Anúncios


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

JURID - Trancamento da ação penal. Princípio da insignificância. [10/02/10] - Jurisprudência


Penal. Habeas corpus. Crime de furto qualificado tentado. Trancamento da ação penal. Princípio da insignificância.


Supremo Tribunal Federal - STF.

Coordenadoria de Análise de Jurisprudência

DJe n° 228 Divulgação 03/12/2009 Publicação 04/12/2009

Ementário n° 2385 - 4

03/11/2009 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 97.091 PERNAMBUCO

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

PACTE.(S): EDILANE MOREIRA DA SILVA OU EDLANE MOREIRA DA SILVA

IMPTE.(S): JOÃO VIEIRA NETO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO QUALIFICADO TENTADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RAZOÁVEL GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. FURTO INSIGNIFICANTE. FURTO PRIVILEGIADO. DISTINÇÃO. INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ORDEM DENEGADA.

I - A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica exige, além da pequena expressão econômica dos bens que foram objeto da tentativa de subtração, um reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente.

II - No caso sob exame, o trancamento da ação penal impediria o juiz natural da causa de verificar a ocorrência de furto insignificante ou do furto de pequeno valor, previsto no art. 155, § 2º, do Código Penal.

III - Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a, Presidência do Senhor Ministro Carlos Ayres Britto, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por decisão unânime, indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 3 de novembro de 2009.

RICARDO LEWANDOWSKI - RELATOR

03/11/2009 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 97.091 PERNAMBUCO

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

PACTE.(S): EDILANE MOREIRA DA SILVA OU EDLANE MOREIRA DA SILVA

IMPTE.(S): JOÃO VIEIRA NETO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido de medida liminar, impetrado por João Vieira Neto e Bianca Laurentino Serrano Barbosa em favor de EDILANE MOREIRA DA SILVA, contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça no HC 83.027/PE, Rel. Min. Paulo Gallotti.

Eis a ementa da decisão impugnada:

"HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ORDEM DENEGADA.

1. Embora atualmente, em razão do alto índice de criminalidade e da consequente intranquilidade social, o Direito Penal brasileiro venha apresentando características mais intervencionistas, persiste o seu caráter fragmentário e subsidiário, dependendo a sua atuação da existência de ofensa a bem jurídico relevante, não defendido de forma eficaz por outros ramos do direito, de maneira que se mostre necessária a imposição de sanção penal.

2. Em determinadas hipóteses, aplicável o princípio da insignificância, que, como assentado pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC nº 84.412-0/SP, deve ter em conta a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

3. Tratando-se de tentativa de furto qualificado, fazendo uso de um alicate de unhas para retirar os sensores de alarme existentes nas peças de roupa, de 3 camisetas e 7 bermudas, avaliadas em R$ 275,00 (duzentos e setenta e -cinco reais), não é de se falar em mínima ofensividade da conduta, revelando o comportamento da agente relativa periculosidade social e significativo grau de reprovabilidade, inaplicável, destarte, o princípio da insignificância.

4. Ordem denegada" (fl. 27 - grifos no original).

Os impetrantes narram, em suma, que a paciente foi denunciada pela suposta prática do delito previsto no art. 155, § 4º, I é IV, combinado com o art. 14, II, ambos do Código Penal, consistente na tentativa de subtração para si, de dez peças de. vestuário de uma loja de departamentos, no valor estipulado de R$ 275,00.

Aduzem, mais, que, com o objetivo de trancar a ação penal, manejaram writ no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco e, posteriormente, outro no Superior Tribunal de Justiça, sendo denegada a ordem em ambas as impetrações.

É contra essa última decisão que se insurgem os impetrantes.

Sustentam, em síntese, a necessidade de trancamento da ação penal por falta de justa causa, em face da manifesta atipicidade da conduta praticada.

Asseveram que, na hipótese, os bens, objeto da infração penal, são. economicamente insignificantes e que sua subtração, portanto, não acarretaria nenhum prejuízo à vítima, uma grande empresa do mercado lojista nacional.

