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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

JURID - Inquérito originário. Crimes contra a administração pública. [11/02/10] - Jurisprudência


Inquérito originário. Crimes contra a administração pública e contra a ordem tributária.


Supremo Tribunal Federal - STF.

Coordenadoria de Análise de Jurisprudência

DJe n° 237 Divulgação 17/12/2009 Publicação 18/12/2009

Ementário n° 2387 - 1

08/10/2009 TRIBUNAL PLENO

INQUÉRITO 2.486 ACRE

RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO

AUTOR(A/S)(ES): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDIC.(A/S): SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA

ADV.(A/S): VALMIRO OLIVEIRA E OUTRO(A/S)

EMENTA: INQUÉRITO ORIGINÁRIO. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. COTA DE PASSAGENS AÉREAS. DENÚNCIA EMBASADA EM EXTENSO QUADRO FÁTICO-PROBATÓRIO. DESVIO DE DINHEIRO PÚBLICO DE QUE SE TINHA A POSSE POR EFEITO DE INVESTIDURA EM CARGO DE NATUREZA PÚBLICA, MAS USADO EM BENEFÍCIO PRÓPRIO E DE TERCEIROS. CONDUTA, EM TESE, CONSTITUTIVA DO CRIME DE PECULATO. FALSIFICAÇÃO DE FATURAS POR AGÊNCIAS DE VIAGENS. FALTA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO DÉBITO TRIBUTÁRIO.

1. O exame preliminar da denúncia é balizado pelos arts. 41 e 395 do Código de Processo Penal. No art. 41, a lei adjetiva penal indica um necessário conteúdo positivo para a denúncia. É dizer: ela, denúncia, deve conter a exposição do fato normativamente descrito como criminoso, com suas circunstâncias, de par com a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando necessário). Aporte factual, esse, que viabiliza a plena defesa do acusado, incorporante da garantia processual do contraditório. Já o art. 395 do mesmo diploma processual, esse impõe à peça acusatória um conteúdo negativo. Se, pelo primeiro, há uma obrigação de fazer por parte do ministério Público, pelo art. 395, há uma obrigação de não fazer.

2. No caso, a narrativa da inicial acusatória sinaliza a materialização do tipo penal do peculato. Isso porque, em primeiro lugar, a Administração Pública (bem jurídico tutelado pela norma penal) foi aquela que, mais diretamente, sofreu com o ruinoso impacto patrimonial da conduta increpada aos denunciados; em segundo, porque os fatos consistem na afetação de recursos públicos para fins diversos daqueles para os quais foram confiados à guarda do denunciado. Sendo até desnecessário frisar que é impensável a possibilidade legal de uso de faturas forjadas para o reembolso de supostas passagens aéreas. Demais disso, a robusta documentação que instrui este inquérito permite identificar, na denúncia, a descrição do elemento subjetivo do tipo (e de seu especial fim de agir): a vontade livre e consciente de desviar dinheiro, valor, ou qualquer outro bem público móvel "em proveito próprio ou alheio". No caso, em benefício do denunciado e de terceiros, fundamentadamente acusados de usufruir, indevidamente, da cota de passagens aéreas.

3. Quanto ao delito tributário, é de incidir a nossa pacífica jurisprudência no sentido de que a necessidade de constituição definitiva do crédito tributário, na via administrativa, é condição sine qua non de toda discussão quanto à tipicidade penal das condutas descritas no art. 1° da Lei n° 8.137/90. Pelo que é de se rejeitar a denúncia quanto às supostas infrações aos incisos I e II da Lei n° 8.137/90, nos termos do inciso III do art. 395 do Código de Processo Penal.

4. Denúncia parcialmente recebida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em receber a denúncia quanto ao delito de peculato e trancou a persecução criminal quanto ao delito de natureza tributária, o que fazem nos termos do voto do Relator e por unanimidade de votos, em sessão presidida pelo Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas. Votou o Presidente.

Brasília, 8 de outubro de 2009.

CARLOS AYRES BRITTO - RELATOR

08/10/2009 TRIBUNAL PLENO

INQUÉRITO 2.486 ACRE

RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO

AUTOR(A/S)(ES): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDIC.(A/S): SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA

ADV.(A/S): VALMIRO OLIVEIRA E OUTRO(A/S)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)

Com base em procedimento fiscalizatório da Secretaria da Receita Federal e no Procedimento Administrativo n° 1.01.000.000292/2003-49 da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Sérgio de Oliveira Cunha e outros. Isso para debitar-lhes o crime de peculato - por 51 (cinquenta e uma) vezes, na forma do art. 71 do Código Penal - e os delitos dos incisos I e II do art. 1° da Lei n° 8.137/90 - por 4 (quatro) vezes, na forma do art. 69 do Código Penal -, nos termos seguintes (fls. 02-10):

"I. Das infrações ao art. 1º, I e II da Lei 8.137/90.

