Anúncios


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

JURID - Apelação cível. Ação de indenização. Funcionário público. [01/02/10] - Jurisprudência


Apelação cível. Ação de indenização. Funcionário público municipal. Demissão irregular. Dano moral patenteado. Recurso provido.
Conheça a Revista Forense Digital


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Número do processo: 1.0347.05.002012-7/001(1)

Númeração Única: 0020127-75.2005.8.13.0347

Relator: CAETANO LEVI LOPES

Relator do Acórdão: CAETANO LEVI LOPES

Data do Julgamento: 12/01/2010

Data da Publicação: 27/01/2010

EMENTA: Apelação cível. Ação de indenização. Funcionário público municipal. Demissão irregular. Dano moral patenteado. Recurso provido. 1. A responsabilidade civil objetiva por ato ilícito pressupõe prova de uma conduta antijurídica, uma lesão efetiva e o nexo entre uma e outra. 2. A demissão irregular de funcionário público admitido por concurso e submetido a condição vexatória gera dano moral que deve ser indenizado. 3. Apelação cível conhecida e provida para acolher a pretensão inicial.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0347.05.002012-7/001 - COMARCA DE JACINTO - APELANTE(S): ANTONIO CATARINO DA SILVA - APELADO(A)(S): MUNICÍPIO SALTO DIVISA - RELATOR: EXMO. SR. DES. CAETANO LEVI LOPES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 12 de janeiro de 2010.

DES. CAETANO LEVI LOPES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:

VOTO

Conheço do recurso, porque presentes os requisitos de admissibilidade.

O apelante aforou esta ação de indenização contra o apelado. Asseverou que é funcionário público municipal efetivo desde 1989 mas foi demitido, em 04.01.1993, por perseguição política. Acrescentou que ter sido reintegrado ao cargo por determinação judicial em 22.12.1995. Afirmou que, durante o período que ficou afastado sem receber remuneração, passou fome, teve seu nome incluído no cadastro do SPC e foi impedido de adentrar em qualquer instalação municipal, o que gerou sofrimento e abalou a sua honra. Pretende o recebimento de danos morais no valor de R$50.000,00. O recorrido afirmou não ter havido dano moral a ser indenizado. Pela r. sentença de ff. 116/120, a pretensão foi rejeitada.

A vexata quaestio consiste em verificar se houve danos morais.

Anoto, ab initio, que o apelante juntou, com a apelação, os documentos de ff. 128/137.

É claro que a apelação, inserta na fase decisória, não admite atividade probatória. A juntada de documentos com a apelação, só é admitida em caráter excepcional, e quando for documento novo. Sobre o tema decidiu o egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

Somente exsurge admissível a juntada de documentos que consubstanciem fatos novos em grau recursal, se provada a força maior impeditiva da sua produção na fase oportuna. Ademais, impossível levar-se em consideração, com valor probante, declarações que não se submeterem ao crivo judicial, via amplo contraditório. (Ac. na Ap. nº 47.198, 3ª Câmara, rel. Eder Graf, j. em 01.11.94, in Alexandre de Paula, Código de processo civil anotado, 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, vol. II, p. 2.119).

No entanto, trata-se de documentos com data anterior à sentença. Logo, não são documentos novos e não devem ser examinados.

Feito o reparo, o exame da prova revela o que passa a ser descrito.

O recorrente, com a petição inicial, carreou os documentos de ff. 8/23. Destaco a cópia de parte da ação de cobrança (ff. 8/21) ajuizada pelo recorrente contra o apelado, em que foi acolhida em parte a pretensão relativa ao recebimento da remuneração do período entre a demissão do apelante e a sua reintegração no cargo.

Houve produção de prova oral.

A testemunha João Hamilton de Oliveira (ff. 81/82) afirmou que, no ano de 1993, tanto o declarante quanto o recorrente eram funcionários do apelado. Asseverou que, no primeiro dia do mandato do Prefeito José Eduardo, no ano de 1992, este último enviou comunicado aos funcionários que votaram no candidato do PFL e informou que, a partir daquela data, eles estavam demitidos. Acrescentou que, no dia seguinte, todos os demitidos foram obrigados a se reunirem no almoxarifado da Prefeitura, onde permaneceram, sob a condição de assinarem o ponto periodicamente e várias vezes ao dia. Informou que, desde então, o recorrido deixou de pagar os salários. Esclareceu que, já no final do mandato, alguns funcionários foram readmitidos, por ordem judicial, e o apelante estava entre eles. Afirmou que, depois da demissão, o recorrente deixou de receber os vencimentos. Acrescentou que o apelante era concursado. Esclareceu que o depoente exerce o cargo de eletricista, e o recorrente o de fiscal de limpeza urbana. Informou que o apelante passou por grande dificuldade financeira, após a demissão, porque não tinha outra profissão e a renda dele decorria exclusivamente dos vencimentos do cargo. Asseverou que o grupo formado pelos servidores demitidos totalizava cerca de trinta e sete pessoas. Informou que o apelante foi despejado porque não pagou o aluguel assim como as contas de água e luz. Asseverou que o recorrente teve restrições de crédito junto ao comércio de Salto da Divisa, em razão de sua inadimplência.

