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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

JURID - Furto qualificado. Princípio da insignificância. [02/10/09] - Jurisprudência


Furto qualificado. Princípio da insignificância. Não-acolhimento pelo ordenamento jurídico brasileiro.
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0210.05.030976-9/002 - COMARCA DE PEDRO LEOPOLDO - 1º APELANTE(S): JONAS MOREIRA GOULART - 2º APELANTE(S): ARLINDO MOREIRA GOULART - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. HÉLCIO VALENTIM

Inteiro Teor:

EMENTA: PENAL - FURTO QUALIFICADO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - NÃO-ACOLHIMENTO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO - PRINCÍPIO DA IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO - NÃO-APLICAÇÃO - CRIME IMPOSSÍVEL - MEIO RELATIVAMENTE EFICAZ - DESCABIMENTO - TENTATIVA - INVERSÃO DA POSSE - CONSUMAÇÃO - CONCURSO DE PESSOAS - DECOTE DA QUALIFICADORA - IMPOSSIBILIDADE - COOPERAÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DO TIPO PENAL - APLICAÇÃO - QUALIFICADORA DO CONCURSO DE PESSOAS - APLICAÇÃO DA REGRA DA MAJORANTE DO CRIME DE ROUBO - IMPOSSIBILIDADE - CONDENAÇÃO MANTIDA - PENA - REDUÇÃO PARA O MÍNIMO LEGAL - JUSTIÇA GRATUITA - CONCESSÃO. - O princípio da insignificância não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, que se contenta com a tipicidade formal, porque forjado em realidade distinta, onde a reiteração de pequenos delitos não se apresenta como problema social a ser enfrentado também pela política criminal. - O simples fato de o agente ter os seus passos observados por funcionários do estabelecimento comercial é insuficiente para que se considere o meio eleito para a prática de furto como absolutamente inidôneo, porquanto, ainda que mínima, existe possibilidade de consumar-se o crime, de modo a afastar a incidência do art. 17, do CP. - Conforme entendimento francamente dominante nesta Corte, o crime de furto consuma-se com o mero apossamento da res, sendo prescindível que o agente tenha a posse mansa e pacífica do objeto subtraído. - Para a caracterização do concurso de pessoas basta a adesão voluntária, antes da consumação, à conduta criminosa e a cooperação no sentido de realização do tipo penal, irrelevante a existência de prévio acordo. - Não há lacuna na lei a autorizar a aplicação analógica da majorante prevista no art. 157, §2º, II, do Código Penal, ao crime de furto, mas da qualificadora do concurso de pessoas, porque ali prevista como tal. - A fixação da pena acima do mínimo legal, quando as circunstâncias judiciais analisadas na sentença assim não o autorizam, encerra injustiça. - A assistência do réu por Defensor Público justifica o pedido da proteção prevista na Lei nº 1.060/50. - A Lei Estadual 14.939/03 determina, em seu art. 10, II, serem isentos de custas os beneficiários da assistência judiciária, afastando, dessarte, a mera suspensão da exigibilidade do seu pagamento, prevista na Lei 1.060/50. - Recursos parcialmente providos, deferida a justiça gratuita aos apelantes.

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS.

Belo Horizonte, 08 de setembro de 2009.

DES. HÉLCIO VALENTIM - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. HÉLCIO VALENTIM:

VOTO

Cuida-se de ação penal pública, promovida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, perante a 1ª Vara da Comarca de Pedro Leopoldo, contra Jonas Moreira Goulart e Arlindo Moreira Goulart, imputando-lhes a prática de fato tipificado como furto, qualificado pelo concurso de pessoas, nos termos do art. 155, §4º, IV, do Código Penal.

Narra a denúncia que, no dia 15 de setembro de 2005, os denunciados compareceram ao estabelecimento comercial denominado Lojão da Economia e, se fazendo passar por clientes, aproveitaram o movimento da loja e subtraíram, para si, uma calça jeans, que o segundo denunciado colocou sob as suas vestes, evadindo do local. Ato contínuo, o primeiro denunciado tentou fazer o mesmo com uma blusa de pijama, mas foi flagrado por uma funcionária da loja, que acionou a Polícia Militar.

