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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

JURID - Advogado é condenado por calúnia. [18/02/10] - Jurisprudência


Advogado é condenado por caluniar promotor de Justiça através de jornal.


Autos n° 038.07.005674-6

Ação: Ação Penal - Ordinário/Comum

Autor:
Justiça Pública e outro

Réu: Osmar dos Santos

VISTOS ...

Osmar dos Santos, já qualificado nos autos, foi denunciado como incurso nas sanções dos artigos 138, 139 e 140, c/c art. 141, inciso II, todos do Código Penal, nos seguintes termos: "Em data de 09 de novembro de 2006, o denunciado Osmar dos Santos fez publicar na Coluna 'Opinião', da edição do Jornal 'A Notícia', impresso nesta cidade e comarca de Joinville, texto de sua autoria, intitulado "Barulho de Criança faz mal à saúde", o qual tinha o seguinte conteúdo: "Processo movido contra uma instituição de ensino de Florianópolis quer impedir que alunos brinquem no horário do recreio. No entendimento do Ministério Público de Santa Catarina, especificamente do promotor Alexandre Herculano de Abreu e do juiz substituto Ezequiel Rodrigo Garcia, o barulho provocado pelas crianças "é prejudicial à saúde". É exatamente isso mesmo. Para que se tenha uma noção mais exata, transcrevo parte da decisão do citado juiz substituto, que bem define a ideologia adotada: "(...) O agrupamento de crianças e adolescentes naturalmente produz muito barulho, e esse barulho, não precisaria nem dizer, é mais do que incômodo, é realmente prejudicial à saúde (folha 147 do processo movido contra uma instituição de ensino de Florianópolis). Importante ressaltar que, a manter-se o entendimento do Ministério Público e do juiz substituto, todas as escolas públicas ou particulares de Santa Catarina seriam fechadas, porque as crianças e os adolescentes, em suas brincadeiras ultrapassam os 50 decibéis de ruídos e, por via de conseqüência, estariam causando mal à saúde da população. Um perigo, para não dizer, uma vergonha para nosso Estado. O caso chama atenção quando se percebe que essa afirmação parte de um órgão responsável pela preservação dos direitos das crianças e, pior, é acolhida e confirmada por um juiz de direito em início de carreira. Chegar a ponto de afirmar que criança brincando no intervalo (recreio de aulas é prejudicial à saúde afronta os mais comezinhos princípios do Estado de direito. Na verdade, o que o Ministério Público está tentando fazer é amordaçar as crianças, porquanto chega a ser irracional a argumentação de que criança brincando é prejudicial à saúde. Vivemos numa época em que se debate o direito da criança se expressar; de participar da vida em sociedade; de exercer sua cidadania de maneira ampla e irrestrita. E somos pegos de "surpresa" com uma ação que visa a fechar um estabelecimento de ensino porque o "barulho" das crianças é prejudicial à saúde. O que o Ministério Público, o juiz e a Floram - esta responsável pelo laudo técnico - consideram excessos são ruídos que ultrapassam o limite de 50 decibéis, por 30 segundos. Para se ter uma idéia do que isso significa: um aparelho de ar condicionado ligado a seis metros de distância, equivale a 60 decibéis. Esse é o ruído considerado "prejudicial à saúde", provocado pelas crianças. Com certeza, o ar-condicionado da casa do promotor, do juiz e dos técnicos da Floram causam mais mal à saúde do que a brincadeira das crianças no recreio da escola! Acho que esta na hora de a Corregedoria fazer seu papel. Não se admite mais esse tipo de abuso de poder. Salvemos a alegria das crianças, abaixo o autoritarismo!" (fl.11). Como se depreende do próprio texto, versa este sobre uma Ação Civil Pública, a qual, em verdade, tramita na Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital sob o no.023.06.368830-4. A vítima Alexandre Herculano Abreu, detentor, à época, do cargo de 28º. Promotor de Justiça da Comarca da Capital, foi o representante do Ministério Público que aforou a referida ação, exercendo seu mister constitucional. Como se extrai da cópia da inicial (fls.13 a 31 da representação), os fundamentos da demanda, ajuizada em face do Município de Florianópolis, FLORAM - Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis e Escola Jardim Anchieta Ltda., foram o desacordo do estabelecimento de ensino com a Resolução 001/90 e NBR 10.151, gerando poluição sonora; a falta de HABITE-SE e execução de projetos de expansão física sem as necessárias licenças e em desrespeito a leis urbanísticas vigentes. O pedido final na ação foi a regularização do estabelecimento, bem como impor à Municipalidade a fiscalização e as ações para submeter o prédio da escola aos regramentos vigentes. Não obstante a normalidade do comportamento da vítima no desempenho de suas funções, amparado inclusive por Programa Institucional do Ministério Público, na área de defesa do Meio Ambiente (denominado "Silêncio Padrão"), o denunciado resolveu promover a publicação, através de veículo da imprensa, do texto retro-transcrito. Como se pode verificar, o texto passou longe de emitir crítica ou manifestar opinião desfavorável, mas teve, sim, com vontade livre e consciente, o claro objetivo de menosprezar e insultar a pessoa do Promotor, em razão de sua função. Veja-se que, em razão da função de agente público exercida pela vítima, o denunciado imputou-lhe falsamente fato definido como crime, bem como fato à sua reputação e ainda ofendeu sua dignidade e decoro, conforme se expõe a seguir. 1.Calúnia: No texto publicado, o denunciado realizou argumentação afirmando que o Promotor de Justiça Alexandre Herculano Abreu teria promovido a Ação Civil Pública contra a escola, agindo com abuso de poder. Apontou que, ferindo princípios de direito e violando normas de proteção à criança e ao adolescente, a vítima pretendia fechar estabelecimento de ensino, causando, portanto, prejuízos morais e materiais a pessoas naturais e jurídicas. Ou seja, o denunciado imputou, falsamente, ao Promotor de Justiça fato definido como crime - comportamento esse que, se efetivamente tivesse ocorrido, configuraria o crime de abuso de autoridade, conforme previsão do art. 4º., alínea b, da Lei no. 4.898, de 09.12.1965. Tratou-se pois de calúnia, visto que a Ação Civil Pública foi regularmente formulada, antecedida de procedimento administrativo próprio; amparada em relatórios e laudo emitidos por órgãos públicos; continha narrativa ampla de fundamentos de fato e direito, razão pela qual foi recebida e esta sendo processada na Justiça Estadual - não se verificando abuso ou desvio por parte do representante do Ministério Público. 2.Difamação: O denunciado na matéria afirmou que ao fundamento único da lide proposta pelo representante do Ministério Público era que 'barulho de criança faz mal à saúde' - pensamento que sequer está retratado na inicial. Além disso, no texto, o denunciado referiu que o real desejo e intenção de Alexandre Herculano era 'amordaçar as crianças', reforçando, ainda, que queria, com a ação proposta, 'impedir que alunos brinquem na horário do recreio'. Como já referenciado, a Ação Civil Pública elaborada pelo Promotor de Justiça não foi proposta contra criança; tem fundamentos diversos, incluindo a falta de adequação aos ditames da legislação ambiental e também a ausência de licenças para construir na expansão do estabelecimento de ensino, como se pode facilmente extrair da só leitura da peça inicial daquela ACP. Além disso, a ação civil pública, com exposição de fatos e do direito aplicável, tem objeto bem definido, nenhum voltado ao comportamento de terceiros não integrantes da lide, sendo que pretende, ao final, condenar a escola na obrigação de fazer, consubstanciada na regularização do imóvel perante os órgãos competentes, buscando todas as licenças referentes ao seu funcionamento e condenar o Município e a FLORAM a fiscalizar, demolir ou proibir o funcionamento potencialmente poluidor, não emitindo as licenças de funcionamento, em não havendo a devida regularização no prazo fixado pelo Juízo (fls. 30 e 31 dos autos). É evidente que, sendo a vítima integrante da instituição do Ministério Público, que prima pela conduta de seus membros, a falsa afirmação, que lhe atribuiu comportamento de 'opressor' de infantes, representou autêntica ofensa à sua honra e reputação no meio social. Desta forma, está claro o objetivo de imputar ao Promotor de Justiça fatos desvirtuados da verdade e desabonadores de sua reputação como profissional da área jurídica, difamando-o. 3.Injúria: Finalmente, o denunciado, desnecessariamente e de modo impróprio, qualificou de 'irracional' a fundamentação da Ação Civil Pública desenvolvida pelo Promotor Alexandre Herculano. Ao negar, em veículo de imprensa, que a vítima detenha pensamento lógico e racional, certamente, que o denunciado a expôs ao desprezo público e ofendeu, por conseguinte, sua dignidade e decoro, notadamente porque se trata de agente público no pleno exercício de suas funções" (fls. I-VI).

