Ação Civil Pública. Movimentação irregular de recursos financeiros destinados exclusivamente à manutenção do FUNDEF.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.
Número do processo: 1.0232.05.011137-5/001(1)
Númeração Única: 0111375-79.2005.8.13.0232
Relator: EDUARDO ANDRADE
Relator do Acórdão: EDUARDO ANDRADE
Data do Julgamento: 02/02/2010
Data da Publicação: 12/02/2010
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MOVIMENTAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS FINANCEIROS DESTINADOS EXCLUSIVAMENTE À MANUTENÇÃO DO FUNDEF - CARACTERIZAÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - SANÇÕES CONTIDAS NA LEI Nº 8.429/923 - APLICABILIDADE PARCIAL - SENTENÇA REFORMADA EM REEXAME NECESSÁRIO, PARA SE JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS CONSTANTES DA EXORDIAL.- In casu, restaram comprovadas as irregularidades apontadas pelo Autor, no sentido de desvio na aplicação de recursos financeiros oriundos do FUNDEF.- Comprovada a ofensa aos princípios constitucionais, que devem reger os atos da Administração Pública, impõe-se a condenação do suplicado.- 'A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto de proporcionalidade entre meios e fins'.- Sentença parcialmente reformada, para julgar parcialmente procedentes os pedidos constantes da exordial.
APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0232.05.011137-5/001 - COMARCA DE DORES DO INDAIÁ - REMETENTE: JD COMARCA DORES INDAIA - APELANTE(S): MUNICÍPIO SERRA SAUDADE - APELADO(A)(S): LUIZ DONIZETE RIBEIRO - RELATOR: EXMO. SR. DES. EDUARDO ANDRADE
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador EDUARDO ANDRADE , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REFORMAR PARCIALMENTE A SENTENÇA NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.
Belo Horizonte, 02 de fevereiro de 2010.
DES. EDUARDO ANDRADE - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. EDUARDO ANDRADE:
VOTO
Trata-se de reexame necessário e de apelação interposta contra a sentença de fs. 259-264, proferida nos autos da 'Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa' ajuizada pelo Município de Serra da Saudade em face de Luiz Donizete Ribeiro, visando à condenação do requerido nos moldes do Art. 12, da Lei Federal nº 8.429/92.
O douto Juiz a quo julgou improcedente o pedido constante da inicial, sob o seguinte fundamento:
"4 - Ora, se não provado prejuízo aos cofres municipais, se não demonstrado dolo no proceder do indiciado, se não evidenciada improbidade em seu agir, solução não existe senão a de reconhecer de todo improcedente a pretensão" (sic, fs. 263-264).
O Município de Serra da Saudade interpôs recurso de apelação, às fs. 266-271, pleiteando, em síntese, a redução dos honorários advocatícios, então fixados em 12% sobre o valor dado à causa.
Contrarrazões apresentadas às fs. 274-279, pugnando pelo desprovimento do recurso voluntário interposto.
Remetidos os autos à d. Procuradoria Geral de Justiça, a ilustre representante do Ministério Público, Drª. Gisela Potério Santos Saldanha, apresentou parecer às fs. 292-304, opinando reforma da sentença em reexame necessário, excluindo-se a condenação em honorários.
Vieram-me novamente conclusos os autos.
Conheço da remessa oficial, bem como do recurso voluntário interposto, pois presentes os seus pressupostos de admissibilidade.
Rogata venia do entendimento contrário ao narrado na exordial, verifiquei, compulsando a vasta documentação aportada nos presentes autos, as irregularidades apontadas pelo Ministério Público Estadual, no sentido de movimentar recursos financeiros destinados exclusivamente à manutenção do FUNDEF, para pagamento de resíduos salariais próprios e de agentes públicos.
O FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - está previsto no Art. 60, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República de 1988, com a redação determinada pela Emenda Constitucional nº 14, de 13/09/1996, e foi regulamentado pela Lei nº 9.424/96 e pelo Decreto Federal nº 2.264/97, tendo com objetivo a "a manutenção e o desenvolvimento do ensino fundamental público, assegurando a universalização de seu atendimento, promovendo a erradicação do analfabetismo, garantindo o treinamento e o pagamento decente de professores, bem como as condições mínimas para os alunos estudarem".
Os recursos provenientes de convênios, manutenção e desenvolvimento do ensino, como o FUNDEF, são, por força de legislação específica, vinculados a uma finalidade determinada, sendo vedado o desvio de suas aplicações que, in casu, rogata venia, ocorreu.