A inicial acusatória veio acompanhada de inquérito policial, instaurado por APFD (f. 05/47).

Recebida a denúncia (f. 72), os acusados foram interrogados, ocasião em que deram suas versões dos fatos, negando a prática do delito (f. 82/86).

Defesa prévia à f. 88.

Durante a instrução foram ouvidos o representante legal da vítima e três testemunhas (f. 110/111, 119 e 128/129).

Na fase do art. 499, do CPP, a Defesa pediu o relaxamento da prisão dos réus.

Em alegações finais, o Ministério Público pugnou pela condenação, nos exatos termos da denúncia. A Defesa, por sua vez, pleiteou a absolvição, por falta de provas, ou, alternativamente, a desclassificação do delito para a sua forma tentada, o decote da qualificadora do concurso de pessoas e o reconhecimento do privilégio.

Sentença às f. 177/183, restando os réus condenados, como incursos nas iras do art. 155, §4º, IV, do Código Penal, Jonas Moreira Goulart a 2 (dois) anos de reclusão, em regime semi-aberto, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário-mínimo, e Arlindo Moreira Goulart a 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime semi-aberto, e 30 (trinta) dias-multa, no mesmo valor unitário.

Inconformada, apelou a Defesa (f. 199), em cujas razões ratifica as teses invocadas em sede de alegações finais, sustenta a ocorrência de crime impossível e acrescenta pedido subsidiário, de substituição das penas privativas de liberdade.

Em contra-razões, o Parquet pleiteia o não-conhecimento do recurso em relação ao réu Arlindo, que não se recolheu à prisão para apelar, conforme exigido na sentença. No mérito, rebate os argumentos defensivos.

A douta Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento e improvimento do recurso.

Julgada a apelação criminal de nº 1.0210.05.030976-9/001 por esta Câmara, na sessão do dia 5 de setembro de 2006, houve por bem a Turma Julgadora, à unanimidade, sob a minha relatoria, rejeitar preliminar ministerial e, em preliminar de ofício, anular o processo em relação a ambos os apelantes, desde a requisição para interrogatório, inclusive (f. 236/241).

Os réus foram citados (f. 266 e 274) e interrogados (f. 275 e 284/286), ocasiões em que confessaram os fatos descritos na denúncia.

Defesas prévias às f. 292 e 298.

Durante a nova instrução foram ouvidas a vítima e três testemunhas (f. 338/339, 360 e 365).

Na fase do art. 499, do CPP, as partes nada requereram (f. 369 e 371).

Em alegações finais, o Ministério Público pugnou pela condenação dos réus, nos exatos termos da denúncia (f. 373/377).

Os réus, representados pelo mesmo Defensor Público, apresentaram alegações finais, em termos separados, pleiteando a absolvição, pelo princípio da insignificância ou pela ocorrência de crime impossível; o reconhecimento da tentativa; o decote da qualificadora ou a aplicação analógica da majorante do concurso de pessoas, relativa ao crime de roubo; e, por fim, a isenção das custas processuais (f. 379/387 e 388/396).

Sentença às f. 397/409, restando os réus condenados, como incursos nas iras do art. 155, §4º, IV, do Código Penal: o réu Jonas Moreira Goulart a uma pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e 15 (quinze) dias-multa; e o co-réu Arlindo Moreira Goulart a uma pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa. Os dias-multas foram fixados no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário-mínimo. A pena privativa de liberdade aplicada ao réu Jonas foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e multa.

As partes foram intimadas da sentença (f. 411, 412, 443 e 446).

Inconformada, apelou a Defesa dos réus (f. 413 e 424), em cujas razões recursais reitera os pedidos lançados nas alegações finais (f. 414/423 e 425/434).

Contra-razões às f. 451/460, pugnando o Parquet pela manutenção da sentença.

O parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça é pelo improvimento dos recursos (f. 464/471).

Eis, do que importa, o relatório.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE.

Conheço dos recursos, porque presentes os pressupostos para a sua admissão.

PRELIMINARES.

Não há preliminares a serem analisadas, nem nulidades a serem reconhecidas de ofício.

MÉRITO.