Conforme documentos anexos, a Receita Federal, em 18 de junho de 2002, iniciou o procedimento administrativo fiscal n° 11522.00004812003-04 contra SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA (Mandado de Procedimento fiscal - MPF, fl. 02), tendo exigido do contribuinte a composição das origens dos depósitos efetuados em sua conta-corrente, bem como esclarecimentos quanto à origem, na referida conta, de verbas de custeio de passagens e correspondências convertidas em pecúnia pelo deputado estadual - legislatura 1995-1998 - conforme Termo de Início de Fiscalização de 24 de junho de 2002 (folhas 15/21), constatando-se, ao final, que o denunciado suprimiu dos cofres federais a quantia de R$ 78.278,43 (Auto de infração, fls. 659/665), a título de imposto de Renda pessoa física, nos anos-base 1996 até 1998.

Consta ainda do referido procedimento cópia de outro Auto de Infração (fls. 629/646), datado 14 de dezembro de 2000, que aponta outras infrações penais e fiscais cometidas pelo parlamentar, mediante omissão, em suas declarações de imposto de renda pessoa física - DIRPF, exercícios 1996 a 1999 -, de rendimentos auferidos e não declarados, a título de ajudas de custo devidas por convocação e desconvocação extraordinárias, sessões extraordinárias, reembolso de despesas telefônicas e inserção de declarações inexatas, estas referente à compensação indevida do imposto retido na fonte, alusivo ao 13° salário, de tributação em separado, com o devido durante o ano. Essas condutas geraram a supressão de R$ 78.278,43 (Auto de Infração de fls. 659/665), importam em mais de R$ 99.000,00 em tributos suprimidos, tudo mediante as seguintes condutas:

I.1 - Omissão, nas Declarações Anuais de Ajuste do exercício de 1997, do valor de R$ 50.290,30; de 1998, do valor de R$ 49.667, 21, e de 1999, do valor de R$ 48.350, 23 (fl. 662), referente a somas "repassadas" por pessoa jurídica e recebidas pelo deputado como ajuda de custo para a suposta aquisição de passagens aéreas. Tais verbas não têm caráter indenizatório, por não preencherem os requisitos legais do art. 40 do Regulamento do Imposto de Renda, e sequer possuem a necessária vinculação ao servidor público, tendo o parlamentar ora denunciado se apropriado indevidamente dos valores, reduzindo a base de cálculo do imposto de Renda pessoa física nesse exato valor, o que importou em supressão do referido imposto.

É importante ressaltar que a Receita Federal deixou de tributar o ano de 1995, em virtude da prescrição qüinqüenal, porém, tal fato não afasta o crime de sonegação, vez que os valores auferidos com o "repasse" pelas agências de turismo RENNE e SERRAS TURISMO - fl. 543 e 519 - não foram declarados na DIRPF ano 1996, ano-base 1995.

O iter criminis constitui no desvio de valores pagos pela Assembléia Legislativa do Estado do Acre com base em Resolução, a fim de ressarcir despesas forjadas. Assim, a agência de turismo escolhida pelo parlamentar, mediante emissão de nota ideologicamente falsa, faturava contra a Assembléia Legislativa do Estado do Acre o valor total da "ajuda de custo", devida a título de "despesas" com passagens aéreas, e repassava o valor faturado ao parlamentar beneficiado, mediante dinheiro ou em cheques pagos a ele ou a seus assessores, ou através da emissão de passagens sem ví9culação com o serviço público, consoante o Termo de Constatação de folhas 666/679.

Procedimento similar acontecia com as verbas destinadas ao custeio de despesas postais, cujo ressarcimento, a titulo de ajuda de custo, fora fixado por meio da Resolução 700/93 - ALEAC. Da mesma forma, eram emitidas faturas ideologicamente falsas pelas agências de correios franqueadas, in casu, REAL SERVIÇOS POSTAIS E TELEMÁTICOS LTDA e ACF ESTAÇÃO EXPERIMENTAL, nos valores das ajudas de custo destinadas aos parlamentares que, pagas pela Assembléia Legislativa do Acre, eram repassadas aos então deputados estaduais, sem que houvesse a utilização dos serviços postais, conforme o contido no citado Termos de Constatação de fls. 666/679.

I.2 - Omissão, no ano-base de 1997, do valor de R$ 150. 467, 77, e, no ano-base de 1998, de R$ 8.639,32 (fl. 664/665), relativos a rendimentos auferidos mediante depósitos bancários de origem não comprovada, constatados pela Receita Federal, mediante confronto entre os valores depositados nas contas correntes do parlamentar denunciado com os valores de origem comprovada, mesmo ilícitos, como a cota de passagens, tudo conforme a tabela de folhas 317/318, reduzindo o imposto de renda pessoa física devido sobre estas quantias.

