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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

JURID - Consumidor. Contrato de financiamento bancário. [12/02/10] - Jurisprudência


Consumidor. Apelação cível. Contrato de financiamento bancário. Força obrigatória dos contratos.


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

Processo: 2009.010239-4

Julgamento: 19/01/2010 Órgao Julgador: 1ª Câmara Cível Classe: Apelação Cível

Apelação Cível n° 2009.010239-4

Origem: 2ª Vara Cível da Comarca de Mossoró/RN.

Apelante: Banco Finasa S.a..

Advogado: Marcelo Victor Bezerra de Melo. 6262/RN

Apelada: Sheyla Michele de Souza Silva.

Advogado: Kennedy Salvador de Oliveira. 6638/RN

Relator: Desembargador DILERMANDO MOTA.

EMENTA: CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO. FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS. POSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL EM CASO DE ABUSIVIDADE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. INCONSTITUCIONALIDADE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO DEVIDA. PRECEDENTES. APELO DESPROVIDO.

1. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às relações entre as instituições financeiras e seus clientes por força da Súmula nº 297 do STJ.

2. É direito do consumidor a modificação das cláusulas contratuais quando essas se mostram abusivas ou implicam em onerosidade excessiva, nos termos do art. 6º, V do CDC.

3. O Tribunal Pleno do E. TJRN, na Argüição de Inconstitucionalidade nº 2008.004025-9/0002.00, firmou entendimento pela inconstitucionalidade do art. 6º da MP nº 2.170/2001, expurgando do ordenamento jurídico dispositivo legal que permitia capitalização mensal de juros.

4. Tendo o recorrente cobrado quantia excessiva, a repetição desse excesso é medida que se impõe por força do art. 42, parágrafo único, do CDC.

5. A consignação das parcelas contratuais em juízo afasta a mora, nos termos do art. 334 do Código Civil.

6. Apelo conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao apelo, nos termos do voto do relator que integra este acórdão.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta pelo Banco Finasa S.a. em face de sentença proferida pelo(a) Dr(a). José Herval Sampaio Junior, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Mossoró, que, nos autos da Ação de Revisão de Contrato de nº 106.08.006696-2, promovido por Sheyla Michele de Souza Silva, julgou procedente os pedidos autorais.

Em suas razões, o Apelante invoca o princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) para fundamentar a manutenção do contrato nos termos em que foi pactuado.

Defende a legalidade da capitalização de juros.

Argumenta que a Apelada não faz jus a repetição do indébito, uma vez que sabia previamente o valor das parcelas mensais previstas no contrato.

Afirma que ser devida a inclusão dos inadimplentes nos órgãos de proteção ao crédito.

Assevera que o Apelado não deve ser mantido na posse do veículo em caso de inadimplência.

Ao final, requer o conhecimento e provimento da pretensão recursal.

A Apelada apresentou contra-razões às fls. 126/130, pugnando, em suma pelo desprovimento do apelo.

Instado a se pronunciar, o Ministério Público, por intermédio da 21ª Procuradoria de Justiça, em manifestação de fls. 250, considerando a inexistência de interesse público, deixou de emitir opinião sobre a lide recursal.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Não merece prosperar o apelo.

Em primeiro lugar, destaque-se que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às relações entre as instituições financeiras e seus clientes, conforme dispõe a Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Em razão disso, a relação jurídica ora discutida deve ser analisada sob o enfoque do CDC.

Nas relações privadas, vige o princípio da força obrigatória dos contratos, cristalizada na máxima latina pacta sunt servanda. Contudo, apesar da obrigatoriedade contratual ser um dos expoentes da autonomia da vontade, o Direito Civil atual autoriza o Poder Judiciário a imiscuir-se nas relações privadas para fazer cessar situações de exagerado benefício de uma parte em detrimento da outra, com o fito de equilibrar as obrigações.

Nesse contexto é que o legislador positivo promulgou o art. 6º, V do CDC, o qual alçou a direito do consumidor a revisão dos contratos em que haja cláusulas abusivas, desproporcionais ou que onerem excessivamente o consumidor em razão de fato superveniente. Vejamos:

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(Omissis)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

Vê-se, assim, que o ordenamento jurídico permite, em tese, a revisão de contrato no presente caso, cabendo-se averiguar a existência de eventuais cláusulas abusivas ou desproporcionais.

Dito isso, verifica-se que o E. Tribunal de Justiça do RN, através de seu Tribunal Pleno, na forma do art. 481, do Código de Processo Civil, declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº 2.170/2001, o qual liberava a capitalização de juros em período não inferiores ao mês em contratos firmados pelas instituições financeiras. Vejamos:

"INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170, DE 23 DE AGOSTO DE 2001. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. IMPOSSIBILIDADE. OBRIGATORIEDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA REGULAMENTAR O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTIGOS 192 E 62, § 1º, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO. PROCEDÊNCIA DO INCIDENTE." (Argüição de Inconstitucionalidade em Apelação Cível nº 2008.004025-9/0002.00. Relator Des. Amaury Moura Sobrinho, Tribunal Pleno, data 08/10/2008)

