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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

JURID - Brasil é condenado por assassinato. [10/02/10] - Jurisprudência


OEA condena Brasil por assassinato de trabalhador rural.
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SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

SENTENÇA DE 23 DE SETEMBRO DE 2009

(Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas)

CASO GARIBALDI VS. BRASIL

No caso Garibaldi, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante "a Corte Interamericana", "a Corte" ou "o Tribunal"), integrada pelos seguintes juízes:

Cecilia Medina Quiroga, Presidenta;
Diego García-Sayán, Vice-presidente;
Sergio García Ramírez, Juiz;
Manuel E. Ventura Robles, Juiz;
Leonardo A. Franco, Juiz;
Margarette May Macaulay, Juíza;
Rhadys Abreu Blondet, Juíza; e Roberto de Figueiredo Caldas, Juiz ad hoc;

presentes, ademais, Pablo Saavedra Alessandri, Secretário, e Emilia Segares Rodríguez, Secretária Adjunta, conforme os artigos 62.3 e 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante "a Convenção Americana" ou "a Convenção") e com os artigos 29, 31, 37.6, 56 e 58 do Regulamento da Corte1 (doravante "o Regulamento"), emite a presente Sentença.

I

INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA

1. Em 24 de dezembro de 2007, conforme disposto nos artigos 51 e 61 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante "a Comissão Interamericana" ou "a Comissão") submeteu à Corte uma demanda contra a República Federativa do Brasil (doravante "o Estado", "o Brasil" ou "a União"), a qual se originou da petição apresentada em 6 de maio de 2003 pelas organizações Justiça Global, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em nome de Sétimo Garibaldi (doravante denominado também "senhor Garibaldi") e seus familiares. Em 27 de março de 2007, a Comissão emitiu o Relatório de Admissibilidade e Mérito No. 13/07 (doravante também "o Relatório No. 13/07"), nos termos do artigo 50 da Convenção, o qual continha determinadas recomendações para o Estado. Esse relatório foi notificado ao Brasil em 24 de maio de 2007, sendo-lhe concedido um prazo de dois meses para comunicar as ações empreendidas com o propósito de implementar as recomendações da Comissão. Apesar de uma prorrogação concedida ao Estado, os prazos para que apresentasse informação sobre o cumprimento das recomendações transcorreram "sem que a Comissão recebesse qualquer informação". Diante da falta de implementação satisfatória das recomendações contidas no Relatório de Admissibilidade e Mérito No. 13/07, a Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte, considerando que o presente caso representava uma oportunidade importante para o desenvolvimento da jurisprudência interamericana sobre os deveres de investigação penal do Estado diante das execuções extrajudiciais, para a aplicação de normas e princípios de direito internacional e os efeitos do seu descumprimento a respeito da regularidade do processo penal, assim como a necessidade de combate à impunidade. A Comissão designou como delegados os senhores Clare K. Roberts, Comissionado, e Santiago A. Canton, Secretário Executivo, e como assessoras legais as senhoras Elizabeth Abi-Mershed, Secretária Executiva Adjunta, e Lilly Ching e Andrea Repetto, advogadas.

2. Segundo a Comissão, a demanda se refere à alegada "responsabilidade [do Estado] decorrente do descumprimento [da] obrigação de investigar e punir o homicídio do Senhor Sétimo Garibaldi, ocorrido em 27 de novembro de 1998; [durante] uma operação extrajudicial de despejo das famílias de trabalhadores sem terra, que ocupavam uma fazenda no Município de Querência do Norte, Estado do Paraná".

3. Na demanda, a Comissão solicitou à Corte declarar que, em atenção à sua competência temporal, o Estado é responsável pela violação dos artigos 8 (Garantias Judiciais) e 25 (Proteção Judicial) da Convenção Americana, com relação à obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos e ao dever de adotar medidas legislativas e de outro caráter no âmbito interno, previstos, respectivamente, nos artigos 1.1 e 2 do referido tratado, também em consideração às diretrizes emergentes da cláusula federal contida no artigo 28 do mesmo instrumento, em prejuízo de Iracema Cioato Garibaldi, viúva de Sétimo Garibaldi, e seus seis filhos. A Comissão solicitou à Corte que ordene ao Estado a adoção de determinadas medidas de reparação.

4. Em 11 de abril de 2008, as organizações Justiça Global, RENAP, Terra de Direitos, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e MST (doravante denominados "representantes") apresentaram seu escrito de petições, argumentos e provas (doravante denominado "escrito de petições e argumentos"), nos termos do artigo 23 do Regulamento.

No referido escrito, solicitaram ao Tribunal que declare a violação dos direitos à vida e à integridade pessoal, em prejuízo de Sétimo Garibaldi, e às garantias judiciais e à proteção judicial, em prejuízo de Iracema Garibaldi e de seus seis filhos, previstos, respectivamente, nos artigos 4, 5, 8 e 25 da Convenção, todos estes em relação aos artigos 1.1, 2 e 28 do referido tratado. Em consequência, requereram à Corte que ordene diversas medidas de reparação. Iracema Garibaldi, Darsônia Garibaldi Guiotti, Itamar José Garibaldi, Itacir Caetano Garibaldi e Vanderlei Garibaldi, mediante procuração outorgada em 10 de julho de 2007, designaram como suas representantes legais as advogadas da Justiça Global, senhoras Andressa Caldas, Luciana Silva Garcia, Renata Verônica Cortês de Lira e Tamara Melo.

5. Em 11 de julho de 2008, o Estado apresentou um escrito no qual interpôs quatro exceções preliminares, contestou a demanda e formulou observações sobre o escrito de petições e argumentos (doravante denominado "contestação da demanda"). O Estado solicitou que a Corte considere fundadas as exceções preliminares e, em consequência:

i) reconheça a incompetência ratione temporis para examinar supostas violações ocorridas antes do reconhecimento da jurisdição contenciosa da Corte pelo Brasil; ii) não admita, por extemporâneo, o escrito de petições e argumentos dos representantes; iii) exclua da análise do mérito o suposto descumprimento do artigo 28 da Convenção; e iv) declare-se incompetente em razão da falta de esgotamento dos recursos internos. Subsidiariamente, a respeito do mérito, o Brasil alegou que "não há nada que indique que os procedimentos de investigação tenham sido conduzidos de forma que não corresponda aos parâmetros estabelecidos pelos [artigos] 8 e 25 da Convenção", razão pela qual não deve ser imputada ao Estado sua violação. Da mesma maneira, solicitou à Corte que tampouco declare que o Brasil descumpriu os artigos 2 e 28 da Convenção Americana.

O Estado designou o senhor Hildebrando Tadeu Nascimento Valadares como agente e as senhoras Márcia Maria Adorno Cavalcanti Ramos, Camila Serrano Giunchetti, Bartira Meira Ramos Nagado e Cristina Timponi Cambiaghi como agentes assistentes.

6. Consoante previsto no artigo 37.4 do Regulamento, em 24 e 27 de agosto de 2008, a Comissão e os representantes apresentaram suas alegações sobre as exceções preliminares opostas pelo Estado, respectivamente.

VI

ARTIGOS 8.1 (GARANTIAS JUDICIAIS) e 25.1 (PROTEÇÃO JUDICIAL) DA CONVENÇÃO AMERICANA, COM RELAÇÃO AO ARTIGO

1.1 (OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS DIREITOS) DA MESMA

71. Conforme estabelecido no Capítulo III desta Sentença, a Corte analisará os fatos relacionados com a investigação do homicídio de Sétimo Garibaldi ocorridos com posterioridade a 10 de dezembro de 1998, data em que o Estado reconheceu a jurisdição obrigatória do Tribunal. Em consequência, examinará se as supostas falhas e omissões nesse procedimento constituíram violações dos artigos 8 e 25 da Convenção, com relação ao artigo 1.1 do mesmo tratado. Para isso, o Tribunal: A) determinará os fatos que se encontram provados; B) exporá as alegações das partes; e C) fará as considerações de direito pertinentes sobre: i) as supostas falhas e omissões na investigação e ii) se esse procedimento tramitou em um prazo razoável.

A) Fatos

A.i) Antecedentes

72. Para a análise da suposta vulneração dos direitos consagrados nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, como fez em casos anteriores, este Tribunal exporá os fatos referentes ao homicídio de Sétimo Garibaldi e alguns atos dos funcionários do Estado sucedidos antes do reconhecimento da competência contenciosa da Corte, unicamente para considerá-los como antecedentes do caso, pelo que não determinará nenhuma consequência jurídica com base neles.

73. Em 27 de novembro de 1998, Sétimo Garibaldi foi privado de sua vida durante uma operação de desocupação extrajudicial na Fazenda São Francisco (doravante "a Fazenda"), na cidade de Querência do Norte, Estado do Paraná. Na época dos fatos, a Fazenda estava ocupada por cerca de cinquenta famílias vinculadas ao MST.

Naquele dia, aproximadamente às cinco horas da manhã, um grupo com cerca de vinte homens, encapuzados e armados, chegou à Fazenda e, efetuando disparos ao ar, ordenaram aos trabalhadores deixar suas barracas, dirigir-se ao centro do acampamento e permanecer deitados no chão. Quando o senhor Garibaldi saiu de sua barraca, foi ferido na coxa esquerda por um projétil de arma de fogo calibre 12, disparado por um indivíduo encapuzado. O trabalhador não resistiu à ferida e faleceu em decorrência de uma hemorragia. O grupo armado se retirou sem consumar a desocupação.

74. Na manhã desse mesmo dia, os policiais militares Ademar Bento Mariano e Fábio de Oliveira, acompanhados do escrivão Cezar Napoleão Casimir Ribeiro (doravante "escrivão Ribeiro"), compareceram ao lugar do crime. Posteriomente, efetuaram diligências a fim de localizar Ailton Lobato, administrador da Fazenda, o qual haveria sido reconhecido por testemunhas entre os membros do grupo armado. Quando foi encontrado na fazenda Monday (também identificada nos autos como "Mundaí" ou "Mondai"), o senhor Lobato levava consigo um revólver calibre 38 e, como não tinha registro de arma nem licença para portá-la, foi detido em flagrante por posse ilegal de arma e levado à Delegacia de Polícia Civil de Querência do Norte (doravante denominada "a Delegacia"). Antes de sair da fazenda Monday, o escrivão Ribeiro disparou com a arma apreendida (infra par. 80).

