Apelação cível. Ação de cobrança. Estacionamento. Chuva.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.
Número do processo: 1.0024.05.757324-8/002(1)
Númeração Única: 7573248-35.2005.8.13.0024
Relator: HILDA TEIXEIRA DA COSTA
Relator do Acórdão: HILDA TEIXEIRA DA COSTA
Data do Julgamento: 19/11/2009
Data da Publicação: 12/01/2010
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - ESTACIONAMENTO - CHUVA - INUNDAÇÃO - PROBLEMAS NAS INSTALAÇÕES HIDRÁULICAS DO ESTABELECEIMENTO - DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS - RESPONSABILIDADE - INDENIZAÇÃO DEVIDA - DENUNCIAÇÃO À LIDE - SEGURADORA - CLÁUSULA EXCLUDENTE DE COBERTURA - NÃO CABIMENTO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor, implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem. Comprovada a ocorrência de alagamentos anteriores, deveria ter o estabelecimento agido com prevenção, no sentido de adotar uma conduta responsável e diligente ante a qualquer emergência que pudesse sobrevir neste sentido. Ainda que admitida a existência de cláusula contratual que exclua a responsabilidade do estacionamento por danos materiais, esta não exclui, do mesmo, o dever de cuidado e de diligência. Os riscos arcados pela seguradora, são constantes e delimitados pela apólice securitária, não se podendo admitir a sua interpretação extensiva para impor a cobertura relativa a inundação, por expressa exclusão contratual.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.05.757324-8/002 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): PAPELARIA COPIADORA ALVARENGA PEIXOTO LTDA ME (MICROEMPRESA) - APELADO(A)(S): BCF BEBIDAS COMESTÍVEIS FINOS LTDA, REAL SEGUROS S/A - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. HILDA TEIXEIRA DA COSTA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 19 de novembro de 2009.
DESª. HILDA TEIXEIRA DA COSTA - Relatora
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
A SRª. DESª. HILDA TEIXEIRA DA COSTA:
VOTO
Trata-se de ação de indenização interposta por BCF Bebidas e Comestíveis Finos Ltda em face de Estacionamento Alvarenga Peixoto Ltda - ME.
Alegou a autora, que utilizava o estacionamento do réu para guarda de veículos de seus clientes, conforme contrato firmado em 02/05/2002.
Aduziu que em 21/12/2004, devido à falta de manutenção nas instalações hidráulicas, o réu teve suas dependências inundadas em virtude de chuva, danificando três veículos de clientes da autora.
Informou que o réu já havia mencionado que realizaria reparos nas instalações hidráulicas de seu estacionamento, posto que, em outras ocasiões, estas já tinham apresentado problemas.
Salientou que, em função dos prejuízos causados nos veículos de seus clientes, teve que arcar com o valor de R$11.202,84, com os reparos dos automóveis danificados.
Pleiteou, assim, o ressarcimento da quantia de R$11.202,84 (onze mil, duzentos e dois reais e oitenta e quatro centavos), acrescida de juros e correção monetária a partir do desembolso.
Citado, o réu compareceu à audiência de conciliação e apresentou sua contestação às fls. 35-41/TJ.
Em sua peça contestatória, o réu aduziu que os prepostos da autora, seriam os responsáveis pela manobra e guarda das chaves dos veículos de seus clientes e que cabia, ao réu, apenas ceder o local para o estacionamento.
Asseverou não ter praticado qualquer ato ilícito e pugnou pelos benefícios da justiça gratuita, indeferida na audiência de conciliação.
Assim, não reconhecendo a sua culpa pelo evento danoso, denunciou à lide a Real Seguros S/A.
Houve apresentação de peça contestatória pela denunciada às fls. 77-84 TJ, alegando que o denunciante não tem direito ao recebimento da indenização securitária pretendida, tendo em vista que as condições gerais da apólice excluem a responsabilidade de ressarcimento em caso de danos causados por inundação.
Ainda, argumentou que não restou provado, nos autos, que a autora tenha desembolsado a quantia pleiteada na inicial e que a correção monetária deve ser contada da data do ajuizamento da ação e os juros da data da citação, contrariamente ao pedido na exordial.
O d. Juiz singular, houve, por, bem, julgar procedente o pedido de indenização por danos materiais formulado por BCF Bebidas e COmestíveis Finos Ltda, para condenar o réu, Estacionamento Alvarenga Peixoto, Ltda, ao pagamento da quantia de R$11.202,84, com incidência de juros de mora desde a citação e correção monetária, pela Tabela da Corregedoria de Justiça, desde a data do efetivo desembolso.