I.3 - Omissão, no ano-base de 1995, de rendimentos recebidos a título de ajuda de custo, na quantia de R$ 24.000,00; no ano de 1996, da quantia de R$ 12.000,00 (fl. 638), reduzindo, desta forma, o valor da base de cálculo do imposto de renda pessoa física e, conseqüentemente, o imposto a pagar, relativos a esses anos.

I.4 - Omissão, no ano-base de 1995, do valor de R$ 2.000,00; no ano ano-base de 1996, do valor de R$ 3.2000,00; no ano-base de 1997, de R$ 2.400,00; e, no ano-base de 1998, do valor de R$ 1.200,00 (fl. 612), recebidos por ocasião de sessões extraordinárias, reduzindo, desta forma, o valor da base de cálculo do imposto de renda pessoa física e, conseqüentemente, o imposto a pagar, relativos a esses anos.

I.5 - Omissão de rendimentos tributáveis, obtidos a título de ajuda de custo para pagamento de telefonia, mediante a apresentação de faturas de telefones que não estavam em nome do parlamentar ou por ele alugados. Assim, no ano de 1995, o parlamentar recebeu R$ 5.470,92; no ano de 1996, R$ 3.906,53; e, em 1998, R$ 1.329,72, como ressarcimento de despesas telefônicas maquinadas, reduzindo, desta forma, a base de calculo sobre a qual incidiria o imposto de renda pessoas física - fl. 645.

1.6 - Inserção de declaração inexata na DIRPF do ano de 1997, na medida em que somou ao imposto pago e retido na fonte o valor de R$ 1.186,00, correspondente ao imposto de renda retido em separado, a título de 13° salário, reduzindo o imposto a pagar neste exato montante - fl. 646.

Do exposto verifica-se que SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA praticou, por várias vezes, os delitos previstos no art. 1°, incisos I e II da Lei 8.137/90.

II. Das infrações ao art. 312 do Código Penal

A Receita Federal, ao proceder à quebra de sigilo bancário do denunciado SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA verificou que ele se apropriara, como já apontado, dos valores a que teria direito a título de "vantagem correspondente a Passagens Aéreas" - Resolução 661/93 da Assembléia Legislativa.

Mensalmente, a Assembléia Legislativa do Estado do Acre pagava às agências de turismo de indicação do deputado beneficiado, mediante a apresentação de faturas forjadas, os valores relativos à cota mensal de passagens, conforme demonstram as tabelas juntadas nas fls. 519/522 e 543, subscritas, respectivamente, pelos próprios sócios-gerentes da SERRAS TURISMO e RENNE; na folha 586, relativas à ARILTUR, agências de turismo envolvidas.

Não fosse só isso, a empresa de turismo faturava os valores tidos como gastos em passagens sem que, na entanto, fossem executados os serviços de venda e delas, mas repassava todo o montante ao deputado em dinheiro, cheques ou em passagens, sem vinculação com o serviço publico. Assim, exemplificativamente, em abril de 1998, a ARILTUR AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA faturou contra a Assembléia Legislativa R$ 5.148, 26 - fl. 586 -, e entregou ao deputado ora denunciado R$ 4.621,86, conforme comprovado na Fatura ideologicamente falsa da fl. 467, na Nota de Liquidação da fl. 464 e no cheque nominal ao parlamentar, nas fls. 162/163.

A mesma conduta proporcionou o repasse da cota de correspondência, tendo a REAL SERVIÇOS POSTAIS E TELEMÁTICOS LTDA, por exemplo, faturado contra a ALEAC R$ 6.017,50 - fl. 505, e repassado ao ora denunciado SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA o mesmo valor.

Essa conduta típica e antijurídica se repetiu mensalmente, tendo a RENNE AGÊNCIA DE VIAGENS LTDA - cuja responsabilidade gerencial recaía nas denunciadas JANETE EROTI FRANKE, CARMEM AKEL H ADAD DE MELO e MÔNICA HADAD DE MELO, conforme Quarta Alteração Contratual, em anexo, datada de 29 de outubro de 1992, e sem alterações até junho de 1997 - entregue a SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA o equivalente a R$ 4.229,29 mensais, entre fevereiro e maio de 1995 - fl. 543.

