Apelação criminal. Delito de trânsito. Homicídio culposo. Condenação.
Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT.
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
APELAÇÃO Nº 87097/2009 - CLASSE CNJ - 417 - COMARCA DE RONDONÓPOLIS
APELANTE: RUBENS LUCAS DA SILVA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
Número do Protocolo: 87097/2009
Data de Julgamento: 19-01-2010
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL - DELITO DE TRÂNSITO - HOMICÍDIO CULPOSO - CONDENAÇÃO - IRRESIGNAÇÃO - PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO - IMPROCEDÊNCIA - CONJUNTO PROBATÓRIO COERENTE E CONCLUSIVO - APOIO EM LAUDO PERICIAL E PROVA TESTEMUNHAL - AUSÊNCIA DE PERCEPÇÃO/REAÇÃO POR PARTE DO CONDUTOR - PLEITO ALTERNATIVO - REDUÇÃO DA PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL - QUANTUM ADEQUADO E NECESSÁRIO AOS FINS COLIMADOS - RECURSO DESPROVIDO.
Não há falar-se em absolvição se o agente, ao conduzir seu veículo sem o dever objetivo de cuidado e sem a respectiva habilitação, atropela e mata a vítima e se evade do local, incidindo em omissão de socorro.
Pretendida redução ao mínimo legal da pena privativa de liberdade imposta ao agente inviável, porquanto fixada de forma fundamentada, justa e necessária à reprovação do delito e em atenção às suas circunstâncias.
R E L A T Ó R I O
EXMO. SR. DES. PAULO INÁCIO DIAS LESSA
Egrégia Câmara:
Trata-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por Rubens Lucas da Silva, com objetivo de obter a reforma da r. decisão prolatada pelo douto Magistrado da 1ª Vara Criminal de Rondonópolis/MT (fls. 148/165), que o condenou à pena de 03 (três) anos, 03 (três) mês meses e 06 (seis) dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto; substituída por 02 (duas) sanções restritivas de direito consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas a razão de 01 (uma) hora de tarefa por dia de condenação e limitação do final de semana (art. 93, LEP).
Além de lhe ser aplicada, também, a pena de proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pelo período de 06 (seis) meses, pela prática de crime tipificado no art. 302, parágrafo único, incisos I e III, da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro).
Alega o apelante que a sentença merece reforma, uma vez que, no seu entender, não se encontram demonstrados os requisitos para a configuração de crime culposo.
Assevera, ainda, não ser verdadeira a imputada omissão de socorro, sustentando que apenas se afastou do local por temer pela sua vida, porém teve o cuidado de, no caminho, tentar efetuar uma ligação para o SAMU.
Ademais, alega que não conduzia em excesso de velocidade, conforme constatado no Laudo pericial de fls. 59; e que não se pode afirmar, de igual sorte, tenha invadido o acostamento, porque o local do impacto na vítima ocorreu na pista de rolagem e em curva com acentuado aclive, razão pela qual não seria razoável que efetuasse frenagens, sob pena de ser lançado pela tangente.
Diante disso, pugna pela sua absolvição, e no pleito alternativo requer a diminuição da pena ao seu mínimo legal.
O Ministério Público de 1º Grau, em sede de contrarrazões rebate todos os argumentos esposados pelo recorrente e pugna, ao final, pela manutenção do decisum objurgado pelos seus próprios e jurídicos fundamentos (fls.178/187).
Nesta Superior Instância, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em judicioso Parecer da lavra do Dr. José de Medeiros opina pelo desprovimento do apelo, mantendo inalterada a r. sentença guerreada (fls. 196/203-TJ/MT).
É o relatório.
P A R E C E R (ORAL)
O SR. DR. JOÃO BATISTA DE ALMEIDA
Ratifico o parecer escrito.
V O T O
EXMO. SR. DES. PAULO INÁCIO DIAS LESSA (RELATOR)
Egrégia Câmara:
RUBENS LUCAS DA SILVA almeja desconstituir a sentença que o condenou ao cumprimento de 03 (três) anos, 03 (três) mês meses e 06 (seis) dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída por 02 (duas) penas restritivas de direito, além da proibição de obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pelo período de 06 (seis) meses, por haver atropelado e causado a morte de Alessandro Araújo de Sousa, ocorrida por volta das 01h15min. do dia 19-11-2006, nas proximidades do Ipê Clube, Comarca de Rondonópolis/MT.
Entende a defesa deva o apelante deva ser absolvido da prática do delito previsto no art. 302, parágrafo único, incisos I e III da Lei nº 9.503/97, aduzindo total ausência dos requisitos necessários para a caracterização de crime culposo.
Pois bem, frente ao contexto fático probatório destes autos, tem-se que as razões recursais não convencem quanto ao desacerto do julgado, pois os elementos de prova constantes do caderno processual autorizam plenamente a condenação do apelante.
