Administrativo. Mandado de segurança. Bacharel em direito. Inscrição definitiva nos quadros da OAB. Requisitos.
Superior Tribunal de Justiça - STJ.
RECURSO ESPECIAL Nº 930.596 - ES (2007/0046990-9)
RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO
ADVOGADOS: RICARDO TAUFFER PADILHA
ALUISIO LUNDGREN CORREA REGIS
RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES
ADVOGADO: ROSA MARIA ASSAD GOMEZ E OUTRO(S)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. BACHAREL EM DIREITO. INSCRIÇÃO DEFINITIVA NOS QUADROS DA OAB. REQUISITOS. ART. 8º, § 4º DO ESTATUTO DA OAB (LEI Nº 8.906/94). PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. SÚMULA 211/STF.
1. O deferimento do pedido de inscrição do bacharel em direito nos quadros da Ordem dos Advogados carece do cumprimento do requisitos cumulativos e objetivos de apuração, constantes do artigo 8º da Lei nº 8.906/94, verbis:
"Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:
I - capacidade civil;
II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;
III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
IV - aprovação em Exame de Ordem;
V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;
VI - idoneidade moral;
VII - prestar compromisso perante o conselho.
§ 1º O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.
§ 2º O estrangeiro ou brasileiro, quando não graduado em direito no Brasil, deve fazer prova do título de graduação, obtido em instituição estrangeira, devidamente revalidado, além de atender aos demais requisitos previstos neste artigo.
§ 3º A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos os membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos do processo disciplinar.
§ 4º Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial." (grifo nosso)
2. O magistrado, ao aplicar a lei, não pode restringir-se à subsunção do fato à norma, ao revés, deve estar atento aos princípios maiores que regem o ordenamento jurídico e aos fins sociais a que a lei se dirige (art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil).
3. O princípio da interpretação conforme a Constituição, "impõe a juízes e tribunais que interpretem a legislação ordinária de modo a realizar, da maneira mais adequada, os valores e fins constitucionais. Vale dizer; entre interpretações possíveis, deve-se escolher a que tem mais afinidade com a Constituição(...)." Luís Roberto Barroso in Direito Constitucional Contemporâneo, Saraiva, 2009, p. 301.
4. A interpretação da lei ordinária deve pautar-se, dentre outros princípios, no princípio da dignidade da pessoa humana, encartado no art. 1º, inciso III da Constituição Federal, por isso que "o princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. (...) A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência." (Luís Roberto Barroso, "A nova interpretação constitucional", fls. 372).
5. A finalidade da Lei 8.906/94 é permitir aos profissionais do direito, que preencham os requisitos e, em especial, a idoneidade moral, a inscrição nos quadros da OAB, possibilitando-lhes o exercício da advocacia.
6. A aferição da idoneidade moral, para fins de inscrição nos Quadros da Ordem dos Advogados, revela-se insindicável, em sede de recurso especial, em razão do teor da Súmula 07 do STJ.
7. O exame do recurso em tela cinge-se à legalidade da aplicação do disposto no art. 8º, § 4º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) e a violação perpetrada pelo Tribunal a quo ao referido artigo, mercê da ausência de declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo, por isso que o Tribunal a quo não poderia ter negado a sua vigência sob a alegação de desconformidade com o art. 37 da Constituição Federal.
8. A interpretação do disposto no § 4º, do art. 8º, do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) conduz à inarredável conclusão de que a inidoneidade, nesse caso, circunscreve-se à existência de condenação por crime infamante, fato que, evidentemente, não pode ser confundido com decisão proferida em procedimento administrativo disciplinar, consubstanciada na sanção de disponibilidade, sob pena de configurar crime de exegese.
9. O ato administrativo, no Estado Democrático de Direito, está subordinado ao princípio da legalidade (CF/88, arts. 5º, II, 37, caput, 84, IV), o que equivale a assentar que a Administração só pode atuar de acordo com o que a lei determina. Desta sorte, não pode a Administração inovar na ordem jurídica, impondo obrigações ou limitações a direitos de terceiros.
10. Consoante a melhor doutrina: "(...) O princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis.(...) Logo, a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros Editores, 2007, pág:98/99).
11. Deveras, a aplicação da técnica de "interpretação conforme a Constituição", a qual impõe a interpretação da legislação ordinária à luz dos princípios constitucionais, aos quais se acrescenta a dignidade da pessoa humana, a proteção à livre iniciativa, a valorização do trabalho humano, impede a realização de uma interpretação sistêmica para incluir outras hipóteses proibitivas que obstam inscrição de bacharel em direito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mercê de não encerrar interpretação conforme a constituição.
12. Mandado de segurança objetivando a anulação da decisão de Autarquia Profissional que negou a inscrição do impetrante em seus quadros por considerá-lo inidôneo para o exercício da advocacia, utilizando-se de prova emprestada, colhida em procedimento administrativo-disciplinar sigiloso, perante o Poder Judiciário, que lhe impôs a pena de disponibilidade por interesse público, tendo sido publicado no dia posterior à determinação de afastamento pelo Tribunal de Justiça (fls. 367), o pedido de aposentadoria voluntária pelo impetrante.
13. O trecho do incidente de suscitação de inidoneidade moral instaurado perante o juízo a quo, no sentido de observância da ampla defesa transcrito, verbis: "Não considerei para essa conclusão, nem mesmo como indício, o requerimento de aposentadoria espontânea (ato publicado no dia posterior à determinação de afastamento pelo Tribunal de Justiça), por tratar-se de direito do Requerente-suscitado. Não considerei também a alegada imagem negativa do Requerente, posto que a conclusão que apresento entendo deva-se dar através de fatos objetivos, embora esses fatos também inegavelmente produzam uma imagem a que não me ative. Não considerei também o exercício do direito de silêncio neste procedimento, pois tal faculdade é garantia constitucional que não pode implicar reconhecimento de culpa. Assim, considerei apenas todos os documentos, relatórios e depoimentos mencionados (fls. 367) revela a obediência ao contraditório.
14. O ordenamento jurídico não veda o uso da prova emprestada na esfera administrativa, consoante assentado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal:
"PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheira dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Precedente. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova (Inq-QO-QO 2424/RJ - Relator: Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 20/06/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno DJ 24-08-2007)". Precedentes/STJ: MS 11.965/DF, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08.08.2007, DJ 18.10.2007;MS 10.292/DF, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22.08.2007, DJ 11.10.2007;HC 47.813/RJ,QUINTA TURMA, julgado em 09.08.2007, DJ 10.09.2007.
15. É que "(...)no processo administrativo, que se orienta sobretudo no sentido da verdade material, não há razão para dificultar o uso de prova emprestada, desde que, de qualquer maneira, se abra possibilidade ao interessado para questioná-la, pois, em princípio, a parte tem o direito de acompanhar a produção da prova." (Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, in Processo Administrativo - 2ª edição- Editora Malheiros - página 172)
16. Sob esse enfoque assentou o Tribunal a quo: "(...) Conquanto o sigilo externo, no procedimento para a decretação da perda do cargo de magistrado (art. 27, LC nº 35/79), seja resguardado - em atenção não somente à intimidade do agente político, mas também à credibilidade da Instituição (art. 40, LC nº 35/79) - releva considerar que tal aspecto não inviabiliza a utilização dos elementos cognitivos no mesmo produzidos, a título de prova emprestada, em processos administrativo-disciplinares outros, referentes ao exercício de quaisquer outras funções públicas, a exemplo do munus público da advocacia, a teor do art. 133 do Texto Básico, o que não impede a OAB, portanto, de se utilizar destas provas na aferição da idoneidade moral daquele que postula inscrição em seus quadros, desde que, por óbvio, colhida em observância ao contraditório (STF-RE /MG 328138, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17.10.2003).
17. Destarte, observada a exigência constitucional de contraditório e ampla defesa não resta vedada a utilização da prova emprestada, nos termos expostos pelo Ministro Sepúlveda Pertence, a contrario sensu, in litteris:
"(...) A garantia constitucional do contraditório - ao lado, quando for o caso, do princípio do juiz natural - é o obstáculo mais freqüentemente oponível à admissão e à valoração da prova emprestada de outro processo, no qual, pelo menos, não tenha sido parte aquele contra quem se pretenda fazê-la valer; por isso mesmo, no entanto, a circunstância de provir a prova de procedimento a que estranho a parte contra a qual se pretende utilizá-la só tem relevo, se se cuida de prova que - não fora o seu traslado para o processo - nele se devesse produzir no curso da instrução contraditória, com a presença e a intervenção das partes. (RE 328138 / MG Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 16/09/2003 Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação DJ 17-10-2003).
18. Deveras, o compartilhamento da prova oriunda de processo administrativo restou chancelado pela Corte Especial no AgRg na Ação Penal n.º 536/BA, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 19/11/2008, DJ de 19/03/2009, verbis: "Esta Corte atendeu ao pedido formulado pelo Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público Estadual, compartilhando com os órgãos oficiantes a prova documental produzida no inquérito policial, inclusive as interceptações telefônicas".
