O Ministério Público apresentou as alegações finais, oportunidade em que pugnou pela pronúncia do réu nos termos da Denúncia. (fls. 294/302).
Por sua vez, a defesa, na mesma fase processual, requereu a desclassificação do crime de homicídio doloso para o crime de homicídio culposo, previsto no art. 302 da Lei 9503, de 1997 e subsidiariamente, em caso de pronúncia do acusado, requereu que o mesmo fosse pronunciado pelo crime de homicídio simples, previsto no artigo 121, caput, do CP.
Foi proferida decisão de pronúncia, dando o réu como incurso nas penas do art. 121, § 2º, IV, do Código Penal, ocasião em que se concedeu o direito de o réu aguardar o julgamento em liberdade (fls. 327/337).
A defesa interpôs recurso em sentido estrito (fls. 348/409). As contrarrazões foram apresentadas pelo Ministério Público às fls. 421/426.
Os autos foram encaminhados ao E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, onde o recurso teve provimento parcial, tão somente para excluir a qualificadora (fls. 447/464), conforme ementa:
"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO. TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. QUALIFICADORA. 1. Mantém-se a sentença de pronúncia, nos termos do artigo 408 do CPP, se pelas circunstâncias do fato não se pode excluir, de forma categórica, a ocorrência de dolo eventual na conduta que resultou na morte da vítima, atingida na faixa "neutra", quando trafegava em uma bicicleta, estando o ofensor possivelmente realizando ultrapassagem indevida, em velocidade excessiva. 2. A qualificadora do recurso que tornou impossível a defesa da vítima não se coaduna com o dolo indireto, visto que o resultado "morte" não era pretendido pelo agente, tendo ocorrido apenas em decorrência de uma postura indiferente não obstante a sua previsibilidade. 3. Recurso parcialmente provido. "
Irresignada com a decisão, a Defesa do réu apresentou embargos de declaração (fls. 468/474), os quais foram conhecidos, mas rejeitados (fls. 478/489), conforme ementa:
"EMBARGOS DECLARATÓRIOS. JÚRI. ACÓRDÃO QUE MANTEVE PARCIALMENTE A PRONÚNCIA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO DOS EMBARGOS. 1. No exame da sentença de pronúncia, não cabia ao Tribunal pronunciar-se de forma categórica, com exame aprofundado da prova, sobre o mérito da ação penal, como pretende o embargante nos questionamentos feitos em sede de Embargos Declaratórios, mas, tão-somente, examinar a presença dos requisitos do artigo 408 do CPP. 2. Embargos de Declaração conhecidos, mas rejeitados".
Opostos Embargos Infringentes pela Assistência da Acusação (fls. 495/516), os mesmos não foram admitidos, por serem incabíveis (fl. 525), por tratar-se de recurso restrito, cabível em benefício exclusivo do réu.
A defesa interpôs Recurso Especial (fls. 528/560), que teve seu processamento indeferido pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (fls. 633/635).
Designada a data de 20 de agosto de 2009 para realização do julgamento pelo Tribunal do Júri (fl.663), a pedido da defesa (fls. 674/675), foi a data de julgamento redesignada para o dia 11 de fevereiro de 2010 (fl. 698).
Impetrada ordem de Habeas Corpus pela defesa (fls. 760/764), vindo a comunicação de que a ordem foi admitida e denegada (fl. 291).
As testemunhas da Assistência de Acusação são as mesmas do Ministério Público (fl. 769).
Decisão do Juiz Presidente deste Tribunal do Júri autorizando o trabalho dos meios de comunicação desde que não sejam exibidas imagens dos jurados ou do réu.
Os trabalhos em plenário transcorreram justos e perfeitos, conforme ata de julgamento juntada aos autos. O douto representante do Ministério Público e a Assistência de Acusação, sustentaram o pedido de condenação, enquanto a nobre Defesa propugnou pela desclassificação do crime de homicídio doloso, na modalidade eventual, para a forma culposa.
Por outro lado, formulado o questionário e desenvolvidos os quesitos na forma dos artigos 482 e seguintes do Código de Processo Penal, foram assim redigidos e respondidos:
1ª SÉRIE
MATERIALIDADE
1º quesito: No dia 19 de AGOSTO de 2006, por volta das 21h, nas proximidades do Eixo Rodoviário Sul, Brasília-DF, a vítima PEDRO DAVISON teve colidida a parte posterior da bicicleta que era por ele conduzida, no eixo rodoviário sul, na altura da SQS 114, pelo veículo Fiat/Marea, placa JFL 7804, sofrendo, em razão do impacto, as lesões descritas no laudo de exame cadavérico de fls. 42/47?