Ab initio, registro que a autoria e a materialidade delitivas encontram-se devidamente comprovadas nos autos, sobretudo pela confissão judicial dos apelantes (f. 275 e 284/286), tanto é que sequer foram questionadas nos recursos defensivos.

Diante da identidade de pedidos, examino os recursos conjuntamente.

Passo, então, à análise do pleito absolutório por aplicação do princípio da insignificância.

Há um bom tempo reavaliei o meu posicionamento sobre o mencionado princípio, em razão de quê novos estudos, finalmente, permitiram-me unir a melhor técnica jurídica ao sentimento de justiça que deve nortear o espírito do julgador.

Logo que comecei a laborar no agora extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, alertava que o princípio da insignificância não encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio, que se contenta com a chamada tipicidade formal, é dizer, a adequação do fato à norma, prescindindo de um juízo de valor acerca da relevância do resultado jurídico ocorrido. Há jurisprudência privilegiando a técnica e a coerência. Confira-se:

"O fato de as coisas furtadas terem valor irrisório não significa que o fato seja tão insignificante para permanecer no limbo da criminalidade, visto que no direito brasileiro o princípio da insignificância ainda não adquiriu foros de cidadania, de molde a excluir tal evento de moldura da tipicidade penal" (TACRIM - SP - AC Rel. Juiz Emeric Levai - BMJ 84/6).

"O nosso ordenamento jurídico ainda não acatou a teoria da bagatela ou da insignificância, não tendo, por isso, o ínfimo valor do bem ou do prejuízo qualquer influência na configuração do crime" (TACRIM - SP. RJDTACRIM 27/66).

Por outro lado, em que pese a minha discordância, nunca deixei de reconhecer a juridicidade da posição daqueles que conferem validade plena ao princípio da insignificância, incluindo nos elementos do tipo a chamada tipicidade material, e afirmam que para a aplicação do princípio da bagatela deve o Julgador se ater à análise do fato e não do autor do fato, impondo-se observar, essencialmente, a intensidade da lesão causada ao bem juridicamente protegido, não constituindo, por isso, óbices à incidência do instituto a reincidência ou os maus antecedentes do agente.

Sem dúvida, foi assim que o princípio foi cunhado pelo Professor Claus Roxin, mas não nos é permitido ignorar que a realidade alemã em muito difere da brasileira, onde há uma constatação empírica de que o Direito Penal pátrio deve, sim, se preocupar com a reiteração de pequenos furtos.

Há, ainda, outros problemas que o mencionado princípio não consegue solucionar, como, por exemplo, a punição da tentativa, quando não se logra êxito em comprovar o quê se pretendia furtar. Aliás, toda tentativa de furto, ainda que de um bem de valor elevado, lesa de forma menos gravosa o patrimônio alheio do que qualquer furto consumado, ainda que de uma res de valor irrisório. Vejo aqui, sem esforço, flagrante ofensa ao princípio da proporcionalidade.

Diante de tantas complicações, não vejo como admitir, em face de nosso direito posto, o princípio da insignificância, sendo certo que o princípio da irrelevância penal do fato, lado outro, revela-se suficiente a evitar apenações injustas, por infrações que realmente não reclamem resposta penal, de uma tal forma que se releve, sem ofensa à sua concepção pura, o histórico criminal do autor do fato, em prestígio à doutrina de Hans Welzel, para quem ele jamais pode ser desconsiderado, pois:

"O injusto não se esgota na causação de um resultado (lesão do bem jurídico), desligada em seu conteúdo da pessoa do autor, de forma que a ação só é antijurídica enquanto obra de um autor determinado: o fim que o autor associou ao fato objetivo, a atitude em que o cometeu, os deveres que o obrigavam a esse respeito, tudo isso determina, de modo decisivo o injusto do fato junto à eventual lesão do bem jurídico. A antijuridicidade é sempre a reprovabilidade de um fato referido a um autor determinado. O injusto é injusto da ação referido ao autor, é injusto pessoal" (WELZEL, Hans. O Novo Sistema Jurídico Penal. Uma Introdução à Doutrina da Ação Finalista. Trad. Luiz Régis Prado. São Paulo: RT, 2001, p. 75/76).