19. A simples indicação do dispositivo tido por violado (art. 131 da Lei Complementar 35/79 - LOMAN), sem referência com o disposto no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ: "Inadimissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo".
20. Recurso Especial provido em razão da violação ao art. 8º, § 4º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, Renovando o julgamento, a Turma, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki e Benedito Gonçalves (voto-vista), dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Denise Arruda e Hamilton Carvalhido (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Assistiu ao julgamento o Dr. ALUISIO LUNDGREN CORREA REGIS, pela parte RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO.
Brasília (DF), 17 de dezembro de 2009(Data do Julgamento)
MINISTRO LUIZ FUX
Relator
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2007/0046990-9 REsp 930596 / ES
Número Origem: 200250010036159
PAUTA: 18/11/2008 JULGADO: 18/11/2008
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO FRANCISCO SOBRINHO
Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO
ADVOGADO: RICARDO TAUFFER PADILHA
RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES
ADVOGADO: ROSA MARIA ASSAD GOMEZ E OUTRO(S)
ASSUNTO: Administrativo - Exercício Profissional - Inscrição em Órgão de Classe - OAB
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Adiado o julgamento por indicação do Sr. Ministro Relator.
Brasília, 18 de novembro de 2008
MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2007/0046990-9 REsp 930596 / ES
Número Origem: 200250010036159
PAUTA: 04/12/2008 JULGADO: 04/12/2008
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS
Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO
ADVOGADO: RICARDO TAUFFER PADILHA
RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES
ADVOGADO: ROSA MARIA ASSAD GOMEZ E OUTRO(S)
ASSUNTO: Administrativo - Exercício Profissional - Inscrição em Órgão de Classe - OAB
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Brasília, 04 de dezembro de 2008
MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2007/0046990-9 REsp 930596 / ES
Número Origem: 200250010036159
PAUTA: 04/12/2008 JULGADO: 16/12/2008
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ EDUARDO DE SANTANA
Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO
ADVOGADO: RICARDO TAUFFER PADILHA
RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES
ADVOGADO: ROSA MARIA ASSAD GOMEZ E OUTRO(S)
ASSUNTO: Administrativo - Exercício Profissional - Inscrição em Órgão de Classe - OAB
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Brasília, 16 de dezembro de 2008
MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2007/0046990-9 REsp 930596 / ES
Número Origem: 200250010036159
PAUTA: 25/08/2009 JULGADO: 25/08/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro BENEDITO GONÇALVES
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EDILSON ALVES DE FRANÇA
Secretária
Bela. MARIA DO SOCORRO MELO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO
ADVOGADO: RICARDO TAUFFER PADILHA
RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES
ADVOGADO: ROSA MARIA ASSAD GOMEZ E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Entidades Administrativas / Administração Pública - Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional e Afins - Registro Profissional
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Brasília, 25 de agosto de 2009
MARIA DO SOCORRO MELO
Secretária
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI: Sr. Presidente, conforme consta do relatório apresentado agora pelo Sr. Ministro Luiz Fux, o recurso alega violação a três dispositivos.
Primeiro: o art. 131 da Lei Complementar nº 35, ao fundamento de que foi violada a sigilosidade de processo administrativo disciplinar. O Sr. Ministro Luiz Fux afastou essa violação, e acompanho o voto de S. Exa. neste ponto.
Segundo: o art. 332 do CPC, que veda a utilização de prova ilícita. O Sr. Ministro Luiz Fux afastou essa alegação, no que também o acompanho.
Terceiro ponto: violação ao art. 8º, § 4º, do Estatuto da OAB, que cuidou de estabelecer critério objetivo para análise de inidoneidade moral, pelo que, não tendo o impetrante sido sequer condenado pela prática de crime infamante, com muito mais razão não poderia ser declarada sua inidoneidade moral. Nesse ponto, vou pedir vênia ao Sr. Ministro Luiz Fux para divergir.
O raciocínio do voto de S. Exa. é que o conceito de inidoneidade moral, para efeito do art. 8º, inciso VI (requisito para inscrição), seria equivalente à condenação por crime infamante. Ou seja, haveria inidoneidade moral apenas nessa hipótese.
Todavia, um exame sistemático do texto normativo dá razão à interpretação dada pela OAB da tribuna. Essa, a do § 4º, é uma hipótese de inidoneidade moral a respeito da qual não pode haver um juízo que não seja esse o objetivo. Vale dizer: constatado o fato, a inidoneidade moral existe necessariamente. Mas não é a única hipótese. A lei não afasta outras hipóteses de inidoneidade moral. Seria uma interpretação absolutamente fechada demais imaginar que só nesse caso uma pessoa seria inidônea moralmente, para efeito de inscrição na OAB.
Digo que uma interpretação sistemática leva a um sentido diferente, porque o § 3º do mesmo artigo diz assim:
"A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos os membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos do processo disciplinar."
E aqui já se dá uma abertura incompatível com a interpretação de que apenas no caso do § 4º há inidoneidade moral. Isso por um lado. Por outro lado, o art. 34 dessa mesma lei diz assim:
"Art. 34 Constitui infração disciplinar:
(...)
XXXVII - Tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;
XXXVIII - Praticar crime infamante."
Portanto, a lei estabelece uma distinção: crime infamante é uma situação de inidoneidade necessária, vinculativa para a OAB, mas não exclui outras hipóteses. A lei trata a inidoneidade de uma maneira que não se subsume ao conceito de condenação por crime infamante.
No caso, houve declaração de inidoneidade nos termos e requisitos do § 3º. Houve unanimidade nessa declaração, embora a norma exija no mínimo dois terços dos votos. Assim, examinar se a situação de fato se comporta ou não no conceito de inidoneidade seria invadir uma seara fática, como referiu o próprio Ministro Luiz Fux, insusceptível de exame aqui e agora.
A verdade é que houve o reconhecimento de inidoneidade por votação unânime. E mais: os mesmos fatos serviram de base para que esse magistrado fosse aposentado compulsoriamente pelo seu Tribunal. De modo que não se pode dizer que esses fatos não sejam relevantes. Tudo indica que sejam fatos muito graves para chegar à conclusão que chegaram tanto o Tribunal quanto a OAB.
Por essas razões, não vejo como afastar, de plano, a configuração da inidoneidade. No limitado juízo cabível neste recurso especial, não há como afastá-la, especialmente com base no art. 8º, § 4º, do Estatuto.
Peço vênia ao Sr. Ministro Luiz Fux para negar provimento ao recurso especial.
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator): Trata-se de recurso especial interposto por JOSEPH HADDAD SOBRINHO com fulcro nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, assim ementado:
"PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO DE BACHAREL JUNTO À ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - IDONEIDADE MORAL - PROVA EMPRESTADA.
1 - Rejeitada a preliminar de prevenção, na medida em que inocorrente esta em relação a processos já encerrados (Súmula nº 35/STJ); a par de se cuidarem de lides diversas, no que tange à causa de pedir e ao pedido.
2 - Insurgindo-se contra a decisão indeferitória de sua inscrição nos quadros da OAB/ES, argumentou o autor que as provas utilizadas pelo Conselho irregularmente extraídas de processos disciplinares, referentes ao impetrante, que tiveram trâmite junto ao Eg. Tribunal de Justiça do Espírito Santo, sob segredo de justiça, o que inviabiliza a sua utilização, pela Ordem, como prova emprestada.
3 - Conquanto o sigilo externo, no procedimento para a decretação da perda do cargo de magistrado (art. 27, LC nº 35/79), seja resguardado - em atenção não somente à intimidade do agente político, mas também à credibilidade da Instituição (art. 40, LC nº 35/79) -; releva considerar que tal aspecto não inviabiliza a utilização dos elementos cognitivos no mesmo produzidos, a título de prova emprestada, em processos administrativo-disciplinares outros, referentes ao exercício de quaisquer outras funções públicas, a exemplo do munus público da advocacia, a teor do art. 133 do Texto Básico, o que não impede a OAB, portanto, de se utilizar destas provas na aferição da idoneidade moral daquele que postula inscrição em seus quadros, desde que, por óbvio, colhida em observância ao contraditório (STF-RE 328138/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17.10.2003).
4 - O exercício de função pública não prescinde do atendimento à moralidade (art. 37, caput, CF/88), pelo que se infere estar o inciso VI do art. 8º da Lei nº 8.906/94 cuidando de um conceito jurídico indeterminado, o que não se confunde com discricionariedade, mas apenas impõe a aferição objetiva de standards valorativos que se captam na comunidade profissional, no tempo e no espaço, com considerável consenso jurídico.
5 - Razoabilidade da fundamentação constante da decisão que reconheceu a inidoneidade moral do requerente à inscrição nos quadros da OAB/ES; calcada em irregularidades funcionais não refutadas pelo impetrante, em sede administrativa, mister que, ademais, em mandado de segurança, não prescindiria de dilação probatória, incompatível com a via eleita.
6 - Apelação e remessa necessária a que se dá provimento. (fls. 379)
JOSEPH HADDAD SOBRINHO, impetrou mandado de segurança objetivando a anulação da decisão do CONSELHO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO que o considerou inidôneo para o exercício da advocacia, com intuito de compelir a autoridade coatora a proceder à inscrição definitiva do impetrante como advogado em seus quadros funcionais.