Acompanhou a denúncia representação criminal subscrita pela vítima e documentos.

Recebida a denúncia, devidamente citado, o réu apresentou resposta escrita por meio de defensor constituído.

Não sendo caso de absolvição sumária, na audiência, uma vez que a acusação arrolou apenas a vítima para oitiva, cujo ato foi deprecado, tendo o prazo fluído, foram ouvidas quatro testemunhas da defesa, sendo designada nova data para inquirição da última testemunha da defesa e interrogatório.

Na data aprazada para a audiência, foi desistida a última testemunha da defesa e interrogado o réu.

Na fase do art. 402 do CPP, o Ministério Público requereu a atualização dos antecedentes criminais e que fosse solicitada a devolução da precatória inquiritória da vítima, o que restou deferido. Já a defesa requereu a juntada de documentos e CD com as matérias veiculadas, o que foi deferido, bem como a renovação da precatória inquiritória da vítima, o que foi indeferido.

Em sede de alegações finais, o Ministério Público pugnou pela total procedência da inicial.

A defesa, por sua vez, requereu preliminarmente a declaração de nulidade da precatória inquiritória da vítima e a nulidade do processo pela ausência do depoimento da vítima nos autos. Quanto ao mérito, pugnou pela absolvição ante a atipicidade, inexistência de dolo específico e alegando que o réu exerceu o direito à livre manifestação do pensamento.

Sobreveio a juntada da precatória inquiritória da vítima, sendo então determinado o aditamento das alegações finais.

A acusação corroborou as alegações finais anteriormente apresentadas. Já a defesa reiterou o pedido de absolvição com base no art. 386, III, do CPP.

É a síntese do necessário.

DECIDO
.

I - PRELIMINARMENTE

I.1) Argui a defesa a nulidade da oitiva da vítima via precatória, uma vez que foi súbita sua designação no Juízo deprecado, ou seja, o ato foi pautado para o dia 04.08.2009 em despacho do dia 22.07.2009
.

Compulsando-se os autos, verifica-se que a defesa foi intimada da expedição da precatória de oitiva da vítima, conforme fl. 130.

A intimação em questão se deu via Diário da Justiça, conforme preconiza o § 1º do art. 370 do CPP.

Tendo ciência da expedição, cabe à defesa diligenciar junto ao juízo deprecado no sentido de assegurar o direito constitucional do contraditório e ampla defesa.

O entendimento da Corte Catarinense não destoa:

"É entendimento assente no Processo Penal que é obrigatória apenas a intimação da expedição da carta precatória para ouvida de testemunhas, cabendo à parte interessada inteirar-se da data da realização do ato no Juízo deprecado." (Ap. Crim. n. 2000.008044-6, de Imbituba, rel. Des. Álvaro Wandelli).

Ademais, verifica-se que a defesa tentou de várias formas, durante a instrução processual, anular o depoimento da vítima, sendo os requerimentos negados (fls. 138-9 e 142).