75. Nessa mesma data, foi iniciada perante a Delegacia o Inquérito Policial No. 179/98 (doravante denominado também "Inquérito Policial" ou "Inquérito") sobre os fatos do presente caso. Esse procedimento tinha como objetivo averiguar o homicídio de Sétimo Garibaldi e os crimes de posse ilegal de arma e de formação de quadrilha ou Bando.

76. No marco do Inquérito, antes de 10 de dezembro de 1998, foram tomadas as declarações de Ademar Bento Mariano e Fábio de Oliveira, policiais que efetuaram a prisão de Ailton Lobato. Da mesma maneira, foram recebidos os testemunhos de "Atílio Martins Mieiro, Carlos Valter da Silva e Nelson Rodrigues dos Santos, todos trabalhadores rurais que estavam no local [do crime]", os quais afirmaram que haviam identificado "o fazendeiro Morival Favore[t]o e o administrador Ailton Lobato como integrantes do grupo, pelo fato de terem desvelado seus rostos por alguns instantes durante o incidente".

Outras pessoas convocadas a prestar declarações afirmaram que "os elementos chegaram ao local [do crime] com dois caminhões e uma camionete, [o]s quais eram pertencentes aos proprietários da Fazenda".

O Delegado de Polícia ordenou a realização de outras diligências e solicitou a prisão temporária de Morival Favoreto. Em 9 de dezembro de 1998, a Promotora de Justiça Nayani Kelly Garcia (doravante "promotora Garcia") emitiu parecer a favor do pedido de prisão temporária e ordenou que fossem realizadas outras diligências.

A.ii) Fatos posteriores ao reconhecimento da jurisdição obrigatória da Corte 77. Em 14 de dezembro de 1998, a juíza titular da Vara de Loanda, Elisabeth Khater (doravante denominada "juíza Khater"), decidiu não decretar o pedido de prisão temporária de Morival Favoreto, pois "as testemunhas [eram] divergentes, por ora"; determinou o cumprimento de diligências ordenadas pelo Ministério Público em 9 de dezembro de 1998 e afirmou que depois se manifestaria sobre o referido pedido de prisão temporária.

78. Em 15 de dezembro de 1998, Morival Favoreto solicitou à Vara de Loanda que desconsiderasse o pedido de prisão temporária contra si (supra par. 76); requereu prestar declaração na Delegacia de Polícia de Sertanópolis (doravante denominada "Delegacia de Sertanópolis"); e apresentou, entre outros documentos, o registro do caminhão branco de placa AEW 7629, no nome da empresa Favoretto Colheitas Agrícolas S/C Ltda. ME (doravante denominada "Favoretto Colheitas"), o qual haveria sido usado na desocupação, segundo algumas testemunhas (supra par. 76 e infra pars. 80 e 82); o contrato social dessa última, cujos sócios eram Morival Favoreto, Maurilio Favoreto e Darci Favoreto; e as escrituras públicas das fazendas São Francisco e Monday, também de propriedade dessas três pessoas. Na mesma data, a juíza Khater determinou interrogar Morival Favoreto na Delegacia de Sertanópolis no prazo de 10 dias.

79. Em 17 de dezembro de 1998, conforme a determinação judicial, o Delegado de Polícia Arildo Fulgêncio de Almeida (doravante "delegado Almeida") determinou que se cumprissem as diligências determinadas pelo Ministério Público em 9 de dezembro de 1998 e expediu ofício à Delegacia de Sertanópolis para tomar as declarações de Morival Favoreto.

80. Em 5 de janeiro de 1999, em resposta ao ordenado pela juíza Khater, o escrivão Ribeiro apresentou um relatório, com data de 17 de dezembro de 1998, no qual indicou, inter allia, que: i) no dia do fato "por volta das 06:30 [horas] cheg[ou] ao local do crime juntamente com os policiais militares". Nessa ocasião, nenhuma testemunha mencionou um revólver ou a participação de Morival Favoreto e Ailton Lobato na operação, sendo relatado apenas que o grupo utilizou um caminhão branco de marca Volkswagen; ii) em seguida, esses policiais seguiram para a fazenda Monday e localizaram a Ailton Lobato, com quem foi encontrado um revólver; iii) o senhor Lobato não ofereceu resistência ou obstrução às diligências policiais, "inclusive mostrando a fazenda e a casa que foi [...] revistada [pelos policiais]", sem que fosse encontrada nenhuma outra arma de fogo; iv) o referido caminhão, segundo informou Ailton Lobato, havia sido levado à cidade de Sertanópolis; v) realizou um disparo com a arma apreendida porque considerou necessário "quando [estava] na frente do comboio, juntamente com policiais militares que conduziam os tratoristas na retirada dos tratores da Fazenda [Monday] para evitar qualquer tipo de represália por parte do MST, já que um veículo havia parado na frente, e temendo ser algum bloqueio por parte daquele movimento, fora acordado que [ele] fosse na frente, conduzindo a família de Ailton Lobato, e que [se] estivesse bem, fosse dado um disparo [...] como advertência de que o comboio deveria seguir"; e vi) que as declarações das testemunhas na Delegacia na tarde de 27 de novembro de 1998 divergiam do que estas teriam relatado informalmente na manhã no lugar do crime.

81. Em 20 de janeiro de 1999, em razão do vencimento do prazo legal para concluir o Inquérito, o delegado Almeida solicitou à Vara de Loanda uma prorrogação do prazo para finalizar este procedimento.

Em 17 de fevereiro de 1999, a promotora Garcia se manifestou favoravelmente à prorrogação requerida e reiterou seu pedido de prisão temporária contra Morival Favoreto.

82. Em 9 de março 1999, Morival Favoreto prestou sua primeira declaração, negando as acusações contra si e afirmando que:

i) era um dos proprietários da Fazenda; ii) em 25 de novembro de 1998 se dirigiu à cidade de São Bernardo do Campo, São Paulo, a fim de acompanhar seu irmão Darci Favoreto a uma consulta médica com o Dr. Flair Carrilho, e se hospedou na residência de seu primo "Eduardo"; iii) tivera uma caminhonete F1000 preta, mas a vendeu antes dos fatos; iv) a empresa Favoretto Colheitas tem um caminhão Volkswagen 7100, mas "o referido veículo não esteve [na] região"; v) "embora ameaçado, não anda armado"; vi) não sabe quem foi o autor do disparo que causou a morte do senhor Garibaldi. O declarante ainda apresentou um recibo em seu nome referente a uma consulta médica de Darci Favoreto, com data de 25 de novembro de 1998, assinado pelo médico Flair Carrilho.

83. Em 15 de março de 1999, a juíza Khater enviou os autos ao Ministério Público. Em 4 de agosto de 1999, a promotora Garcia:

i) reiterou que fossem realizadas as diligências já ordenadas (supra pars. 76, 77 e 79); ii) requisitou que fossem recebidas as declarações das "pessoas que confirmem o álibi apresentado pelo indiciado Morival Favoreto para o dia dos fatos"; e iii) emitiu sua opinião contrária à prisão temporária desse investigado.

84. Em 13 de agosto de 1999, a Vara de Loanda remeteu o expediente à Delegacia para o cumprimento das diligências indicadas pelo Ministério Público. Contudo, entre 14 de agosto de 1999 e 22 de fevereiro de 2000, em que pese a reiteração do pedido de diligências pelo Ministério Público (supra par. 83) e a prorrogação concedida em 11 de fevereiro de 2000 para concluir o Inquérito, não se realizou nenhuma diligência relevante que permitisse seu avanço.

85. Em 23 de fevereiro de 2000, o delegado Almeida emitiu um relatório no qual declarou parcialmente cumpridas as diligências ordenadas pelo Ministério Público (supra pars. 76, 77, 79 e 83) e reiterou o pedido ao Instituto de Criminalística de Maringá (doravante "Instituto de Criminalística") da perícia da arma apreendida em poder de Ailton Lobato, inicialmente formulado em 30 de novembro de 1998. Da mesma maneira, ordenou: i) enviar um ofício à Delegacia de Sertanópolis para que Morival Favoreto apresentasse, além de alguns documentos, as caminhonetes F1000 preta e D-20 cinza à Delegacia de Loanda para reconhecimento; ii) colher as declarações de todos os empregados da Fazenda; e iii) remeter ofícios às delegacias de polícia competentes para receber as declarações do primo de Morival Favoreto de nome "Eduardo", o qual deveria indicar quando o indiciado esteve hospedado em sua casa, e do médico Flair Carrilho. Este deveria confirmar se era sua a assinatura que constava no recibo apresentado pelo investigado; identificar as pessoas com quem o indiciado compareceu ao seu consultório, especificando hora, dia, mês e ano em que se deu a consulta; esclarecer se tinha assistente ou secretária; e apresentar o prontuário médico de seu paciente.

86. Ante novo pedido de prorrogação, em 15 de maio de 2000 a promotora Garcia concedeu um prazo de trinta dias para concluir o Inquérito. Em 1º de junho de 2000, se anexou aos autos o Laudo de Exame de Arma de Fogo do revólver calibre 38 apreendido a Ailton Lobato, com o objetivo de identificar a numeração da arma e se esta foi disparada em momento próximo à data do crime. A perícia concluiu que o revólver apresentava sinais de adulteração de seu número de série, pelo que não pôde ser identificado. Ademais, os peritos "se abst[inham] de se pronunciarem quanto à determinação da época ou data em que uma arma de fogo foi utilizada pela última vez para a deflagração de cartuchos" por desconhecer dados imprescindíveis, tais como a conservação e acondicionamento da arma depois de ser usada.

87. Em 1º de junho de 2000 foi anexada aos autos a segunda declaração de Morival Favoreto, colhida em Sertanópolis em 24 de março de 2000. Nessa ocasião, reiterou sua declaração anterior, informou os dados completos de seu primo Eduardo Minutoli Junior e do médico Flair Carrilho e acrescentou, entre outros aspectos, que: i) a caminhonete F1000 preta que tinha foi vendida a Carlos Eduardo Favoreto da Silva em 27 de agosto de 1998, que por sua vez a revendeu a outra pessoa em 24 de novembro de 1998; e ii) nem ele nem seus sócios tiveram uma caminhonete D-20 cinza. Além disso, apresentou provas das vendas do veículo F1000, da dissolução da empresa Favoretto Colheitas e da propriedade da Fazenda.

88. Em 1º de junho de 2000 também foram emitidos os ofícios às delegacias de São José dos Campos e de São Paulo, respectivamente, para receber as declarações de Eduardo Minutoli Junior e de Flair Carrilho (supra par. 85).

89. Entre 2 de junho de 2000 e 3 de julho de 2001, a Delegacia, através do policial Luiz Alves da Silva (doravante "policial Silva"), reiterou em duas oportunidades os ofícios enviados às Delegacias de São José dos Campos e de São Paulo, e solicitou, em três oportunidades, prorrogações para a realização das diligências pertinentes ante a falta de cumprimento das mesmas. Não foram realizadas outras diligências nesse período e todas as solicitações de prorrogação foram aprovadas pelo Ministério Público.

90. Em 4 de julho de 2001, o Delegado de Polícia Cezar Napoleão Casimir Ribeiro (o escrivão Ribeiro, supra pars. 74 e 80), que nessa época era titular da Delegacia de Santa Isabel do Ivaí, cidade vizinha a Querência do Norte, assumiu o Inquérito e requisitou a reiteração dos ofícios pendentes de cumprimento.

91. Em 5 de julho de 2001, foi ajuntada ao expediente a declaração colhida perante a Polícia Civil de São José dos Campos por Eduardo Minutoli Junior na qual afirma somente que "seu primo Morival Favoreto esteve hospedado em sua casa, em companhia do irmão Darci Favoreto e da esposa [desse último,] Sandra Favoreto", sem mencionar o período dessa visita. Além disso, em 10 de julho de 2001 o Delegado de polícia Cezar Napoleão Casimir Ribeiro reiterou o ofício para que fosse colhido o depoimento de Flair Carrilho.

92. Entre 11 de julho de 2001 e 11 de setembro de 2002 unicamente se dispuseram o cumprimento das ordens do Ministério Público e a juntada aos autos de documentos pendentes, sem que efetivamente se levasse a cabo diligência probatória alguma. Devido a isso, no mesmo período se solicitaram, em quatro oportunidades distintas, prorrogações para realizar as diligências que faltavam no Inquérito. Todas as solicitações de prorrogação foram aprovadas pelo Ministério Público, que concedeu prorrogações de até 90 dias.

93. Em 12 de setembro de 2002 o Delegado Paulo Cezar da Silva solicitou à Vara de Loanda que remetesse o revólver apreendido e os dois estojos de cartuchos de calibre 38 encontrados no lugar do crime para que fossem enviados ao Instituto de Criminalística.

94. Em 13 de setembro de 2002 foi ajuntado ao Inquérito o depoimento de Flair Carrilho, tomado em 25 de julho do mesmo ano pela Terceira Delegacia de Investigações Interestaduais. A testemunha respondeu, entre outros aspectos, que: i) Darci Favoreto, que era seu paciente desde 1994, comparecia às consultas médicas acompanhado de sua esposa e algum familiar; ii) "não pod[ia] afirmar com certeza se [Morival Favoreto] esteve ou não em seu consultório em 25 de novembro de 1998"; iii) "com certeza absoluta, o recibo [já referido] pertence à clínica, a assinatura confere com a utilizada pelo declarante nos seus documentos da clínica, e de acordo com o prontuário do paciente, o mesmo esteve neste mesmo dia [25 de novembro de 1998] em seu consultório"; e iv) por impedimentos legais não pôde fornecer o prontuário do paciente Darci Favoreto.

95. Entre 14 de setembro de 2002 e 9 de agosto de 2003 se solicitaram e concederam três prorrogações, uma delas novamente por 90 dias, para a conclusão do Inquérito.

96. Em 10 de agosto de 2003, o Delegado de Polícia Paulo Gomes de Souza reiterou o ofício enviado à Vara de Loanda em 12 de setembro de 2002 referente à arma e às cápsulas apreendidas (supra par. 93). Em 27 de agosto de 2003, a juíza Khater ordenou que se cumprisse dita solicitação. Não obstante, em 25 de março de 2004 o escrivão da Vara de Loanda certificou que "não [se] h[avia] dado cumprimento ao antes determinado posto que a arma não se encontra[va] n[aquele] Juízo". Na mesma data, os autos foram enviados pela juíza Khater ao Ministério Público para que emitisse seu parecer.

97. Em 12 de maio de 2004 o Promotor de Justiça Edmarcio Real solicitou o arquivamento do Inquérito sem pronunciar-se sobre o fato de que a arma não havia sido encontrada. Fundamentou seu parecer nos seguintes argumentos: i) quatro testemunhas disseram que Morival Favoreto e Ailton Lobato integravam o grupo armado, mas "os demais integrantes do MST não menciona[ram] ter visto referidas pessoas"; ii) Morival Favoreto negou sua participação no crime e afirmou que se encontrava em São Bernardo do Campo, acompanhando Darci Favoreto em seu tratamento médico. O "médico Flair [Carrilho] confirm[ou] a presença de Darci Favoreto em seu consultório [...] no dia dos fatos"; iii) Ailton Lobato negou haver participado dos fatos e exerceu seu direito de permanecer em silêncio; iv) o escrivão Ribeiro "mencion[ou] as divergências nas declarações dos integrantes do MST"; v) foi uma pessoa encapuzada e não Morival Favoreto o Ailton Lobato quem disparou contra o senhor Garibaldi; vi) não se pôde identificar o autor do disparo e não se apresentaram mais dados para identificar outros participantes na operação; vii) não se pode inferir o consentimento dos outros integrantes do grupo armado relativamente ao homicídio; viii) o atirador não teve a intenção de matar o senhor Garibaldi pois efetuou um disparo contra sua perna; ix) os integrantes do mencionado grupo abandonaram o lugar dos fatos depois do referido disparo; x) não havia ficado amplamente demonstrado que os veículos utilizados durante os fatos pertenciam a Morival Favoreto naquele momento; xi) haviam transcorrido quatro anos desde os fatos, sem que houvesse uma possibilidade clara de determinar a autoria do delito; xii) não procedia uma acusação por formação de quadrilha, porque não havia nenhuma evidência de que os integrantes do grupo se houvessem unido para cometer crimes; e xiii) em particular, relativamente a Ailton Lobato, o crime de posse ilegal de arma estava prescrito.

98. Em 18 de maio de 2004 a juíza Khater emitiu decisão nos seguintes termos: "acolho o [referido] parecer [do Ministério Público] e, via de conseqüência, determino o arquivamento destes autos, com as anotações de praxe".

99. Contra tal decisão, Iracema Garibaldi impetrou um Mandado de Segurança em 16 de setembro de 2004, solicitando o desarquivamento do Inquérito. A suposta vítima argumentou que dita ordem era contrária ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

Em 17 de setembro de 2004, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná denegou o recurso por considerar o pedido "incompatível com o âmbito cognitivo do [Mandado de Segurança]", não existindo um direito líquido e certo a favor da impetrante.

100. Em 20 de abril de 2009 a Promotora de Justiça Vera de Freitas Mendonça solicitou à Vara de Loanda a desarquivamento do Inquérito, alegando o surgimento de novas provas, isto é, as declarações de Vanderlei Garibaldi e Giovani Braun tomadas no marco deste caso ante esta Corte, nos dias 3 e 5 de fevereiro de 2009, respectivamente. Além disso, a promotora solicitou, entre outras, a realização das seguintes diligências: i) receber as declarações de Vanderlei Garibaldi e seus cunhados "Darci e Marcelo", que presenciaram os fatos; Giovani Braun; o escrivão Ribeiro; outros trabalhadores sem terra presentes no momento do crime; Morival Favoreto e Ailton Lobato; ii) localizar as armas, os projéteis e cartuchos apreendidos no Inquérito para realizar perícia técnica no Instituto de Criminalística; e iii) verificar se foi identificada alguma milícia privada que atuou na época do homicídio e nos anos posteriores em conflitos armados com trabalhadores sem terra. Na mesma data, a juíza Carla Melissa Martins Tria, atualmente titular da Vara de Loanda, estimou que nos "documentos colacionados pelo Ministério Público há declarações de pessoas que não foram ouvidas durante [o Inquérito], as quais trazem elementos novos em relação ao que já foi produzido para apurar a morte de Sétimo Garibaldi". Com base no artigo 28 do Código de Processo Penal e na Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal, determinou o desarquivamento do Inquérito.

B) Alegações das partes

101. A Comissão Interamericana alegou que os Estados são responsáveis internacionalmente pela ação ou omissão de quaisquer de seus órgãos ou agentes, inclusive seus órgãos judiciais e policiais, quando estes violem direitos humanos reconhecidos na Convenção.

Uma finalidade elementar de todo processo penal é esclarecer o fato investigado. A investigação judicial deve ser empreendida pelo Estado de boa fé, de maneira diligente, exaustiva e imparcial, devendo estar orientada a explorar todas as possíveis linhas investigativas que levem à identificação dos autores do delito, para seu posterior julgamento e sanção. No presente caso, isso requeria realizar todas as diligências e averiguações que fossem necessárias a fim de descobrir a verdade sobre a morte de Sétimo Garibaldi e sancionar os responsáveis.