O impetrante aduziu na inicial que advogou até 16.10.1981, quando assumiu o cargo de juiz permanecendo até 21.10.1999, data em que se aposentou, voluntariamente, como magistrado estadual, ato publicado no dia posterior à determinação de afastamento pelo Tribunal de Justiça (fls.367), e que, após requerer a sua inscrição junto à OAB/ES (17.12.1999), teve seu pedido indeferido em 27.03.2002, sob o fundamento de não preencher o requisito atinente à idoneidade moral, necessária para o exercício profissional da advocacia.
O autor do writ argumentou que as provas utilizadas pela OAB foram irregularmente extraídas de processos disciplinares, referentes ao impetrante, que tiveram trâmite junto ao Eg. Tribunal de Justiça do Espírito Santo, sob segredo de justiça, o que inviabiliza a sua utilização, pela Ordem, como prova emprestada. Outrossim, alegou que o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) cuidou de estabelecer critério objetivo para análise da idoneidade do bacharel (art. 8º, § 4º), pelo que, não tendo o impetrante sido sequer condenado pela prática de "crime infamante", com muito mais razão não poderia ser declarada a inidoneidade moral para o ofício da advocacia.
O juízo a quo rejeitou as preliminares suscitadas pela OAB e concedeu a ordem (fls. 214/234), determinando à impetrada que procedesse a inscrição definitiva do impetrante no seu quadro, consoante se extrai da seguinte fundamentação, in verbis:
"Com efeito, o exame dos documentos que acompanham a exordial, especialmente aqueles relativos ao já mencionado processo administrativo que culminou com a decretação da inidoneidade moral do impetrante, demonstra que houve utilização indevida, por parte da autoridade impetrada, de elementos de prova produzidos em processos administrativos, instaurados contra o autor, em trâmite no Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, sob segredo de justiça.
Muito embora a regra, tanto para o processo judicial quanto para o processo administrativo, seja a da publicidade dos atos praticados, inclusive por força de norma constitucional, o certo é que excepcionalmente, por força de interesse público ou pelo respeito a questões de foro íntimo, o ordenamento jurídico pátrio impede a publicação e utilização indevida por parte de terceiros de peças de processos administrativos e judiciais que tramitem sob segredo de justiça. Tal circunstância deve vir expressamente prevista em lei. (...)
Não se discute que as mesmas testemunhas que foram ouvidas no procedimento administrativo do TJES também poderiam ser inquiridas naquele procedimento instaurado pela OAB/ES. O que está em discussão é a possibilidade de tais depoimentos serem meras reiterações de depoimentos prestados sob segredo de justiça junto ao TJES e que não poderiam ser utilizados para qualquer outro fim senão aquele para o qual aquela Egrégia Corte instaurou o referido procedimento. A resposta é indubitavelmente negativa, conforme já se demonstrou.
Pelo princípio denominado pela doutrina de 'teoria da árvore envenenada', toda prova decorrente de outra prova obtida ou produzida por meio ilícito, também se contamina do vício da ilicitude. É o que ocorre no presente caso. (...)
Sendo assim, considerando que o impetrante atende a todos os demais requisitos para sua inscrição nos quadros da OAB/ES como advogado e que a decisão que o considerou moralmente inidôneo para o exercício de tal mister está eivada de vício de ilegalidade, seja pela inidoneidade das provas produzidas no processo administrativo, seja pela indevida utilização de critério subjetivo para tal declaração, é patente a violação a seu direito líquido e certo." (fls. 233)
Em sede de apelação (fls. 242/260), a Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Espírito Santo, reiterou a preliminar de prevenção, em relação ao mandado de segurança nº 2002.50.01.7711-6, em curso junto à 7ª Vara Federal de Vitória, dada a identidade da relação jurídica, sustentando a impossibilidade jurídica do pedido, eis que o pedido não prescinde da demonstração da idoneidade moral do impetrante, o que somente pode ser aferido mediante dilação probatória, reiterando que a competência para a declaração de idoneidade moral dos profissionais da advocacia é exclusiva da OAB.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região deu provimento ao apelo da OAB, bem como à remessa oficial, afastando a alegação preliminar de prevenção do feito à outro mandamus já julgado, sob pena de malferir a súmula 235/STJ e em razão de no writ o impetrante se insurge contra o próprio julgamento que o considerou inidôneo para o exercício da advocacia, enquanto naquele se insurgia contra a procrastinação do julgamento de seu pedido de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, razão pela qual diversos os pedidos (objetos) das ações. Inferiu ainda que o processo de inscrição nos quadros da OAB possui caráter vinculado, condicionando-se o exercício da profissão ao atendimento dos requisitos constantes do art. 8º da Lei nº 8.906/94, o que abrange o exame da idoneidade moral do bacharel.
No mérito, o Tribunal assentou não prosperar a insurgência do impetrante contra a decisão indeferitória de sua inscrição nos quadros da OAB/ES, que argumentara na inicial que as provas utilizadas pelo Conselho haviam sido irregularmente extraídas de processos disciplinares, sob segredo de justiça, referentes ao impetrante, circunstância que inviabilizaria a sua utilização pela Autarquia Profissional, como prova emprestada, porque o sigilo externo, no procedimento para a decretação da perda do cargo de magistrado (art. 27, LC nº 35/79), deveria ser resguardado - em atenção não somente à intimidade do agente político, mas também à credibilidade da Instituição (art. 40, LC nº 35/79).
O Tribunal assentou que a utilização dos elementos cognitivos colhidos em sede de procedimento administrativo-disciplinar, ainda que sigiloso, a título de prova emprestada, poderia ser utilizada em outro processo, máxime quando referentes ao exercício de função pública, a exemplo do munus público da advocacia, a teor do art. 133 do Texto Básico. Sob esse prisma, a OAB poderia se utilizar desta prova na aferição da idoneidade moral daquele que postula inscrição em seus quadros, desde que, por óbvio, colhida em observância ao contraditório (STF-RE 328138/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17.10.2003). (fls. 364)
A Corte de origem firmou seu entendimento, no sentido da possibilidade de prova emprestada, advinda de processo que tramitou sob sigilo externo, no interesse da Administração Pública, conforme julgamento proferido pelo STF, no RMS nº 24956/DF, de relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio, DJ 18.11.2005, que restou assim ementado:
"INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - OBJETO - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - NOTÍCIA DE DESVIO ADMINISTRATIVO DE CONDUTA DE SERVIDOR. A cláusula final do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal - '...na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal' não é óbice à consideração de fato surgido mediante a escuta telefônica para efeito diverso, como é exemplo o processo administrativo-disciplinar.
MANDADO DE SEGURANÇA - PROVA. No mandado de segurança, a prova deve acompanhar a inicial, descabendo abrir fase de instrução. A exceção corre à conta de documento que se encontra na posse de terceiro.
PROCESSO ADMINISTRATIVO - COMISSÃO - DESAFETOS. A atuação de comissão permanente de disciplina atende ao disposto no artigo 53 da Lei nº 4.878/65, não se podendo presumir seja integrada por desafetos do envolvido.
PROCESSO ADMINISTRATIVO - ACUSADOS DIVERSOS - PENA - ABSOLVIÇÕES. Uma vez presente, a equação 'tipo administrativo e pena aplicada' exclui a tese da ausência de proporcionalidade. Enfoques diversificados, tendo em conta os envolvidos, decorrem da pessoalidade, da conduta administrativa de cada qual".(sem grifos no original)"
Cumpre salientar, o Tribunal de origem consignou que o exame da idoneidade moral do requerente não está submetido à discricionariedade da OAB, muito embora tal análise não prescinda do atendimento à moralidade (art. 37, caput, CF/88), pelo que se infere estar o inciso VI do art. 8º da Lei nº 8.906/94 cuidando de um conceito jurídico indeterminado, o que não se confunde com discricionariedade, mas apenas impõe a aferição objetiva de standards valorativos que se captam na comunidade profissional, no tempo e no espaço, com considerável consenso jurídico.
A parte, ora Recorrente, opôs Embargos de Declaração (fls. 386/408), sustentando omissões no julgado, no que se refere ao exame acerca da ilegalidade da utilização da prova emprestada, e do critério objetivo de aferição de idoneidade moral do bacharel em Direito, com fulcro no art. 8º, § 4º, da Lei nº 8.906/94, os quais restaram rejeitados, nos termos da seguinte ementa:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO - INOCORRÊNCIA.
1 - Improsperáveis os presentes embargos de declaração, eis que o decisum, de forma pontual e unívoca, tratou das questões ventiladas nos aclaratórios, no que respeita à utilização da prova emprestada e quanto à exegese do art. 8º, § 4º, da Lei nº 8.906/94, enquanto critério de aferição de idoneidade moral, como, ademais, expressamente consta da ementa do julgado recorrido.