Quanto à lide secundária, julgou, o d. Juiz primevo, improcedente o pedido de regresso formulado por Estacionamento Alvarenga Peixoto Ltda, em face de Real Seguros S/A.
A parte ré, inconformada com os termos da r. sentença, interpôs recurso de apelação, às fls. 262-266/TJ, aduzindo, em síntese, que o que causou o alagamento e os estragos nos veículos foram as fortes chuvas que caíram no dia e que se houve alguma responsabilização, esta deveria ser transferida à seguradora, ora denunciada, em virtude de contrato de seguro, que fora celebrado visando cobrir os sinistros ocorridos no local.
Intimados, os apelados apresentaram suas contrarrazões, pugnando pela manutenção do r. decisum.
Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
Inicialmente, observo que restou incontroverso que a autora firmou contrato junto ao réu para que este disponibilizasse local para estacionamento dos veículos de seus clientes.
Ensina Rui Stoco em seu "Tratado de Responsabilidade Civil" que a responsabilidade do guardador é contratual, pois estabelece-se uma relação de resultado, cabendo-lhe devolver o bem tal como recebeu.
Assim, o estacionamento de veículo, que explora a guarda mediante paga de usuários, responde como depositário. E nesse diapasão, sua responsabilidade somente pode ser escusada provando-se o caso fortuito ou de força maior.
Neste sentido:
"O dono de estacionamento de veículos responde pelos danos sofridos pelo automóvel deixado sob sua guarda" (TJSP - 5ª - Ap. - Rel. Tito Hesketh - j. 01.02.1979 -RT 536/117).
"O dono do estacionamento pago de automóvel responde pelos danos ao veículo e furto de seus acessórios" (TJSP - 3ª - Ap. - Rel. Evaristo dos Santos - j. 01.02.1980 -RT 552/64).
O art. 642 do CCB dispõe:
"O depositário não responde pelos casos de força maior; mas para que lhe valha a escusa terá de prová-los".
In casu, como bem entendeu o d. Juiz primevo, não se desincumbiu, o réu, de provar que a chuva do dia 21/12/2004 tenha sido extraordinária, a ponto de tornar inevitável a inundação nas dependências do estacionamento, ou mesmo que a rede hidráulica do estacionamento estivesse em perfeitas condições.
Do depoimento da testemunha (ouvida como informante) Rodrigo Assunção Fonseca, ex-sócio da empresa autora, se depreende que:
"... não sabe precisar, mas no mínimo três ou quatro vezes, ocorreram alagamentos no interior do mesmo estacionamento, que mais ou menos do ocorrido noticiado na inicial, a parte ré informou a autora que havia solucionado o problema de alagamento no estacionamento..."
Ainda, do depoimento de Adilson Alves Guimarães, manobrista dos carros citados na inicial:
"... que a chuva não causou estragos na rua; que houve enxurrada na rua devido á chuva (...) que o depoente em virtude do alagamento anterior devido a um lava jato existente no interior do estacionamento, perguntou se aquilo ia causar algum problema no estacionamento, quando o referido rapaz disse que já tinha solucionado o problema (fls. 84)."
Dessa forma, não pode tentar o réu valer-se da alegação de "caso fortuito", tendo em vista ter contribuído para a ocorrência dos danos de forma direta.
Ora, o principal dever jurídico do depositário é a custódia e vigilância do bem como se fosse seu, assumindo, ainda, o dever de manutenção apropriada do local destinado à guarda do mesmo. Assim, uma vez que o estacionamento em questão não era aberto e parte dele estava abaixo do nível da rua, deveria o réu ter cuidado de providenciar um sistema de escoamento de água diferenciado.
Ademais, comprovada a ocorrência de alagamentos anteriores, deveria ter o estabelecimento agido com prevenção, no sentido de adotar uma conduta responsável e diligente ante a qualquer emergência que pudesse sobrevir neste sentido.
Também não assiste razão à apelante em sua alegação de que as chaves dos veículos não ficavam no estacionamento e sim com o manobrista do apelado e, por isso, não tinha como retirar os veículos do local, tendo em vista que o dever de indenizar, pelo estacionamento, decorre da simples guarda da coisa.
Ainda, quanto à alegação da apelante de que contratualmente foi estabelecida a não responsabilização do estacionamento quanto aos danos sofridos pelos automóveis guardados, entendo que ainda que se admitisse tal limitação, a cláusula contratual que exclui a responsabilidade do estacionamento por danos materiais, não exclui do mesmo, o dever de cuidado e de diligência.