A critério da Comissão, as autoridades encarregadas do Inquérito não consideraram a intervenção de vários executores materiais, concentrando-se nas pessoas de Morival Favoreto e Ailton Lobato; tampouco levaram em conta os autores intelectuais do crime ou possíveis interessados na desocupação. Identificou, entre outras, as seguintes deficiências no procedimento investigativo: a) não se investigou nem convocou para declarar aos co-proprietários da Fazenda e sócios da Favoretto Colheitas; b) além dos oito testemunhos recebidos, não se intimou outras pessoas que presenciaram os fatos para prestar declaração, apesar de que havia aproximadamente 200 pessoas acampadas na Fazenda, nem outros empregados da propriedade rural ou da sociedade Favoretto Colheitas; c) o escrivão Ribeiro, que havia prestado informação nos autos sobre o disparo com a arma apreendida a Ailton Lobato, atuou posteriormente como delegado de polícia a cargo do Inquérito; d) não foi verificada a data da suposta estadia de Morival Favoreto na residência de Eduardo Minutolli Junior; e) não se cotejou a arma apreendida com as cápsulas de projéteis calibre 38 encontradas no lugar do crime; f) essa arma desapareceu da Vara de Loanda; g) instado a manifestar-se sobre o desaparecimento da arma, o Ministério Público não se referiu a esse fato nem adotou medidas investigativas a respeito, ao contrário solicitou o arquivamento do Inquérito sem que o delegado de polícia o tivesse concluído e apresentado seu relatório conclusivo; e h) houve diversos lapsos nos quais não se realizou nenhuma atividade substantiva no Inquérito. Acrescentou que as diversas e graves deficiências no Inquérito devem ser analisadas dentro de seu contexto particular, a saber, que se tratava de uma operação de desocupação violenta de uma propriedade privada e os fatos do caso seguem um padrão comum no Brasil. Ambos os elementos, deveriam facilitar a condução do Inquérito, pois é evidente que se obedecia um determinado propósito e um modus operandi que devia ser conhecido pelas autoridades.

102. A Comissão sustenta que, apesar de haver transcorrido vários anos desde a aceitação da competência da Corte por parte do Estado, "o delito investigado continua impune, tendo transcorrido um prazo mais que razoável sem que os órgãos internos do Estado responsáveis pela investigação, julgamento e sanção dos fatos produzam resultados". Ademais, "as características do fato, a condição pessoal dos implicados no processo, o grau de complexidade da causa ou a atividade processual dos interessados [não] constituem elementos que excusem o atraso injustificado da administração de justiça que teve lugar no caso". A impunidade das violações de direitos humanos é especialmente importante nos casos dos trabalhadores sem terra, já que é uma das principais causas de violência no campo do Brasil.

Desse modo, a respeito dos fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998, "a demora e a falta de devida diligência no processo de investigação e coleta de evidência essencial [...] caracterizam uma violação aos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1(1) do mesmo instrumento".

103. Os representantes alegaram que existem suficientes elementos que demonstram a responsabilidade do Estado pela violação das garantias judiciais dos familiares de Sétimo Garibaldi. Sustentaram que o Estado deve atuar diligentemente, de forma a garantir que as investigações sejam realizadas de maneira séria e não como uma mera formalidade predestinada à ineficiência, respeitando os requisitos de independência, efetividade e celeridade. As vítimas de violações de direitos humanos têm direito a uma solução rápida dessas transgressões e que sejam resolvidas pelas autoridades do Estado em um tempo razoável. O inquérito objeto do presente caso demorou quase seis anos e esteve viciada por falhas, bem como pelo descaso e a parcialidade das autoridades estatais. Apesar de haver elementos suficientes para iniciar o processo penal contra os suspeitos, o procedimento investigativo foi arquivado sem que fossem identificados os responsáveis da morte do senhor Garibaldi, permanecendo esse crime em absoluta impunidade.

104. Os representantes alegaram, entre outras, as seguintes irregularidades do Inquérito: a) ao denegar o pedido de prisão temporária de Morival Favoreto em 14 de dezembro de 1998, a juíza Khater atuou favorecendo-o, pois não existiam as divergências indicadas pela magistrada em sua decisão; b) a declaração de Morival Favoreto foi recebida somente em 9 de março de 1999; c) o recibo apresentado por esse indiciado não tem numeração, razão pela qual pôde ter sido emitido e assinado em qualquer data, sem que se possa verificar quando realmente foi expedido; d) o mencionado recibo e os testemunhos de Eduardo Minutoli Junior e Flair Carrilho não comprovam a presença de Morival Favoreto em São Bernardo do Campo em 27 de novembro de 1998; e) apesar disso e do reconhecimento de Morival Favoreto por testemunhas, o Ministério Público entendeu que não havia evidências suficientes para esclarecer a autoria do crime e requereu o arquivamento do Inquérito; f) não foram chamados a prestar declaração Vanderlei Garibaldi, "que estava presente no assassinato de Sétimo Garibaldi", nem o suposto comprador da caminhonete que Morival Favoreto teria utilizado durante a operação de desocupação; g) o Ministério Público não se manifestou sobre o desaparecimento da arma apreendida durante as investigações; h) as supostas divergências nas declarações dos trabalhadores sem terra indicadas pelo escrivão Ribeiro não existiram, conforme é demonstrado pelas declarações dessas testemunhas e dos policiais militares que compareceram ao lugar do crime e efetuaram a prisão em flagrante de Ailton Lobato; e i) a juíza Khater não fundamentou a decisão de arquivamento do Inquérito. No tocante ao atraso do Inquérito, indicaram que o caso concreto não reunia as características desse procedimento, já que existia informação suficiente sobre os autores intelectuais e os partícipes do crime, assim como declarações de testemunhas. Com relação à atividade processual do interessado, mesmo que se tenha arquivado o Inquérito, Iracema Garibaldi interpôs um Mandado de Segurança para garantir seu direito a que se continuasse com o Inquérito do homicídio. Sobre a conduta das autoridades, é evidente a parcialidade e a negligência com que as autoridades policiais e judiciais trataram a morte de Sétimo Garibaldi. Devido aos fatos citados, infere-se que não existe justificativa alguma para a demora do Inquérito Policial, muito menos para seu arquivamento.

105. Quanto à reabertura do Inquérito, os representantes consideraram que a mesma constitui uma mostra adicional das irregularidades do procedimento, toda vez que as supostas novas provas já constavam no expediente. Essa ação do Estado confirma que existiam elementos suficientes para sustentar a opinio delicti e, portanto, não arquivar o Inquérito. Destacaram que nenhum familiar de Sétimo Garibaldi foi chamado a prestar testemunho perante a polícia, pelo que o desarquivamento do Inquérito não é mais que uma manobra do Estado para eximir-se das violações ocorridas neste caso. Em razão do anterior, solicitou à Corte que declare que o Estado violou o direito à proteção e às garantias judiciais em prejuízo dos familiares de Sétimo Garibaldi.

106. O Estado alegou que a Corte tem competência para examinar procedimentos internos de investigação e judiciais só quando ocorrem graves irregularidades nos mesmos, o que não sucedeu no presente caso. Considerou que o Inquérito não teve falhas que pudessem viciar todo o procedimento. A legislação brasileira prevê "um controle adequado e racional dos procedimentos de arquivo das investigações em geral". O Ministério Público tem o controle externo das investigações penais conduzidas pela polícia e é o único órgão que pode solicitar o arquivamento da investigação ou o início da ação penal ao juiz competente. No Brasil, rege o princípio da obrigatoriedade da persecução penal e, por isso, existe o dever de iniciar um processo penal perante a constatação de indícios de um crime e de sua autoria. Da mesma maneira, com base o princípio da independência funcional, a Constituição garante ao Ministério Público a liberdade para formar sua convicção ao examinar os requisitos para formular ou não uma denúncia penal. Por outro lado, o arquivamento do Inquérito exige uma exposição das razões que motivam seu pedido e um controle judicial posterior, precisamente dirigido a evitar o descumprimento do princípio da obrigatoriedade da persecução penal.

Além disso, tanto a decisão de denunciar como a de arquivar um inquérito são revisáveis perante o chefe máximo do Ministerio Público, a pedido do juiz competente da ação penal. Adicionalmente, em caso de que surjam provas novas, o Ministério Público tem a capacidade de reabrir as investigações. Nesse sentido, as declarações rendidas durante o trâmite do presente caso pelas testemunhas Vanderlei Garibaldi e Giovani Braun, com efeito, foram consideradas como provas novas e, por conseguinte, as investigações foram reabertas.

O reinício do procedimento aconteceu em uma data próxima à audiência pública, pois não foi senão até esse momento que o Ministério Público conheceu tais provas. Os representantes podiam enviar essas declarações diretamente ao Ministério Público, evitando assim esta demanda.

107. O Estado afirmou, em resposta às supostas irregularidades indicadas na demanda, entre outros aspectos, que: a) realizou uma perícia da arma apreendida, a qual não foi conclusiva a respeito do último momento em que a mesma foi disparada; b) o escrivão Ribeiro, encarregado do Inquérito, efetuou inspeções na fazenda onde foi detido Ailton Lobato em busca de armas, mas não encontrou nenhuma; c) Morival Favoreto foi interrogado sobre sua arma e afirmou que não andava armado; d) Ailton Lobato foi interrogado, mas exerceu seu direito constitucional de permanecer em silêncio; e) não se interrogou sobre os demais integrantes do grupo armado a Morival Favoreto porque ele negou a participação no crime, nem a Ailton Lobato, porque exerceu seu direito de permanecer em silêncio; f) não foram recebidas as declarações dos demais proprietários da Fazenda, pois estes não foram indicados pelas testemunhas como participantes da operação; g) com relação à caminhonete F1000, esse fato foi investigado e foi comprovada sua venda com anterioridade à desocupação; ademais Morival Favoreto negou ser proprietário da caminhonete D-20; e h) não era necessário realizar perícias no recibo da consulta médica, pois o médico Flair Carrilho confirmou que o havia emitido e disse que não tinha registro das pessoas que acompanhavam seus pacientes durante o atendimento médico. Igualmente, ressaltou que Morival Favoreto declarou duas vezes; houve deslocamento de policiais ao lugar do crime; receberam-se as declarações desde outras jurisdições através de cartas precatórias; solicitou-se a prisão temporária de Morival Favoreto; realizaram-se perícias e receberam-se diversos testemunhos. Por outra parte, o Estado reconheceu que a comparação balística entre a arma apreendida e as cápsulas encontradas no lugar do crime, sim poderia haver sido realizada. Desse modo, a seu critério, com exceção da falta dessa perícia, não existiram falhas no Inquérito que devessem ser sanadas pelo Estado.