2 - Embargos de declaração desprovidos". (fls. 409)
Nas razões do especial (fls. 412/427), o ora recorrente, JOSEPH HADDAD SOBRINHO, aduz dissídio jurisprudencial, bem como violação aos seguintes dispositivos legais:
(a) 131 da Lei Complementar 35/79 (LOMAN) ao fundamento de que violada a sigilosidade de processo administrativo-disciplinar contra ele movido naquele Tribunal de origem, uma vez emprestadas provas nele constante para o Conselho da Ordem dos Advogados - Seção do Espírito Santo, que ensejou a negativa de pedido formulado perante a referida autarquia profissional de sua inscrição nos seus quadros funcionais;
(b) 332 do CPC que veda expressamente a utilização de prova ilícita, aduzindo que as provas utilizadas pela OAB a seu desfavor foram irregularmente extraídas de processos disciplinares que tiveram trâmite junto ao Eg. Tribunal de Justiça do Espírito Santo, sob segredo de justiça, o que inviabiliza a sua utilização,como prova emprestada;
(c) art. 8º, § 4º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) que cuidou de estabelecer critério objetivo para análise da idoneidade do bacharel, pelo que, não tendo o impetrante sido sequer condenado pela prática de "crime infamante", com muito mais razão não poderia ser declarada sua inidoneidade moral para o ofício em epígrafe, em função de um critério meramente subjetivo não corroborado pela Constituição Federal, que prevê o princípio da igualdade como pilar.
Por fim, requer o provimento do recurso sub examine para que seja restabelecida a sentença concessiva de segurança proferida no primeiro grau de jurisdição.
Sem contra-razões, o recurso foi admitido na origem (fls. 446/447).
É o Relatório.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator): Ab initio, o recurso especial não reúne condições de admissibilidade no que pertine à alegada ofensa ao disposto no art. 131 da Lei Complementar 35/79 (LOMAN). Isto porque, o Tribunal a quo não examinou os referidos dispositivos legais, consoante se verifica do voto condutor do acórdão de apelação e dos Embargos de Declaração.
Nestas Hipóteses, em que o Tribunal de 2ª instância se nega a emitir pronunciamento acerca dos pontos tidos como omissos, contraditórios ou obscuros, embora provocado via embargos declaratórios, deve o recorrente, em sede de recurso especial, alegar contrariedade ao art. 535 do CPC, pleiteando a anulação do acórdão proferido quando do julgamento dos embargos, em vez de insistir na tese da violação do dispositivo legal não apreciado. Incide, assim, o óbice do enunciado da Súmula 211 do STJ, verbis: "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo".
Impende salientar que a exigência do prequestionamento não é mero rigorismo formal, que pode ser afastado pelo julgador a que pretexto for. Ele consubstancia a necessidade de obediência aos limites impostos ao julgamento das questões submetidas ao E. Superior Tribunal de Justiça, cuja competência fora outorgada pela Constituição Federal, em seu art. 105. Neste dispositivo não há previsão de apreciação originária por este E. Tribunal Superior de questões como a que ora se apresenta. A competência para a apreciação originária de pleitos no C. STJ está exaustivamente arrolada no mencionado dispositivo constitucional, não podendo sofrer ampliação.
Nada obstante, o recurso reúne condições de admissibilidade quanto à aventada violação aos arts. 8º, § 4º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) e 332 do CPC, porquanto efetivamente prequestionados.
Art. 8º, § 4º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94)
O cerne da irresignação recursal cinge-se à legalidade, ou não, da negativa de inscrição definitiva do bacharel em direito, ora Recorrente, nos quadros da OAB/ES, ao argumento de inidoneidade moral, com fundamento em prova extraída de processo administrativo instaurado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo em face do ora Recorrente quando do exercício do cargo de magistrado naquele Estado.
Com efeito, o deferimento do pedido de inscrição do bacharel em direito nos quadros da Ordem dos Advogados carece do cumprimento do requisitos cumulativos e objetivos de apuração, constantes do artigo 8º da Lei nº 8.906/94, verbis:
"Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:
I - capacidade civil;
II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;
III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
IV - aprovação em Exame de Ordem;
V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;
VI - idoneidade moral;
VII - prestar compromisso perante o conselho.
§ 1º O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.
§ 2º O estrangeiro ou brasileiro, quando não graduado em direito no Brasil, deve fazer prova do título de graduação, obtido em instituição estrangeira, devidamente revalidado, além de atender aos demais requisitos previstos neste artigo.
§ 3º A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos os membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos do processo disciplinar.
§ 4º Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial." (grifo nosso)
O magistrado, ao aplicar a lei, não pode restringir-se à subsunção do fato à norma, ao revés, deve estar atento aos princípios maiores que regem o ordenamento jurídico e aos fins sociais a que a lei se dirige (art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil).
O princípio da interpretação conforme a Constituição, "impõe a juízes e tribunais que interpretem a legislação ordinária de modo a realizar, da maneira mais adequada, os valores e fins constitucionais. Vale dizer; entre interpretações possíveis, deve-se escolher a que tem mais afinidade com a Constituição(...)" Luís Roberto Barroso in Direito Constitucional Contemporâneo, Saraiva, 2009, p. 301.
A interpretação da lei ordinária deve pautar-se, dentre outros princípios, no princípio da dignidade da pessoa humana, encartado no art. 1º, inciso III da Constituição Federal, por isso que "o princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. (...) A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência." (Luís Roberto Barroso, "A nova interpretação constitucional", fls. 372).
A finalidade da Lei 8.906/94 é permitir aos profissionais do direito, que preencham os requisitos e, em especial, a idoneidade moral, a inscrição nos quadros da OAB, possibilitando-lhes o exercício da advocacia.
No que tange à negativa de inscrição do recorrente nos quadros da OAB/ES, o Relator transcreveu as razões postas em incidente de inidoneidade moral em pedido de inscrição definitiva, cujo seguinte trecho merece destaque:
"Para fins de declaração de inidoneidade, entendo que está plenamente caracterizada a existência de cada uma das irregularidades mencionadas, cada uma que sozinha seria suficiente para considerá-la inidôneo. Se não é lícito ao juiz praticar tais atos, assomando-se o fato de tratar-se de um extenso rol de excepcionalidades praticadas sem razões legais, usando da função pública de forma que implicou grave prejuízo à imparcialidade e à credibilidade do próprio estado-juiz para todos os advogados que prestaram depoimento nestes autos, bem como prejuízos ilegais ou riscos de iminentes prejuízos aos jurisdicionados favorecimento, entendo que não é idôneo para ser advogado.
Os fatos mencionados nos documentos são corroborados por depoimentos de advogados perante esta Casa. O próprio Requerente em seus depoimentos, não nega a existência dos atos, tratando-os com naturalidade, como se desinteressadamente praticados. Assim, a existência de cada um dos fatos imputados está válida e plenamente comprovada.
A postura do Requerente-suscitado, que a considera como conduta de praxe, não é a conduta de praxe de nenhum juiz, no entendimento deste Relator. Em toda a minha carreira nunca vi juiz nenhum despachando em processo que não corre nas férias, muito menos juiz que não está respondendo por determinada vara. Nunca vi sequer determinação de providências de urgência pela ausência de algumas horas de determinado juiz, muito menos sentenças em processos de execução, alguns de valores consideráveis, atendendo a pedidos do advogado do devedor! Entendo que embora tecnicamente possa-se discutir a validade de uma decisão proferida nas férias por um juiz de outra vara na ausência do competente, isso não é uma praxe, mas, ao contrário, uma excepcionalidade, que dirá a reiteração como procedida pelo Requerente-suscitado.
Incabível ainda que os advogados das partes, muitos deles dos devedores que tiveram as suas execuções extintas, tivessem tanta pressa para a prolação de uma sentença em processo que não corre nas férias, restando como única possibilidade lógica a de que a pressa se sustentasse na oportunidade de uma decisão mais favorável do que com o juiz competente fora do período de férias, oportunidade esta dada pelo Requerente-suscitado, enquanto era juiz.
Para fins de considerá-lo inidôneo, entendo, por tais razões, que cada uma das irregularidades apontadas neste voto é suficiente para tornar sua conduta incompatível à advocacia". (fls. 397/368)
A aferição da idoneidade moral, para fins de inscrição nos Quadros da Ordem dos Advogados do Espírito Santo, revela-se insindicável, em sede de recurso especial, em razão do teor da Súmula 07 do STJ.
Nada obstante, o exame do recurso em tela cinge-se à legalidade da aplicação do disposto no art. 8º, § 4º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) e a violação perpetrada pelo Tribunal a quo ao referido artigo, mercê da ausência de declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo, por isso que o Tribunal a quo não poderia ter negado a sua vigência sob a alegação de desconformidade com o art. 37 da Constituição Federal.
A interpretação do disposto no § 4º, do art. 8º, do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) conduz à inarredável conclusão de que a inidoneidade, nesse caso, circunscreve-se à existência de condenação por crime infamante, fato que, evidentemente, não pode ser confundido com decisão proferida em procedimento administrativo disciplinar, consubstanciada na sanção de disponibilidade, sob pena de configurar crime de exegese.