A testemunha Valter Matos da Silva (ff. 83/84) informou que ele e o apelante são funcionários públicos municipais concursados. Afirmou que, no início do mandato do Prefeito José Eduardo Peixoto, este demitiu vários funcionários por perseguição política, punindo aqueles que não haviam votado nele. Asseverou que o depoente e o recorrente foram demitidos, por meio de correspondência enviada pelo Prefeito. Acrescentou que, a partir de então, alguns funcionários deixaram de ir para o trabalho e outros, após reintegrados, ficaram, por quinze dias, mediante ordem do Prefeito, trancados no pátio, onde eram submetidos a uma chamada de dez em dez minutos. Esclareceu que o apelante ficou nesse local. Informou que alguns funcionários foram readmitidos, e o recorrente só voltou ao serviço público após quatro anos. Asseverou que, o recorrente, ao encontrar com o depoente na rua, sempre relatava as dificuldades financeiras pelas quais estava passando. Afirmou que, em razão da suspensão do pagamento dos vencimentos, o apelante deixou de pagar suas contas e perdeu o crédito junto ao comércio, além de ter água e luz cortados, pelo inadimplemento. Acrescentou que o apelante teve que se mudar de sua residência porque ficou devendo o aluguel. Informou que quase toda a população de Salto da Divisa ficou debochando dos servidores demitidos, ocasião em que estavam no pátio, local sem cobertura. Estes os fatos.

Quanto ao direito, é de geral ciência que o Brasil adotou, como regra, em matéria de responsabilidade civil, a teoria subjetiva ou da culpa em que a vítima deve provar a existência de uma conduta antijurídica da vítima (eventus damni), uma lesão efetiva (dano) e a relação de causa e efeito entre uma e outra (nexo causal).

Em caráter excepcional, como no caso das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos, foi adotada a teoria objetiva ou do risco (art. 37, § 6º, da Constituição da República) e que dispensa a prova do derradeiro elemento. Assim, para esta teoria, basta ao lesado demonstrar o nexo causal entre o fato lesivo e o dano, conforme esclarece Alexandre de Morais, em Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, São Paulo: Atlas, 2002, p. 899:

Assim, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público baseia-se no risco administrativo, sendo objetiva. Essa responsabilidade objetiva exige a ocorrência dos seguintes requisitos: ocorrência do dano, ação ou omissão administrativa, existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.

Em relação ao dano, o apelante asseverou que padeceu de constrangimento por ter passado fome, sofrido humilhação, ter sido impedido de frequentar qualquer instalação municipal e ter tido crédito negado no comércio local em decorrência da inadimplência, inclusive com inscrição de seu nome no SPC.

Ora, é sabido que o dano moral decorre de uma lesão que atinge o íntimo do sujeito do direito, conforme ensina Rui Stoco, em Tratado de Responsabilidade Civil, 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 1.377:

Os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado, pois os bens morais são inerentes à pessoa, incapazes, por isso, de subsistir sozinhos. Seu patrimônio ideal é marcadamente individual, e seu campo de incidência o mundo interior de cada um de nós, de modo que desaparece com o próprio indivíduo.

Sempre é oportuno relembrar o conceito emitido por Pontes de Miranda, no Tratado de direito privado, 3. ed., Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1971, vol. XXVI, p. 30, assim o conceitua:

Conceito. Dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do ofendido; dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio. A expressão 'dano moral' tem concorrido para graves confusões; bem como a expressão alemã Schmerzengeld (dinheiro de dor). Às vezes, os escritores e juizes dissertadores empregam a expressão 'dano moral' em sentido amplíssimo (dano à normalidade da vida de relação, dano moral estrito, que é o dano à reputação, o dano por depressão ou exaltação psíquica ou nêurica, dano que não é qualquer dos anteriores mas também não ofende o patrimônio, como o de dor sofrida, o de destruição de bem sem qualquer valor patrimonial ou de valor patrimonial ínfimo). Aí, dano moral seria dano não patrimonial. Outros têm como dano moral o dano à normalidade da vida de relação, o dano que faz baixar o moral da pessoa, e o dano à reputação.

Para o sistema jurídico brasileiro, o interesse ou é patrimonial ou é moral. Então, todo não patrimonial pode ser moral. Porém essa distinção, em que o adjetivo moral é empregado e, senso amplíssimo, somente interessa ao direito pré-processual (Código Civil, art. 76; Código de Processo Civil, art. 2º) e não ao direito material da res in iudicium deducta (Tomo V, § 625, 3 e 5).

Aqui, o que nos importaria seria o conceito de dano moral, ao qual, aliás, não se referem as leis brasileiras.