SIM (______)____________ NÃO (______)____________
AUTORIA
2º quesito: O acusado LEONARDO LUIZ DA COSTA concorreu para o crime, ao invadir a "faixa presidencial", ao conduzir o veículo Fat/Marea acima mencionado, vindo a atingir a vítima que por ali trafegava em sua bicicleta?
SIM (______)____________ NÃO (______)____________
DESCLASSIFICAÇÃO
4º quesito: O réu LEONARDO LUIZ DA COSTA, assim agindo, assumiu o resultado morte?
SIM (______)____________ NÃO (______)____________
ABSOLVIÇÃO
5º quesito: O jurado absolve o acusado LEONARDO LUIZ DA COSTA?
SIM (______)____________ NÃO (______)____________
Do exposto, JULGO PROCEDENTE A PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO e condeno LEONARDO LUIZ DA COSTA, como incurso na pena do artigo 121, do estatuto repressivo pátrio.
O fato é típico, culpável, punível, o réu é imputável e não há nenhuma causa de exclusão de antijuridicidade ou de culpabilidade.
Outrossim, e atentando-me para as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 e 68 do Código Penal Brasileiro passo a dosar-lhe a pena, firme na compreensão de que a fixação da pena deverá pautar-se em sua necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime. É dizer: "Nenhuma pena deverá ser quantitativamente superior àquela necessária à reprovação e prevenção criminais nem ser executada de forma mais aflitiva do que o exige a situação" (ACrim 28.701.369, JTARS,65:38).
A culpabilidade do réu comparece no contexto normal. Conduta reprovável. Era-lhe exigido um comportamento diverso. Trata-se de crime doloso na modalidade de dolo eventual e neste caso a própria culpabilidade encontra-se ínsita no tipo penal, não havendo motivo algum para se considerar desfavorável esta circunstância.
No tocante aos antecedentes do acusado, trata-se de réu primário e sem antecedentes criminais.
No concernente à sua conduta social, e à personalidade do agente, consta que o mesmo, nascido em Brasília aos 10 de setembro de 1976, tem 33 (trinta e três) anos de idade. Ao ser ouvido hoje em plenário, diz exercer a profissão de Contador, trabalhando em uma empresa familiar, onde ali também trabalham seu pai e um irmão. Separado judicialmente, mora na companhia de um filho de 12 (doze) anos de idade. Também em seu interrogatório no plenário deste Tribunal do Júri, disse que não há um dia em sua vida que não se arrependa de ter saído de casa naquele dia 19 de agosto de 2006, acrescentando ainda sofrer bastante com o fato.
Não há nada em sua vida a desabonar a sua conduta; ao contrário, trata-se de um cidadão cumpridor de seus deveres e obrigações que teve a infelicidade de envolver-se nos fatos relacionados a este processo, nas circunstâncias a serem oportunamente examinadas.
Os motivos do crime não merecem maiores considerações, por se cuidar de dolo eventual.
No concernente às circunstâncias do crime, que se refere à dinâmica do acidente, "conclui-se que a dinâmica do acidente foi a seguinte: no dia 19 de agosto de 2006, por volta das 21hrs, trafegava o réu no sentido sul/norte, a 90 km/h, consoante laudo pericial (fls. 84/108), quando, em determinado momento, invadiu a faixa neutra, também denominada "faixa presidencial", vindo a atropelar um ciclista que por ali trafegava. Em seguida, o condutor do Fiat/Marea evadiu-se do local, tendo sido localizado em uma blitz na via EPTG, sentido Plano Piloto/Guará" (sic fl. 435).
Na verdade, tais circunstâncias integram a tipicidade do fato, na medida em que ao agir da forma como agiu, certamente havia consciência do réu a previsibilidade do resultado. De qualquer forma, as circunstâncias em que o crime ocorreu deram causa ao seu resultado, porém, não há motivo para se considerar desfavorável esta circunstância, porque também ínsita ao tipo penal.
No concernente às conseqüências do crime, além de uma vida perdida, de forma trágica, mais uma vítima do trânsito de veículo automotor, às vezes selvático, a deixar atônita a sociedade brasiliense, que a tudo assustadoramente assiste.
Com relação ao comportamento da vítima, de forma alguma se pode afirmar tenha contribuído para o fato.
Aliás, noticiam os autos que Pedro Davison, nascido aos 2 de agosto de 1981 (fl. 520), com 25 (vinte e cinco) anos à época do fato, era pai de Luiza Marques Davison, nascida no dia 19 de agosto de 1998 (fl. 523), por coincidência no mesmo dia e mês do dia fatal.