Nesse sentido, compulsando os autos, se verifica que a materialidade delitiva está comprovada através do Mapa topográfico para Localização de Lesões às fls. 39, Laudo de Necropsia às fls. 36/38 e Certidão de Óbito às fls. 09.
Quanto à autoria, emerge do feito que, ouvido tanto na fase inquisitorial quanto em juízo, o apelante confirmou a ocorrência do delito.
No caso, a pretendida absolvição sustentada pela defesa não tem como prosperar, sobretudo diante do previsto no artigo 28 do Código de Trânsito Brasileiro, que consigna:
"Art. 28 - O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis a segurança do trânsito."
É exigência imposta pelo dever de cuidado objetivo que todos observem a cautela necessária para que seu atuar não resulte lesão a bens jurídicos alheios.
Por ser princípio universal, que visa garantir o bem estar social, as regras do código de trânsito não podem excluir esse dever de cuidado que o agir em sociedade exige.
Sob esse viés, tem-se, ainda, que a segurança dos pedestres, motoristas ou passageiros, é a lei suprema do trânsito, a que se subordinam todas as outras.
No entanto, o apelante não agiu com o cuidado necessário no momento do acidente, o que se extrai da prova testemunhal colacionada aos autos:
"Que na noite do dia 19 de novembro de 2006, por volta das 00:30 horas esteve na casa de seu amigo ALESSANDRO, no bairro parque São Jorge, e dali chamou Alessandro para irem na festa da Paulista, que saíram cada um em uma bicicleta, ao chegarem numa subida próximo ao clube Ipê guardaram a bicicleta no mato, para acabarem de chegar a pé; Que estavam sóbrios e até aquele momento não haviam bebido nada de álcool , que andavam à beira do asfalto próximo a faixa amarela, haja vista que o asfalto não tem acostamento, mas depois da faixa amarela sobra mais ou menos um metro de asfalto; que iam andando junto ao outro, porém não invadiam a pista de rolamento; Quando de repente veio um veículo Gm/Monza de cor escura em alta velocidade e atropelou o ALESSANDRO jogando o mesmo para o meio do mato; Que um por triz o depoente não foi atropelado também; que o condutor do veículo não parou e seguiu adiante na mesma velocidade que passou; Que o depoente procurou pelo Alessandro na beira do asfalto e não o encontrou, precisando de auxílio do farol de um motoqueiro que por ali passava para achar Alessandro no meio do mato; Que quando o achou constatou que ele já estava em óbito; Que logo populares parou no local e ali ligaram para o SAMU, Polícia e o pessoal da perícia; Que o corpo de Alessandro foi levado para IML e depois liberado para velório; que o velório no parque São Jorge houve comentários de que a pessoa responsável pelo atropelamento de Alessandro tinha sido pessoa de RUBENS, conhecido por "Rubinho" que mora no Jardim Iguaçu e que naquela noite "Rubinho" estaria dirigindo bêbado, porém dali em diante é que a família passou a saber quem era o culpado pelo acidente de Alessandro; Relata o declarante que estavam andando na pista normalmente, não haviam bebido nada até então, e não estavam com brincadeiras de empurra-empurra como estão dizendo". (Adriano de Souza Silva fls. 34).
Extrai-se, igualmente, do Laudo Pericial de fls. 56/91, como muito bem observado pelo nobre Procurador de Justiça às fls. 200-TJ/MT, que no caso houve ausência de percepção/reação por parte do condutor do veículo GM Monza, o que resultou no atropelamento da vítima:
"Assim, em face ao que foi analisado e exposto, os Signatários inferem que a causa determinante do acidente (atropelamento), nas circunstâncias retro descritas, foi a ausência de percepção/reação por parte do condutor do veículo GM Monza, pois se levarmos em consideração a dinâmica acima exposta e estando atento ao tráfego que o precedia, teria Ele plenas condições de perceber a presença do pedestre sobre sua faixa de tráfego e estando o veículo trafegando em velocidade regularmente, teria o seu condutor condições de detê-lo, a ponto de evitar o acidente ou mesmo amenizar as suas conseqüências".
Imperioso realçar ainda, quanto à alegação do apelante segundo a qual não sabia "se eles estavam brincando ou bêbados no meio da rodovia, pois eles iam no meio do acostamento (fls. 107-v)", tratar-se de circunstância que não elide a responsabilidade do apelante, dada sua imprudência retratada nos autos, consubstanciada em não reduzir a velocidade em uma curva seguida de aclive; e ao não diminuir a marcha do veículo, mesmo sabendo que já se achava nas imediações do Clube Ipê, local onde reconhecidamente no dia e horário haveria um grande fluxo de pessoas, por conta de ali se realizar uma festa.
Isto sem mencionar que confessou dirigir há pelo menos 02 (dois) anos sem habilitação.