108. Ademais, o Brasil indicou que a falta de um relatório conclusivo não é uma irregularidade nas investigações policiais, não existindo disposição legal alguma que proíba o arquivo desses procedimentos antes que seja apresentado o relatório conclusivo do delegado de polícia. A respeito da falta de fundamentação da decisão do juiz a favor do arquivamento do Inquérito, trata-se de uma prática comum quando se está de acordo com as razões expostas pelo Ministério Público no respectivo pedido, a qual tem sido aceita pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Sobre a declaração do filho da vítima, Vanderlei Garibaldi, insistiu que não estava obrigado a recebê-la, pois o artigo 6º, inciso IV, do Código de Processo Penal determina unicamente que seja escutado o ofendido, se este estiver vivo. Quanto ao alegado desaparecimento da arma apreendida em poder de Ailton Lobato, informou que essa prova foi enviada ao Instituto de Criminalística para submetê-la a um exame pericial e, apesar da apresentação do respectivo laudo em 1º de junho de 2000, não consta nos autos de que tivesse sido devolvida à Delegacia de Polícia. Por isso, o fato de que a arma não esteja no juízo "não significa [que] tenha sido sonegada, mas sim de que poder[ia] ainda estar sob o domínio da Polícia Civil ou do próprio Instituto de Criminalística, que a submeteu à perícia". Quanto aos motivos dos períodos em que o Inquérito permaneceu sem que se realizassem diligências, estes estão expostos nos autos do procedimento, tais como férias regulamentares, o acúmulo de trabalho e a espera do cumprimento dos ofícios enviados a outras jurisdições. A dilação sucessiva do prazo para concluir uma investigação está prevista no artigo 10, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal e é limitada, nesses termos, pelo prazo de prescrição do crime investigado, o qual corresponde a 20 anos no crime de homicídio. A juízo do Estado, não houve desídia na condução do Inquérito.

109. Conforme o Estado, no presente caso o promotor sopesou todas as provas produzidas durante o Inquérito e concluiu que foi uma pessoa encapuzada quem disparou contra Sétimo Garibaldi e não Morival Favoreto ou Ailton Lobato. O promotor também expressou em seu parecer que havia contradições entre as declarações dos trabalhadores rurais, e que não se podia inferir que os demais participantes do grupo armado estivessem de acordo com a prática do homicídio. Por isso, ao analisar se o material probatório era suficiente e razoável para sustentar a acusação em juízo, o promotor atuou com base na sua convicção pessoal, amparada pelo princípio da independência funcional, e considerou imprudente apresentar uma denúncia penal. Ademais, esse promotor manifestou que, pela falta de indícios fornecidos pelas testemunhas que pudessem identificar os demais integrantes do grupo armado, não vislumbrava uma forma de esclarecer a autoria do crime e, portanto, optou pelo arquivamento do Inquérito.

110. Finalmente, o Estado indicou que em outros casos de conflitos agrários no Estado do Paraná, o Ministério Público formulou sua opinio delicti no sentido de promover ações penais pelo cometimento de crimes, alguns dos quais haveriam sido cometidos contra membros do MST. Aduziu que tem uma política consistente de combate à violência no campo, mencionando nesse sentido o Programa Paz no Campo, cujas atividades incluem o recebimento de denúncias, a mediação de conflitos e a capacitação de mediadores em todo o território nacional. Além disso, destacou que o Programa Nacional de Combate à Violência no Campo estabeleceu órgãos jurídicos específicos, como as varas, as promotorias e as delegacias policiais especializadas em investigar conflitos agrários. Por todo o exposto, o Estado solicitou à Corte que considere improcedentes as alegações sobre violações dos artigos 8 e 25 da Convenção, com relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento.

C) Considerações de Direito

111. A Corte reconheceu em casos anteriores a necessária relação que existe entre o dever geral de garantia indicado no artigo 1.1 da Convenção e os direitos específicos protegidos por esse instrumento. Como consequência desse dever de garantia, surgem obrigações que recaem sobre o Estado a fim de assegurar o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos na Convenção a toda pessoa sujeita a sua jurisdição. Esse dever de garantia, ao estar vinculado com direitos específicos, pode ser cumprido de diferentes maneiras, dependendo do direito que o Estado deva garantir e da situação particular do caso.

112. A obrigação de investigar violações de direitos humanos está incluída nas medidas positivas que devem adotar os Estados para garantir os direitos reconhecidos na Convenção. A Corte tem sustentado que, para cumprir a obrigação de garantia, os Estados devem não só prevenir, mas também investigar as violações dos direitos humanos reconhecidos nesse instrumento, como as alegadas no presente caso, e procurar, ademais, o restabelecimento, se é possível, do direito infringido e, se for o caso, a reparação dos danos produzidos pelas violações dos direitos humanos.

113. É pertinente destacar que o dever de investigar é uma obrigação de meios, e não de resultado. No entanto, deve ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples formalidade condenada de antemão a ser ineficaz, ou como uma mera gestão de interesses particulares, que dependa da iniciativa processual das vítimas ou de seus familiares ou do aporte privado de elementos probatórios.

114. À luz desse dever, quando se trata da investigação de uma morte violenta, como no presente caso, uma vez que as autoridades estatais tenham conhecimento do fato, devem iniciar ex officio e sem demora, uma investigação séria, imparcial e efetiva. Essa investigação deve ser realizada por todos os meios legais disponíveis e orientada à determinação da verdade.

115. Esta Corte Interamericana tem especificado os princípios norteadores de uma investigação quando se está diante de uma morte violenta. Conforme a jurisprudência do Tribunal, as autoridades estatais que conduzem uma investigação desse tipo devem tentar no mínimo, inter alia: a) identificar a vítima; b) recuperar e preservar o material probatório relacionado com a morte, com o fim de ajudar em qualquer potencial investigação penal dos responsáveis; c) identificar possíveis testemunhas e obter suas declarações com relação à morte que se investiga; d) determinar a causa, forma, lugar e momento da morte, assim como qualquer padrão ou prática que possa ter causado a morte; e e) distinguir entre morte natural, morte acidental, suicídio e homicídio. Ademais, é necessário investigar exaustivamente a cena do crime e realizar autopsias e análises dos restos humanos de forma rigorosa, por profissionais competentes e empregando os procedimentos mais apropriados.

116. De outra feita, este Tribunal tem se referido ao direito que assiste aos familiares das supostas vítimas de conhecer o que sucedeu e saber quem foram os responsáveis dos fatos. A esse respeito, a Corte também indicou que do artigo 8 da Convenção se depreende que as vítimas de violações de direitos humanos, ou seus familiares, devem contar com amplas possibilidades de ser ouvidos e atuar nos respectivos processos, em busca tanto do esclarecimento dos fatos e da sanção dos responsáveis, como de uma devida reparação. Nesse sentido, a Corte afirmou que em um caso de execução extrajudicial os direitos afetados correspondem aos familiares da vítima falecida, que são a parte interessada na busca por justiça e a quem o Estado deve prover recursos efetivos para garantir-lhes o acesso à justiça, a investigação e a eventual sanção, de ser o caso, dos responsáveis e a reparação integral das consequências das violações.

117. Consequentemente, pela jurisprudência desse Tribunal, os familiares das vítimas têm o direito, e os Estados a obrigação, a que o sucedido a estas seja efetivamente investigado pelas autoridades estatais; seja seguido um processo contra os prováveis responsáveis desses ilícitos e, se for o caso, lhes imponham as sanções pertinentes; e reparem os danos e prejuízos que esses familiares sofreram.

118. Da mesma maneira, a Corte indicou que a obrigação de investigar e o direito dos familiares não somente se depreendem das normas convencionais de Direito Internacional imperativas para os Estados Parte, mas também se derivam da legislação interna que faz referência ao dever de investigar de ofício certas condutas ilícitas e das normas que permitem que as vítimas ou seus familiares denunciem ou apresentem querelas, provas ou petições ou qualquer outra diligência, com a finalidade de participar processualmente na investigação penal com a pretensão de estabelecer a verdade dos fatos.

119. O Código de Processo Penal do Brasil, vigente no momento dos fatos, estabelece: i) no artigo 5º que "[n]os crimes de ação [penal] pública o inquérito policial será iniciado: I- de ofício; IImediante requisição [...] do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo"; ii) no artigo 14 que "[o] ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade"; e iii) no artigo 27 que "[q]ualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação [penal] pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção"109. Por outra parte, embora o artigo 129 da Constituição Federal determine como função do Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública, o artigo 268 do ordenamento processual penal prevê que o ofendido ou seu representante legal ou, em sua ausência, seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão poderão intervir como assistentes do Ministério Público na ação penal pública.

120. Consoante exposto, este Tribunal deve determinar se o Estado incorreu em violações dos direitos reconhecidos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção, em relação com o artigo 1.1 desse tratado. Para esse efeito, a Corte estabeleceu que o esclarecimento de se o Estado violou ou não suas obrigações internacionais pelas atuações de seus órgãos podem conduzir o Tribunal a ocupar-se do exame dos respectivos processos judiciais internos. Para tanto, dependendo das circunstâncias do caso, a Corte pode ter que analisar os procedimentos que vinculam ou constituem o pressuposto de um processo judicial, particularmente, as tarefas de investigação de cujo resultado depende o início e o avanço do mesmo. Por esse motivo, a Corte examinará as alegações sobre o Inquérito Policial No. 179/98, particularmente com relação aos atos e omissões ocorridos depois de 10 de dezembro de 1998, e determinará se existiram violações aos direitos às garantias e à proteção judiciais nesse procedimento interno.