No mês de junho de 1995, assumiu o repasse a agência de turismo SERRA'S TURISMO AGÊNCIA DE VIAGENS LTDA - cuja responsabilidade, à época dos fatos, recaía nos sócios FRANCISCO SERRA FERREIRA, EDNA COSTA GOMES FERREIRA e ASSIS WALTER GOMES FERREIRA, conforme Segunda e Terceira Alterações Contratuais, em anexo -, que entregou ao denunciado SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA o equivalente a parcelas mensais de R$ 4.229,29, entre junho de 1995 e junho de 1996, acrescidas, neste último mês, de R$ 570,79 e R$ 4.800, 08, nos meses de julho a dezembro de 1996 - fls. 519/522.

No ano seguinte, assume o repasse das verbas públicas a empresa a ARILTUR AGÊNCIA DE VIAGENS, TRANSPORTES E TURISMO LTDA - cuja responsabilidade gerencial recaía nos denunciados AMARALDO UCHOA PINHEIRO, SIRLENE UCHOA PINHEIRO e ARABO PASCOAL DUARTE PINHEIRO, conforme Décima sexta e Décima Sétima Alterações Contratuais, em anexo - que entregou ao denunciado SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA R$ 4.800,24 mensais, entre janeiro e agosto de 1997; e R$ 5.148,26 entre setembro de 1997 e dezembro de 1998 - fl. 586.

Frise-se, pois, que o denunciado SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA ainda desviou o recurso público, determinando a emissão de passagens para terceiros, em viagens estranhas ao serviço público, como demonstram as declarações de fls. 516/517 e 542, e a tabela de fls. 519/522.

Quanto às verbas destinadas ao custeio de despesas postais, a empresa REAL SERVIÇOS POSTAIS E TELEMÁTICOS LTDA, de responsabilidade de BENTO MARQUES DE SOUZA, repassou ao parlamentar R$ 6.017,50, em julho de 1996, e R$ 6.390, 00 em dezembro do mesmo ano - fl. 582. De igual forma, a empresa ACF ESTAÇÃO EXPERIMENTAL, de responsabilidade de NAZIRA RACHID AMIM DOS SANTOS, repassou ao deputado SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA a quantia de R$ 6.251,00 (fl. 584), no mês de julho de 1997 (cf. Fatura, fl. 513, e Nota de Pagamento, fl. 510).

Provas incontestes da apropriação do dinheiro público por parte do denunciado SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA acham-se presentes nas folhas 155 e seguintes, a exemplo do cheque de emissão da ARILTUR, nominal ao próprio denunciado, LUELI FIESCA FERREIRA (fl. 188).

Tais fatos se confirmam nas declarações de FRANSCISCO SERRA FERREIRA (fls. 516/517), JANETE EROTI FANKE (fl. 542), BENTO MARQUES DE SOUZA (f1. 554), e NAZIRA RACHID AMIM DOS SANTOS (fl. 561), os quais afirmam textualmente terem repassados os valores recebidos da Assembléia Legislativa ao primeiro denunciado. Do exposto, verifica-se que SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA com o concurso de JANETE EROTI FRANKE, CARMEM AKEL HADAD DE MELO, MONICA HADAD DE MELO, FRANCISCO SERRA FERREIRA, AMARALDO UCHOA PINHEIRO, SIRLENE UCHOA PINHEIRO, ARABO PASCOALDUARTE PINHEIRO, NAZIRA RACHID AMIM DOS SANTOS e BENTO MARQUES DE SOUZA, praticou, por repetidas vezes, a infração penal capitulada no art. 312 do CP."

2. Pois bem, ajuizada a denúncia no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, os acusados foram notificados para apresentação de resposta preliminar (Despacho que determinou a notificação dos denunciados, às fls. 791). Dando-se que a defesa de Sérgio de Oliveira Cunha alegou o seguinte: a) falta de justa causa para a ação penal, em face do não exaurimento da via administrativa de constituição do débito tributário; b) não há que se falar em crime de peculato, pois "os Deputados Estaduais não detinham a posse das quotas de passagens, mas o direito de recebê-las como "vantagem pessoal", optando muitos pelo desembolso direto das passagens e seu ressarcimento através do recebimento das respectivas "quotas" em espécie, o que não resulta em nenhuma apropriação ou subtração" (fls. 863); c) a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o denunciado.

3. Encartadas nos autos as peças defensivas, o feito foi remetido à Justiça Federal do Acre. Isso diante do alegado fim do mandato de deputado estadual do denunciado Sérgio de Oliveira Cunha (Despacho assentando a incompetência do TRF da 1ª Região, às fls. 920/921). Todavia, o Juízo da 1ª Vara Federal do Acre declinou da competência para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, aduzindo que o denunciado ainda estava no exercício de mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa daquele Estado (fls. 930).