Esse não é, todavia, o caso dos autos, tendo em vista que, além de ter sido a res avaliada em R$66,98 (sessenta e seis reais e noventa e oito centavos - f. 22/23), a certidão de antecedentes criminais dos réus (f. 134/135 e 308/312) revelam ser indiscutível a necessidade concreta de pena, na medida em que ambos já tiveram problemas anteriores com a justiça criminal, tudo a indicar que não merecem qualquer benesse despenalizadora.

Não assiste razão à combativa Defesa dos acusados, quando pleiteia a absolvição por atipicidade do fato, invocando o disposto no art. 17, do Código Penal.

Em relação à suposta ocorrência de crime impossível, tenho que o simples fato de o agente ter os seus passos observados por empregados do estabelecimento comercial onde o crime ocorreu não é suficiente para dizer que o meio seja absolutamente ineficaz para a consecução da subtração pretendida. Nesse sentido:

"A manutenção de fiscais no interior do estabelecimento-vítima não descaracteriza o delito de furto, pois o fato de o agente ter sido percebido efetuando a compra simulada de bens, mas despertando suspeitas, não cria qualquer impossibilidade ao desenvolvimento normal do processo executivo do delito, máxime quando o objeto e o meio são idôneos, não se podendo falar em crime impossível" (RJDTACRIM 30/177).

Registre-se que um dos apelantes foi abordado já do lado de fora da loja, buscando evadir de posse da res furtiva.

À figura do crime impossível, prevista no art. 17, do Código Penal, não pode ser outorgada tamanha amplitude, na medida em que o vocábulo "absoluta", agregado à expressão "ineficácia do meio", está a indicar que a hipótese é raríssima, tanto quanto raríssima é a possibilidade de se agregar a algo a qualidade de absoluto.

Sobre mais esse controverso tema da dogmática penal, ponho-me de acordo com a lições de Eugênio Pacelli de Oliveira, que, com o equilíbrio que lhe é peculiar, pondera sobre a inconsistência de falar-se em uma suposta impossibilidade de fuga como requisito suficiente para considerar absolutamente ineficaz o meio empregado. Com a palavra o festejado Procurador da República:

"Voltemos os olhos agora para o argumento da impossibilidade de consumação do crime.

Observe-se, por primeiro, que não é inteiramente correto falar-se em crime impossível, porquanto, pelo menos em tese, será sempre possível a fuga. E, no ponto, convenhamos: elaborar uma construção teórica fundada na eventualidade de cada caso concreto - se houver fuga, é crime, se não houver, não é - parece-nos demasiadamente inconsistente e arriscado. Para que pudéssemos falar em impossibilidade, teríamos de nos referir à impossibilidade absoluta do meio (a ação criminosa), na qual não houvesse nenhuma possibilidade de fuga do autor, o que não nos parece correto e nem adequado fixar para toda e qualquer hipótese de preparação do flagrante" (Curso de Processo Penal. 3ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 507).

Evidente que existe uma possibilidade, ainda que mínima, de fuga. Ouso mesmo afirmar, sem medo de errar, que em situações como a dos autos já houve fugas bem sucedidas. Em sendo assim, a prevalecer a tese sustentada pela combativa Defesa, deveriam ser reconhecidas exceções no reino do absoluto, o que é racionalmente impossível. Portanto:

"Não se caracteriza o crime impossível se o meio empregado pelo agente não é absolutamente inidôneo para atingir o objetivo criminoso, mas, ao contrário, relativamente inidôneo, pois, a despeito de não ter havido consumação, esta não era de todo impraticável" (RT 613/302).

"Na matéria de crime impossível, o Código Penal Brasileiro adotou a teoria temperada ou intermediária e só a inidoneidade absoluta do meio ou do objeto é que permite o seu reconhecimento" (RJDTACRIm 3/114. Grifei).

A hipótese não é, definitivamente, de crime impossível, porque nele não se vislumbram os requisitos descritos no art. 17, do Código Penal, para a sua aplicação.