Dispõe o art. 5º, LXXVIII, da CF/88, que é assegurado nos feitos administrativos e judiciais a celeridade e a razoável duração do processo.

Não se olvide que a celeridade do processo em demasia pode aturdir os atos processuais, obstaculizando a maturação necessária para o julgamento e prejudicando o devido processo legal.

No caso dos autos, a citação ocorreu em 05.02.2009, a intimação da defesa da expedição da precatória se deu em 19.05.2009, e o despacho que designou a audiência no juízo deprecado para o dia 04.08.2009 foi proferido em 22.07.2009.

Deste modo, observa-se que os prazos processuais respeitaram os princípios da celeridade e devido processo legal, sendo razoáveis para o pleno exercício do contraditório.

E mais, não houve comprovação de prejuízo pela defesa.

Pelo contrário, tanto o defensor constituído como o réu são domiciliados em Florianópolis (procuração de fl. 103), ou seja, na Comarca para onde o ato de inquirição da vítima foi deprecado.

Assim, afasta-se a preliminar.

I.2) Requer a defesa nulidade processual, haja vista que não teve acesso ao depoimento da vítima.

A pretensão resta prejudicada, visto que sobreveio às alegações finais das partes a juntada da precatória inquiritória da vítima (fls. 261-8).

Ato contínuo, foi determinado o aditamento das alegações finais (fl. 269), o que se efetivou às fls. 277-8 e 286-7.

Assim, prejudicada a preliminar.

II - DO MÉRITO

II.1 -
Ao réu é imputada a prática dos delitos tipificados nos artigos 138, 139, 140 c/c art. 141, inciso II, todos do Código Penal.

II.2 - Antes de analisar o mérito propriamente dito, conforme inclusive aventado pela defesa, cumpre adentrar na questão constitucional da liberdade de expressão.

Na teoria ampla da ponderação, sempre que normas constitucionais entrarem em conflito, é preciso avaliar cada caso isoladamente, a fim de que não se torne regra a sobreposição de uma norma sobre outra. Ou seja, pode ocorrer que num caso a norma "A" sobreponha-se a norma "B", mas noutro a "B" é que se sobreponha à "A".

Consoante ensinamentos de Antonio Henrique Graciano Suxberger, o constituinte de 1988 não concebeu a liberdade de expressão como direito absoluto, insuscetível de restrição, seja pelo Judiciário, seja pelo Legislativo (Responsabilidade Penal Sucessiva nos Crimes de Imprensa. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2001).

Esclarece o supramencionado autor que "A liberdade de manifestação do pensamento por meio da imprensa sujeita-se a restrições, na medida em que não violem o seu núcleo essencial, encontrando limites imanentes, mormente quando se choca com outros interesses igualmente tutelados pela norma jurídica".

(...)

"Trata-se, verdadeiramente, de uma reserva legal qualificada, que permite o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos da personalidade em geral. A intervenção estatal na livre manifestação e expressão do pensamento por meio da imprensa pode ser vista, em certa medida, como um conflito de valores constitucionais (nas mais das vezes, entre a liberdade de comunicação e direitos da personalidade, além dos da infância e adolescência), que configuram elementos essenciais da ordem democrático-liberal. Verifica-se, portanto, uma colisão de direitos, onde nenhum deles deve ser considerado, em princípio, superior ao outro".

Continua o doutrinador:

"Inicialmente, é de se verificar que os interesses colidentes são igualmente protegidos pela norma constitucional. De fato, o conflito não é aparente, haja vista que tanto a liberdade de manifestação do pensamento por meio da imprensa quanto a proteção de valores inerentes à dignidade humana, tais como a honra, intimidade, vida privada e imagem, inserem-se no âmbito de proteção constitucional. Por conseguinte, impõe-se o manejo de instrumentos de solução de colisão de direitos fundamentais cabendo ao intérprete-aplicador realizar a ponderação dos bens envolvidos, de sorte a resolver tal embate por meio de um sacrifício mínimo dos direitos em jogo" (...) De acordo com o princípio da concordância prática ou da harmonização, os direitos fundamentais e os valores constitucionais deverão ser harmonizados, no caso sub examine, por meio de juízo de ponderação que vise preservar e concretizar ao máximo os direitos e bens constitucionalmente protegidos".

Na espécie, o conflito está se dando entre o direito à liberdade de manifestação de pensamento de um lado e o direito à intimidade, vida privada, honra e imagem da vítima de outro, ambos com amparo constitucional.

A divulgação de fatos inverídicos por meio da imprensa, se por um lado preserva a manifestação do pensamento, por outro afronta os direitos fundamentais da vítima, que teria seus direitos da personalidade violados.

No caso, a solução mais judiciosa, pela ponderação das normas em conflito, é no sentido da inadmissão da divulgação pública de fatos inverossímeis, por meio de poderoso meio de comunicação, com ingente amplitude, em prejuízo da honra objetiva da vítima.

Neste norte está o artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal, que assegura indenização por dano material, moral ou à imagem, caso excedidos os limites da livre manifestação do pensamento.

Assim, preservados estão ao máximo os direitos e garantias constitucionais.

II.3 - Da calúnia:

Quanto à tipicidade dos crimes contra a honra, "caluniar é fazer uma acusação falsa, tirando a credibilidade de uma pessoa no seio social [...] a calúnia nada mais é do que uma difamação qualificada, ou seja, uma espécie de difamação. Atinge a honra objetiva da pessoa, atribuindo-lhe o agente um fato desairoso, no capo particular, um fato falso definido como crime" (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 596).

No caso em tela, a materialidade se encontra indelevelmente estampada, consoante representação criminal de fls. 2-7, Periódico A Notícia contendo a matéria publicada de fl. 11, Cópia da Ação Civil Pública de fls. 13-31, Relatório de Avaliação de Poluição Sonora de fls. 33-6, Laudo de Vistoria de fls.38-45, Cópia de decisão que determinou a paralisação das atividades que configuram poluição sonora da Escola Jardim Anchieta Ltda (fls. 49-52), Cópia da Decisão do Tribunal de Justiça mantendo a aludida decisão (fls.54-58), Decisão mantendo a anterior (fls. 60-1) e Decisão em Mandado de Segurança (fls. 63-72).