C.i) Falhas e omissões do Inquérito Policial No. 179/98

121. Previamente à análise das alegadas falhas e omissões no Inquérito Policial No. 179/98, a Corte se referirá ao arrazoado dos representantes sobre a suposta parcialidade da juíza Khater ao denegar o pedido de prisão temporária de Morival Favoreto. Os representantes afirmaram que essa decisão se fundou nas supostas divergências nos testemunhos as quais não existiram, de maneira tal que a juíza Khater favoreceu indevidamente a esse indiciado. O Tribunal adverte que para analisar esse arrazoado deveria examinar as declarações testemunhais que foram rendidas antes de 10 de dezembro de 1998 e compará-las com a medida judicial questionada.

Devido a que essas declarações estão fora da competência temporal da Corte, não podem ser analisadas nem delas se pode extrair consequências jurídicas a respeito da responsabilidade do Estado. A Corte não conta com outros elementos que sustentem este argumento dos representantes.

Falta de recebimento de testemunhos "prima facie" indispensáveis 122. A Corte observa que não foram recebidas as declarações testemunhais que prima facie poderiam ter resultado indispensáveis para esclarecer os fatos. Entre as pessoas que não foram convocadas para declarar estava Vanderlei Garibaldi, que teria presenciado a operação de desocupação e comunicado o homicídio para a polícia, e seu cunhado Marcelo, que estava com o senhor Garibaldi no momento de sua morte. Apesar de Vanderlei Garibaldi não ter comparecido espontaneamente à Delegacia a fim de oferecer sua declaração, cabia às autoridades estatais convocá-lo para que se apresentasse, uma vez que o Inquérito devia ter sido conduzido de ofício pelo Estado e não dependia do impulso dos familiares do ofendido.

Além do mais, a Corte observa que de acordo com a atuação posterior do Estado, tal era a importância do testemunho de Vanderlei Garibaldi que, mesmo depois de vários anos, sua declaração ante a Corte Interamericana levou o Ministério Público a solicitar o desarquivamento do Inquérito. Portanto, o Tribunal considera que não se procurou identificar de maneira exaustiva as possíveis testemunhas e obter declarações que permitiram esclarecer os fatos em relação à morte de Sétimo Garibaldi.

Falta de esclarecimento de contradições nos testemunhos 123. Da mesma maneira, conforme indicado pelo Estado e pela testemunha perante este Tribunal Fábio Guaragni, a petição de arquivamento formulada pelo Ministério Público foi baseada principalmente na informação oferecida pelo escrivão Ribeiro de que existiriam divergências entre as declarações das testemunhas (supra pars. 97 e 109). Diante das eventuais discrepâncias, não se realizou nenhuma ação para tentar esclarecê-las, tais como uma acareação entre as pessoas cujas declarações eram supostamente contraditórias; tampouco procurou receber outros testemunhos que pudessem esclarecer essas supostas diferenças.

Inutilização e omissões com relação à prova 124. A Corte Interamericana adverte que a inadequada manipulação da arma apreendida poderia ter causado a inutilização de uma prova importante. Resulta contrário às normas de uma investigação adequada que o escrivão Ribeiro utilizasse a arma de um dos indiciados, o qual estava detendo em momentos posteriores ao fato.

Além disso, carece de todo fundamento racional que esse disparo tenha sido utilizado como uma forma de comunicação com outras pessoas (supra par. 80). Desse modo, foram alterados o estado e as condições da arma, tornando impossível que a perícia que procurava determinar se a mesma havia sido disparada recentemente fosse útil ao Inquérito (supra par. 86).

125. Ademais, também relacionado com essa arma, o Tribunal observa que o Estado reconheceu que a falta de perícia de comparação balística, entre os estojos de projéteis de revólver calibre 38 encontrados no lugar da desocupação e a arma do mesmo calibre apreendida a um indiciado, constituiu uma falha no Inquérito (supra par. 107). A relevância desse estudo foi confirmada pela testemunha Fabio Guaragni, o perito Salo de Carvalho e a promotora Vera de Freitas Mendonça117, quem ordenou sua realização depois da reabertura do procedimento investigativo em abril de 2009. Essa perícia poderia ter resultado útil para comprovar a participação de um dos indiciados na operação de desocupação.

Prova perdida

126. O Tribunal adverte que não está determinado com exatidão onde se encontra a arma apreendida que estava sob custódia do Estado. Não consta que essa prova, nem os estojos de calibre 38 encontrados no lugar do fato, acompanhasse o expediente do Inquérito, apesar do previsto no artigo 11 do Código de Processo Penal.

Tampouco se deixou constância no expediente sobre aonde teria sido remetida a prova. Ademais, apesar da afirmação do Brasil de que a arma não estava extraviada, mas que poderia estar na Delegacia ou no Instituto de Criminalística, a Corte observa que o próprio Estado não forneceu informação precisa a respeito. Por outra parte, dois delegados de polícia diferentes que estiveram a cargo do Inquérito em datas distintas, solicitaram o revólver à Vara de Loanda, não sendo provável que houvessem atuado dessa forma se a prova procurada estivesse na Delegacia (supra pars. 93 e 96). Diante da falta dessa informação, quando foi instado a manifestar-se a respeito, o Ministério Público não considerou essa situação e procedeu a solicitar o arquivamento do Inquérito.

Falta de cumprimento de diligências ordenadas 127. O Tribunal também adverte a falta de cumprimento de algumas diligências ordenadas pelo delegado de polícia e o Ministério Público. Com efeito, não foi realizada a ordem do delegado Almeida que requeria a apresentação dos veículos que teriam sido utilizados em tal ação, para o reconhecimento por parte das testemunhas, nem a ordem do Ministério Público de que fosse feito "o reconhecimento dos veículos F1000 pret[o] e D-20 cinza, mencionados pelas testemunhas"

120 (supra pars. 76 e 85). Do mesmo modo, outras diligências requeridas pela promotora Garcia e reiteradas por diversos delegados tampouco se realizaram na investigação, tais como realizar a perícia de comparação balística entre a arma apreendida com Ailton Lobato e as cápsulas de cartuchos deflagrados encontradas no lugar do crime; receber as declarações de outras testemunhas presenciais, de empregados de Morival Favoreto e de outros possíveis suspeitos, e averiguar a ocorrência de fatos semelhantes na região. Chama a atenção que, a pesar do disposto pela promotora Garcia, não foram convocadas outras testemunhas do fato, particularmente, tendo em consideração a natureza da operação que se dirigiu contra aproximadamente cinquenta famílias, que se encontravam na Fazenda durante a desocupação; de igual maneira, não deixa de estranhar que tampouco fosse cumprida a ordem de convocar para prestar declaração os empregados da Fazenda (supra pars. 76 e 85). Igualmente, depreendese do expediente que foi realizado de forma parcial a produção de algumas provas requeridas pelo delegado Almeida e pela promotora Garcia.

Erro na petição de arquivamento do Inquérito 128. Adicionalmente, o pedido do Ministério Público de arquivamento do Inquérito se fundou, entre outras razões, em que "Morival Favoreto neg[ou] a participação nos fatos, aduzindo que se encontrava na cidade de São Bernardo do Campo [...] acompanhando seu irmão Darci Favoreto em uma consulta médica" e que o médico Flair Carrilho "confirm[ou] a presença de Darci Favoreto em seu consultório, na cidade [supracitada], no dia dos fatos" (supra par. 97).

A respeito, a Corte faz notar que, ao contrário do manifestado pelo promotor de justiça, a testemunha Flair Carrilho afirmou que atendeu a Darci Favoreto em 25 de novembro de 1998 e que era sua a assinatura no recibo com a mesma data e que, portanto, não confirmou a presença de Darci Favoreto ou do seu irmão Morival no seu consultório em 27 de novembro de 1998, a data dos fatos.

129. Ao solicitar o arquivamento do Inquérito, o Ministério Público não considerou a possibilidade de ordenar as diligências mencionadas nos parágrafos anteriores com relação aos testemunhos, os veículos e as armas utilizadas no despejo (supra pars. 122 a 127).

Independentemente da convicção pessoal do promotor, adverte-se que este aceitou como verdadeiras e certas as informações indicadas pelo escrivão Ribeiro e Morival Favoreto, sem buscar sua comprovação, nem cotejá-las com outras provas constantes no expediente, renunciando assim à potestade punitiva do Estado. Por sua parte, a decisão de arquivamento do Inquérito ditada pela juíza Khater unicamente acatou o parecer do Ministério Público sem valorar o atuado nem oferecer fundamentos que justificassem sua decisão. Nesse sentido, ao decidir sobre o arquivo do procedimento investigativo, a magistrada não realizou um controle judicial efetivo sobre tal solicitação, a qual, como já expôs o Tribunal, apresentava diversas omissões e irregularidades.

130. A Corte considera que os órgãos estatais encarregados da investigação relacionada com a morte violenta de uma pessoa, cujo objetivo é a determinação dos fatos, a identificação dos responsáveis e sua possível sanção, devem realizar sua tarefa de forma diligente e exaustiva. O bem jurídico sobre o qual recai a investigação obriga a redobrar esforços nas medidas que devam ser praticadas para cumprir seu objetivo. A atuação omissa ou negligente dos órgãos estatais não resulta compatível com as obrigações emanadas da Convenção Americana, com maior razão se está em jogo um dos bens essenciais da pessoa.

131. De outra feita, embora a Corte valore o desarquivamento do Inquérito ocorrido em 2009, destaca que o pedido de reabertura desse procedimento evidencia a necessidade de adotar medidas investigativas para esclarecer os fatos que se haviam omitido anteriormente, algumas das quais foram apontadas nesta seção. A respeito, o Ministério Público estimou necessário realizar, entre outras, as seguintes diligências: i) escutar Vanderlei Garibaldi e dois de seus cunhados, quem presenciaram os fatos; ii) receber as declarações de outras pessoas do acampamento presentes na operação de desocupação e de Giovani Braun; iii) escutar o escrivão Ribeiro para esclarecer a informação que aportou ao Inquérito; iv) receber as declarações de Morival Favoreto e Ailton Lobato, a quem se deverá perguntar onde estavam no momento do crime, "[d]estacando-se que [o recibo da consulta médica] refere à data anterior aos fatos, qual seja, dia 25/11/1998"; e v) localizar e enviar a arma apreendida, assim como as cápsulas e projéteis apreendidos, para exame de comparação balística.

