Ação de obrigação de fazer. Fornecimento de medicamento. Direito à vida constitucionalmente garantido.
Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul - TJMS.
26.1.2010
Quarta Turma Cível
Apelação Cível - Ordinário - N. 2009.033734-4/0000-00 - Campo Grande.
Relator - Exmo. Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro.
Apelante - Estado de Mato Grosso do Sul.
Proc. Est. - Ivanildo Silva da Costa e outro.
Apelado - Mário Antonio de Oliveira.
Def. Públ. 1ª Inst. - Vera Regina Prado Martins.
E M E N T A - APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - DIREITO À VIDA CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDO - OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO GARANTIR O ACESSO DO CIDADÃO À SAÚDE - POSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO.
Tanto o Estado, como os Municípios e a União têm o dever de fornecer os medicamentos necessários à saúde dos cidadãos.
A garantia constitucional do direito à vida assegura o acesso do cidadão às políticas públicas de saúde, devendo o Estado (em sentido lato) garantir o fornecimento de medicamento necessário ao tratamento de doenças evolutivas, sem impor qualquer empecilho de ordem burocrática.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso voluntário e ao reexame necessário, nos termos do voto do relator.
Campo Grande, 26 de janeiro de 2010.
Des. Paschoal Carmello Leandro - Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro
O Estado de Mato Grosso do Sul, inconformado com a sentença que julgou procedente o pedido formulado na ação de obrigação de fazer que lhe move Mario Antonio de Oliveira, interpõe apelação, aduzindo, em resumo, que não se nega em disponibilizar tratamento para a moléstia que acomete o autor, mas deseja que o mesmo seja feito de acordo com as normas emitidas pelo Ministério da Saúde; que deve ser observado o princípio da isonomia no acesso da população à saúde pública; que a Administração não pode deixar de cumprir as exigências legais e regulamentares relativas ao fornecimento de medicamentos; que não é dado ao Judiciário obrigar o Executivo à prática do ato independentemente da verificação dos requisitos necessário à sua efetivação.
Por fim, pede provimento ao recurso para que seja reformada a sentença, julgando-se improcedente o pedido autoral.
Contrarrazões pugnando pelo improvimento do recurso.
A sentença está sujeita ao reexame necessário.
VOTO
O Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro (Relator)
Trata-se de reexame necessário e apelação cível contra a sentença que julgou procedente o pedido formulado na ação de obrigação de fazer que Mario Antonio de Oliveira move em face do Estado de Mato Grosso do Sul, para o fim de determinar ao requerido que forneça ao autor o medicamento PLAVIX 75mg (CLOPIDOGREL), na quantidade de um comprimido ao dia, de forma contínua, enquanto durar o tratamento, conforme prescrição médica, confirmando a liminar dantes concedida.
Analiso o recurso voluntário concomitantemente ao reexame necessário.
Cinge-se a controvérsia em saber se o autor, ora apelado, faz jus ao não ao recebimento do medicamento reclamado às expensas do Estado recorrente.
Com efeito, a saúde é um direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença, bem como ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, incumbindo ao Poder Público adotar as estratégias necessárias para o cumprimento do dever constitucional que lhe foi atribuído.
E, nesse sentido tem decidido esta Corte, impondo ao Poder Público (em sentido lato) a obrigatoriedade de garantir à população o adequado tratamento à saúde.
A propósito, trago à colação os seguintes julgados:
"MANDADO DE SEGURANÇA - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - GARANTIA CONSTITUCIONAL - EFETIVIDADE DO DIREITO.
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
Não é a ausência de enumeração do medicamento pretendido em portaria que regulamenta o fornecimento de medicamentos excepcionais e de alto custo, reembolsável pelo Ministério da Saúde, ou a falta de recurso nos cofres do Estado-Membro, que tornará letra morta os princípios constitucionais relativos à vida e à saúde, insculpidos nos art. 5.º, caput, e 196." (Mandado de Segurança n. 2001.000020-5, rel. Des. Atapoã da Costa Feliz, j. 19.04.2001).
"MANDADO DE SEGURANÇA - PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - REJEITADAS - MÉRITO - POLICIAL MILITAR - PORTADOR DE DOENÇA GRAVE - NEOPLASIA MALIGNA (CÂNCER) - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - DEVER DO ESTADO - DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE - ORDEM CONCEDIDA.
O Secretário de Estado de Saúde detém atribuição para sustar a execução do ato impugnado, por lhe competir a gerência geral da saúde em todo o território estadual.
A falta de comprovação de que o medicamento solicitado encontra-se no rol daqueles cuja importação é vedada expressamente pelo Ministério da Saúde, implica na rejeição da preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.
Deve-se assegurar ao portador de doença grave o direito líquido e certo de obter do Estado o medicamento de que necessita para o seu tratamento, na medida em que o direito à saúde é conseqüência indissociável do direito à vida, constituindo-se ambos em prerrogativas fundamentais do cidadão (art. 196 da Constituição Federal de 1988)". (Mandado de Segurança n. 2004.008241-0, 1ª Seção Cível, rel. Des. Hamilton Carli).