4. Prossigo neste relato para anotar que, após pedido de informações à Secretaria da Receita Federal quanto ao pagamento do parcelamento do débito referente ao processo nº 11522-000.048/200304, os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal, isso devido à diplomação de Sérgio de Oliveira Cunha como deputado federal. Do que se seguiu imediato encaminhamento do inquérito à Procuradoria-Geral da República. Procuradoria que, acolhendo os ternos da denúncia, requereu o desmembramento do feito, para que apenas o detentor do foro especial fosse processado nesta Corte, e informações sobre a constituição definitiva do débito tributário (fls. 948-952)

5. Pontuo que deferi o pedido de desmembramento, determinando a extração de cópia integral dos autos e posterior remessa ao foro competente. Na sequência, foram juntadas informações da Secretaria da Receita Federal. Informações que sinalizam a inconclusão do procedimento administrativo de constituição do débito tributário. Donde a manifestação do Procurador-Geral da República de fls. 972/973, pela qual Sua Excelência ratificou os termos da peça inicial acusatória e requereu a suspensão do feito, quanto ao delito tributário. Suspensão que deferi, nos termos da decisão de fls. 977/978.

6. Já me encaminhando para o final deste relatório, consigno a manifestação da Procuradoria-Geral da República de fls. 1001-1003. Manifestação pela qual Sua Excelência, nos termos do art. 5° da Lei n° 8.038/90, aduziu o seguinte:

"No mérito, o denunciado alega, em síntese, que não houve o delito de peculato, vez que, como membro da Assembléia Legislativa do Acre, tinha o direito ao recebimento da chamada cota de passagens aéreas e das despesas de correspondência.

Ocorre que esse direito era vinculado aos serviços efetivamente prestados aos Deputados Estaduais pelas companhias aéreas, pelas empresas agências de turismo e prestadoras de serviço de correspondência, nos termos das Resoluções 661 e 700 (fls. 326/329).

No caso em questão, SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA, valendo-se da condição de Parlamentar Estadual, usou faturas falsas contendo valores superiores aos efetivamente gastos com passagens, o que lhe permitiu desviar os recursos dos fins aos quais eram destinados e, consequentemente, subtraí-lo os em proveito próprio.

Ademais, o denunciado desviou os recursos da referida cota para o pagamento de passagem de terceiros sem relação com o serviço público, conforme demonstram as tabelas de fls. 519/522. Tem-se aí subtração em proveito alheio.

Comprovou-se, ainda, que o mesmo expediente foi empregado para a subtração da cota de correspondência. "

7. À derradeira, informo que até o presente momento o procedimento administrativo de constituição definitiva do débito tributário não chegou a termo.

É o relatório.

08/10/2009 TRIBUNAL PLENO INQUÉRITO 2.486 ACRE

VOTO

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)

Feito o relatório, passo ao voto. Ao fazê-lo, consigno, de saída, que o denunciado Sérgio de Oliveira Cunha está no exercício de mandato de deputado federal pelo Estado do Acre, do que resulta a competência desta Corte de Justiça para processá-lo e julgá-lo, nos termos do § 1° do art. 53 da Constituição Federal.

10. Daqui se segue o exame da inicial acusatória. Exame que, nesta fase preliminar, é balizado pelos arts. 41 e 395 do Código de Processo Penal. No art. 41, a lei adjetiva penal indica um necessário conteúdo positivo para a denúncia. É dizer: ela, denúncia, deve conter a exposição do fato normativamente descrito como criminoso (em tese, portanto); as respectivas circunstâncias, de par com a qualificação do acusado; a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando necessário). Aporte factual, esse, que viabiliza a plena defesa do acusado, incorporante da garantia processual do contraditório. Já o art. 395 do mesmo diploma processual, esse impõe à peça acusatória um conteúdo negativo. Se, pelo primeiro, há uma obrigação de fazer por parte do Ministério Público, pelo art. 395, há uma obrigação de não fazer; ou seja, a peça de acusação não pode incorrer nas seguintes impropriedades:

"Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - for manifestamente inepta;

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal".

Quanto ao crime de peculato

11. Pois bem, ao denunciado é increpado o delito de peculato, na forma do art. 71 do Código Penal (continuidade delitiva). Crime, esse, punido com pena máxima de 12 (doze) anos de reclusão. E o que diz a denúncia? Que os crimes supostamente ocorreram, por modo contínuo, no período de 1995 a 1998. Assim, não há que se falar em extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva do Estado. Prescrição que, dada a pena máxima do tipo penal, se consuma no lapso de 16 anos.

12. Prossigo para pontuar que, no exame cabível nesta fase, a denúncia se me afigura embasada em elementos fático-probatórios que sinalizam a ocorrência dos fatos narrados pelo titular da ação penal. Fatos que, de imediata percepção, se amoldam ao delito tipificado no § 1° do art. 312 do Código Penal.

