Execução de título extrajudicial. Emissão de cheques com lastro em relação jurídica.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.
Julgamento: 19/01/2010 Órgão Julgador: 1ª Câmara Cível Classe: Apelação Cível
Apelação Cível nº 2009.007226-6.
Origem: 5ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN.
Apelante: Posto Santa Beatriz Ltda.
Advogados: Dr. Hindenberg Fernandes Dutra (3838/RN) e outro.
Apelado: Dickson Ricardo Nasser dos Santos.
Advogado: Dr. Pedro Avelino Neto (855/RN).
Relator: Des. Expedito Ferreira.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EMISSÃO DE CHEQUES COM LASTRO EM RELAÇÃO JURÍDICA. POSTERIOR DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO FIRMADO COM O CREDOR ORIGINÁRIO. TÍTULOS DE CRÉDITO SEM JUSTA CAUSA. DÍVIDA INEXISTENTE. TRANSMISSÃO DOS CHEQUES APÓS O ENCERRAMENTO DA RELAÇÃO. ENDOSSO PROMOVIDO DE FORMA IRREGULAR. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DAS CÁRTULAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. APELO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima nominadas:
Acordam os Desembargadores da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao apelo interposto, confirmando a sentença hostilizada em todos os seus pontos, nos termos do voto do relator.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Posto Santa Beatriz Ltda. em face de sentença proferida pelo juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN, às fls. 53-56, que julgou procedentes os embargos à execução interpostos, declarando a inexistência do negócio jurídico firmado entre as partes, excluindo o Sr. Dickson Ricardo Nasser dos Santos do pólo passivo da execução registrada sob o nº 001.03.017302-8, tornando sem efeito todos os atos de constrição judicial porventura efetuados em desfavor do recorrido.
No mesmo dispositivo sentencial, condenou o apelante ao pagamento das verbas sucumbenciais.
Em suas razões recursais, às fls. 75-84, aduz o apelante, em síntese, que não há utilidade na escusa apresentada pelo recorrido, tendo em vista que fundada em exceção pessoal oponível unicamente ao portador originário dos títulos.
Assegura que descabe verificar a existência de endosso feito pelo próprio emitente do título ao portador originário, sobretudo considerando a natureza jurídica do cheque.
Pontua não possuir qualquer relação jurídica com o recorrido, não podendo ser prejudicado em seu direito de crédito por situações para as quais não concorreu com sua conduta.
Esclarece que os cheques exequendos teriam sido entregues à empresa Zoom importadora pelo próprio emitente, lhes sendo posteriormente transmitidos por endosso.
Alega que todos os títulos apresentam assinatura da representante legal da empresa endossante, conforme estabelece o artigo 19, da Lei nº 7.357/85, não havendo qualquer irregularidade que autorize o julgamento de procedência do embargos à execução propostos.
Ressalta a natureza dos cheques como títulos passíveis de circulação pelo simples endosso, circunstância que impede a discussão sobre a causa debendi.
Alterca que a sentença recorrida contraria o disposto no artigo 13 da Lei do Cheque, bem como a jurisprudência desta Corte de Justiça.
Registra que o apelado admitiu expressamente que os títulos foram emitidos como forma de pagamento de negócio jurídico de compra e venda, sendo seu dever processual demonstrar que os títulos teriam sido adquiridos pelo portador em decorrência de má-fé.
Assevera que não existem provas quanto aos termos do pretenso contrato firmado entre o devedor e a empresa Zoom importadora, não sendo possível o exame acerca da alegada violação contratual suscitada nos embargos interposto no primeiro grau de jurisdição, do mesmo modo que sequer se demonstra que os cheques executados seriam aqueles utilizados na transação comercial em questão.
Aponta que a petição inicial foi distribuída sem a apresentação de cópias dos cheques executados, razão pela qual seria devida a extinção do processo sem julgamento de mérito.
Prequestiona os artigos 13 e 19, §1º, da Lei nº 7.357/85 e artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil.
Por fim, pugna pelo provimento do apelo, para que seja reformada a sentença recorrida, julgando-se improcedente o pleito trazido na inicial, com a inversão dos ônus sucumbenciais.
Intimado, deixou o apelado de ofertar contrarrazões no prazo legal, conforme certidão de fl. 125, v.
Instado a se manifestar, o Ministério Público, através da 2ª Procuradoria de Justiça, às fls. 129-133, declinou de sua intervenção no feito por ausência de interesse público.
É o que importa relatar.
VOTO
Preenchidos os pressupostos legais, voto pelo conhecimento do presente apelo.
No caso em análise, pretende o apelante a declaração de validade do débito consubstanciado nos cheques referidos na inicial, sob o argumento de que os títulos seriam válidos, mormente em face de sua transmissão mediante regular endosso.
Conforme relatado em linhas pretéritas, sustenta o apelante que referidos títulos lhes foram transmitidos pela empresa Zoom Importadora, a qual realizou negócio jurídico diretamente com o recorrido.