Por outro lado, a autoria restou igualmente caracterizada.

Em Juízo o acusado declarou que não teve o dolo de caluniar, injuriar ou difamar, mas tão somente de demonstrar a indignação do Sindicato das Escolas sobre a atuação do Ministério Público. Disse ainda que ao externar as expressões "amordaçar", "abuso de poder" e "argumentos irracionais", assim o fez em sentido figurado: "Que em momento algum teve intenção de injuriar, difamar ou caluniar a vítima; que pelo teor da carta percebesse que nada há neste sentido; que elaborou a carta a pedido da diretoria do Sindicato; que antes do envio as escolas a carta foi submetida a apreciação da Diretoria; que todos estiveram de acordo, pois era uma manifestação da entidade; que mesmo antes da publicação da carta no jornal as manifestações e reportagens na mídia eram contrárias a ação do Ministério Público de querer fechar a escola em razão do barulho das crianças [...] que já atua no Sindicato acerca de 32 anos e que sua função é exatamente defender os interesses da categoria; que não houve intenção de ofender o Ministério Público ou o Promotor de Justiça ou qualquer pessoa física; que o envio da carta às escolas foi em defesa delas e no sentido de demonstrar a preocupação de eventual extensão de uma decisão envolvendo o Colégio em questão aos demais sindicalizados; [...] que a carta foi subscritora em nome do Sindicato; que o assessor que enviou a carta ao Jornalista chamasse Aldo da Silva Granjeiro; que não esteve em audiências referentes a ação, tendo acesso apenas à petição inicial do Ministério Público [...] que a repercussão da ação foi principalmente negativa no SINEP; que antes a diretoria já tinha deliberado e assim foi feito no sentido de ofício enviado à Procuradoria Geral de Justiça contestando a ação, bem como a própria atuação do Promotor de Justiça naquela ação; que quando lançou no texto da carta "amordaçar", "abuso de poder" e "argumentos irracionais" assim o fez no sentido figurado; que o SINEP e o Ministério Público mantinham e continuam mantendo boas relações institucionais" (fls. 174-6).

Ora, as provas que guarnecem os autos tornam despiciendo qualquer esclarecimento por parte do acusado, bastando por si sós para demonstrar a autoria acerca dos fatos, bem como o dolo, no tocante ao crime de calúnia.

A vítima Alexandre Herculano de Abreu disse: "que reitera o dito na representação criminal que está acostada no processo criminal e às fls. 10/15 desta deprecata, sendo que tudo que ali foi dito foi comprovado documentalmente; que entende não ter havido uma mera crítica, ainda mais feita por um advogado, que tem conhecimento jurídico para entender que a ação civil pública intentada pelo Ministério Público não foi contra a criança ou com intenção de amordaçá-las e sim que foi uma ação alicerçada em um procedimento administrativo em que foi juntado nesse procedimento documentos oficiais de órgãos públicos e que deram ensejo à ação contra o colégio, o município e a Floram, visando à adequação do estabelecimento escolar em relação a emissão sonora e as construções irregulares certificadas pelos órgãos públicos; que esclarece que tal ação foi alicerçada num programa institucional do Ministério Público chamado 'Silêncio Padrão', em que em Florianópolis foram intentadas várias ações contra o colégio, igrejas, bares e outros; [...] que em momento algum nas petições pelo ofendido feitas foi dito 'que barulho de criança faz mal à saúde'; que isso quem escreveu dentro de um contexto foi o magistrado, e não precisaria aqui defendê-lo, mas como se sabe ao ler a sentença, e muito mais um advogado como um missivista, tal frase foi dita referenciando a questão do barulho natural e que não tinha condão do magistrado de qualquer ofensa; que apenas para registrar a ação foi lastreada através de documentos oficiais que foram questionados pelo colégio, sendo que a´te aí tudo bem, entretanto, o juiz determinou uma perícia judicial, portanto, independente, que foi juntada à ação em fevereiro e que ratifica os documentos oficiais, inclusive colocando que somente com a realização de obras de demolição, adequação da taxa de ocupação, inclusão de estacionamento e a retirada da quadra esportiva é que se tornaria possível fazer com que o objeto demandado pudesse ser regularizado, e ainda, no relatório, é dito que a atividade externa desenvolvida na escola é geradora de ruídos superiores aos permitidos, tanto na legislação federal (mais restritiva) quanto na legislação municipal, necessitando de extenso projeto de tratamento acústico; que a perícia está acostada aos autos nº. 023.06.368830-4 da ação civil pública [...]" (fls. 266-7).

Por outro lado, a testemunha da defesa Marcelo Batista de Souza disse: "Que é proprietário de escola em Florianópolis; que é presidente do Sindicato de Escolas Particulares de Santa Catarina acerca de 8 anos; que o Sindicato representa todas escolas particulares de Santa Catarina; que tomou conhecimento sobre ação do Ministério Público em face da Escola Jardim Anchieta, envolvendo problemas com a vizinha e barulho das crianças; que o SINEP atuou na defesa da Escola a pedido desta; que o SINEP deliberou por encaminhar cartas de protesto em face da ação, inclusive a Corregedoria do Ministério Público; que o depoente elaborou ofício a Corregedoria e as cartas as escolas foram elaboradas pelo réu, conforme decidido pelo SINEP; que a imprensa é que se apropriou do conteúdo das cartas; que mesmo antes da publicação da carta no jornal já havia repercussão da ação civil pública na imprensa; que a matéria que o depoente assistiu criticava a atuação do Ministério Público; que o SINEP já mantinha relação com o Ministério público e continuou mantendo mesmo depois dos fatos, inclusive com convênio. [...] Que o depoente sofre ação proposta pela vítima; que o SINEP também sofre; que nada conhece que desabone a conduta do réu; Passada a palavra à acusação, respondeu: Que não recorda se na carta elaborada pelo réu estava escrito que o Ministério Público agiu com abuso de poder; que sempre que se reúnem fazem ata e as comunicações às escolas são feitas não existindo um termo específico a nominar o documento; que o SINPE não determinou, pois seria um absurdo que na carta houvesse declaração de abuso de poder pelo Promotor de Justiça ou que esse tivesse agido irracionalmente com prejuízo as crianças" (fls. 143-4).