13. Com efeito, ao acusado são imputadas a montagem e operacionalização de um esquema de apropriação indevida de valores a que, na condição de deputado estadual, teria direito a título de vantagens referentes às cotas de passagens aéreas e de correspondência. Esquema, esse, operado mediante: a) uso de faturas falsas, emitidas dolosamente por sócios de agências de viagens; b) utilização de tais faturas para justificar o pagamento da cota de passagens pela Assembleia Legislativa do Acre; c) pagamentos, em cheques, das agências de turismo para o hoje deputado federal Sérgio de Oliveira Cunha. Pagamentos, esses, correspondentes aos valores dos bilhetes falsos (confiram-se as cópias dos cheques acostados no vol. 1 destes autos); d) emissão de passagens aéreas em nome de terceiros sem qualquer ligação com a atividade parlamentar do denunciado. Logo, o quadro empírico estampado na inicial acusatória parece amoldar-se às preceituações do art. 312 do Código Penal. Leia-se:

"Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1° - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário".

14. Bem vistas as coisas, até onde permite este juízo prefaciai, a narrativa da denúncia sinaliza a ocorrência, em tese, das circunstâncias elementares do tipo penal do peculato. Isso porque, em primeiro lugar, a Administração Pública (bem jurídico tutelado pela norma penal) foi aquela que mais diretamente sofreu com o ruinoso impacto patrimonial da conduta imputada ao acusado; em segundo, porque os fatos narrados na inicial acusatória consistem na destinação de recursos públicos para fins diversos daqueles para os quais foram confiados ao denunciado. Sendo até desnecessário frisar que é impensável a possibilidade legal de uso de faturas forjadas para o reembolso de supostas passagens aéreas (Às fls. 819/826 estão as resoluções da Assembleia Legislativa do Acre que tratam das chamadas Cotas Parlamentares). E o certo é que os autos apontam para situações caracterizadoras de "furto" de coisa do Estado (origem, inclusive, do termo peculato (Confira-se: NUCCI, Guilherme de Souza. Comentário ao penal. 7. ed. rev. atual. ampl. RT, 2007).

15. No mais, a farta documentação que instrui este inquérito me permite identificar, na denúncia, a descrição do elemento subjetivo do tipo (e de seu especial fim de agir): a vontade livre e consciente de desviar dinheiro, valor ou qualquer outro bem público móvel, "em proveito próprio ou alheio". No caso, em proveito do denunciado e de terceiros que usufruíram, indevidamente, das passagens aéreas e da cota de correspondência.

16. Esse o quadro, tenho por atendidos os requisitos da prova da materialidade delitiva e de indícios suficientes de autoria. Sobremais, a denúncia sinaliza, dentro do possível (dada a natureza do crime), as condutas supostamente protagonizadas pelo denunciado, revelando, ainda, o liame entre as condutas e seus indevidos beneficiários. Pelo que assegura ao acusado o exercício do direito à ampla defesa.

17. De outra banda, é precipitado o acatamento das teses defensivas. Isso porque o quadro empírico até aqui tracejado não permite rechaçar, de plano, a imputação ministerial pública. Ao contrário, o quadro é noticiados de um esquema de desvio de verbas públicas para favorecer o denunciado e pessoas próximas a ele. Tudo a autorizar o recebimento da denúncia e a abertura do mais amplo espaço para a produção de provas.

Quanto ao delito tributário

18. Em sentido contrário, considerando que o Conselho de Contribuintes ainda não julgou o recurso n° 153142 e que, portanto, o débito tributário não está definitivamente constituído, voto pela rejeição da denúncia quanto às supostas infrações aos incisos I e II da Lei n° 8.137/90. O que faço na linha de nossa pacífica jurisprudência no sentido de que a constituição definitiva do crédito tributário, na via administrativa, precede toda e qualquer discussão quanto à tipicidade penal das condutas descritas no art. 1° da Lei nº 8.137/90 (cito, por amostragem, os seguintes precedentes: HCs 81.611, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; 88.657, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; 84.423, da minha relatoria; e 90.957, da relatoria do ministro Celso de Mello).

19. Nessa contextura, recebo a denúncia quanto ao delito de peculato e rejeito a denúncia quanto ao delito de natureza tributária, nos termos do inciso III do art. 395 do Código de Processo Penal.

É como voto.

08/10/2009 TRIBUNAL PLENO

INQUÉRITO 2.486 ACRE

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente, acompanho o Relator exatamente nos termos por ele expostos no sentido de receber a denúncia quanto ao crime de peculato e não receber a denúncia por inexistência dos fatos que poderiam ensejar a tipificação, eventualmente - ainda que aqui, no primeiro momento, indiciário -, no que se refere ao delito tributário.