O ato administrativo, no Estado Democrático de Direito, está subordinado ao princípio da legalidade (CF/88, arts. 5º, II, 37, caput, 84, IV), o que equivale a assentar que a Administração só pode atuar de acordo com o que a lei determina. Desta sorte, não pode a Administração inovar na ordem jurídica, impondo obrigações ou limitações a direitos de terceiros.
Consoante a melhor doutrina "O princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis.(...) Logo, a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. (Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros Editores, 2007, pág:98/99).
Deveras, a aplicação da técnica de "interpretação conforme a Constituição", a qual impõe a interpretação da legislação ordinária à luz dos princípios constitucionais, aos quais se acrescenta a dignidade da pessoa humana, a proteção à livre iniciativa, a valorização do trabalho humano, impede a realização de uma interpretação sistêmica para incluir outras hipóteses proibitivas que obstam inscrição de bacharel em direito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mercê de não encerrar interpretação conforme a constituição.
ART. 332 do CPC - PROVA EMPRESTADA
A parte, ora Recorrente, assevera a ilegalidade da prova, que serviu para embasar o indeferimento do seu pleito de inscrição na OAB/ES, porquanto prova emprestada.
Ab initio, razão não assiste razão à parte, ora Recorrente, porquanto a Corte de origem corroborou seu entendimento, no sentido da possibilidade de prova emprestada, advinda de processo que tramitou sob sigilo externo, no interesse da Administração Pública, em precedente do STF, citando o RMS nº 24956/DF, de relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio, DJ 18.11.2005, que restou assim ementado:
"INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - OBJETO - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - NOTÍCIA DE DESVIO ADMINISTRATIVO DE CONDUTA DE SERVIDOR. A cláusula final do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal - '...na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal' não é óbice à consideração de fato surgido mediante a escuta telefônica para efeito diverso, como é exemplo o processo administrativo-disciplinar.
MANDADO DE SEGURANÇA - PROVA. No mandado de segurança, a prova deve acompanhar a inicial, descabendo abrir fase de instrução. A exceção corre à conta de documento que se encontra na posse de terceiro.
PROCESSO ADMINISTRATIVO - COMISSÃO - DESAFETOS. A atuação de comissão permanente de disciplina atende ao disposto no artigo 53 da Lei nº 4.878/65, não se podendo presumir seja integrada por desafetos do envolvido.
PROCESSO ADMINISTRATIVO - ACUSADOS DIVERSOS - PENA - ABSOLVIÇÕES. Uma vez presente, a equação 'tipo administrativo e pena aplicada' exclui a tese da ausência de proporcionalidade. Enfoques diversificados, tendo em conta os envolvidos, decorrem da pessoalidade, da conduta administrativa de cada qual". (sem grifos no original)"
Deveras, a situação fática foi engendrada desde a sentença, como também pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, consoante se colhe de trecho do voto condutor do acórdão recorrido, assentado em entendimento adotado pelo STF, litteris:
"(...)Conquanto o sigilo externo, no procedimento para a decretação da perda do cargo de magistrado (art. 27, LC nº 35/79), seja resguardado - em atenção não somente à intimidade do agente político, mas também à credibilidade da Instituição (art. 40, LC nº 35/79) -; releva considerar que tal aspecto não inviabiliza a utilização dos elementos cognitivos no mesmo produzidos, a título de prova emprestada, em processos administrativo-disciplinares outros, referentes ao exercício de quaisquer outras funções públicas, a exemplo do munus público da advocacia, a teor do art. 133 do Texto Básico, o que não impede a OAB, portanto, de se utilizar destas provas na aferição da idoneidade moral daquele que postula inscrição em seus quadros, desde que, por óbvio, colhida em observância ao contraditório (STF-RE 328138/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17.10.2003).
No acórdão ora objurgado, restou assentada a observância da ampla defesa, nos termos postos pelo Relator:
"Não considerei para essa conclusão, nem mesmo como indício, o requerimento de aposentadoria espontânea (ato publicado no dia posterior à determinação de afastamento pelo Tribunal de Justiça), por tratar-se de direito do Requerente-suscitado. Não considerei também a alegada imagem negativa do Requerente, posto que a conclusão que apresento entendo deva-se dar através de fatos objetivos, embora esses fatos também inegavelmente produzam uma imagem a que não me ative. Não considerei também o exercício do direito de silêncio neste procedimento, pois tal faculdade é garantia constitucional que não pode implicar reconhecimento de culpa. Assim, considerei apenas todos os documentos, relatórios e depoimentos mencionados. (fls. 367) (...)
Por derradeiro, expressamente considerando o teor da decisão administrativa impugnada, no sentido de que as irregularidades imputadas ao impetrante não foram, naquela oportunidade, pelo mesmo refutadas - ao revés, admitidas e tidas como praxe jurídica -, destaco que o autor deveria ter se desincumbido, in casu, de infirmar cada uma delas; aspecto que, de toda sorte demandaria dilação probatória, incompatível com a via mandamental, a impor a denegação da ordem." (fls. 368). (...)
Ademais, no que se refere à prova emprestada, extrai-se do voto condutor o seguinte trecho, que interessa ao deslinde da questão:
"Da prova emprestada.
Lê-se, à folha 150, que o indiciamento do recorrente fez-se a partir do que se apontou como conjunto probatório, e aí remeteu-se a cópias reprográficas extraídas de certa ação cautelar de busca e apreensão e de ação penal, aludindo-se a apensos. Na verdade, os dados serviram para a abertura, em si, do processo administrativo e, a partir do indiciamento, determinou-se a citação do indiciado para apresentar defesa. O procedimento permitiu o exame das peças copiadas de processos diversos, não se podendo dizer da configuração de vício em tal aproveitamento. Se, de um lado, é certo que a interpretação telefônica é viabilizada tendo em conta persecução criminal, de outro, não menos correto, é que, surgindo dos dados levantados desvio de conduta por servidor, cabem as providências próprias, não se podendo cogitar da existência de elementos a consubstancia prova ilícita. A cláusula final do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal - '(...) na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal' -, isso quanto à quebra do sigilo das comunicações telefônicas, não encerra blindagem a ponto de, constatada infração administrativa, não poder ser utilizado, no processo respectivo, o que veio à tona, o que foi detectado. Em síntese, tem-se, na previsão constitucional, a base para afastar-se o sigilo, e aí a reserva de aproveitamento não é absoluta. Trata-se de móvel para a interceptação, não expungida a referência constitucional à tomada de providências, considerado o que levantado".
Sobre a possibilidade de utilização de prova emprestada em sede de processo administrativo, in litteris:
"Relevante referir, aqui, o problema da chamada 'prova emprestada', ou seja, da utilização em um determinado processo, de prova produzida em outro processo. Perante o Poder Judiciário (onde o processo seguidamente se satisfaz com a verdade formal) essa possibilidade é bastante restrita, dependente de uma pluralidade de condições. No processo administrativo, que se orienta sobretudo no sentido da verdade material, não há razão para dificultar o uso de prova emprestada, desde que, de qualquer maneira, se abra possibilidade ao interessado para questioná-la, pois, em princípio, a parte tem o direito de acompanhar a produção da prova." (Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, in Processo Administrativo - 2ª edição - Editora Malheiros - página 172)
O ordenamento jurídico não veda o uso da prova emprestada, utilizada legalmente no presente feito, consoante já se manifestou o STF, como se extrai dos arestos, in litteris:
"PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheira dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Precedente. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova (Inq-QO-QO 2424/RJ - Relator: Min. CEZAR PELUSO Julgamento: 20/06/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno DJ 24-08-2007)"
Deveras, o compartilhamento da prova oriunda de processo administrativo restou chancelado pela Corte Especial no AgRg na Ação Penal n.º 536/BA, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 19/11/2008, DJe 19/03/2009, verbis:
PROCESSUAL PENAL - AGRAVO REGIMENTAL - PROVA EMPRESTADA - INTERESSE DA ESFERA ADMINISTRATIVA - INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO CRIMINAL PARA QUALIFICAR A PROVA.
1. Esta Corte atendeu ao pedido formulado pelo Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público Estadual, compartilhando com os órgãos oficiantes a prova documental produzida no inquérito policial, inclusive as interceptações telefônicas.
2. Cabe aos órgãos administrativos que farão uso da prova emprestada qualificá-las ou desqualificá-las, não sendo atribuição do juízo criminal imiscuir-se na seara administrativa.
3. Agravo regimental improvido.
Last but not least, não há como se aferir que a negativa do intento do recorrente calcou-se única e exclusivamente na "prova emprestada", valoração que não se pode realizar nesta instância recursal.
Ex positis, DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial, em razão da violação ao art. 8º, § 4º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94).
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2007/0046990-9 REsp 930596 / ES
Número Origem: 200250010036159
PAUTA: 22/09/2009 JULGADO: 22/09/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro BENEDITO GONÇALVES
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EDILSON ALVES DE FRANÇA
Secretária
Bela. BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO
ADVOGADO: RICARDO TAUFFER PADILHA
RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES
ADVOGADO: ROSA MARIA ASSAD GOMEZ E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Entidades Administrativas / Administração Pública - Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional e Afins - Registro Profissional
SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr. ALOISIO LUNDGREN CORREA REGIS, pela parte RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO e a Dra. ROSA MARIA ASSAD GOMEZ, pela parte RECORRIDA: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES.