O princípio da dignidade da pessoa humana, estampado no art. 1º, III, da CF, encontra sua expressão máxima no direito à vida, consagrado no caput do art. 5º da Lei Maior, alçando efeitos, conseqüentemente, a vários outros dispositivos constitucionais, dentre eles o art. 196, que assim preceitua:
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."
Assim, não possui o Poder Público o simples dever de respeitar as liberdades consubstanciadas no texto constitucional, mas também de concretizar os direitos sociais, econômicos e culturais contidos no seu bojo, tudo em nome da efetividade.
No mesmo sentido, aduz Uadi Lammêgo Bulos (in "Constituição Federal Anotada", São Paulo, Saraiva, 5ª ed. 2003, p. 1.291) que "da mesma forma que os direitos sociais em geral (art. 6º), o direito à saúde reclama, para sua efetivação, o cumprimento de prestações positivas e prestações negativas. Pela primeira, os Poderes Públicos devem tomar medidas preventivas ou paliativas ao combate e ao tratamento de doenças. Já pela segunda, incumbe a eles abster-se, deixando de praticar atos obstaculizadores do cabal exercício deste direito fundamental".
Possuindo o Poder Público (União, Estados e Municípios) o dever constitucional de proporcionar assistência médica ao cidadão que a necessite, não pode o Estado tentar esquivar-se de sua obrigação, escorando-se na ausência de previsão de fornecimento do medicamento ou mesmo na necessidade de expedientes burocráticos.
Por outro lado, restou comprovada a urgência no fornecimento do medicamento solicitado pelo apelado para a realização do tratamento pretendido, de importância imprescindível no acompanhamento da evolução do estado de saúde que se encontra o mesmo, subsistindo, desta feita, a obrigação do Estado apelante em fornecê-los, afinal, o direito à saúde é conseqüência do direito à vida, devendo se sobrepor diante de qualquer empecilho.
De outra banda, vê-se que a hipossuficiência do apelado em arcar com os custos do tratamento e a impossibilidade de amparo financeiro por sua família são evidentes, conforme comprovam os receituários e declarações médicas em anexo, uma vez que sempre foi atendido pela rede pública de saúde, além do que, a declaração de hipossuficiência, a qual afirma sua impossibilidade financeira em arcar com o custeio de um advogado, corrobora com este entendimento, já que a fé pública conferida à Defensoria reforça sua carência financeira.
Por oportuno, colha-se o seguinte julgado emanado da Colenda Corte Superior, o qual corrobora o entendimento de que incumbe aos entes federativos, solidariamente, assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária a fim de gozarem de uma vida digna, verbis:
"PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRATAMENTO DE SAÚDE, PELO ESTADO, A MENOR HIPOSSUFICIENTE. OBRIGATORIEDADE. AFASTAMENTO DAS DELIMITAÇÕES. PROTEÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER CONSTITUCIONAL. ARTS. 5º, CAPUT, 6º, 196 E 227 DA CF/1988. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR E DO COLENDO STF. (...) 3. Os arts. 196 e 227 da CF/88 inibem a omissão do ente público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) em garantir o efetivo tratamento médico a pessoa necessitada, inclusive com o fornecimento, se necessário, de medicamentos de forma gratuita para o tratamento, cuja medida, no caso dos autos, impõe-se de modo imediato, em face da urgência e conseqüências que possam acarretar a não-realização. 4. Constitui função institucional e nobre do Ministério Público buscar a entrega da prestação jurisdicional para obrigar o Estado a fornecer medicamento essencial à saúde de pessoa carente, especialmente quando sofre de doença grave que se não for tratada poderá causar, prematuramente, a sua morte. 5. O Estado, ao negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a cidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível. 6. Pela peculiaridade do caso e em face da sua urgência, hão de se afastar as delimitações na efetivação da medida sócio-protetiva pleiteada, não padecendo de ilegalidade a decisão que ordena a Administração Pública a dar continuidade a tratamento médico. 7. Legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de direito indisponível, como é o direito à saúde, em benefício de pessoa pobre. 8. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF. 9. Recurso especial não-provido". (STJ - REsp 948.579/RS - rel. Min. José Delgado - Primeira Turma - j. 28.08.2007).
Destarte, nada há no julgado que seja merecedor de reparos, devendo ser mantido em todos os seus termos, vez que lançado em estrita consonância com o ordenamento jurídico e a jurisprudência pátria.
Ante o exposto, conheço dos recursos voluntário e necessário, todavia, nego-lhes provimento, mantendo-se intacta a sentença recorrida.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO VOLUNTÁRIO E AO REEXAME NECESSÁRIO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Dorival Renato Pavan.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Paschoal Carmello Leandro, Dorival Renato Pavan e Atapoã da Costa Feliz.
Campo Grande, 26 de janeiro de 2010.
Publicado em 03/02/10
JURID - Ação de obrigação de fazer. Fornecimento de medicamento. [12/02/10] - Jurisprudência
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