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Obs.: Texto sem revisão da Exma. Sra. Ministra Cármen Lúcia. (§ 3° do artigo 96 do RISTF, com a redação dada pela Emenda Regimental n° 26, de 22 de outubro de 2008)

08/10/2009 TRIBUNAL PLENO

INQUÉRITO 2.486 ACRE

VOTO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: Senhor Presidente, também acompanho o eminente Relator para deixar de receber a denúncia no tocante ao crime tributário e recebê-la quanto ao delito de peculato.

Eu observo que não está em causa aqui a licitude do ressarcimento das despesas feitas a título de passagens aéreas e cotas para correspondência, mas sim uma possível eventual fraude, imputada ao parlamentar, consubstanciada no uso de faturas falsas, contendo valores superiores aos efetivamente gastos com passagens e com cotas.

Como disse o eminente Relator, a materialidade se mostra presente, há indícios de autoria, então, recebo também a denúncia no tocante ao delito de peculato.

08/10/2009 TRIBUNAL PLENO

INQUÉRITO 2.486 ACRE

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, também acompanho o relator, ressaltando que Sua Excelência não delibera quanto ao recebimento, ou não, da denúncia relativamente ao crime tributário. Sua Excelência preconiza o desmembramento para haver a suspensão dos autos do inquérito. Nesses casos, temos chegado ao afastamento do próprio inquérito, fulminando-o.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Está rejeitando a denúncia.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Sim, nós estamos não recebendo exatamente pela tipicidade.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) - A divergência nossa é nesse sentido?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Porque não se teria o encerramento do processo administrativo-fiscal.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) - Está inconcluso.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - No caso, então, Vossa Excelência não recebe a denúncia, tendo em conta esse aspecto quanto ao crime tributário?

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR)- Em última análise, a conseqüência é esta: não receber a denúncia.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Porque ouvi alguma coisa quanto a desmembramento.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO - Não, o desmembramento foi em outra fase, porque há outros denunciados que não têm a prerrogativa de foro, só nesse sentido.

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - Presidente, eu creio, se Vossa Excelência me permite, a utilização pelo Ministro Carlos Britto da expressão "suspensão" tem origem naquela antiga discussão que houve neste Plenário de sabermos se de fato esses delitos tributários vão ser todos relegados á prescrição e relegados ã impunidade e por isso o Tribunal, naquela ocasião, construiu um tipo de solução pela qual suspendia-se a prescrição desses delitos até que finalizado o procedimento administrativo-fiscal que fixasse o quantum debeatur. De modo que eu veria com dificuldade a possibilidade de acompanhar outra terminologia que não essa que ressalva, aponta e assinala que o delito fiscal poderá, sim, ser objeto de persecução penal, desde que, se e, quando for finalizado o procedimento administrativo.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Sim, dentro do prazo de prescrição.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Há vários precedentes nessa linha.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) - Perfeito.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Eu lembro, Senhor Presidente, existe uma hipótese que nós temos aí suspendido o inquérito eventualmente até a ação penal, é quando o crédito tributário está definitivamente constituído e o contribuinte adere a um programa de parcelamento, como o REFIS, por exemplo.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Mas registra-se, aí, uma outra situação.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Aí é outra hipótese, não é essa a hipótese. Nessa hipótese, realmente, se não há crédito tributário ainda constituído, não há justa causa para o prosseguimento da ação penal.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Não há o crédito.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) - Eu estou trancando a persecução. Em conseqüência, não recebo a denúncia.

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - E desde que a denúncia está sendo rejeitada é esse o propósito? Nós não temos de nos antecipar sobre prescrição.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Ministro Marco Aurélio?

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Ouço a Ministra Ellen Gracie.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Desculpe-me, Ministra.

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - Senhor Presidente, creio que o Tribunal deveria, sim, refletir sobre as consequências desse tipo de jurisprudência, até mesmo como uma fórmula de deixar bem claro ao Ministério Público que precisará estar atento à conclusão desses procedimentos administrativos fiscais, dos quais provavelmente nunca mais ouvirá falar por parte dos órgãos fazendários.

Temo, Senhor Presidente, que tenha o contribuinte brasileiro a má impressão de que aquele cumpridor das suas obrigações fica prejudicado em relação ao sonegador habitual.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, minha preocupação coincide com a preocupação da Ministra Ellen Gracie.

Quanto ao peculato, não tenho a menor dúvida. Recebo a denúncia e valho-me do que veiculado pelo Ministro Relator. Agora, no tocante ao crime tributário, o que ocorre na espécie? Atipicidade, em si? Não. Temos um fenômeno que afasta a possibilidade de prosseguir-se no inquérito, ou dar-se início à ação penal, o processo administrativo fiscal, sem que nos pronunciemos quanto ao tema de fundo: se há tipicidade ou não. Reconhecemos que, havendo o processo administrativo fiscal, não se pode ter quer o inquérito, quer a ação penal. Inclusive fui relator de caso no Plenário, e estendemos essa óptica ao inquérito para assentar que nem mesmo se pode ter - ante o processo administrativo fiscal que visa a elucidar a existência, ou não, do débito fiscal, da sonegação fiscal - sequer o inquérito.