Além disso, na seara penal não se admite a compensação de culpas, conforme leciona Damásio Evangelista de Jesus:
"É incabível em matéria penal. Suponha-se um acidente automobilístico em que, a par da culposa atitude do condutor, concorra a culpa da vítima. A culpa do ofendido não exclui a culpa do motorista: não se compensam. Só não responde o sujeito pelo resultado se a culpa é exclusiva da vítima." ("Crimes de trânsito: anotações à parte criminal do código de trânsito (Lei nº 9.503, de 23-9-1997"), São Paulo: Saraiva, 1998, p. 83).
No mesmo sentido, segue jurisprudência:
"Inexiste, em nosso Direito Penal, compensação de culpas. Não se exonera, assim, de responsabilidade o motorista que, culposamente, se envolve em colisão, pelo fato de haver contribuído para eventual culpa concorrente do ofendido." (TACRIM/SP - AC - Rel. Gonzaga Franceschini - JUTACRIM 86/220).
"Em se tratando de acidente de trânsito, o fato da vítima ter concorrido para a ocorrência do evento não exclui a responsabilidade do agente, pois no Direito Penal não há compensação de culpas". (RJDTACRIM 21/109).
No mesmo sentido, TARS: JTAERGS 80/114, 97/43, RT 619/358, 621/376; TACRSP: RT 697/353, JTACRIM 40/225 e 294, 42/303, 50/241).
"Homicídio culposo - Acidente de trânsito - Veículo movimentado sem a devida atenção - Colisão com motociclista - Alegação de culpa exclusiva da vítima - Eloqüência do conjunto probatório - Parcela de culpa do apelante - Suficiência - Infelicitas facti - Inocorrência - Condenação mantida - Recurso improvido. Mostrando o conjunto probatório parcela de culpa em sentido estrito do apelante, coadjuvando para a eclosão do fato que provocou a ocisão da vida da vítima, suficiente para sustentar o decreto condenatório uma vez que a culpa concorrente não admite a absolvição do envolvido, pois também deu causa ao resultado penalmente ilícito." (TJMT - APCrim. nº 10.099/2004-Várzea Grande - 1ª T. - J. 10-8-04).
Desta forma, se afigura absolutamente improcedente a almejada absolvição, por restar amplamente demonstrado que o apelante se houve com culpa no acidente que resultou a morte da vítima.
Alternativamente, pugna o recorrente pela redução da pena-base ao mínimo legal cominado à espécie.
Todavia, razão não lhe assiste, pois a pena foi fixada em quantum adequado e necessário para os fins colimados.
Confira-se parte final da dosimetria da pena-base adotada pelo ilustre Magistrado a quo, conforme consignado às fls. 161:
"Em sendo adversas ao agente as circunstâncias judiciais da culpabilidade, conseqüência do crime e comportamento da vítima, aumentando-se dois meses por cada qual, a pena mínima deve ser fixada em dois anos e seis meses de detenção a serem cumprido em regime aberto".
Ressalte-se que a pena privativa de liberdade cominada pelo legislador ao tipo inserto no artigo 302, caput do Código de Trânsito Brasileiro, é a de detenção de 02 (dois) a 04 (quatro) anos; não se mostrando, assim, exacerbada a fixação na sentença, que bem sopesou as circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, mormente a culpabilidade, conseqüência do crime e comportamento da vítima.
Dessarte, rejeito o pedido da redução da pena-base.
No mesmo diapasão, corretamente S. Excelência sopesou a atenuante da confissão espontânea e as causas de aumento de pena vinculadas à comprovada falta de habilitação para dirigir automotor e à omissão de socorro. Resultando numa pena em definitivo da ordem de 03 (três) anos, 03 (três) meses e 06 (seis) dias de detenção, que não é desfundamentada ou tão pouco exacerbada, sobretudo se considerar que a vítima tinha apenas 22 (vinte e dois) anos de idade e aparentemente em nada contribuiu para o fatídico evento.
Dessa forma, inexistindo prova nos autos da ocorrência de culpa exclusiva da vítima, e restando amplamente demonstrado que o apelante incidiu com culpa no acidente que resultou a morte do ofendido, não há falar-se em absolvição e tão pouco em redução da pena imposta.
Por todo o exposto e em consonância com parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo a sentença condenatória em todos os seus termos.
É como voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. PAULO INÁCIO DIAS LESSA, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. PAULO INÁCIO DIAS LESSA (Relator), DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (1º Vogal) e DRA. GRACIEMA R. DE CARAVELLAS (2ª Vogal convocada), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE DESPROVERAM O APELO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Cuiabá, 19 de janeiro de 2010.
DESEMBARGADOR PAULO INÁCIO DIAS LESSA - PRESIDENTE DA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL E RELATOR
PROCURADOR DE JUSTIÇA
Publicado em 28/01/10
JURID - Apelação criminal. Delito de trânsito. Homicídio culposo. [03/02/10] - Jurisprudência
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