132. Diante do exposto, a Corte indica que a falta de resposta estatal é um elemento determinante ao avaliar se tem descumprido os artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, pois tem relação direta com o princípio de efetividade que deve caracterizar o desenvolvimento de tais investigações. No presente caso, as falhas e omissões apontadas pelo Tribunal demonstram que as autoridades estatais não atuaram com a devida diligência nem em consonância com as obrigações derivadas dos artigos mencionados.

C.ii) Prazo do Inquérito

133. Este Tribunal tem asseverado que o direito de acesso à justiça deve assegurar, em um tempo razoável, o direito das supostas vítimas ou seus familiares a que seja feito todo o necessário para conhecer a verdade do sucedido e sejam sancionados os responsáveis. A falta de razoabilidade no prazo para o desenvolvimento da investigação constitui, em princípio, por si mesma, uma violação das garantias judiciais. Nesse sentido, a Corte tem considerado quatro elementos para determinar a razoabilidade do prazo: a) complexidade do assunto, b) atividade processual do interessado, c) conduta das autoridades judiciais, e d) o efeito gerado na situação jurídica da pessoa envolvida no processo.

134. A Corte adverte que a demora no desenvolvimento do Inquérito não pode ser justificada em razão da complexidade do assunto. Com efeito, o presente caso se tratou de um só fato, ocorrido diante de numerosas testemunhas, a respeito de uma única vítima claramente identificada. Ademais, desde o início do Inquérito poderiam existir indícios sobre a possível autoria e motivo do fato, os quais podiam guiar o procedimento e suas diligências.

135. No que concerne ao segundo dos elementos a ser considerado, o Tribunal adverte que o delito de homicídio deve ser investigado de ofício pelo Estado, conforme este mesmo já o explicou e a legislação nacional (supra pars. 106 e 119), e a atividade processual dos familiares do senhor Garibaldi em nenhum momento maculou o Inquérito.

136. Sobre a conduta das autoridades responsáveis, a Corte já expôs a demora das autoridades em receber as declarações de um indiciado e de testemunhas, tal como ocorreu com as declarações de Morival Favoreto, Eduardo Minutoli Junior e Flair Carrilho; em cumprir as diligências ordenadas pelo Ministério Público e os delegados de polícia, como sucedeu com as diligências para identificar determinados veículos; e em aportar ao expediente outros elementos probatórios, como a perícia da arma apreendida e a demora para esclarecer a localização da mesma. Adicionalmente, pelo menos em cinco oportunidades durante o Inquérito, transcorreram períodos de tempo, desde três meses até mais de um ano e seis meses, sem que fosse realizada nenhuma atividade de coleta ou produção de provas além do mero pedido ou reiteração para praticar alguma diligência (supra parrs. 84 a 86, 89, 92, e 95 a 97). Por exemplo, de 2 de junho de 2000 até 3 de julho de 2001, as únicas atuações no expediente foram três petições e concessões de prorrogação do prazo para concluir o Inquérito, e duas reiterações de pedidos de provas (supra par. 89). Igualmente, depois do recebimento do testemunho de Eduardo Minutoli Junior, em 5 de julho de 2001, não se praticou nenhuma outra diligência, a não ser solicitar a declaração do médico Flair Carrilho, até 12 de setembro de 2002 (supra pars. 91 e 92). Depois de que finalmente foi recebida a declaração do mencionado médico, em 13 de setembro de 2002, até o pedido de arquivamento do Inquérito, em 12 de maio de 2004, a única atuação voltada ao avanço do Inquérito foi a reiteração do pedido de envio da arma apreendida, que foi finalmente respondida em 25 de março de 2004 (supra pars. 94 a 96). Por último, no decorrer dos quase seis anos que durou o Inquérito, em treze oportunidades foram solicitadas e outorgadas prorrogações para concluí-lo. Dessa forma, considerando o período transcorrido entre 10 de dezembro de 1998, quando apenas se iniciava o Inquérito, até a ordem de arquivamento em maio de 2004, a Corte considera que esse procedimento demorou o equivalente a mais de sessenta vezes o prazo legal de trinta dias estabelecido no artigo 10 do Código de Processo Penal.

137. O Brasil alegou que a duração do Inquérito decorreu das férias regulamentares de alguns funcionários públicos, da realização de diligências em outras jurisdições e do acúmulo de procedimentos a cargo das autoridades estatais. A Corte lembra, como já foi estabelecido na presente Sentença, que existe uma obrigação internacional do Estado em investigar fatos como os do presente caso e, por isso, não é possível alegar obstáculos internos, tais como a falta de infra-estrutura ou de pessoal para conduzir os processos investigativos, para eximir-se de uma obrigação internacional.

138. Acerca do quarto elemento, a Corte tem afirmado que, para determinar a razoabilidade do prazo, deve-se tomar em conta os efeitos gerados pela duração do procedimento na situação jurídica da pessoa envolvida no mesmo, considerando, entre outros elementos, a matéria objeto de controvérsia. Assim, o Tribunal tem estabelecido que se o lapso temporal incide de maneira relevante na situação jurídica do indivíduo, resultará necessário que o procedimento tramite com uma maior diligência a fim de que o caso se resolva em um tempo breve. No presente caso, a Corte considera que não é necessário analisar esse elemento para determinar a razoabilidade do prazo da investigação iniciada pela morte do senhor Garibaldi.

139. Pelo exposto, o Tribunal conclui que o lapso de mais de cinco anos que demorou o procedimento interno apenas na fase de investigação dos fatos ultrapassa excessivamente um prazo que possa ser considerado razoável para que o Estado realize as correspondentes diligências investigativas, bem como constitui uma denegação de justiça em prejuízo dos familiares de Sétimo Garibaldi.

140. A Corte conclui que as autoridades estatais não atuaram com a devida diligência no Inquérito da morte de Sétimo Garibaldi, o qual, ademais, excedeu um prazo razoável. Por isso, o Estado violou os direitos às garantias e à proteção judiciais previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 da mesma, em prejuízo de Iracema Garibaldi, Darsônia Garibaldi, Vanderlei Garibaldi, Fernando Garibaldi, Itamar Garibaldi, Itacir Garibaldi e Alexandre Garibaldi.

141. A Corte não pode deixar de expressar sua preocupação pelas graves falhas e demoras no inquérito do presente caso, que afetaram vítimas que pertencem a um grupo considerado vulnerável. Como já foi manifestado reiteradamente por este Tribunal, a impunidade propicia a repetição crônica das violações de direitos humanos.

VII

ARTIGO 28 (CLÁUSULA FEDERAL) COM RELAÇÃO AOS ARTIGOS 1.1 E 2 DA CONVENÇÃO AMERICANA

142. A Comissão alegou que, em cumprimento do artigo 28 da Convenção Americana, independentemente da divisão interna de competências, o Brasil deveu adotar: i) medidas adequadas para que Sétimo Garibaldi não fosse assassinado por um grupo armado a serviço de fazendeiros do Estado do Paraná que tentava praticar uma desocupação clandestina, assim como proporcionar aos seus familiares uma efetiva investigação dos fatos, julgamento e sanção dos responsáveis, junto com uma adequada indenização civil; e ii) medidas eficazes com o fim de evitar a proliferação de grupos armados que pratiquem desocupações clandestinas violentas. A forma federal do governo procura dar maior autonomia e uma ampla margem de gestão aos Estados que compõem a União, enquanto o estado federal conserva algumas funções básicas. Conforme o artigo 23, inciso I, da Constituição Federal, compete conjuntamente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios velar pela guarda da Constituição e das leis. Em razão de que "os mecanismos resultaram inoperantes, o Estado [...] não pode argumentar em nenhum caso, sua falta de responsabilidade". As unidades federativas, por serem partes do estado federal, encontram-se igualmente vinculadas pelo disposto nos tratados internacionais ratificados por esse último. Por outro lado, o artigo 28 da Convenção Americana estabelece obrigações cujo cumprimento, da forma que o das obrigações emanadas dos artigos 1.1 e 2 da Convenção, é suscetível de verificação e pronunciamento pelos órgãos de supervisão do Sistema Interamericano. Com efeito, "o dever de adotar disposições de direito interno exige dos Estados Partes não somente expedir e implementar medidas de caráter legislativo, mas também de todas as medidas necessárias para assegurar o pleno e efetivo gozo dos direitos e liberdades garantidos pela Convenção Americana a todas as pessoas sujeitas à sua jurisdição".

Com base nas considerações anteriores, solicitou que a Corte declare o descumprimento pelo Brasil das normas convencionais referidas.

143. Os representantes sustentaram que por tratar-se de um estado federal, o Brasil tem a responsabilidade de cumprir todas as disposições da Convenção Americana, inclusive o artigo 28 e que não pode eximir-se de sua responsabilidade pela negativa dos Estados que integram a União. Particularmente, indicaram que durante o procedimento perante a Comissão em uma reunião de trabalho realizada em 11 de outubro de 2007, o Estado informou que "não conseguiram estabelecer contato com as autoridades do Estado do Paraná e por isso não [era] possível trazer informaç[ão] sobre o cumprimento das recomendações" incluídas no Relatório No. 13/07 da Comissão. Essa atitude, a seu juízo, é uma prova das omissões do Estado. Mesmo que se negue a assumir sua responsabilidade pelas violações cometidas no presente caso, alegando discrepâncias entre o estado federal e o ente estadual, o Brasil não estaria observando sua obrigação internacional de garantir e fazer cumprir a Convenção. Independentemente de sua estrutura federal, o Estado devia respeitar sua obrigação internacional de adotar medidas adequadas para garantir os direitos das pessoas que estão sob sua jurisdição. O Estado descumpriu as disposições do artigo 28 da Convenção ao não possibilitar uma investigação completa, imparcial e efetiva dos fatos, responsabilizando os autores do crime; ao não reparar plenamente os familiares da vítima, e ao não prevenir a morte de trabalhadores rurais. Por isso, consideraram que existem elementos probatórios suficientes para condenar o Estado pela violação do referido artigo.