É nesse sentido que voto, sem adentrar se o fato se mostra atípico ou não, porque não quero substituir-me á autoridade administrativa.

08/10/2009 TRIBUNAL PLENO

INQUÉRITO 2.486 ACRE

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Senhor Presidente, acompanho o voto do eminente Ministro-Relator no que se refere, unicamente, ao recebimento da denúncia quanto ao delito de peculato.

No que concerne à suposta prática do crime tipificado nos incisos II e III do art. 1º da Lei n° 8.137/90, rejeito a peça acusatória, com apoio no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, na redação dada pela novíssima Lei nº 11.719/2008, Por não vislumbrar, no caso, a configuração típica de qualquer conduta penal que se revele punível ou passível de imputação por arte do Ministério Público.

A jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria - tratando-se de delitos contra a ordem tributária, definidos no art. 1° da Lei n° 8.137/90 - orienta-se no sentido de que se revela prematuro, por ausência de tipicidade, o ajuizamento de ação penal pelo Ministério Público, quando ainda não definitivamente constituído o crédito tributário, por não encerrado, na esfera administrativa, o concernente procedimento fiscal (RTJ 190/305, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - RJT 193/395-396, Rel. Min. CARLOS BRITTO - RTJ 190/22, Rel. Min. GILMAR MENDES - RTJ 196/218, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

"- Enquanto o crédito tributário não se constituir, definitivamente, em sede administrativa, não se terá por caracterizado, no plano da tipicidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art. 1° da Lei nº 8.137/90. É que, até então, não havendo sido ainda reconhecida a exigibilidade do crédito tributário ('an debeatur') e determinado o respectivo valor ('quantum debeatur'), estar-se-á diante de conduta absolutamente desvestida de tipicidade penal.

- A instauração de persecução penal, desse modo, nos crimes contra a ordem tributária definidos no art. 1° da Lei nº 8.137/90 somente se legitimará, mesmo em sede de investigação policial, após a definitiva constituição do crédito tributário, pois, antes que tal ocorra, o comportamento do agente será penalmente irrelevante, porque manifestamente atípico. Precedentes.

- Se o Ministério Público, no entanto, independentemente da "representação fiscal para fins penais" a que se refere o art. 83 da Lei nº 9.430/96, dispuser, por outros meios, de elementos que lhe permitam comprovar a definitividade da constituição do crédito tributários, poderá, então, de modo legítimo, fazer instaurar os pertinentes atos de persecução penal por delitos contra a ordem tributária.

- A questão do início da prescrição penal nos delitos contra a ordem tributária. Precedentes."

(HC 90.957/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Este é o meu voto.

08/10/2009 TRIBUNAL PLENO INQUÉRITO 2.486 ACRE

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Creio que não há dúvida em relação à necessidade de conclusão do processo administrativo. Lembrava-me, inclusive, do precedente que já foi muito citado, o HC n° 81.611, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, no qual se assentou que, enquanto não houver a conclusão do processo administrativo, falta uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo do tipo.

Portanto, foi essa a orientação. Mas Sua Excelência, então, fazia questão de assentar que, também, enquanto não concluído o processo administrativo, não se poderia cogitar sequer de prescrição.

A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE - É importante, que, a cada julgamento, isso seja reafirmado.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - É o ponto três, inclusive, da ementa, nesse caso, que foi já referido pelo eminente Relator:

"3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária"

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: A rigor, não havendo fato típico, não há como sequer cogitar do início da fluência do lapso prescricional, considerado o que dispõe o art. 111, I, do Código Penal.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Por isso que Sua Excelência fez questão de deixar o ponto assentado.

PLENÁRIO

EXTRATO DE ATA

INQUÉRITO 2.486

PROCED.: ACRE

RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO

AUTOR(A/S)(ES): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INDIC.(A/S): SÉRGIO DE OLIVEIRA CUNHA

ADV.(A/S): VALMIRO OLIVEIRA E OUTRO(A/S)

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, recebeu a denúncia quanto ao delito de peculato e trancou a persecução criminal quanto ao delito de natureza tributária. Votou o Presidente, ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Senhor ministro Eros Grau. Plenário, 08.10.2009.

Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.

Vice-Procuradora-Geral da República, Dra. Deborah Macedo Duprat de Brito Pereira.

Luiz Tomimatsu - Secretário




JURID - Inquérito originário. Crimes contra a administração pública. [11/02/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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