Aos termos constantes do Convênio nº 0783/98, de fs. 97-104, a Subcláusula única da Cláusula Primeira assim dispunha:
"A meta ora proposta será viabilizada integralmente entre os Partícipes na soma de esforços e investimentos, conforme a capacidade financeira de cada um e na divisão de responsabilidades, obedecidas suas condições específicas, devendo atingir prioritariamente o ensino fundamental."
Extrai-se dos documentos juntados aos autos que os recursos provenientes do FUNDEF, que deveriam ser direcionados pela municipalidade na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, com vistas à promoção da educação de qualidade na escola pública, foram empregados para o pagamento de professores que lecionaram para o segundo grau no ano de 1998 nas séries do 1º ano básico e 2º ano de magistério. E, por consequência, os professores do ensino fundamental tiveram seus salários atrasados, acarretando inclusive reclamações junto ao Ministério da Educação, conforme documento de f. 24.
Veja-se que o suplicado, em momento algum, combate essa questão, alegando tão somente que "a simples e suposta gestão imperfeita não acarreta improbidade".
Note-se ainda que os injustificados atrasos nos salários dos professores do ensino fundamental acarretaram requisição, pelo Ministério Público, de abertura de inquérito policial, com indiciamento do ex-Prefeito, ora réu, por improbidade administrativa, em conclusão do d. Delegado de Polícia.
Ora! Houve privilégio de determinado grupo de pessoas, em detrimento a outro que, por direito, deveria receber, prioritariamente, os recursos oriundos do FUNDEF.
Dúvida não há de que houve irregularidade no presente caso, restando patente ato de improbidade administrativa, tendo o requerido privilegiado o pagamento de salário dos professores do segundo grau com recursos do FUNDEF que, repita-se, são destinados aos professores do ensino fundamental.
Cabe aqui a lição de WALLACE PAIVA MARTINS JÚNIOR:
"A Constituição de 1988 teve o mérito de inserir em seu texto uma série de princípios e valores que, embora anteriormente mencionados pela doutrina, ganharam a força de princípios constitucionais norteadores das funções do Estado. Hoje, a exemplo do que ocorre em outros sistemas jurídicos, é possível falar em uma legalidade estrita, para fazer referência à exigência de lei em sentido formal para a prática de determinados atos, e em legalidade em sentido amplo, para abranger não só a lei, mas também todos os valores e princípios que decorrem implícita ou explicitamente da Constituição.
Dentre esses princípios está o da moralidade, a significar que a atuação dos agentes públicos deve confrontar-se não apenas à lei em sentido formal, mas também a determinados valores que se colocam acima do direito positivo, como a idéia de honestidade, boa-fé, lealdade, decoro, ética, no exercício da função pública." (in Probidade administrativa. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, p. XIII).
Sendo o suplicado, à época, o Chefe do Poder Executivo, a repercussão da sua conduta contribui para o descrédito da Administração Pública, frustrando a própria credibilidade dirigida pelo povo, através do voto popular.
Saliento ainda que assim me manifestei, mutatis mutandi, quando do julgamento das Apelações Cíveis de nºs 1.0382.05.057013-6/001 e 1.0248.05.001373-4/001, que trataram sobre desvio de valores oriundos do FUNDEF.
Quanto à aplicação das penas, não desconheço a severidade das sanções aqui em questão, mas tem-se que são imposições lógicas pelas infrações cometidas.
Dessa forma, e em observância ao princípio da proporcionalidade, determino, em consonância com os limites traçados no art. 12, III, da Lei 8.429/92, a suspensão, pelo prazo de três anos, dos direitos políticos do requerido, bem como a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Quanto ao pedido de condenação ao pagamento de multa civil, não vejo razão para acolhê-lo.
A respeito da apreciação da aplicabilidade das penalidades em sede de ação civil pública, ensina MARIA SYLVIA ZANELLA DE PIETRO que:
"(...) a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidos na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto de proporcionalidade entre meios e fins" (grifo meu. In 'Direito Administrativo'. Atlas, 14a ed., 2001, p. 689).
Dessa forma, rogata venia, não obstante a violação aos deveres de impessoalidade, imparcialidade, legalidade e lealdade, não vejo razão para aplicar a pretendida multa civil ao apelado. Não se está, aqui, anuindo o descumprimento desses princípios. Tem-se, pois, a observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto de proporcionalidade entre meios e fins.
Com tais considerações, REFORMO PARCIALMENTE A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO, para julgar parcialmente procedentes os pedidos constantes da exordial, nos termos acima apresentados.
Prejudicado o recurso voluntário.
Sem custas e honorários advocatícios.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): GERALDO AUGUSTO e VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE.
SÚMULA: REFORMARAM PARCIALMENTE A SENTENÇA NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.
JURID - Ação Civil Pública. Movimentação irregular de recursos. [12/02/10] - Jurisprudência
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