No que toca à tese de que o crime não restou consumado, tenho que também ela não pode vingar. É que acompanho o entendimento professado pelo douto Sentenciante, de que o crime de furto consuma-se com o mero apossamento da res por parte do agente, sem que seja necessária a obtenção da vantagem patrimonial visada. Nesse sentido:

"Considera-se consumado o furto a partir do momento em que a coisa subtraída sai da esfera do domínio de seu dono, ainda que o agente não obtenha o benefício patrimonial almejado" (RT 610/394).

"Desde que a coisa furtada escapa da esfera de vigilância de seu dono, o furto considerar-se-á consumado, e não apenas tentado" (RT 458/420).

"Caracteriza-se o crime de furto quando a res furtiva sai da esfera de vigilância da vítima, mesmo que temporária, ingressando na livre disponibilidade do autor" (RT 733/681).

O entendimento que mais recentemente vem prevalecendo nos Tribunais Superiores é o de que basta a inversão de posse da res para que tenha lugar a consumação do crime, ainda que o bem não saia da esfera de vigilância da vítima, em virtude da perseguição empreendida por essa ao agente. Veja-se:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO. MOMENTO DA CONSUMAÇÃO DO DELITO.

1. A jurisprudência desta Corte, bem como do Supremo Tribunal Federal, firmou a orientação no sentido de que se considera consumado o crime de roubo, assim como o de furto, no momento em que, cessada a violência ou a clandestinidade, o agente se torna possuidor da res furtiva, ainda que por curto espaço de tempo, sendo desnecessário que o bem saia da esfera de vigilância da vítima, incluindo-se, portanto, as hipóteses em que é possível a retomada do bem por meio de perseguição imediata.

2. Recurso especial improvido" (STJ, 5ª Turma, Resp 684503/SP, Rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 26/04/2005, DJ 01/07/2005, p. 612. Grifei).

In casu, conforme se extrai do caderno probatório, o acusado Arlindo alcançou a via pública na posse da res furtiva, que foi recuperada em decorrência dos esforços empreendidos pelos empregados do estabelecimento vítima e pela Polícia.

Como se vê, o êxito na recuperação da res, a essa altura, já não tinha o condão de elidir o aperfeiçoamento do crime, que se consumou no momento em que houve o real desapossamento do bem.

Portanto, o furto se consumou.

Tampouco procede a tese de que, por não ter havido prévio acerto de vontades, não se poderia aplicar a qualificadora do concurso de agentes, uma vez que, da própria descrição dos fatos, percebe-se, nitidamente, a cooperação dos agentes para a consecução do fim comum, e isso é o quanto basta para a caracterização do concurso de pessoas, conforme ensina o mestre Cezar Roberto Bitencourt:

"Deve existir também, repetindo, um liame psicológico entre os vários participantes, ou seja, consciência de que participam de uma obra comum" (Manual de Direito Penal - Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 378).

Logo, ainda que não houvesse conluio prévio (que, aparentemente, houve, inclusive com divisão de tarefas), ele não é indispensável para o reconhecimento da participação criminosa, pois, conforme dito alhures, são suficientes a adesão psicológica e o auxílio material, ainda que no momento em que os fatos se desenvolvem, desde que antes da consumação.

Para encerrar o assunto, transcrevo lição do festejado Mirabete:

"Esse concurso de pessoas, ou concurso de agentes, ou co-autoria, ou participação criminosa, pode ser definido como a ciente e voluntária colaboração de duas ou mais pessoas na prática da mesma infração penal. Há convergência de vontades para o fim comum, que é a realização do tipo penal, sem que seja necessário ajuste prévio entre os colaboradores" (Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 2000. p. 236)

In casu, a colaboração entre os agentes visando a prática do crime está evidente no depoimento da testemunha Genilce Stela da Costa, de f. 128/129:

"que presenciou os fatos narrados na denúncia; que os acusados são irmãos e estavam juntos na loja onde a depoente trabalhava; que a depoente viu o acusado Jonas subtrair uma blusa de pijama, colocando-a dentro de sua própria roupa, enquanto que o acusado Arlindo subtraiu uma calça jeans, também colocando-a dentro de sua própria roupa; que o acusado Jonas se aproximou da depoente e pediu que lhe fosse mostrada uma calça social, momento em que o acusado Arlindo saiu da loja levando a calça jeans; que ao atender o acusado Jonas, o mesmo disse que não precisava de mais nada e que ia embora, mas a depoente disse ao acusado Jonas antes dele ir embora deveria lhe devolver a roupa que havia subtraído" (sic f. 128).

