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Justiça condena Estado a pagar indenização a filha de presidiário.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA - Ariquemes
Vara: 1ª Vara Cível
Processo: 0072616-66.2009.8.22.0002
Classe: Procedimento Ordinário (Cível)
Requerente: Jeniffer Nascimento Portugal
Requerido: Estado de Rondônia
Vistos e examinados
JENIFFER NASCIMENTO PORTUGAL, qualificado à fl. 3, interpôs ação de indenização por danos morais e materiais contra o ESTADO DE RONDÔNIA, igualmente qualificado, alegando, em resumo, que é filha de Josias Portugal de Almeida, o qual se encontrava preso no Presídio Urso Branco, em Porto Velho. Afirmou que no dia 16/05/2001, seu genitor foi violentamente assassinado, vindo a óbito devido aos ferimentos com arma branca. Pediu tutela antecipada de alimentos provisionais até final deslinde da demanda no valor de 2 (dois) salários mínimos mensais, indenização por danos materiais consistentes em pensão vitalícia até completar 25 anos de idade, no valor de R$ 2 (dois) salários mínimos mensais, bem como compensação pelos danos morais decorrentes de sua perda, no montante de 500 (quinhentos) salários mínimos. Juntou os documentos de fl. 22/32.
Tutela antecipada indeferida à fl. 33.
Citado (fl. 35-v), o requerido apresentou resposta aduzindo que para configurar a responsabilidade objetiva deve concorrer a efetividade do dano e o nexo causal. Sustentou que a omissão do Estado na proteção dos custodiados não dá margem à aplicação da responsabilidade objetiva, sendo imprescindível que se apure a responsabilidade sob o ângulo da subjetividade, analisando-se a existência de culpa ou dolo do agente estatal. Rebateu os valores pedidos a título de danos materiais e morais. Pediu, por fim, o acolhimento dos argumentos de defesa e a condenação da autora no ônus da sucumbência. Juntou os documentos de fl. 47/50.
Impugnação à contestação à fl. 51/52.
Parecer ministerial à fl. 55/62, opinando pela procedência parcial do pedido.
Na instrução foram colhidos os depoimentos de duas testemunhas (fl. 71/72). Na sequência as partes apresentaram alegações finais remissivas à inicial e contestação, cada uma insistindo em suas posições iniciais. A autor renovou o pedido de tutela antecipada para arbitramento de alimentos provisionais.
O Ministério Público ratificou o parecer de fl. 55/62 (fl. 73).
É o relatório. DECIDO.
Trata-se de ação indenizatória por danos materiais e morais proposta pela autora contra o requerido, sob o argumento da responsabilidade objetiva da custódia de Josias Portugal de Almeida, o qual teria falecido em decorrência de lesões com arma branca no interior da Casa de Detenção Urso Branco em Porto Velho.
Não há preliminares.
A responsabilidade do Estado é objetiva, conforme art. 37 § 6º da CF.
Para a sua configuração basta tão somente a relação causal entre o fato e o dano. Presente o nexo causal entre a falha administrativa e o dano, e não evidenciada a culpabilidade exclusiva da vítima, cabe ao Estado indenizar.
Na espécie, o pai da autora estava sob a custódia do requerido, vez que estava preso em regime fechado na Casa de Detenção Urso Branco, em Porto Velho.
No dia 16/05/2001 foi alvejado com arma branca no interior desse presídio, fato que foi a causa determinante de sua morte. Ressalta-se que a vítima Josias, como qualquer outro indivíduo posto sob a custódia do Estado, faz jus à proteção contra a agressão de seus prepostos, bem como de terceiros, sejam eles detentos ou não. Não obstante a vítima ter cometido crimes, o Estado deve responder por não haver cumprido a obrigação que constitucionalmente chama para si, ou seja, de preservar a integridade física do detento.
Em considerando que o pai da autora faleceu em razão de lesões por arma branca e que tais lesões foram desferidas no interior do sistema prisional em que estava custodiado, configurado está o nexo causal e conseqüentemente o dano. A morte drástica e violenta da vítima (fl. 28), abalou os princípios éticos que norteiam a vida em sociedade, motivo que torna necessário o ressarcimento do Estado pelo evento danoso.
O Tribunal de Justiça de Rondônia, em vários julgados assim se posicionou:
"O dever de indenizar do Estado decorre da omissão de zelar pela integridade física dos que se encontram sob sua tutela, restando caracterizada a culpa in vigilando" (Apelação Cível n. 100.001.2003.018856-2, Rel. Desembargador Eurico Montenegro, j. 16/8/2006).
"A morte de detento, que cumpre pena no sistema penitenciário, decorrente de assassinato, encaixa-se na hipótese da responsabilidade objetiva pela culpa da Administração, resultando no dever do Estado indenizar, considerando a falha do serviço público no que concerne ao dever de zelar pela integridade da vida do detento" (Apelação Cível n. 100.003.2004.001472-2, Rel. Desembargador Sansão Saldanha, j. 27/7/2005).
Não constitui hipótese de responsabilidade subjetiva, mas como já mencionado, aplica-se na espécie a responsabilidade objetiva do Estado, mesmo na forma omissiva. Assim, é imperativo o dever de indenizar do requerido.