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto do Sr. Ministro Relator dando provimento ao recurso especial e o voto divergente do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, negando-lhe provimento, pediu vista o Sr. Ministro Benedito Gonçalves. Aguarda o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.
Licenciada a Sra. Ministra Denise Arruda.
Brasília, 22 de setembro de 2009
BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA
Secretária
RECURSO ESPECIAL Nº 930.596 - ES (2007/0046990-9)
RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO
ADVOGADO: RICARDO TAUFFER PADILHA
RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES
ADVOGADO: ROSA MARIA ASSAD GOMEZ E OUTRO(S)
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE INSCRIÇÃO NOS QUADROS DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL NO ESPÍRITO SANTO. MAGISTRADO COMPULSORIAMENTE APOSENTADO E CONSIDERADO MORALMENTE INIDÔNEO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA DO ART. 8º, § § 3º E 4º, DA LEI N. 8.906/94.
1. O § 4º do art. 8º da Lei n. 8.906/94 contempla uma situação específica que, uma vez concretizada, torna defesa a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Ou, em outras palavras, o candidato condenado por crime infamante é considerado moralmente inidôneo e, como consectário, não pode exercer a advocacia.
2. Dessarte, esse critério objetivo não impede que outras hipóteses acarretem a idoniedade moral do pretenso candidato a advogado, tanto é assim que o § 3º do dispositivo em comento permite seja tido como moralmente inidôneo aquele que assim for declarado por, no mínimo, dois terços dos votos de todos os membros de comissão disciplinar.
3. Sob esse ângulo, como bem asseverou o Ministro Teori Albino Zavascki, "A lei não afasta outras hipóteses de inidoneidade moral. Seria uma interpretação absolutamente fechada demais imaginar que só nesse caso uma pessoa seria inidônea moralmente, para efeito de inscrição na OAB".
4. No caso sub examinem, o ora recorrente foi compulsoriamente aposentado por votação unânime dos membros do colegiado, sendo certo, ainda, que, diante da provável gravidade dos fatos que ensejaram o processo administrativo disciplinar, a OAB/ES o considerou moralmente inidôneo.
5. A título de argumento obter dicutm, revisar a conclusão a que chegou o Tribunal a quo importaria sindicar a respeito do arcabouço fático-probatório dos autos, defeso ao STJ porquanto não pode atuar como terceira instância revisora ou tribunal de apelação reiterada. Essa é a exegese do verbete n. 7 da Súmula desta Corte, segundo o qual, in verbis: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
6. Recurso especial não provido, acompanhando a divergência inaugurada pelo Ministro Teori Albino Zavascki.
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES: Trata-se de recurso especial da relatoria de Sua Excelência o Ministro Luiz Fux, que assim relatou a quaestio iuris, in verbis:
Trata-se de recurso especial interposto por JOSEPH HADDAD SOBRINHO com fulcro nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, assim ementado:
"PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO DE BACHAREL JUNTO À ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - IDONEIDADE MORAL - PROVA EMPRESTADA.
1 - Rejeitada a preliminar de prevenção, na medida em que inocorrente esta em relação a processos já encerrados (Súmula nº 35/STJ); a par de se cuidarem de lides diversas, no que tange à causa de pedir e ao pedido.
2 - Insurgindo-se contra a decisão indeferitória de sua inscrição nos quadros da OAB/ES, argumentou o autor que as provas utilizadas pelo Conselho irregularmente extraídas de processos disciplinares, referentes ao impetrante, que tiveram trâmite junto ao Eg. Tribunal de Justiça do Espírito Santo, sob segredo de justiça, o que inviabiliza a sua utilização, pela Ordem, como prova emprestada.
3 - Conquanto o sigilo externo, no procedimento para a decretação da perda do cargo de magistrado (art. 27, LC nº 35/79), seja resguardado - em atenção não somente à intimidade do agente político, mas também à credibilidade da Instituição (art. 40, LC nº 35/79) -; releva considerar que tal aspecto não inviabiliza a utilização dos elementos cognitivos no mesmo produzidos, a título de prova emprestada, em processos administrativo-disciplinares outros, referentes ao exercício de quaisquer outras funções públicas, a exemplo do munus público da advocacia, a teor do art. 133 do Texto Básico, o que não impede a OAB, portanto, de se utilizar destas provas na aferição da idoneidade moral daquele que postula inscrição em seus quadros, desde que, por óbvio, colhida em observância ao contraditório (STF-RE 328138/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17.10.2003).
4 - O exercício de função pública não prescinde do atendimento à moralidade (art. 37, caput, CF/88), pelo que se infere estar o inciso VI do art. 8º da Lei nº 8.906/94 cuidando de um conceito jurídico indeterminado, o que não se confunde com discricionariedade, mas apenas impõe a aferição objetiva de standards valorativos que se captam na comunidade profissional, no tempo e no espaço, com considerável consenso jurídico.
5 - Razoabilidade da fundamentação constante da decisão que reconheceu a inidoneidade moral do requerente à inscrição nos quadros da OAB/ES; calcada em irregularidades funcionais não refutadas pelo impetrante, em sede administrativa, mister que, ademais, em mandado de segurança, não prescindiria de dilação probatória, incompatível com a via eleita.
6 - Apelação e remessa necessária a que se dá provimento. (fls. 379)
JOSEPH HADDAD SOBRINHO, impetrou mandado de segurança objetivando a anulação da decisão do CONSELHO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO que o considerou inidôneo para o exercício da advocacia, com intuito de compelir a autoridade coatora a proceder à inscrição definitiva do impetrante como advogado em seus quadros funcionais.
O impetrante aduziu na inicial que advogou até 16.10.1981, quando assumiu o cargo de juiz permanecendo até 21.10.1999, data em que se aposentou, voluntariamente, como magistrado estadual, ato publicado no dia posterior à determinação de afastamento pelo Tribunal de Justiça (fls.367), e que, após requerer a sua inscrição junto à OAB/ES (17.12.1999), teve seu pedido indeferido em 27.03.2002, sob o fundamento de não preencher o requisito atinente à idoneidade moral, necessária para o exercício profissional da advocacia.
O autor do writ argumentou que as provas utilizadas pela OAB foram irregularmente extraídas de processos disciplinares, referentes ao impetrante, que tiveram trâmite junto ao Eg. Tribunal de Justiça do Espírito Santo, sob segredo de justiça, o que inviabiliza a sua utilização, pela Ordem, como prova emprestada. Outrossim, alegou que o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) cuidou de estabelecer critério objetivo para análise da idoneidade do bacharel (art. 8º, § 4º), pelo que, não tendo o impetrante sido sequer condenado pela prática de "crime infamante", com muito mais razão não poderia ser declarada a inidoneidade moral para o ofício da advocacia.
O juízo a quo rejeitou as preliminares suscitadas pela OAB e concedeu a ordem (fls. 214/234), determinando à impetrada que procedesse a inscrição definitiva do impetrante no seu quadro, consoante se extrai da seguinte fundamentação, in verbis:
"Com efeito, o exame dos documentos que acompanham a exordial, especialmente aqueles relativos ao já mencionado processo administrativo que culminou com a decretação da inidoneidade moral do impetrante, demonstra que houve utilização indevida, por parte da autoridade impetrada, de elementos de prova produzidos em processos administrativos, instaurados contra o autor, em trâmite no Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, sob segredo de justiça.
Muito embora a regra, tanto para o processo judicial quanto para o processo administrativo, seja a da publicidade dos atos praticados, inclusive por força de norma constitucional, o certo é que excepcionalmente, por força de interesse público ou pelo respeito a questões de foro íntimo, o ordenamento jurídico pátrio impede a publicação e utilização indevida por parte de terceiros de peças de processos administrativos e judiciais que tramitem sob segredo de justiça. Tal circunstância deve vir expressamente prevista em lei. (...)
Não se discute que as mesmas testemunhas que foram ouvidas no procedimento administrativo do TJES também poderiam ser inquiridas naquele procedimento instaurado pela OAB/ES. O que está em discussão é a possibilidade de tais depoimentos serem meras reiterações de depoimentos prestados sob segredo de justiça junto ao TJES e que não poderiam ser utilizados para qualquer outro fim senão aquele para o qual aquela Egrégia Corte instaurou o referido procedimento. A resposta é indubitavelmente negativa, conforme já se demonstrou.
Pelo princípio denominado pela doutrina de 'teoria da árvore envenenada', toda prova decorrente de outra prova obtida ou produzida por meio ilícito, também se contamina do vício da ilicitude. É o que ocorre no presente caso. (...)