Já a testemunha da defesa Aldo da Silva Grangeiro declarou: "Que é assessor de imprensa do SINEP; que a escola em questão procurou o SINEP para defesa em ação civil pública do Ministério Público que pretendia fechar a escola pro problemas com a obra e barulho das crianças; que a procura foi para que o SINEP desse apoio e esclarecesse a situação; que o SINEP deliberou que o presidente faria uma notificação a Corregedoria do Ministério Público e o sindicato notificaria as escolas através de uma carta esclarecendo a atuação do Ministério Público sobre o episódio; que deliberou-se ainda que a carta seria escrita pelo diretor executivo no caso o réu; que a orientação da carta era para que criticasse a atuação do Ministério Público no episódio; que mesmo antes da publicação da carta pela imprensa já havia grande repercussão na mídia sobre a ação civil pública em questão; que a impressa registrou o caso como fora do comum, pois se tratava de escola envolvendo ruído das crianças; que tanto antes quanto depois dos fatos o SINEP mantinha e continua mantendo relações institucionais com o Ministério Público; que nada conhece que possa desabonar a conduta do réu; que a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público causou indignação ao SINEP; que outras escolas associadas temiam sofrer ação idêntica. Passada a palavra à acusação, respondeu: que o SINEP não enviou cartas a imprensa; que a imprensa é que procurou o SINEP; que o depoente apenas atendeu a imprensa, mas não entregou carta alguma; que não tem conhecimento de como a imprensa obteve a carta; que a carta que foi as escolas foi a mesma publicada" (fls. 145-6) (sublinhou-se).

Por sua vez, a testemunha da defesa Ana Paula D. Kohler Zanella asseverou: "Que é diretora do Colégio Jardim Anchieta e também Diretora do SINEP; que a ação civil pública em questão era referente a poluição sonora decorrente do barulho das crianças; que assim que foram intimados da ação procuraram os advogados e a assessoria do SINEP; que a diretoria do SINEP ficou indignada com a situação, pois outros colégios também podiam ser atingidos em efeito cascata e resolveu apoiar a escola; que as atas das reuniões são públicas; que todas as escolas recebem as comunicações; que a carta que foi enviada a imprensa também foi enviada as escolas; que a deliberação pelo envio as escolas foi da diretoria. A depoente disse que não falou que a carta tinha sido enviada a imprensa, mas que chegou a imprensa. A defesa também disse que não foi esta a declaração. A testemunha foi reticente a responder a pergunta sobre cartas. Neste ato o segundo advogado passou a perguntar tendo o Juiz dito que como o réu também atuava em defesa própria deveria perguntar pelo defensor. O defensor informou que a pessoa que o acompanhava era também advogado e não o réu e que o réu aguardava fora da sala, pois não apregoado. A defesa disse que não havia problema e não pretendia renovar os atos. A defesa insistiu em dizer que a testemunha disse "a carta do jornal que foi enviada às escolas". A declaração supra foi mantida. Que além da carta não houve deliberação do SINEP; que a escola teve sua quadra de esportes interditada, em razão da ação civil pública; que já foi liberada há dois anos em razão de recurso; que mesmo antes da publicação da carta no jornal a imprensa nacional e regional já tinha tratado da ação civil pública proposta; que na maioria das vezes a imprensa criticava a atuação do Ministério Público; que o Ministério Público permanece mantendo relações institucionais com o SINEP; que nada sabe de fato que possa desabonar a conduta do réu; Passada a palavra à acusação, respondeu: que não recorda do SINEP ter deliberado que a carta contivesse expressões ofensivas ao Promotor de Justiça; que leu a carta e o teor não era muito diferente do que já circulava anteriormente na imprensa; que todos os ofícios e cartas do SINEP são feitos pelo diretor executivo no caso o réu, incluindo a carta em questão" (fls. 147-8).

A testemunha da defesa Cláudio Lange Moreira, finalmente, afirmou: "Que é assessor da diretoria do SINEP e recorda da ação civil pública em questão, que tratava do barulho das crianças e questionava obras; que o objetivo do Ministério Público com a ação era fazer cessar as atividades da escolas; que o SINEP foi procurado pela escola; que a diretoria tomou conhecimento da situação e deliberou por encaminhar carta as instituições afiliadas ao Sindicato, marcando posição contra a atuação do Ministério Público nesta questão; que o responsável pela confecção da carta era o réu haja vista o cargo de diretor executivo; que o SINEP ficou indignado com a atuação do Ministério Público, pois aquela postura poderia atingir a toda categoria; que já havia repercussão na imprensa sobre a ação civil pública, mesmo antes da publicação da carta no jornal; que a repercussão na imprensa era no sentido de crítica não atuação específica do promotor, mas na atuação do Ministério Público pelo enfoque dado de que o barulho das crianças faria mal a saúde; que leu a carta redigida pelo réu; que a carta vinha ao encontro daquilo que já repercutia na imprensa; que o SINEP também deliberou por oficiar ao Procurador Geral de Justiça, cujo o conteúdo era demonstrar a insatisfação da atuação do Ministério Público; que o Ministério Público e o SINEP mantem relações institucionais; que nada conhece que desabone a conduta do réu. Passada a palavra à acusação, respondeu: que apesar dos enfoques serem semelhantes o conteúdo do ofício ao Procurador Geral e da carta eram diferentes" (fls. 149-50).