Neste sentido:
"É o contrato de depósito o negócio jurídico celebrado entre o proprietário e o usuário do estacionamento de veículos. Portanto, o depositário tem o dever de segurança sobre a coisa depositada, obrigação de resultado que tem por efeito a presunção de culpa contra ele se não a restituir ao termo de depósito. Se o veículo deu entrada no estacionamento em perfeitas condições, seu proprietário, ao retirá-lo, deve recebê-lo no mesmo estado, respondendo o estacionamento pelos danos porventura a ele causados. A cláusula contratual que exclua a responsabilidade do estacionamento por danos causados aos veículos não exclui o dever de diligência. (1º TACSP - 8ª C. - AP. - Rel. Toledo Silva - j. 06.12.1989 - RT 651/95).
Também melhor sorte não assiste ao apelante quando tenta atribuir responsabilidade exclusiva da autora, eis que dos autos não consta qualquer prova de que houve comunicação sobre a possibilidade de alagamento.
Isto porque, a prova oral colhida nos autos, mostrou-se contraditória, razão pela qual não se pôde constatar a ocorrência de efetiva comunicação à autora da possibilidade de inundação realizada pela parte ré. As testemunhas Adilson Alves Guimarães e Laércio Antônio Teixeira que foram inclusive acareadas, sobre o suposto aviso de alagamento no local, foram contraditórias, fazendo permanecer a divergência quanto ao ponto em discussão.
Ademais, como salientado pelo Juiz singular, o fato exclusivo de terceiro pressupõe que o dano tenha sido causado exclusivamente por este, o que não é o caso dos autos, já que o alagamento decorreu de falhas estruturais do estacionamento.
Importante destacar, acerca da teoria do risco, o teor do art. 927, parágrafo único, do CCB:
"Haverá obrigação de reparar o dano independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem".
No caso em tela, patente a aplicabilidade da teoria do risco, pela própria natureza da atividade desenvolvida pela ré e, tendo em vista que o local disponibilizado para o estacionamento dos automóveis, era abaixo do nível da rua, assumiu, o estabelecimento, o risco do dano, ora em debate.
Responderá, pois, o estacionamento pelos danos causados ao veículo, na consideração de que o comerciante que explora estacionamento tem conhecimento de que exerce uma atividade de risco e para ele deve-se preparar.
Quanto aos danos materiais pleiteados, entendo que demonstrados os gastos, a teor das notas fiscais de fls. 15 e 18, nos valores de R$10.568,47 e de R$ 600,00, respectivamente, e pelo teor das declarações de fls. 22 e 25, estes devem ser ressarcidos.
Ressalto que o réu não impugnou especificamente o valor pleiteado na peça exordial, de modo que este é devido.
Em face do exposto, vislumbro que a ré deve ser responsabilizada pelos danos materiais causados nos veículos dos clientes da autora, no importe de R$11.202,84, com incidência de juros moratórios de 1% ao mês e de correção monetária, pelos índices da Corregedoria Geral de Justiça de MG, a partir da data do efetivo desembolso, conforme determinado na r. sentença "a qua".
Por derradeiro, em suas razões de apelo, aduz o apelante que se lhe imputada alguma responsabilização, esta deveria ser transferida à seguradora, ora denunciada, em virtude de contrato de seguro, que fora celebrado visando cobrir os sinistros ocorridos no local.
Analisando detidamente o contrato de seguro formalizado entre o estacionamento réu e a segurada, ora litisdenunciada, juntado às fls. 100/130, verifica-se que é excluída a cobertura para evento de inundação. (cláusula 2.2.13 - fls 110).
Dessa forma, não pode ser a seguradora responsabilizada pelo alagamento ocorrido no estacionamento réu, por expressa exclusão contratual.
Assim, os riscos arcados pela seguradora, são os constantes e delimitados pela apólice securitária, não se podendo admitir, in casu, interpretação extensiva para a cobertura ora pleiteada.
Ademais, percebo que o réu não logrou êxito em comprovar a alegada existência de fato hábil a afastar sua responsabilidade pela sua conduta culposa e negligente adotada, tendo em vista ter contribuído para com os danos ocorridos de forma direta.
Em face de todo o exposto, nego provimento ao apelo e mantenho íntegra a d. sentença primeva.
Custas recursais, pelo apelante.
O SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS:
VOTO
Com a Relatora, eis que seu voto judicioso aplica escorreitamente princípios e regras consumeristas, especialmente no tocante à não subsistência da cláusula de não-indenizar.
O SR. DES. VALDEZ LEITE MACHADO:
VOTO
Acompanho a Relatora.
SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO.
JURID - Apelação cível. Ação de cobrança. Estacionamento. Chuva. [12/02/10] - Jurisprudência
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