Sendo assim, considerando que o impetrante atende a todos os demais requisitos para sua inscrição nos quadros da OAB/ES como advogado e que a decisão que o considerou moralmente inidôneo para o exercício de tal mister está eivada de vício de ilegalidade, seja pela inidoneidade das provas produzidas no processo administrativo, seja pela indevida utilização de critério subjetivo para tal declaração, é patente a violação a seu direito líquido e certo." (fls. 233)
Em sede de apelação (fls. 242/260), a Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Espírito Santo, reiterou a preliminar de prevenção, em relação ao mandado de segurança nº 2002.50.01.7711-6, em curso junto à 7ª Vara Federal de Vitória, dada a identidade da relação jurídica, sustentando a impossibilidade jurídica do pedido, eis que o pedido não prescinde da demonstração da idoneidade moral do impetrante, o que somente pode ser aferido mediante dilação probatória, reiterando que a competência para a declaração de idoneidade moral dos profissionais da advocacia é exclusiva da OAB.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região deu provimento ao apelo da OAB, bem como à remessa oficial, afastando a alegação preliminar de prevenção do feito à outro mandamus já julgado, sob pena de malferir a súmula 235/STJ e em razão de no writ o impetrante se insurge contra o próprio julgamento que o considerou inidôneo para o exercício da advocacia, enquanto naquele se insurgia contra a procrastinação do julgamento de seu pedido de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, razão pela qual diversos os pedidos (objetos) das ações. Inferiu ainda que o processo de inscrição nos quadros da OAB possui caráter vinculado, condicionando-se o exercício da profissão ao atendimento dos requisitos constantes do art. 8º da Lei nº 8.906/94, o que abrange o exame da idoneidade moral do bacharel.
No mérito, o Tribunal assentou não prosperar a insurgência do impetrante contra a decisão indeferitória de sua inscrição nos quadros da OAB/ES, que argumentara na inicial que as provas utilizadas pelo Conselho haviam sido irregularmente extraídas de processos disciplinares, sob segredo de justiça, referentes ao impetrante, circunstância que inviabilizaria a sua utilização pela Autarquia Profissional, como prova emprestada, porque o sigilo externo, no procedimento para a decretação da perda do cargo de magistrado (art. 27, LC nº 35/79), deveria ser resguardado - em atenção não somente à intimidade do agente político, mas também à credibilidade da Instituição (art. 40, LC nº 35/79).
O Tribunal assentou que a utilização dos elementos cognitivos colhidos em sede de procedimento administrativo-disciplinar, ainda que sigiloso, a título de prova emprestada, poderia ser utilizada em outro processo, máxime quando referentes ao exercício de função pública, a exemplo do munus público da advocacia, a teor do art. 133 do Texto Básico. Sob esse prisma, a OAB poderia se utilizar desta prova na aferição da idoneidade moral daquele que postula inscrição em seus quadros, desde que, por óbvio, colhida em observância ao contraditório (STF-RE 328138/MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17.10.2003). (fls. 364)
A Corte de origem firmou seu entendimento, no sentido da possibilidade de prova emprestada, advinda de processo que tramitou sob sigilo externo, no interesse da Administração Pública, conforme julgamento proferido pelo STF, no RMS nº 24956/DF, de relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio, DJ 18.11.2005, que restou assim ementado:
"INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - OBJETO - INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - NOTÍCIA DE DESVIO ADMINISTRATIVO DE CONDUTA DE SERVIDOR. A cláusula final do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal - '...na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal' não é óbice à consideração de fato surgido mediante a escuta telefônica para efeito diverso, como é exemplo o processo administrativo-disciplinar.
MANDADO DE SEGURANÇA - PROVA. No mandado de segurança, a prova deve acompanhar a inicial, descabendo abrir fase de instrução. A exceção corre à conta de documento que se encontra na posse de terceiro.
PROCESSO ADMINISTRATIVO - COMISSÃO - DESAFETOS. A atuação de comissão permanente de disciplina atende ao disposto no artigo 53 da Lei nº 4.878/65, não se podendo presumir seja integrada por desafetos do envolvido.
PROCESSO ADMINISTRATIVO - ACUSADOS DIVERSOS - PENA - ABSOLVIÇÕES. Uma vez presente, a equação 'tipo administrativo e pena aplicada' exclui a tese da ausência de proporcionalidade. Enfoques diversificados, tendo em conta os envolvidos, decorrem da pessoalidade, da conduta administrativa de cada qual".(sem grifos no original)"
Cumpre salientar, o Tribunal de origem consignou que o exame da idoneidade moral do requerente não está submetido à discricionariedade da OAB, muito embora tal análise não prescinda do atendimento à moralidade (art. 37, caput, CF/88), pelo que se infere estar o inciso VI do art. 8º da Lei nº 8.906/94 cuidando de um conceito jurídico indeterminado, o que não se confunde com discricionariedade, mas apenas impõe a aferição objetiva de standards valorativos que se captam na comunidade profissional, no tempo e no espaço, com considerável consenso jurídico.
A parte, ora Recorrente, opôs Embargos de Declaração (fls. 386/408), sustentando omissões no julgado, no que se refere ao exame acerca da ilegalidade da utilização da prova emprestada, e do critério objetivo de aferição de idoneidade moral do bacharel em Direito, com fulcro no art. 8º, § 4º, da Lei nº 8.906/94, os quais restaram rejeitados, nos termos da seguinte ementa:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO - INOCORRÊNCIA.
1 - Improsperáveis os presentes embargos de declaração, eis que o decisum, de forma pontual e unívoca, tratou das questões ventiladas nos aclaratórios, no que respeita à utilização da prova emprestada e quanto à exegese do art. 8º, § 4º, da Lei nº 8.906/94, enquanto critério de aferição de idoneidade moral, como, ademais, expressamente consta da ementa do julgado recorrido.
2 - Embargos de declaração desprovidos". (fls. 409)
Nas razões do especial (fls. 412/427), o ora recorrente, JOSEPH HADDAD SOBRINHO, aduz dissídio jurisprudencial, bem como violação aos seguintes dispositivos legais:
(a) 131 da Lei Complementar 35/79 (LOMAN) ao fundamento de que violada a sigilosidade de processo administrativo-disciplinar contra ele movido naquele Tribunal de origem, uma vez emprestadas provas nele constante para o Conselho da Ordem dos Advogados - Seção do Espírito Santo, que ensejou a negativa de pedido formulado perante a referida autarquia profissional de sua inscrição nos seus quadros funcionais;
(b) 332 do CPC que veda expressamente a utilização de prova ilícita, aduzindo que as provas utilizadas pela OAB a seu desfavor foram irregularmente extraídas de processos disciplinares que tiveram trâmite junto ao Eg. Tribunal de Justiça do Espírito Santo, sob segredo de justiça, o que inviabiliza a sua utilização,como prova emprestada;
(c) art. 8º, § 4º do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) que cuidou de estabelecer critério objetivo para análise da idoneidade do bacharel, pelo que, não tendo o impetrante sido sequer condenado pela prática de "crime infamante", com muito mais razão não poderia ser declarada sua inidoneidade moral para o ofício em epígrafe, em função de um critério meramente subjetivo não corroborado pela Constituição Federal, que prevê o princípio da igualdade como pilar.
Por fim, requer o provimento do recurso sub examine para que seja restabelecida a sentença concessiva de segurança proferida no primeiro grau de jurisdição.
Sem contra-razões, o recurso foi admitido na origem (fls. 446/447).
É o Relatório.
No concernente à afronta ao art. 8º, § 4º, do Estatuto da Advocacia, o nobre Relator definiu a questio iuris na legalidade, ou não, da negativa de inscrição definitiva do bacharel em direito, ora recorrente, nos quadros da Ordem dos Advogado do Brasil no Espírito Santo, ao argumento de inidoneidade moral, com fundamento em prova extraída de processo administrativo instaurado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo em face do recorrente, que exercia o cargo de magistrado naquela Corte.
Nesse sentido, Sua Excelência concluiu que, ipsis litteris:
A interpretação do disposto no § 4º, do art. 8º, do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94) conduz à inarredável conclusão de que a inidoneidade, nesse caso, circunscreve-se à existência de condenação por crime infamante, fato que, evidentemente, não pode ser confundido com decisão proferida em procedimento administrativo disciplinar, consubstanciada na sanção de disponibilidade, sob pena de configurar crime de exegese.
Quanto ao art. 332 do CPC, precisamente acerca da alegação de prova emprestada, advinda de processo que tramitou sob sigilo externo no interesse da Administração Pública, o Relator afastou a argumentação do recorrente com supedâneo na sentença singular, no acórdão recorrido e na jurisprudência assente no âmbito do STJ que admitem tal modalidade de prova.
O eminente Sr. Ministro Teori Albino Zavascki concordou parcialmente com a solução alvitrada pelo Relator e inaugurou a divergência tão somente quanto à violação do art. 8º, § 4º, do Estatuto da Advocacia.
Nesse sentido, é oportuna a transcrição do seguinte excerto do voto dissidente, litteratim:
Terceiro ponto: violação ao art. 8º, § 4º, do Estatuto da OAB, que cuidou de estabelecer critério objetivo para análise de inidoneidade moral, pelo que, não tendo o impetrante sido sequer condenado pela prática de crime infamante, com muito mais razão não poderia ser declarada sua inidoneidade moral. Nesse ponto, vou pedir vênia ao Sr. Ministro Luiz Fux para divergir.