Mantinha, a vítima, o saudável costume de ir da quadra residencial onde morava com a família (SQS 308) para a UnB, onde estudava Biologia, de bicicleta, tendo ainda, na companhia de 5 (cinco) outros amigos, percorrido, a pedaladas, 1.776 km de bicicleta, em visita a cidades do interior de Goiás, para conhecer cachoeiras e cavernas, durante 40 (quarenta) dias.
Foi longe. Desde a Chapada dos Veadeiros (GO), Tocantins, Pantanal (MS) e até para o sul da Bahia, aqui sem a companhia dos amigos, que não se animaram em enfrentar a maratona de mais de dois mil quilômetros de ida e volta.
Amante da natureza, o Bacharel em Biologia, estaria colando grau no dia 23 de agosto de 2006, ou seja, apenas 4 (quatro) dias antes do evento fatal, tendo o seu pai comparecido à cerimônia representando-o in memoriam, recebendo o respectivo diploma.
Quis o destino, todavia, que a vítima viesse a perder a vida fazendo o que amava, ou seja, pedalando sua bicicleta, em uma das principais e mais perigosas avenidas da cidade, num sábado à noite, por volta das 21h nas seguintes condições: "o tempo estava bom, as pistas encontravam-se secas, sem quaisquer defeitos ou obstáculos que impedissem ou mesmo dificultassem o deslocamento normal de veículos. Havia iluminação pública que no momento estava ligada e a visibilidade era ampla. Esclareça-se, ainda, que a velocidade máxima permitida para o local é de 80 km/h, de acordo com placa de sinalização existente na pista" (sic fl. 49).
Trafegava a vítima na denominada "faixa presidencial", utilizando-se dos equipamentos de segurança necessários, quando teve a parte posterior de sua bicicleta colidida pelo veículo conduzido pelo réu Leonardo, que teria invadido aquela faixa neutra, com velocidade estimada em 90 km/h (vide conclusão letra G laudo de exame em local de acidente de tráfego e exame de veículo).
Para o eminente Desembargador George Lopes Leite, em seu judicioso voto quando do julgamento do Recurso em Sentido Estrito, "Não obstante atribuir parcela de imprudência da própria vítima, em trafegar com a sua bicicleta, naquele momento, em local reconhecidamente de alto risco. No entanto, como dito aqui, não há compensação de culpa no Direito Penal, e o réu só se isentaria de culpa se comprovado que o evento decorrera exclusivamente da culpa do ciclista, o que não é o caso. Quem, conhecendo o Eixão, trafega daquela maneira, indiscutivelmente tem uma previsão clara da probabilidade de um acidente como esse. Quem insiste em fazê-lo, indiscutivelmente assume os ônus do resultado" (sic fl. 463).
De qualquer sorte, não se pode atribuir à vítima qualquer parcela de comprometimento no lamentável episódio, até porque todos temos o direito de acreditar seja possível passear de bicicleta nas ruas de nossa cidade, nos espaços destinados aos ciclistas, em paz e com segurança, ainda que isto se constitua uma verdadeira utopia, apesar das tristes e elevadas estatísticas.
Do exposto, fixo a pena base em 6 (seis) anos de reclusão.
Na segunda fase de aplicação da pena constato a existência da circunstância atenuante relativa à confissão espontânea; todavia, não há como estabilizar-se a pena aquém do mínimo legal,na esteira da Súmula 231 do C. STJ. Outrossim, não havendo qualquer causa de aumento ou diminuição de pena, torno definitiva a pena do réu LEONARDO LUIZ DA COSTA em 6 (seis) anos de reclusão, a ser inicialmente cumprida em regime semi-aberto, não sendo o caso, ainda, de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, porquanto ausentes os requisitos autorizadores.
Asseguro ao réu o direito de recorrer em liberdade.
Pagará o réu as custas do processo.
Após o trânsito em julgado desta Sentença, lance o nome do réu no rol dos culpados, bem como se façam as devidas anotações e comunicações, oficiando-se ao I.N.I e à Distribuição, expedindo-se, ainda, a Carta de Sentença.
Dou-a por publicada e intimados os presentes, nesta Sessão de Julgamento.
Registre-se. Cumpra-se.
Sala das Sessões Plenárias do Tribunal do Júri da Circunscrição Judiciária de Brasília, aos 11 de fevereiro de 2010, às 19h20min.
JOÃO EGMONT LEÔNCIO LOPES
Juiz Presidente
JURID - Motorista é condenado. [12/02/10] - Jurisprudência
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