A partir de então, a orientação jurisprudencial do E. TJRN passou a ser uníssona na impossibilidade de capitalização mensal de juros fora dos casos expressamente permitidos por leis esparsas, como no caso da Súmula nº 93 do STJ, ou da forma permitida pelo referido art. 4º da Lei de Usura. Vejamos:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA. ANATOCISMO E CAPITALIZAÇÃO DE JUROS DEMONSTRADOS. VEDAÇÃO DE TAL PRÁTICA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 121 DO STF. REFORMA DA SENTENÇA NESSE PONTO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA CUMULADA COM OUTROS ENCARGOS FINANCEIROS. PRECEDENTES DO STJ. REFORMA DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. ENCARGOS VÁLIDOS ANTES DA REVISÃO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES.CONHECIMENTO E PROVIMENTO PARCIAL APELO. PAGAMENTO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS A SEREM SUPORTADOS INTEGRALMENTE PELO DEMANDADO. DEMANDANTE QUE DECAIU DE PARTE MÍNIMA DO PEIDO. REFORMA DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE." (Apelação Cível nº 2009.006189-2. Relator: Des. Expedito Ferreira, 1ª Câmara Cível, julgado em 29/09/2009)

Apesar do Decreto 22.626/33 - a Lei de Usura - não se aplicar às instituições financeiras por força da Súmula nº 596 do Supremo Tribunal Federal, ainda falta à capitalização mensal de juros norma expressa que a autorize, uma vez que a Lei nº 4.595/64, recepcionada pela Constituição Federal como lei complementar, nos termos do art. 192 da CF, não faz menção a tal prática.

Outrossim, verifica-se que o art. 28, §1º, I da Lei nº 10.931/04 apenas admite a possibilidade de capitalização de juros, permitindo a sua pactuação. Frise-se que a capitalização de juros não é vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, mas a sua incidência em período inferior a um ano, conforme dispõem o art. 4º da Lei de Usura e o art. 591 do Código Civil.

Em assim sendo, é necessária a existência de norma expressa de natureza de Lei Complementar para que as instituições financeiras fiquem autorizadas a pactuar a capitalização em período mensal, como ora pretendido. Inexistindo no presente momento tal norma, torna-se sem amparo legal sua pactuação.

Ressalte-se que aqui não se está a confrontar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que aquela Corte Superior apenas analisa a questão sob o prisma infraconstitucional, não detendo competência para aferir a matéria sob o ângulo constitucional, sob pena de usurpar competência do STF. Vejamos:

"PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - CONTRATO BANCÁRIO - FINANCIAMENTO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS - CONTRATO POSTERIOR À EDIÇÃO DA MP 2.170-36 - DISCUSSÃO SOBRE EVENTUAL CONSTITUCIONALIDADE - IMPOSSIBILIDADE - COMPETÊNCIA DO STF - DESPROVIMENTO. 1 - Inicialmente, cumpre asseverar que, em sede de recurso especial, a competência desta Corte Superior de Justiça se limita a interpretar e uniformizar o direito infraconstitucional federal, a teor do disposto no art. 105, III, da Carta Magna. Assim sendo, resta inviabilizado o exame de ofensa ao disposto no art. 62 da CF, bem como o exame de eventual inconstitucionalidade da Medida Provisória 1.963-17 (atualmente MP 2.170-36), sob pena de usurpação da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Precedentes (AgRg REsp nºs 738.583/RS e 733.943/RS). 2 - Sob o ângulo infraconstitucional, a eg. Segunda Seção deste Tribunal Superior já proclamou entendimento no sentido de que, nos contratos firmados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, posteriormente à edição da MP 1.963-17/2000, de 31 de março de 2000 (atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001), admite-se a capitalização mensal dos juros, desde que expressamente pactuada. Verificando-se o preenchimento desta condição no caso em tela, é permitida a incidência da referida Medida Provisória. Precedente (REsp 603.643/RS). 3 - Agravo regimental desprovido." (AgRg no REsp 850.601/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 21/11/2006, DJ 11/12/2006 p. 388)

Assim, a sentença recorrida encontra-se em consonância com a jurisprudência unânime do TJRN.

Outrossim, verificando-se cobrança excessiva, em razão da ilegalidade dos encargos cobrados, a repetição de indébito é devida, sendo desnecessária a comprovação de erro por parte do apelante, nos termos do art. 42, parágrafo único do código consumerista. Não é outro o entendimento do STJ, cristalizado na Súmula nº 322, aplicável a caso análogo: "Para a repetição de indébito, nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, não se exige a prova do erro".

É essa também a jurisprudência do TJRN:

"DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE AUTOMÓVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. APLICAÇÃO DO CDC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS CARACTERIZADA. VEDAÇÃO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INTELIGÊNCIA DO ART. 42 DO CDC. PRECEDENTES DESTA CORTE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO." (AC 2009.009405-9, 1ª C. Cível, Rel. Dr. Ibanez Monteiro, j. 13/10/2009)

Por fim, é cabida a tutela específica inibitória concedida pelo magistrado a quo em sua sentença para que o Apelante abstenha-se de inscrever o nome da Apelada nos órgão de proteção ao crédito e para que esta seja mantida na posse do veículo, por consequência da Apelada não estar efetivamente em mora, já que se encontra consignando tempestivamente as parcelas contratuais em juízo, conforme deferido na sentença de mérito. No mesmo sentido dispõe o art. 334 do Código Civil.

Ante o exposto, conheço do recurso para, no mérito, negar-lhe provimento.

É como voto.

Natal, 19 de janeiro de 2010.

Desembargador DILERMANDO MOTA
Presidente / Relator

Dr. HUMBERTO PIRES DA CUNHA
14º Procurador de Justiça




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