Assim, sobejamente comprovada a autoria em relação a ambos os acusados, não há falar em decote da qualificadora.

Tampouco deve ser acatado o pleito defensivo de decote da qualificadora do concurso de pessoas, mesmo com a aplicação analógica da regra da majorante correspondente no crime de roubo, sob o argumento de ser mais benéfica ao réu.

Sustenta a diligente Defensoria Pública que o art. 155, §4º, IV, do Código Penal, não teria sido recepcionado pela Constituição da República, por ofensa ao princípio da proporcionalidade, uma vez que a qualificadora do concurso de pessoas faz dobrar a pena mínima cominada ao furto simples, enquanto a mesma majorante no crime de roubo impõe um aumento de pena de um terço até a metade.

Todavia, entendo, data venia, que há, aqui, atendimento ao princípio da proporcionalidade, haja vista que as penas mínimas cominadas aos delitos de furto e roubo em muito se distanciam, exatamente pela maior gravidade deste último, o que faz com que o aumento de pena previsto no art. 157, §2º, II, do Código Penal, ainda que no seu percentual mínimo, supere o acréscimo imposto pela qualificadora do concurso de pessoas no crime de furto.

Sabe-se que o princípio da legalidade não pode afastar a aplicação do princípio da proporcionalidade, nem o contrário, desde que o conflito entre princípios constitucionais, resolvido no campo da importância peso-valor, é definido pelo critério da ponderação de valores, com o menor sacrifício de cada um deles, como ensina Ronald Dworkin.

Contudo, os princípios da isonomia e da proporcionalidade devem ser aplicados com parcimônia, para que não se permita aniquilar, notadamente no âmbito do direito penal, o basilar princípio da reserva legal, com sérios riscos à segurança jurídica.

Além do mais, não há lacuna na lei a autorizar a aplicação analógica da regra da majorante prevista no art. 157, §2º, II, do Código Penal, ao crime de furto, que contém expresso regramento próprio para o concurso de agentes, a ser fielmente observado, de modo que incida aqui a qualificadora do concurso de pessoas, como, aliás, recomenda a jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça:

"RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA MAJORANTE DO ROUBO, PREVISTA NO ART. 157, §2º, II, DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não deve ser aplicada, analogicamente, a majorante do crime de roubo prevista no art. 157, §2º, inciso II, do Código Penal, ao furto qualificado pelo concurso de pessoas, já que inexiste lacuna na lei ou ofensa aos princípios da isonomia e da proporcionalidade." (STJ, REsp 1112361/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 14/05/2009, DJe 01/06/2009).

"RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES. INAPLICÁVEL A MAJORANTE PREVISTA NO CRIME DE ROUBO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. NULIDADE DO LAUDO PERICIAL. PERITOS. INDISPENSABILIDADE DE CURSO SUPERIOR. AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA.

1. A legislação penal define o quantum do crime de furto qualificado pelo concurso de agentes, inexistindo, pois, lacuna, razão pela qual não se afigura possível a aplicação da majorante do roubo em igual condição." (STJ, REsp 856225/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. 07/10/2008, DJe 28/10/2008).

"DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL E RECURSO ESPECIAL - FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA RELATIVA AO ROUBO - AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O Colegiado de origem, ao dar provimento parcial ao apelo defensivo, entendeu que a pena aplicável ao crime de furto qualificado pelo concurso de agentes deve ser a do furto simples acrescida dos percentuais estipulados para o delito de roubo praticado por duas ou mais pessoas.

2. Com efeito, verifica-se que o aresto combatido terminou por malferir o parágrafo 4º do art. 155, do Código Penal, ao aplicar, por analogia, com base nos princípios da proporcionalidade e isonomia, a causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2.º, inciso II, do Código Penal.

3. Assim, há que ser reconhecida a negativa de vigor do art. 155, § 4º, inciso IV, do CP, e a conseqüente prolação de julgamento contra legem pelo Colegiado Estadual, por ter aplicado a agravante de concurso de agentes do crime de roubo à espécie.