Há de se fazer alguns reparos à transcrição, antes de se prosseguir no raciocínio. Existe evidente erro de revisão no início do conceito, porque a referência deve ser ao credor e não ao devedor. O CPC citado é o de 1939, em vigor à época da edição da obra e, na atualidade, a Constituição da República faz expressa referência ao dano moral.

Caio Mário da Silva Pereira não discrepa no plano conceitual e assevera dever abstrair-se do caráter de patrimonialidade. Basta a lesão a um bem jurídico. Seu ensinamento está inserto na obra já citada (Responsabilidade civil, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997), p. 53 e seguinte:

Quando opto pela definição do dano como toda ofensa a um bem jurídico, tenho precisamente em vista fugir da restrição à patrimonialidade do prejuízo. Não é raro que uma definição de responsabilidade civil se restrinja à reparabilidade de lesão imposta ao patrimônio da vítima.

E prossegue:

O fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em termos de maior amplitude, Savatier oferece uma definição de dano moral como 'qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária', e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, as suas afeições etc.

O dano moral, portanto, ocorre quando os aspectos extrapatrimoniais do sujeito são lesados.

É claro que a retenção da remuneração do recorrente, por si só, não gera danos morais, mesmo porque ele foi ressarcido dos danos materiais sofridos no período que esteve afastado indevidamente. Entretanto, a prova testemunhal é eloquente da cena dantesca a que foram submetidos os funcionários públicos locais, desafetos políticos do então prefeito municipal, inclusive o apelante. E o populacho, como sói acontecer, não poupou esforços para lançar agravos e insultos contra os infelizes perseguidos.

Sem sombra de dúvida, o recorrente foi vítima de cruel dano moral decorrente de desmando político de um prepotente de ocasião, despreparado para o cargo de dirigente municipal máximo. A ofensa está a merecer a correspondente reparação.

Resta arbitrar a indenização.

No que respeita ao valor arbitrado na sentença para a indenização por dano moral, no importe de R$15.000,00, o primeiro apelante pretende sua redução.

Sabe-se que a quantificação do valor da indenização por dano moral constitui questão difícil e tormentosa. No momento, há duas correntes: uma, entendendo que a indenização é sancionatória; outra compensatória. Qualquer corrente que se adote, a reparação pelo dano moral já representa importante conquista da humanidade na atual fase histórica. Assim afirma Clayton Reis em Avaliação do dano moral, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 129:

A adoção da compensação dos danos extrapatrimoniais, ou ainda, o estabelecimento do valor exato do pretium doloris, tão relegada pelos tribunais do passado, constitui uma conquista da civilização - todos os bens patrimoniais, em especial os imateriais, devem ser objeto de avaliação para efeito de ressarcimento. Mesmo porque, se a civilização contemporânea repugna a idéia de sanção de natureza eminentemente pessoal, no caso de ofensa aos direitos de natureza civil, é porque a substituiu pelo patrimônio do ofensor que haverá de ressarcir os prejuízos causados a terceiro.

Nossos Tribunais deram início à abertura de via para os critérios quando, no IX ENTA - Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, adotaram a seguinte conclusão:

III - Dano moral.

3) Na fixação do dano moral, deverá o juiz, atendo-se ao nexo de causalidade inscrito no art. 1.060 do Código Civil, levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quantum, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado.

A referência é ao Código Civil de 1916 mas, neste aspecto, não houve alteração substancial.

Sopesados os critérios mencionados, tenho que o quantum debeatur deve representar uma compensação correta, vale dizer, uma satisfação para contrabalançar os dissabores que acometeram o apelante. Ele é pessoa de condição humilde mas foi gravemente molestado em seu íntimo pelo desmando perpetrado pelo áulico de ocasião. Tenho que a importância de R$15.000,00 é suficiente para a compensação mencionada.

Assim, a irresignação é pertinente.

Com estes fundamentos, dou provimento à apelação para reformar a sentença e julgar procedente a pretensão inicial. Condeno o apelado no pagamento de R$15.000,00 a título de indenização por danos morais. A importância será monetariamente corrigida com base nos índices divulgados pela douta Corregedoria Geral de Justiça a partir da data do julgamento da apelação e acrescida de juros moratórios na base de 6% ao ano desde a data em que o apelante foi demitido. Finalmente, condeno o apelado no pagamento de honorários advocatícios, os quais arbitro em R$1.000,00, tendo em conta a boa qualidade do trabalho prestado.

Determino que sejam remetidas peças ao órgão do Ministério Público para apurar eventual prática de improbidade administrativa pelo Prefeito Municipal que demitiu o apelante de forma irregular, gerando dano ao erário público local.

Sem custas.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): AFRÂNIO VILELA e RONEY OLIVEIRA.

SÚMULA: DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.




JURID - Apelação cível. Ação de indenização. Funcionário público. [01/02/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário