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Habeas corpus preventivo. Sigilo de dados cadastrais de clientes de concessionária de telefonia. Quebra.
Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.
Habeas corpus preventivo. Sigilo de dados cadastrais de clientes de concessionária de telefonia. Quebra. Autorização sem vínculo com fato concreto. Ofensa à garantia constitucional da privacidade e da intimidade (artigo 5.º, incisos X e XII, da CF). Receio justificado de o paciente vir a ser responsabilizado criminalmente pelo descumprimento da ordem judicial. Ordem concedida.
ACÓRDÃO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 990.09.154320-9, da Comarca de São Paulo, em que são impetrantes RODRIGO DE BITTENCOURT MUDROVITSCH e ELISA ALONSO BARROS sendo paciente JOÃO ROBERTO MENEZES FERREIRA.
ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "CONCEDERAM A ORDEM PARA REVOGAR A DETERMINAÇÃO CONTIDA NOS OFÍCIOS DIPO 383/2009, 412/2009, 421/2009, 439/2009, 491/2009, 519/2009, 530/2009, 546/2009, 558/2009, 589/2009, 636/2009, 645/2009 E 652/2009, TORNANDO DEFINITIVA A LIMINAR. V.U.", de conformidade como voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores PINHEIRO FRANCO (Presidente), TRISTÃO RIBEIRO E SÉRGIO RUI.
São Paulo, 03 de setembro de 2009.
PINHEIRO FRANCO
PRESIDENTE E RELATOR
Habeas Corpus nº 990.09.154320-9 e 990.09.172005-4 - São Paulo 990.09.
Impetrantes: Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch e Elisa Alonso Barras
Paciente : João Roberto Menezes Ferreira
Impetrado : Juiz do Departamento de Inquéritos Policiais da Capital
Votos nº : 13.167 e 13.168
Os advogados Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch e Elisa Alonso Barros impetram as presentes Ordens de HABEAS CORPUS PREVENTIVO em favor de JOÃO ROBERTO MENEZES FERREIRA, gerente da área de quebra de sigilo da filial da empresa TNL PCS S/A. no Estado de São Paulo, sob a alegação de ele estar na iminência de sofrer represália de natureza penal pelo descumprimento de determinações do MM. Juiz do Departamento de Inquéritos Policiais da Comarca da Capital.
Sustentam os impetrantes que, por força de ordem inscrita nos ofícios nº 383/2009, 412/2009, 421/2009, 439/2009, 491/2009, 519/2009, 530/2009, 546/2009, 558/2009, 589/2009, 636/2009, 645/2009 e 652/2009, expedidos pela Ilustre Autoridade Judiciária, foi determinado ao paciente a emissão de senhas pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias para diversas autoridades policiais civis e militares com vistas ao "acesso a dados cadastrais, em caráter pessoal, reservado, intransferível, para uso tão somente em investigações policiais". Argumentam que os ofícios não foram instruídos com o inteiro teor das decisões, de forma a demonstrar a individualização dos destinatários da ordem de quebra.
Afirmam, ainda, estranheza ao fato das determinações conferirem poder às autoridades policiais para agir em todo o território nacional. Argumentam que tais ordens são genéricas e violam a esfera da intimidade dos usuários de telefonia móvel, assegurada no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, uma vez que não houve a individualização dos destinatários da quebra do sigilo dos dados cadastrais.
Liminarmente, postularam a suspensão da exigibilidade do cumprimento dos ofícios emitidos pelo Douto Magistrado.
Buscam a concessão da ordem, com o fim de que seja reconhecida a inconstitucionalidade das determinações contidas nos ofícios nº 383/2009, 412/2009, 421/2009, 439/2009, 491/2009, 519/2009, 530/2009, 546/2009, 558/2009, 589/2009, 636/2009, 645/2009 e 652/2009, a fim de que o paciente não sofra possível conseqüência de natureza penal, ante o descumprimento das determinações.
O pleito liminar foi concedido (folhas 138/140 do HC nº 990.09.154320-9 e folhas 131 do HC nº 990.09.172005-4).
Nas informações, o Eminente Juiz de Direito noticia que há muitos anos são concedidas senhas cadastrais estáticas, limitadas e controladas às autoridades policiais para que tenham acesso exclusivamente a dados cadastrais dos usuários das operadoras de telefonia, uma vez que o crime organizado se vale da comunicação telefônica como um dos principais instrumentos para o cometimento de delitos. Informa que tais senhas são imprescindíveis para a celeridade e eficiência das investigações criminais, frisando que elas, concedidas por prazo certo, autorizam somente o acesso a dados cadastrais dos usuários das operadoras de telefonia, não dando acesso ao teor das comunicações telefônicas, tampouco ao histórico de chamadas. Assevera que privar as autoridades policiais dessas senhas acarretaria lentidão nas investigações policiais, sendo que o trâmite para a quebra de sigilo das comunicações telefônicas seria lento e muitas vezes inútil. Noticia, ainda, que há controle por parte do Poder Judiciário e do Ministério Público acerca da utilização das senhas, uma vez que as autoridades que as utilizam são obrigadas a enviar relatórios periódicos, informando o número do telefone ou a pessoa pesquisada e o motivo respectivo, havendo a necessidade de instauração de procedimento próprio para investigação criminal a fim de justificar a obtenção dos dados (folhas 143/176).
Parecer da Ilustrada Procuradoria Geral de Justiça pela concessão da ordem (folhas 277/280).
É o relatório.
A questão não é de quebra de sigilo telefônico, mas de inviolabilidade constitucional da privacidade e do sigilo de dados. O artigo 5.º, inciso X, da Constituição Federal assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do cidadão, enquanto o inciso XII do mesmo preceito protege o sigilo da correspondência e comunicações, dados e comunicações telefônicas, assegurando a quebra por ordem judicial para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
É fato incontroverso nos autos que dados cadastrais são protegidos constitucionalmente, em homenagem ao princípio da exclusividade, que protege a intimidade do indivíduo, o mais exclusivo de seus direitos, na lição de TERCIO FERRAZ, invocada por ALEXANDRE DE MORAES (Direito Constitucional - 24ª edição - pg. 70).
Pois bem.
O Eminente Juiz de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais, a fim de dar celeridade a investigações criminais, concedeu autorizações genéricas a policiais militares, a fim de que, valendo-se de senhas emitidas pela prestadora de serviço, pudessem acessar dados cadastrais de cidadãos, presumivelmente para fins de investigação.
O E. Magistrado sustenta que tal procedimento é legítimo e que as senhas, limitadas e controladas, não invadem a intimidade das comunicações, estas sim, na sua ótica, tuteladas constitucionalmente.
Tenho para mim, no entanto, que a tutela constitucional não teve por norte a proteção exclusiva das comunicações telefônicas. Foi mais além. O Constituinte entendeu que os dados do cidadão também eram invioláveis e somente poderiam ser expostos havendo justa causa: investigação criminal. Não fosse assim, aliás, nem se compreende a exigência de senha específica para acesso à informação.
É verdade que o direito à intimidade não é absoluto. Mas não menos verdade que a quebra da inviolabilidade constitucional só de dá por ordem judicial, fundamentada em fato concreto.
E não há nos autos indicação de que as ordens emanadas da Alta Autoridade Judiciária tenham origem em fatos concretos, de sorte que o mandamento genérico acaba por violar, sim, o sigilo que cobre os dados cadastrais do cidadão, ofendendo a inviolabilidade da intimidade.
O E. Magistrado argumenta, e bem, com a necessidade de impor celeridade a investigações. Mas celeridade não pode justificar procedimento ofensivo ao devido processo legal, inclusive na fase de investigação, até para validar a colheita de indícios e provas. De outra parte, o Departamento de Inquéritos Policiais, gerido de forma diligente e absolutamente eficaz, como todos sabem, tem meios materiais para impor celeridade a procedimentos de urgência, sejam de quebra de sigilo, sejam aqueles voltados à decretação de custódias ou liberação de presos, inclusive em sede de plantão ininterrupto.
O que não se pode admitir, sempre com o devido respeito, é a obtenção de informações sem lastro em razão fático-jurídica séria anterior. Em outras palavras. Só quando há motivo para o início de uma investigação, ainda que não instaurado o inquérito, é que pode ser autorizada a violabilidade de dados cadastrais do cidadão. Mas quem vai decidir isso é o Juiz, não a Autoridade Policial munida de autorização genérica. E após o acesso, cumprirá à mesma Autoridade Policial prestar contas ao Juiz de sua atividade específica quanto ao fato particularizado.
Não se discute que, no sistema hoje utilizado, o uso da senha é "auditável e aferível", como pondera o Culto Magistrado. Não se duvida que o Atento Magistrado controle a atividade da polícia judiciária. Todos sabem que sim. Mas não se trata disso. A questão é antecedente. Falta fundamento fático-jurídico específico, concreto, real para a própria emissão da ordem de entrega da senha, que não se admite genérica.
O argumento de que a supressão da senha induzirá Autoridades Policiais a obter informações em "outras paragens", violando a Constituição Federal, não é justificativa para sua manutenção. Será justificativa, sim, para a responsabilização daquele que infringir a lei.
Já se decidiu: "A quebra do sigilo, pelo abalo que causa à intimidade, só se permite em hipóteses em que se sobreponha o interesse público, devendo a decisão apresentar-se especificamente fundamentada, a fim de que não se exponham clientes que envolvimento algum tenham com quaisquer investigações" (HC n.º 990.08.134365-7 - TJSP - Relator Desembargador ERICSON MARANHO).
Não se discute que a informação é importante e que deve ser célere. O que deve ser corrigida é a forma de concessão da senha, que não se admite genérica, por prazo elástico e sem vínculo com investigação particularizada, inclusive para criar um liame entre a Autoridade Policial e o fato a ser investigado, evitando-se abusos e a "desestabilização da privacidade a que todo cidadão tem direito" (precedente citado).
O C. Superior Tribunal de Justiça assim decidiu (RHC n.º 8493-SP - Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO): "É incontroverso que os dados cadastrais dos usuários das operadoras estão protegidos pela garantia do sigilo, nos termos dos artigos 5.º, X a XIII, da CF/88 e 3.º, VI e IX, da Lei n.º 9.472/97, sigilo esse que somente pode ser quebrado mediante intervenção judicial, nas hipóteses cabíveis".
A solução, então, está em aparelhar o Departamento de Inquéritos Policiais para tornar célere o procedimento de autorização de acesso aos dados cadastrais do cidadão, não na concessão, ainda que limitada, de senhas genéricas, sem vínculo com possível investigação penal.
Dentro desse quadro, o constrangimento é evidente, decorrendo de risco concreto de o paciente ser processado por desobediência, a despeito de ordem passada contra a Constituição Federal. Daí a concessão da ordem.
Isso não quer dizer - insisto - que o Juiz não possa quebrar o sigilo de dados, sejam eles da natureza que forem. Mas isso será feito, sempre, em procedimento antecedente, mesmo sem instauração de inquérito mas vinculado a fato com reflexos penais, o mais célere possível e sem exigência de formalidades acentuadas, tudo como convém em se tratando de medidas acautelatórias, de urgência e em prol do cidadão e da sociedade como um todo.
Pelo meu voto, pois, CONCEDO A ORDEM para revogar a determinação contida nos ofícios DIPO 383/2009, 412/2009, 421/2009, 439/2009, 491/2009, 519/2009, 530/2009, 546/2009, 558/2009, 589/2009, 636/2009, 645/2009 e 652/2009, tornando definitiva a liminar.
PINHEIRO FRANCO
Relator
JURID - Habeas corpus preventivo. Sigilo de dados cadastrais. [11/02/10] - Jurisprudência
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