O raciocínio do voto de S. Exa. é que o conceito de inidoneidade moral, para efeito do art. 8º, inciso VI (requisito para inscrição), seria equivalente à condenação por crime infamante. Ou seja, haveria inidoneidade moral apenas nessa hipótese.
Todavia, um exame sistemático do texto normativo dá razão à interpretação dada pela OAB da tribuna. Essa, a do § 4º, é uma hipótese de inidoneidade moral a respeito da qual não pode haver um juízo que não seja esse o objetivo. Vale dizer: constatado o fato, a inidoneidade moral existe necessariamente. Mas não é a única hipótese. A lei não afasta outras hipóteses de inidoneidade moral. Seria uma interpretação absolutamente fechada demais imaginar que só nesse caso uma pessoa seria inidônea moralmente, para efeito de inscrição na OAB.
Digo que uma interpretação sistemática leva a um sentido diferente, porque o § 3º do mesmo artigo diz assim:
"A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos os membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos do processo disciplinar."
E aqui já se dá uma abertura incompatível com a interpretação de que apenas no caso do § 4º há inidoneidade moral. Isso por um lado. Por outro lado, o art. 34 dessa mesma lei diz assim:
"Art. 34 Constitui infração disciplinar:
(...)
XXXVII - Tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;
XXXVIII - Praticar crime infamante."
Portanto, a lei estabelece uma distinção: crime infamante é uma situação de inidoneidade necessária, vinculativa para a OAB, mas não exclui outras hipóteses. A lei trata a inidoneidade de uma maneira que não se subsume ao conceito de condenação por crime infamante.
No caso, houve declaração de inidoneidade nos termos e requisitos do § 3º. Houve unanimidade nessa declaração, embora a norma exija no mínimo dois terços dos votos. Assim, examinar se a situação de fato se comporta ou não no conceito de inidoneidade seria invadir uma seara fática, como referiu o próprio Ministro Luiz Fux, insusceptível de exame aqui e agora.
A verdade é que houve o reconhecimento de inidoneidade por votação unânime. E mais: os mesmos fatos serviram de base para que esse magistrado fosse aposentado compulsoriamente pelo seu Tribunal. De modo que não se pode dizer que esses fatos não sejam relevantes. Tudo indica que sejam fatos muito graves para chegar à conclusão que chegaram tanto o Tribunal quanto a OAB.
Por essas razões, não vejo como afastar, de plano, a configuração da inidoneidade. No limitado juízo cabível neste recurso especial, não há como afastá-la, especialmente com base no art. 8º, § 4º, do Estatuto.
Peço vênia ao Sr. Ministro Luiz Fux para negar provimento ao recurso especial.
Foi guando pedi vista para análise mais detida da quaestio iuris.
É o relatório.
Acompanho a dissidência inaugurada por Sua Excelência o Ministro Teori Albino Zavascki e, com a devida vênia do Relator, divirjo apenas no respeitante à alegação de vituperação do art. 8º, § 4º, do Estatuto da Advocacia, a fim de negar provimento ao apelo nobre quanto a esse particular.
Deveras, o § 4º do art. 8º da Lei n. 8.906/94 contempla uma situação específica que, uma vez concretizada, torna defesa a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Ou, em outras palavras, o candidato condenado por crime infamante é considerado moralmente inidôneo e, como consectário, não pode exercer a advocacia.
Dessarte, esse critério objetivo não impede que outras hipóteses acarretem a idoniedade moral do pretenso candidato a advogado, tanto é assim que o § 3º do dispositivo em comento permite seja tido como moralmente inidôneo aquele que assim for declarado por, no mínimo, dois terços dos votos de todos os membros de comissão disciplinar.
Sob esse ângulo, como bem asseverou o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, "A lei não afasta outras hipóteses de inidoneidade moral. Seria uma interpretação absolutamente fechada demais imaginar que só nesse caso uma pessoa seria inidônea moralmente, para efeito de inscrição na OAB".
No caso sub examinem, o ora recorrente foi compulsoriamente aposentado por votação unânime dos membros do colegiado, sendo certo, ainda, que, diante da provável gravidade dos fatos que ensejaram o processo administrativo disciplinar, a OAB/ES o considerou moralmente inidôneo.
A título de argumento obter dicutm, revisar a conclusão a que chegou o Tribunal a quo importaria sindicar a respeito do arcabouço fático-probatório dos autos, defeso ao STJ porquanto não pode atuar como terceira instância revisora ou tribunal de apelação reiterada. Essa é a exegese do verbete n. 7 da Súmula desta Corte, segundo o qual, in verbis: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
Isso posto, peço vênia ao nobre Relator, para acompanhar a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Teori Albino Zavascki e negar provimento ao recurso especial.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2007/0046990-9 REsp 930596 / ES
Número Origem: 200250010036159
PAUTA: 05/11/2009 JULGADO: 05/11/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE
Secretária
Bela. BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO
ADVOGADO: RICARDO TAUFFER PADILHA
RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES
ADVOGADO: ROSA MARIA ASSAD GOMEZ E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Entidades Administrativas / Administração Pública - Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional e Afins - Registro Profissional
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves acompanhando o voto divergente do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki para negar provimento ao recurso especial, pediu vista o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido.
Ausente, justificadamente, nesta assentada, o Sr. Ministro Luiz Fux, Relator.
Brasília, 05 de novembro de 2009
BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA
Secretária
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO: Senhora Presidente, tenho que a letra dos parágrafos 3º e 4º do artigo 8º da Lei nº 8.906/94 faz evidente que a inidoneidade moral, que inibe a inscrição como advogado, não se caracteriza apenas no caso de condenação por crime infamante, típica hipótese de inidoneidade moral necessária, a não comportar prova em contrário.
A questão que se põe para mim, que aderi nesse ponto ao voto divergente, sem outro exame relativo à força probante dos documentos que levaram ao julgamento da inidoneidade do recorrente, com vistas a sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, foi a da sua natureza permanente, porque sem prazo, da recusa da corporação ao pedido de inscrição do candidato.
Sob o pálio do Estado Social e Democrático do Direito não há indignidade, melhor dizendo, inidoneidade perpétua, tanto que o próprio estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil dispõe sobre a reabilitação judicial do condenado, com referência grave - e me parece inconstitucional - a "crime infamante".
Julguei, porque assim entendi inicialmente, que se fundara a decisão da corporação de ofício em decisão de processo regular que culminara com a aposentação compulsória do magistrado. Mas, ao que parece, não há nem notícia de que seus processos disciplinares tenham encontrado o seu termo final e tenham sido decididos, sob a égide da garantia da ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes, no foro próprio, perante o Juízo Natural, a nosso ver, insubrogável, por se cuidar de magistrado.
Desse modo, tenho que, ante as características específicas do caso, livres de qualquer outra notícia desabonadora, decorridos mais de dez anos da aposentadoria voluntária (21 de outubro de 1999), não se há de deixar de assegurar ao recorrente a honrosa inscrição no quadro de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil, e, por isso, estou a acompanhar o eminente Relator, na sua conclusão, pedindo vênia aos pares de quem respeitosamente ouso divergir.
É O VOTO.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2007/0046990-9 REsp 930596 / ES
Número Origem: 200250010036159
PAUTA: 05/11/2009 JULGADO: 24/11/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EDILSON ALVES DE FRANÇA
Secretária
Bela. BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO
ADVOGADO: RICARDO TAUFFER PADILHA
RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES
ADVOGADO: ROSA MARIA ASSAD GOMEZ E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Entidades Administrativas / Administração Pública - Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional e Afins - Registro Profissional
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Hamilton Carvalhido acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator para dar provimento ao recurso especial, verificou-se o empate, determinando-se a reinclusão do feito em pauta para a colheita do voto-desempate da Sra. Ministra Denise Arruda (RISTJ, art. 162, §3º).
Brasília, 24 de novembro de 2009
BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA
Secretária
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
PRIMEIRA TURMA
Número Registro: 2007/0046990-9 REsp 930596 / ES
Número Origem: 200250010036159
PAUTA: 17/12/2009 JULGADO: 17/12/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra DENISE ARRUDA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. AURÉLIO VIRGÍLIO VEIGA RIOS
Secretária
Bela. BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO
ADVOGADO: RICARDO TAUFFER PADILHA
RECORRIDO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DO ESPÍRITO SANTO - OAB/ES
ADVOGADO: ROSA MARIA ASSAD GOMEZ E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Entidades Administrativas / Administração Pública - Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional e Afins - Registro Profissional
SUSTENTAÇÃO ORAL
Assistiu ao julgamento o Dr. ALUISIO LUNDGREN CORREA REGIS, pela parte RECORRENTE: JOSEPH HADDAD SOBRINHO.
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Renovando o julgamento, a Turma, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki e Benedito Gonçalves (voto-vista), deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Denise Arruda e Hamilton Carvalhido (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de dezembro de 2009
BÁRBARA AMORIM SOUSA CAMUÑA
Secretária
Documento: 839451
Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 10/02/2010
JURID - Bacharel em direito. Inscrição definitiva nos quadros da OAB [18/02/10] - Jurisprudência
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