Vale dizer, a defesa afirma que o SINEP (Sindicato das Escolas Particulares) não encaminhou a carta à imprensa mas sim que foi ela apropriada, bem como que seu conteúdo é a opinião de todo o sindicato.

Acontece que o fato da carta ter ou não sido encaminhada pelo sindicato à imprensa não tem o condão de isentar a responsabilidade do delito de calúnia. A uma porque a autoria da carta pelo réu é confirmada. A duas porque, segundo as testemunhas, a carta já havia circulado entre diversas escolas, atingindo grande repercussão, servindo a publicação pela imprensa somente para ampliar a divulgação dos fatos. E a três, porque as próprias testemunhas da defesa confirmaram que o sindicato deliberou por encaminhar cartas de protesto em face da ação do Ministério Público, incluindo a subscrita pelo réu.

Ou seja, mesmo que a imprensa houvesse se apropriado e publicado a carta sem autorização do subscritor, no caso o réu, ela já havia sido encaminhada às escolas, dando publicidade ao fato. Ademais, o réu e o sindicato estavam em constante repasse de informações à imprensa sobre os fatos atinentes ao fechamento da Escola Jardim Anchieta.

Por outro vértice, afirma a defesa que a carta era parecida com outras opiniões estampadas na imprensa, assim como a opinião era de todos os integrantes do SINEP. Juntou ela diversas moções de repúdio, estampadas em periódicos de circulação estadual, firmadas mormente por sindicatos, diretores de escolas e colunistas, demonstrando inconformismo à decisão judicial (fls. 177-218).

Neste aspecto, muito embora a opinião do sindicato fosse reconhecidamente contrária à atuação do Ministério Público, foi na carta estampada no Jornal A Notícia de fl.11 que continha a imputação de fato criminoso (abuso de autoridade) ao Promotor de Justiça.

No mais, todas as decisões da justiça, de 1º e 2º graus, foram uníssonas no sentido de amparar a atuação do Ministério Público, na pessoa do Promotor de Justiça Alexandre Herculano de Abreu, conforme decisão judicial de fls. 49-52 (documento 7 da denúncia), decisão do Tribunal de Justiça em Agravo de Instrumento de fls. 54-8 (documento 8 da denúncia), decisão do Tribunal de Justiça em pedido de reconsideração de fls. 60-1 (documento 9 da denúncia) e decisão em mandado de segurança de fls. 63-72 (documento 10 da denúncia).

Além disso, as matérias de repúdio foram posteriores ao artigo subscrito e publicado pelo réu.

Ainda se assim não fosse, este fato não isentaria a responsabilidade por invectivas à honra.

A versão da defesa, no sentido de que a opinião expressa pelo réu é coincidente de outras pessoas e até de setores da sociedade, não o exime do fato de ter imputado o delito de abuso de autoridade à vítima.

Extrai-se do artigo subscrito pelo réu "Barulho de criança faz mal à saúde": "No entendimento do Ministério Público de Santa Catarina, especificamente do promotor Alexandre Herculano de Abreu e do juiz substituto Ezequiel Rodrigo Garcia, o barulho provocado pelas crianças "é prejudicial à saúde". É exatamente isso mesmo. Para que se tenha uma noção mais exata, transcrevo parte da decisão do citado juiz substituto, que bem define a ideologia adotada: "(...) O agrupamento de crianças e adolescentes naturalmente produz muito barulho, e esse barulho, não precisaria nem dizer, é mais do que incômodo, é realmente prejudicial à saúde" (folha 174 do processo movido contra o Colégio Jardim Anchieta, de Florianópolis). Importante ressaltar que, a manter-se o entendimento do ministério público e do juiz substituto, todas as escolas públicas ou particulares de Santa Catarina seriam fechadas, porque as crianças e os adolescentes, em suas brincadeiras, ultrapassariam os 50 decibéis de ruídos e, por via de conseqüência, estariam causando mal à saúde da população. Um perigo, para não dizer, uma vergonha para nosso Estado! O caso chama a atenção quando se percebe que essa afirmação parte de um órgão responsável pela preservação dos direitos das crianças e, pior, é acolhida e confirmada por um juiz de direito em início de carreira. Chegar a ponto de afirmar que criança brincando no intervalo (recreio) de aulas é prejudicial à saúde afronta os mais comezinhos princípios do Estado de direito. Na verdade, o que o ministério público está tentando fazer é amordaçar as crianças, porquanto chega a ser irracional a argumentação de que criança brincando é prejudicial à saúde. Vivemos numa época em que se debate o direito da criança de se expressar; de participar da vida em sociedade; de exercer sua cidadania de maneira ampla e irrestrita. E somos pegos de "surpresa" com uma ação que visa a fechar um estabelecimento de ensino porque o "barulho" das crianças é prejudicial à saúde. O que o ministério público, o juiz e a Floram - esta responsável pelo laudo técnico - consideram excessos são os ruídos que ultrapassam o limite de 50 decibéis, por 30 segundos. Para se ter uma idéia do que isso significa: um aparelho de ar condicionado ligado a seis metros de distância equivale a 60 decibéis. Esse é o ruído considerado "prejudicial à saúde", provocado pelas crianças. Com certeza, o ar-condicionado da casa do promotor, do juiz e dos técnicos da Floram causam mais mal à saúde do que a brincadeira das crianças no recreio da escola! Acho que está na hora de a corregedoria fazer seu papel. Não se admite mais esse tipo de abuso de poder. Salvemos a alegria das crianças, abaixo o autoritarismo!" (fl. 11) (sublinhou-se).

Assim sendo, observa-se, sem sombra de dúvidas, que foi noticiada pelo réu a prática de conduta delituosa por parte da vítima. Aliás, a notícia foi apresentada em periódico de circulação estadual, e continha trecho exigindo que a Corregadoria apurasse o crime de abuso de poder por parte do Promotor de Justiça.