4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no REsp 923837/RS, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Sexta Turma, j. 15/04/2008, DJe 05/05/2008).

Assim é que mantenho a condenação dos apelantes pelo crime previsto no art. 155, §4º, IV, do Código Penal, nos termos da bem lançada sentença recorrida.

No que pertine às reprimendas, tenho que o decisum reclama alteração.

Quanto ao acusado Jonas, verifico que a pena privativa de liberdade restou fixada no mínimo legal, o mesmo não se dando com a pena de multa. Diante disso, reduzo a pena pecuniária para 10 (dez) dias-multa, a fim de que ela guarde proporcionalidade com a corporal.

No que se refere ao réu Arlindo, observo que as circunstâncias judiciais analisadas na sentença lhe são amplamente favoráveis, o que veda a fixação da pena-base acima do mínimo legal, tal como ali ocorreu.

Bem por isso, reduzo a pena-base para 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, patamar no qual a concretizo, em face da compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, bem como da ausência de outras causas a considerar.

Nada obstante a reincidência dos acusados (f. 134/135 e 308/312), mantenho o regime aberto para o cumprimento das penas, assim como a substituição de pena outorgada ao acusado Jonas Moreira Goulart, dado o conformismo ministerial.

Por fim, defiro o benefício da justiça gratuita aos apelantes, tendo por suficiente, como prova da pobreza legal, a nomeação da Defensoria Pública para atuar em sua defesa.

E, concedida a assistência judiciária, deve-se determinar a isenção de custas, na medida em que, no âmbito estadual, a Lei Estadual 14.939/03 determina, em seu art. 10, II, serem isentos de seu pagamento os beneficiários da assistência judiciária, afastando, destarte, a mera suspensão da exigibilidade do pagamento, prevista na Lei 1.060/50, já que há regulamentação específica para o Estado de Minas Gerais e trata-se de matéria cuja competência para legislar é concorrente entre a União e os Estados, nos termos do art. 24, IV, CR/88.

Tudo considerado, dou parcial provimento aos recursos, para reduzir as penas dos apelantes, fixando-as em 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, e deferir-lhes o benefício da justiça gratuita.

Proceda-se na forma do art. 201, §2º, do CPP.

Custas, ex lege.

É como voto!

O SR. DES. PEDRO VERGARA:

VOTO

No presente feito coloco-me de acordo com o entendimento do Relator Des. Hélcio Valentim, no que tange a não aplicação do Princípio da Insignificância, uma vez que compartilho do entendimento de que tal construção doutrinária não encontra assento no Direito Penal Pátrio, mantendo desta forma a condenação dos apelantes nas sanções do artigo 155 parágrafo 4º inciso IV do Código Penal, afastando as teses de crime impossível, reconhecimento da forma tentada e exclusão da qualificadora, e, por fim, reduzindo a reprimenda para o mínimo legal, sendo concedida a justiça gratuita.

Ouso discordar entretanto da manifestação de V.Exa, no sentido de que o princípio da irrelevância penal do fato "revela-se suficiente para evitar condenações injustas por infrações que realmente não reclamem resposta penal", muito embora não o tenha empregado no caso enfocado.

A referida construção doutrinária também não encontra respaldo no Ordenamento Jurídico Pátrio, tratando-se de recurso interpretativo à margem da lei.

Inviável assim a aplicação desse princípio, mesmo em caso de condenação, não se isentando o acusado de pena, ao argumento de que o delito tenha causado lesão irrisória ao bem jurídico protegido (ínfimo desvalor do resultado) e as circunstâncias do crime e condições subjetivas lhe revelam extremamente favoráveis (ínfimo desvalor da ação), sendo necessária a imposição de pena ao mesmo, em estrita observância ao preceito legal.

Com tais considerações, também dou parcial provimento aos recursos, nos termos do voto condutor, ressalvando apenas o entendimento no que tange ao princípio da irrelevância penal do fato.

É como voto.

O SR. DES. ADILSON LAMOUNIER:

VOTO

De acordo com o Relator e ressalva do Revisor.

SÚMULA: DERAM PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS.

Data da Publicação: 28/09/2009




JURID - Furto qualificado. Princípio da insignificância. [02/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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