Registre-se, por salutar, que, nada obstante o cheque possua os caracteres de abstração e autonomia, possível é a análise pelo Poder Judiciário do negócio jurídico que lhe deu origem, sobretudo quando a obrigação restar firmada em flagrante desrespeito à ordem jurídica ou se for configurada a má-fé do possuidor do título.
Neste diapasão, válida a transcrição:
Ementa: "Processual Civil. Comercial. Recurso especial. Execução. Cheques pós-datados. Repasse à empresa de factoring. Negócio subjacente. Discussão. Possibilidade, em hipóteses excepcionais. - A emissão de cheque pós-datado, popularmente conhecido como cheque pré-datado, não o desnatura como título de crédito, e traz como única conseqüência a ampliação do prazo de apresentação. - Da autonomia e da independência emana a regra de que o cheque não se vincula ao negócio jurídico que lhe deu origem, pois o possuidor de boa-fé não pode ser restringido em virtude das relações entre anteriores possuidores e o emitente. - Comprovada, todavia, a ciência, pelo terceiro adquirente, sobre a mácula no negócio jurídico que deu origem à emissão do cheque, as exceções pessoais do devedor passam a ser oponíveis ao portador, ainda que se trate de empresa de factoring. - Nessa hipótese, os prejuízos decorrentes da impossibilidade de cobrança do crédito, pela faturizadora, do emitente do cheque, devem ser discutidos em ação própria, a ser proposta em face do faturizado. Recurso especial não conhecido." (REsp. 612423/DF, 3ª Turma do STJ, Ministra Nancy Andrighi, j. 26/06/2006).
No feito em tela, ficou comprovado que o negócio jurídico que deu origem à emissão das cártulas, de sorte a permitir a apreciação sobre a idoneidade dos títulos de crédito apontados na peça vestibular, foi desfeito pelo recorrido e a empresa Zoom Importadora, conforme documento de fl.12.
Deste modo, não há razoabilidade na pretensão da apelante, ao buscar o recebimento dos cheques a si transmitidos, uma vez que a relação jurídica que deu origem aos títulos restou regularmente desfeita.
Nesta ordem, não se justifica o direito de crédito consubstanciados nas cártulas, tendo em vista que a relação jurídica que lhes dava suporte foi regularmente desfeita pelas próprias partes envoltas no vínculo originário.
Saliente-se, por ser de bom alvitre, que o recorrido não pode ser prejudicado pela falta de cautela da empresa Zoom Importadora, que deveria lhe ter devolvido os cheques, e, ao invés, repassou os títulos a terceiro.
Analisando os títulos que são objeto de execução pelo apelante, constata-se que o primeiro seria datado para o dia 26 de março de 2003, tendo sido apresentado na data correta para pagamento.
Ocorre que, analisando o documento de fl. 10, constata-se que o recorrido dirigiu-se à agência do banco sacado já em 25 de março de 2003, realizado naquela oportunidade oposição ao pagamento do demais cheques colacionados à inicial.
Desta forma, em que pese os argumentos listados no apelo, demonstram os autos que houve o efetivo desfazimento do negócio jurídico que deu origem aos títulos em questão, havendo também a legítima comprovação acerca da oposição de pagamento aos cheques pelo emitente, sendo revelada a falta de zelo da Zoom Importadora ao transmitir os cheques ao recorrente, bem como desta última ao receber os mesmos títulos.
Emerge, assim, a boa-fé do recorrido, sendo igualmente legítima sua escusa apresentada no primeiro grau de jurisdição.
Desta feita, o crédito constante nos títulos executados não poderia ser cobrado ao recorrido, uma vez que o negócio jurídico que lhe deu origem foi desfeito de forma regular, restando ao apelante promover a cobrança junto à empresa endossante, não havendo que se realizar qualquer reparo no julgado hostilizado.
De resto, insta analisar os dispositivos objeto de prequestionamento no bojo das razões do presente apelo.
Quanto ao artigo 13 e artigo 19, §1º, da Lei nº 7.357/85, não há transgressão aos seus conteúdos, visto que, conforme referido em parágrafos precedentes, com o regular desfazimento do negócio jurídico que originou a emissão dos títulos, não mais subsistiria o crédito consubstanciado nas cártulas ao tempo da execução.
No tocante ao artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, válido ressaltar que também inexiste qualquer afronta ao comando normativo mencionado, uma vez que o recorrido demonstrou de maneira satisfatória a idoneidade dos seus fundamentos, mormente no referente à prova da desconstituição do negócio firmado com o empresa endossante.
Ante o exposto, não havendo razões que determinem alteração na conclusão disposta na sentença, voto pelo conhecimento e desprovimento da apelação cível interposta, mantendo-se inalterada a decisão proferida no juízo de primeira instância.
É como voto.
Natal, 19 de janeiro de 2010.
Des. Dilermando Mota
Presidente
Des. Expedito Ferreira
Relator
Dr. Humberto Pires da Cunha
14º Procurador de Justiça
JURID - Execução de título extrajudicial. Emissão de cheques. [02/02/10] - Jurisprudência
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