Já no tocante à tese da defesa de inexistência de dolo específico, urge tecer alguns comentários.

Sobre este aspecto, relevante relembrar que além da prática do núcleo descrito no tipo, a existência do tipo subjetivo, ou melhor, do dolo em perpetrá-la, é imprescindível para configuração da tipicidade.

A este respeito acertadamente ensinou Juarez Cirino dos Santos: "O dolo, conforme um conceito generalizado, é a vontade consciente de realizar um crime, ou, mais tecnicamente, o tipo objetivo de um crime, também definível como saber e querer em relação às circunstâncias de fato do tipo legal. Assim, o dolo é composto de um elemento intelectual (consciência, no sentido de representação psíquica) e de um elemento volitivo (vontade, no sentido de decisão de agir), como fatores formadores da ação típica dolosa" (A moderna Teoria do Fato Punível. 4ª ed. pág. 62).

Esclareça-se, por oportuno, que muito embora a subjetividade da questão possa parecer obstaculizar sua resolução, a melhor metódica, observada nas ensinanças de Eugênio Pacelli de Oliveira, orienta como proceder, in verbis:

"Em relação especificamente à prova da existência do dolo, e de alguns elementos subjetivos do injusto (elementos subjetivos do tipo, já impregnado pela ilicitude), é preciso uma boa dose de cautela. E isso se dá porque a matéria se localiza no mundo das intenções, onde não é possível uma abordagem mais segura.

"Por isso, a prova do dolo (também chamado de dolo genérico) e dos elementos subjetivos do tipo (conhecidos como dolo específico) é aferida pela via do conhecimento dedutivo, a partir do exame de todas as circunstâncias já devidamente provadas, e utilizando-se como critério de referência as regras da experiência comum do que ordinariamente acontece. É a via da racionalidade. Assim, quem desfere três tiros na direção de alguém, via de regra, quer produzir ou aceita o risco de produzir o resultado morte. Não se irá cogitar, em princípio, de conduta imprudente ou de conduta negligente, que caracterizam o delito culposo
.

"Nesses casos, a prova será obtida pelo que o CPP chama de indícios, ou seja, a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução (trata-se, à evidência, de dedução), concluir-se a existência de outra e de outras circunstâncias" (Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de Processo Penal. 5ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005).

Segundo depreende-se, a celeuma posta, relativa a efetiva ciência do réu sobre o delito que estaria imputando falsamente à vítima, deve ser desnudada através de métodos dedutivos, à luz das regras de experiência comum.

Tratando-se de pessoa atuante em Sindicato de Escolas Particulares e advogado, forçoso concluir não ser o réu alheio ao modus operandi da divulgação pública de fatos de tamanha repercussão.

Com efeito, somando-se ao depoimento da vítima a cópia do periódico contendo o artigo redigido, não subsiste qualquer dúvida a respeito do dolo.

Em outras palavras, apesar do réu cogitar que prestou a declaração em sentido figurado e que a opinião retratava o pensamento também de outras pessoas, as teses não afastam o prejuízo à honra objetiva da vítima. O réu disse claramente que a corregedoria deveria cumprir seu papel, no caso aplicar punição ao Promotor em face do abuso de poder. E ainda acrescentou a expressão "abaixo o autoritarismo", não deixando dúvidas de estar imputando a prática de crime à vítima.

Finalmente, quanto à alegação da defesa de que o réu agiu no exercício da livre manifestação de pensamento, em razão de preceito constitucional, pela ponderação de valores não parece de bom tom escudar a ação praticada com o manto constitucional, como acima já fundamentado.

Com efeito, efetivamente o réu caluniou a vítima, pois propalou contra ela fato falso, definido como crime.

II.4 - Quanto à difamação e injúria:

No tocante ao delito de difamação, o fato imputado à vítima não é definido como crime, ao contrário da calúnia. Isto considerando, sendo delitos da mesma espécie e tratando-se do mesmo fato, consoante doutrina supra citada, quando presente a calúnia excluída estará a difamação.

Aliás, segundo Celso Delmanto, somente é admitido o concurso formal entre os crimes de calúnia e injúria, e não entre calúnia e difamação. É que a calúnia e injúria, embora pertençam a igual categoria (crimes contra a honra), são de espécies diferentes, possuindo bens jurídicos tutelados diversos (Código Penal Comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002).

Outrossim, analisando-se detidamente os autos, não se visualiza a ocorrência do delito de injúria.

Injuriar significa ofender ou insultar. Além disso para a concretização do tipo é preciso que a ofensa atinja a dignidade ou o decoro de alguém, com o dolo específico para tanto (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 603).

Tratando-se de imputação de fato criminoso falso por meio de imprensa, verifica-se que o dolo foi de divulgar o fato a terceiros, por meio de imprensa, ofendendo a honra objetiva. Não houve intenção específica por parte do réu de ofender a honra subjetiva da vítima, ou seja, conforme se viu o dolo foi de transmitir imputação falsa de fato definido como crime.

Neste sentido, conforme as ensinanças de Guilherme de Souza Nucci, "o preenchimento do tipo aparentemente pode haver (o dolo existiu), mas não a específica vontade de macular a honra alheia (o que tradicionalmente chama-se 'dolo')" (Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 603).

Assim sendo, cumpre absolver o réu das imputações de difamação e injúria, com base no art. 386, inciso III, do CPP.