Reconhecido o dever de indenizar por parte do requerido, mister mensurar o quantum indenizatório. A autora, menor impúbere e filha da vítima, suportou danos materiais e morais diante do evento da perda do genitor. Destaca-se que, não obstante a vítima estar cumprindo pena, o vínculo entre pai e filho decorre de disposição legal (art. 1.696 do Código Civil) e não de fato, e que a dependência é fato de somenos importância em comparação à atividade estatal, que omitiu-se na proteção da vida daquele que tinha a obrigação de manter a autora enquanto submetido à sua guarda e sustento.
A autora demonstrou que seu falecido genitor era autônomo e trabalhava com compra de venda de veículos, contudo, não há elementos de mensuração de sua renda mensal. Por isto, improcede o pleito de fixação da pensão mensal em 2 (dois) salários mínimos. Diante da ausência de comprovação dos ganhos mensais da vítima, presume-se que a ela, mesmo exercendo algum ofício remunerado, seus ganhos correspondiam a um salário mínimo.
Entrementes, considerando que parte (1/3) desses ganhos presumidos seriam destinados às despesas pessoais da vítima, o remanescente era revertido ao sustento da família, em especial na manutenção da autora. Por este motivo, inexistindo culpa concorrente da vítima para a eclosão do infortúnio e sopesandos os elementos apresentados nos autos, arbitro o quantum em 2/3 do salário mínimo a título de pensão mensal, que deverá ser paga pelo requerido até a maioridade da autora. Não há amparo legal para deferimento do pagamento de pensão mensal até os 25 anos de idade.
No tocante ao dano moral, é certo que a indenização não possui caráter de reposição com valor econômico, mas tão-só a intenção de amenizar o sentimento de perda do ente querido. Na espécie, induvidoso que a autora, menor com 10 anos de idade, suportou dor incomensurável pela perda do pai e que atualmente sentem sua ausência no dia-a-dia de suas vidas, de modo que se vivo estivesse, a vítima estaria lhes educando, proporcionando atenção, carinho e acima de tudo amor, que valor autora frente à perda definitiva do pai.
A respeito do quantum, Maria Helena Diniz, em sua obra "Responsabilidade Civil", escreve que:
"É da competência jurisdicional o estabelecimento do modo como o lesante deve reparar o dano moral, baseado em critérios subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender: culpa ou dolo) ou objetivos (situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa). Na avaliação do dano moral, o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação eqüitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável. Na reparação do dano moral o juiz determina, por eqüidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão, e não ser equivalente, por impossível tal equivalência."
À luz de tais ponderações, tem-se que o arbitramento do montante indenizatório deve ter por parâmetro, dentre outros aspectos, as condições da vítima e do ofensor, o grau de culpa presente na espécie e os prejuízos morais sofridos. E, embora o Estado chame para si a obrigação de resguardar a integridade física dos que estão sob sua custódia, ainda que tenham atentado contra o bem-estar social, não pode ser penalizado com valor que se mostra incompatível com as circunstâncias do fato. Portanto, comprovada a ocorrência do dano moral oriunda de ato indevido, considerando-se a situação econômica das partes, a teoria do desestímulo, o princípio da razoabilidade e, especialmente, a inexistência de regra certa e definida para a valoração pretendida, arbitro o valor em 70 salários mínimos.
Posto isto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, e o faço para condenar ESTADO DE RONDÔNIA a pagar a autora JENIFFER NASCIMENTO PORTUGAL, a título de danos materiais, pensão mensal no importe de 2/3 (dois terços) do salário mínimo, desde a data do óbito (16/05/2001) até que a autora atinja 18 anos de idade, inclusive o 13º salário. As parcelas vencidas deverão ser pagas em parcela única, devidamente atualizadas, tomando por base de cálculo o valor de cada parcela à época de seu respectivo vencimento, com acréscimo de correção monetária e juros de mora de 1% ao mês a contar da data do óbito. Condeno, ainda, o requerido a pagar aos autores, a título de danos morais, a importância de R$ 35.700,00 (trinta e cinco mil e setecentos reais), com correção monetária e juros de mora de 1% ao mês a contar desta data, à vista do parâmetro atual utilizado para arbitramento.
Face à sucumbência recíproca, mas considerando que a parte autora decaiu de parte mínima do pedido, vez que o não acolhimento do valor pedido a título de danos morais não representa reciprocidade na sucumbência, condeno o requerido a pargar ao patrono da autora o importe de 15% do valor da condenação atualizado, dado o grau de zelo do profissional.
DEFIRO A TUTELA ANTECIPADA para determinar que o requerido pague a pensão mensal a favor da autora no importe de 2/3 do salário mínimo, sob pena de multa diária que arbitro em R$ 200,00 (duzentos reais) até o limite de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), no prazo de 15 dias a contar da intimação da presente.
Com o trânsito em julgado, aguarde-se o impulso processual dos interessados por 5 dias, vez que na espécie não se aplica o disposto no art. 475-J do CPC.
P.R.I.C
Ariquemes-RO, segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010.
Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz
Juíza de Direito
JURID - Filha de presidiário será indenizada. [10/02/10] - Jurisprudência

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