Argumentam, ainda, que, juntamente com princípio da insignificância, os preceitos da razoabilidade e da proporcionalidade formam as bases da teoria do Direito Penal Mínimo, que restringe ao máximo a intervenção do Estado-Juiz nas lides trazidas ao seu conhecimento.

Prosseguem, afirmando que, de acordo com tal corrente de pensamento, determinados atos, mesmo sendo, capitulados em nosso ordenamento penal, iriam de encontro à realidade social, política e econômica do país.

Mencionam, ademais, em abono aos argumentos expendidos, excertos doutrinários, além de precedentes desta Corte.

Requerem, ao final, o deferimento de medida liminar para suspender a ação penal até o julgamento deste writ, e, no mérito, a concessão da ordem para determinar o seu trancamento definitivo.

Em 4/12/2008, indeferi a medida liminar e, estando adequadamente instruídos os autos, determinei a sua remessa à Procuradoria-Geral da República (fls. 33-34).

O Ministério Público Federal, em parecer, de lavra da Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio marques, opinou pela denegação da ordem (fls. 37-40).

É o relatório.

03/11/2009 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 97.091 PERNANBUCO

VOTO

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI (Relator): Bem examinados os autos, tenho que o caso é de denegação da ordem, conforme passarei a demonstrar.

Neste writ os impetrantes pleiteiam o trancamento da ação penal sob a alegação de manifesta atipicidade da conduta praticada, em razão do pequeno valor atribuído aos bens objeto da tentativa de subtração.

Inviável o argumento, todavia. Como se sabe, a configuração do delito de bagatela, conforme tem entendido esta Turma, exige a satisfação de certos requisitos, quais sejam, conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade do agente, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva.

Ainda que se possa, em tese, entender que os bens têm um pequeno valor ou, por outra, pequena expressão econômica, cumpre destacar que a conduta da paciente encontra-se qualificada por um considerável grau de reprovabilidade.

Colhe-se dos autos, que o Ministério Público estadual ofereceu denúncia contra EDILANE pela prática dos seguintes fatos:

"Aos 26.01.2007, por volta das 19:30 horas, no interior do estabelecimento comercial 'Riachuelo', localizada no centro desta capital, as supra denunciadas, fazendo uso de um alicate de unhas, tentaram retirar os sensores de alarme existentes nas peças de roupa que ali se encontravam expostas à venda.

Naquela ocasião as denunciadas pegavam as peças de roupa expostas à venda - 03 (três) camisetas e 07 (sete) bermudas - e, após retirar os sensores de segurança nelas afixados, as colocavam numa sacola, com a finalidade de passarem despercebidas quando dali saíssem na posse das mesmas.

Ao serem inquiridas, as denunciadas alegaram que não tinham o animus de subtrair as mercadorias, mas sim de adquiri-las, tanto que ao serem abordadas pelos funcionários da loja pediram para efetuar o pagamento dos produtos que foram com elas encontrados" (fls.10-12 do apenso).

Não vejo como considerar reduzido o grau de reprovabilidade de tal conduta, de modo a determinar o trancamento da ação penal.

Com efeito, na espécie, a aplicação do referido instituto poderia significar um verdadeiro estímulo à prática destes pequenos furtos em estabelecimentos comerciais, já bastante comuns nós dias atuais, o que contribuiria para aumentar, ainda mais, o clima de insegurança hoje vivido pela coletividade.

Por outro lado, convém distinguir, ainda, a figura do furto insignificante daquele de pequeno valor. O primeiro, como é cediço, autoriza o reconhecimento da atipicidade da conduta, ante a aplicação do princípio da insignificância. Já no que tange à coisa de pequeno valor, criou o legislador a causa de diminuição referente ao furto privilegiado, prevista no art. 155, § 2º, do Código Penal.