III - Quanto à fixação do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração (art.387, IV, do CPP - nova redação):

Como já firmado no caput do art.63, do CPP (nova redação) a sentença condenatória transitada em julgado pode de imediato ser executada no cível para reparação do dano sofrido pela vítima. O problema enfrentado era que previamente à execução era necessário normalmente fazer a liquidação da sentença. Agora, independentemente desta liquidação para apuração do prejuízo efetivamente sofrido, conforme o inciso IV do art.387, o valor mínimo da reparação pode ser fixado pelo juiz criminal ao prolatar a sentença condenatória. A pergunta é se para isso haveria possibilidade/necessidade de se alargar a instrução, até mesmo com assistente de acusação, no intuito de oferecer parâmetros para a fixação do valor mínimo na sentença? Em princípio não. A instrução penal não pode ir além da comprovação do tipo do injusto, antijuridicidade e justificação, culpabilidade e exculpação, autoria e participação. Adentrar em seara alheia para fins civis não se coaduna com o objetivo do processo penal, cuja definição moderna resume-se num sistema de garantias do cidadão em face do poder do estado em punir (Canotilho - Cadernos democráticos, Estado de direito. Lisboa: Gradiva, 1999). Com efeito, prejudicada a fixação do valor mínimo para reparação dos danos.

IV - PASSO A APLICAR A PENA PARA O DELITO DE CALÚNIA:

A culpabilidade, entendida como o grau de censura contido na ordem jurídica para reprovação da conduta do agente, deve ser considerada acentuada. Sendo o réu atuante no Sindicato das Escolas Particulares e advogado, merece maior reprovação em conseqüência. Aliás, por estes mesmos motivos, sua capacidade de compreensão a respeito do caráter criminoso da conduta se eleva. O réu não possui antecedentes criminais (certidões de fls. 124 e 219-20). Sobre a conduta social e a personalidade não foram amealhados elementos suficientes nos autos. Os motivos são próprios à espécie. As circunstâncias devem ser consideradas graves. É que o delito foi cometido de forma que a divulgação da calúnia foi em muito facilitada. Os fatos caluniosos foram apresentados em periódico de circulação em todo o Estado de Santa Catarina, o que aumentou a amplitude da divulgação dos fatos. Registre-se não caracterizar bis in idem a utilização deste fato nesta fase, uma vez que não será utilizado como causa de aumento. As conseqüências foram normais. O comportamento da vítima em nada contribuiu para o delito.

Diante destas circunstâncias judiciais, aplico a pena-base ao réu em 1 (um) ano de detenção e 50 (cinqüenta) dias-multa.

Ausentes quaisquer circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Presentes as causas de aumento pelo fato do crime ter sido cometido contra funcionário público, em razão de suas funções (art. 141, inciso II, do CP), bem como pelo fato do crime ter sido praticado por meio que facilite a divulgação da calúnia (art. 141, inciso III, do CP), todavia, aplico tão somente a primeira para aumentar a pena em 1/3 (um terço).

Inexistem causas de diminuição da pena.

Fixo, destarte, definitivamente a pena em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de detenção e 66 (sessenta e seis) dias multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Em face do quantum de pena privativa de liberdade aplicada, deverá esta ser cumprida em regime inicialmente aberto (art.33, parágrafo 2º,alínea 'c', do CP).

Igualmente face ao quantum aplicado e porque satisfeitos os requisitos dos incisos do art. 44 do CP, deverá a pena privativa de liberdade ser substituída por duas restritivas de direito (CP, art. 44, §2º). A primeira consistente na prestação de serviços à comunidade, na razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e a segunda consistente na limitação de finais de semana, nos termos do art. 48 do CP.

Face à substituição da pena privativa de liberdade, incabível se mostra a suspensão de sua aplicação (art. 77, inc. III, do CP).

EX POSITIS:

JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA
para ABSOLVER o réu OSMAR DOS SANTOS, já qualificado, das imputações que lhe foram feitas na exordial no tocante aos delitos tipificados nos arts. 139 e 140, ambos do Código Penal, com base no art. 386, III, do CPP.

JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA para dar o acusado OSMAR DOS SANTOS, já devidamente qualificado no preâmbulo destes autos, como incurso nas sanções do art. 138, c/c art. 141, incisos II e III, ambos do Código Penal. Em conseqüência, CONDENO o acusado ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de detenção e 66 (sessenta e seis) dias multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Custas ex lege.

A pena de multa deverá ser paga na forma do art. 50 do Código Penal.

Em face do quantum da pena aplicada, deverá o réu cumprir a pena privativa de liberdade aplicada em regime inicialmente aberto.

Visto que atendidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade aplicada por duas restritivas de direitos, consistentes, i) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 46 do CP), que deverão ser cumpridas na razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, observada a faculdade contida no §4º do art. 46 e; ii) limitação de finais de semana, nos termos do art. 48 do CP.

Na forma do art.387, parágrafo único, do CPP, em razão da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como pelo fato do réu ter respondido ao processo solto, ausentes os pressupostos do art. 312 do CPP, deixo de decretar a prisão preventiva ou outra medida cautelar.

Quanto à fixação do valor mínimo para reparação (art.387, IV, do CPP - nova redação), não admitida dilação probatória no respeitante ao prejuízo sofrido, impossível a fixação, conforme acima já fundamentado.

Transitada em julgado, tome o cartório as seguintes providências:

1) Encaminhe-se cópia desta ao Sr. Administrador do Presídio/Delegacia de Polícia;

2) Remeta-se o boletim individual à Secretaria da Segurança Pública;

3) Comunique-se ao Juízo Eleitoral para as providências cabíveis;

4) Comunique-se à Corregedoria-Geral da Justiça;

5) Lance-se o nome do réu no rol dos culpados, fazendo-se as anotações de estilo;

6) I-se o réu para pagamento das custas processuais e pena de multa, assinalando-se o prazo de 10 (dez) dias (art. 50 do CP);

7) Extraia-se o PEC e encaminhe-se à Vara da Execução Penal para início do cumprimento da pena restritiva de direitos aplicada;

8) Encaminhe-se cópia da sentença à OAB/SC para as providências cabíveis.

Publique-se. Registre-se. (art. 389 do CPP). Intimem-se (art. 370, §4º, do CPP).

Joinville (SC), 11 de fevereiro de 2010.

João Marcos Buch
Juiz de Direito



JURID - Advogado é condenado por calúnia. [18/02/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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