144. O Estado afirmou que a Comissão e os representantes não lograram demonstrar com precisão as ações que o Brasil devia ter realizado para evitar a violação do artigo 28 da Convenção Americana e entendeu que não é possível saber as dimensões dessa suposta violação, já que somente fizeram acusações em termos genéricos.

Esclareceu que a informação que apresentou a respeito do presente caso, na mencionada reunião de trabalho na Comissão, foi oferecida de boa fé e pretendia indicar as razões pelas quais o Estado demorou em cumprir o conjunto de recomendações que a Comissão Interamericana efetuou em seu Relatório de Admissibilidade e Mérito.

De outra feita, arguiu que o artigo 28 da Convenção Americana é uma norma de caráter procedimental que não altera a substância dos direitos individuais em questão. Em suas alegações finais escritas, o Brasil acrescentou que a Comissão, "[a]o alegar a violação dos artigos 2º e 28 da Convenção pela suposta ausência de políticas que pudessem prevenir o homicídio de Sétimo Garibaldi", buscou um caminho que pudesse levar a submeter à Corte a suposta responsabilidade do Estado por esse homicídio. Como o Estado não pode ser responsabilizado pelos fatos ocorridos antes do reconhecimento expresso da competência do Tribunal, é evidente que a suposta omissão na implementação de uma política preventiva somente podia ocorrer em um momento anterior à morte de Sétimo Garibaldi. Desde o trâmite perante a Comissão, assim como na contestação à demanda, o Estado tem informado sobre suas políticas públicas de combate à violência no campo e de promoção da reforma agrária desenvolvidas pela União, pelo que refutou que estivesse utilizando sua estrutura federal como justificativa para não cumprir as disposições dos artigos 2 e 28 da Convenção. Finalmente, aduziu que com base nos artigos 48.1 e 63 da Convenção Americana, somente os direitos e as liberdades estabelecidos nesse tratado podem ser objeto de exame tanto pela Comissão como pelo Tribunal, a quem solicitou que julgue improcedentes as pretensões das partes relacionadas ao artigo 28 da Convenção.

145. Conforme já expressado (supra par. 40), a Corte Interamericana tem competência para interpretar e aplicar todas as disposições da Convenção Americana, não somente as que reconhecem direitos específicos, mas também as que estabelecem obrigações de caráter geral como as que se derivam dos artigos 1 e 2 do tratado, habitualmente interpretadas e aplicadas pelo Tribunal; assim como outras disposições, dentre as quais figuram as normas de interpretação previstas no artigo 29 do mesmo instrumento.

146. No que concerne à denominada "cláusula federal" estabelecida no artigo 28 da Convenção Americana, em ocasiões anteriores a Corte teve a oportunidade de referir- e ao alcance das obrigações internacionais de direitos humanos dos Estados federais.

Recentemente, no Caso Escher e outros, o Tribunal aduziu que, em sua competência contenciosa, tem estabelecido claramente que "segundo jurisprudência centenária e eu não variou até agora, um Estado não pode alegar sua estrutura federal para deixar de cumprir uma obrigação internacional". Essa questão também foi abordada em sua competência consultiva, ao determinar que "as disposições internacionais concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos [...] devem ser respeitadas pelos Estados americanos Partes nas respectivas convenções, independentemente de sua estrutura federal ou unitária". Dessa maneira, a Corte considera que os Estados Partes devem assegurar o respeito e a garantia de todos os direitos reconhecidos na Convenção Americana a todas as pessoas sob sua jurisdição, sem limitação nem exceção alguma com base na referida organização interna. O sistema normativo e as práticas das entidades que formam um estado federal Parte da Convenção devem conformarse com a mesma.

147. No presente caso, a Comissão e os representantes alegaram o descumprimento dos artigos 2 e 28 da Convenção pela suposta ausência de políticas públicas que pudessem ter prevenido, por um lado, o homicídio do senhor Garibaldi e, por outro, a proliferação de grupos armados que praticam desocupações clandestinas.

A respeito, este Tribunal já determinou (supra pars. 20 e 22) que está fora da competência temporal da Corte todo fato anterior à aceitação da competência contenciosa por parte do Estado, ou seja, anterior a 10 de dezembro de 1998. Por conseguinte, a Corte tampouco é competente para analisar se o Brasil implementou com antecipação à morte de Sétimo Garibaldi as medidas necessárias para prevenir esse fato. Noutro diapasão, consoante a demanda apresentada pela Comissão Interamericana, o objeto do presente caso se constitui das falhas e omissões no Inquérito Policial da morte do senhor Garibaldi, em violação dos artigos 8 e 25 da Convenção, e não a situação das desocupações no Estado do Paraná.

148. Por outra parte e finalmente, a Corte considera, como o fez no Caso Escher e outros, que o arrazoado sobre a eventual inobservância das obrigações emanadas do artigo 28 da Convenção deve referir-se a um fato com um valor suficiente para ser considerado como um verdadeiro descumprimento. No presente caso, a manifestação do Estado em uma reunião de trabalho sobre as dificuldades na comunicação com uma entidade componente do Estado Federal não significa, nem carrega por si mesma, um descumprimento a essa norma. A Corte adverte que, no trâmite perante si, o Estado não apresentou sua estrutura federal como escusa para descumprir uma obrigação internacional. Segundo afirmado pelo Estado, e não desvirtuado pela Comissão nem pelos representantes, essas expressões constituíram uma explicação sobre a marcha da implantação das recomendações do Relatório No. 13/07 da Comissão.

149. Pelo exposto, o Tribunal não constata que o Estado tenha descumprido as obrigações emergentes do artigo 28 da Convenção Americana, com relação aos artigos 1 e 2 do mesmo tratado.

IX

PONTOS RESOLUTIVOS

204. Portanto, A CORTE DECIDE, por unanimidade:

1. Declarar parcialmente admissível a exceção preliminar de competência ratione temporis interposta pelo Estado, conforme os parágrafos 12 a 25 da presente Sentença.

2. Rejeitar as demais exceções preliminares interpostas pelo Estado, nos termos dos parágrafos 26 a 51 da presente Sentença.

DECLARA, por unanimidade, que:

3. O Estado violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial reconhecidos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 da mesma, em prejuízo de Iracema Garibaldi, Darsônia Garibaldi, Vanderlei Garibaldi, Fernando Garibaldi, Itamar Garibaldi, Itacir Garibaldi e Alexandre Garibaldi, nos termos dos parágrafos 111 a 141 da presente Sentença.

4. O Estado não descumpriu a cláusula federal estabelecida no artigo 28 da Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 2 da mesma, em prejuízo de Iracema Garibaldi, Darsônia Garibaldi, Vanderlei Garibaldi, Fernando Garibaldi, Itamar Garibaldi, Itacir Garibaldi e Alexandre Garibaldi, nos termos dos parágrafos 145 a 149 da presente Sentença.

E DISPÕE, por unanimidade, que:

5. Esta Sentença constitui per se uma forma de reparação.

6. O Estado deve publicar no Diário Oficial, em outro jornal de ampla circulação nacional, e em um jornal de ampla circulação no Estado do Paraná, uma única vez, a página de rosto, os Capítulos I, VI e VII, sem as notas de rodapé, e a parte resolutiva da presente Sentença, bem como deve publicar de forma íntegra a presente Decisão, por no mínimo um ano, em uma página web oficial adequada da União e do Estado do Paraná, tomando em conta as características da publicação que se ordena realizar. As publicações nos jornais e na internet deverão realizar-se nos prazos de seis e dois meses, respectivamente, contados a partir da notificação da presente Sentença, nos termos do parágrafo 157 da mesma.

7. O Estado deve conduzir eficazmente e dentro de um prazo razoável o Inquérito e qualquer processo que chegar a abrir, como consequência deste, para identificar, julgar e, eventualmente, sancionar os autores da morte do senhor Garibaldi. Da mesma maneira, o Estado deve investigar e, se for o caso, sancionar as eventuais faltas funcionais nas quais poderiam ter incorrido os funcionários públicos a cargo do Inquérito, nos termos dos parágrafos 165 a 169 da presente Sentença.

8. O Estado deve pagar a Iracema Garibaldi, Darsônia Garibaldi, Vanderlei Garibaldi, Fernando Garibaldi, Itamar Garibaldi, Itacir Garibaldi e Alexandre Garibaldi, os montantes fixados no parágrafos 187 e 193 da presente Sentença a título de dano material e imaterial, dentro do prazo de um ano, contado a partir da notificação da mesma, e conforme as modalidades especificadas nos parágrafos 200 a 203 desta Decisão.

9. O Estado deve pagar a Iracema Garibaldi o montante fixado no parágrafo 199 da presente Sentença por restituição de custas e gastos, dentro do prazo de um ano contado a partir da notificação da mesma e conforme as modalidades especificadas nos parágrafos 200 a 203 desta Decisão.

10. A Corte supervisará o cumprimento íntegro desta Sentença, em exercício de suas atribuições e em cumprimento dos seus deveres conforme a Convenção Americana, e dará por concluído o presente caso uma vez que o Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto na mesma. O Estado deverá, dentro do prazo de um ano contado a partir da notificação desta Sentença, apresentar ao Tribunal um relatório sobre as medidas adotadas para cumprir a mesma.

O juiz Roberto de Figueiredo Caldas levou ao conhecimento da Corte seu voto concordante e fundamentado, o qual acompanha esta Sentença.

Redigida em espanhol, português e inglês, fazendo fé os textos em espanhol e português, em San José, Costa Rica, em 23 de setembro de 2009.

(Publicada no Diário Oficial da União de 10.02.2010)



JURID - Brasil é condenado por assassinato. [10/02/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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