O simples trancamento da ação penal, neste instante, impediria o juiz natural da causa de solucionar essa e outras questões, conforme bem assentado no acórdão do Tribunal pernambucano

"Determinar o trancamento da ação penal apenas com base no valor supostamente ínfimo do bem furtado equivaleria a obstar o Estado de exercer a função jurisdicional, impedindo-o sequer de levantar elementos de prova para a verificação da verdade dos fatos, bem como aquilatar se a lesividade ao bem jurídico tutelado foi mínima ou não" (fls. 133-134 do apenso).

Ante o exposto, denego a ordem.

03/11/2009 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 97.091 PERNAMBUCO

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:

Senhor Presidente, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso, conforme trazidas pelo eminente Relator, acompanho sua Excelência. Lembro apenas que recentemente concedi a ordem em um caso em que já havia sentença e já estava em cumprimento de pena, e que, por valores menores, em circunstâncias que não foram tão elaboradas pela paciente do caso relatado pelo Ministro Lewandowski, havia furtado um creme de beleza de uma farmácia. Entendi, naquela circunstância, que a pena aplicada estava realmente exacerbada e deferi a liminar para impedir que fosse levada à prisão. Posteriormente, o mérito será trazido aqui à Turma para análise conjunta de todo o Colegiado.

Mas neste caso específico, diante dessas circunstâncias trazidas de que houve uma preparação, houve uma cumplicidade, houve uma circunstância de levar um instrumento para poder, adrede, remover obstáculos, acompanho Sua Excelência e também denego a ordem.

03/11/2009 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 97.091 PERNAMBUCO

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Senhor Presidente, eu tenho uma preocupação cada vez maior com isso que ficou conhecido no Direito Penal como princípio da insignificância que me parece ser a aplicação do princípio da proporcionalidade para aferir o que se deve manter na esfera do Direito Penal ou não.

Neste caso, como foi relatado pelo Ministro Lewandowski, na verdade se tem um comportamento que não pode ser considerado irrelevante para fins de considerar uma bagatela penal, penalmente que torne atípica a conduta. Pelo contrário, foi-se com uma intenção específica, valendo-se de apetrechos para se furtar a qualquer possibilidade de ser apanhada.

O Ministro Marco Aurélio tem lembrado que - a expressão é de Sua Excelência - qualquer espirro que o Supremo dê tem uma conotação diferenciada quando se trata do Supremo, porque sinaliza o que significa relevância ou não, em termos penais, para esses casos que às vezes atingem valores menores, menores inclusive que precisam de ser avaliados, em face da circunstância do caso concreto, porque às vezes trezentos reais é uma valor significativo. Claro que aqui é uma rede de lojas conhecida e grande, mas imagina se isso pudesse ser considerado atípico e se repetisse centenas de vezes nas não sei quantas dezenas de lojas da rede o que significaria? Quer dizer, eu acho que essa proporcionalidade a ser aplicada em todos os casos em que se argúi o princípio da insignificância precisa cada vez mais de ser pensada, levando-se em consideração que a relevância penal não é o valor material, é o valor da moral jurídica a ser aproveitada em cada caso para se saber o que é penalmente relevante ou não.

Precisa cada vez mais de ser pensada, levando-se em consideração que a relevância penal não é o valor material, é o valor da moral jurídica a ser aproveitada em cada caso para se saber o que é penalmente relevante ou não.

Neste caso, o próprio comportamento da agente, no caso, aqui, paciente, já demonstra bem que não há uma bagatela em seu comportamento, menos ainda do próprio valor e da forma como foi praticado o fato tido como criminoso.

Razão pela qual eu acompanho o Ministro Ricardo Lewandowski, salientando que a aplicação desse princípio pelo Supremo Tribunal Federal precisa de ser cada vez mais pensada para se ter alguns critérios objetivos de sua aplicação.

Voto acompanhando, portanto, o Relator.

03/11/2009 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 97.091 PERNAMBUCO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, a questão, realmente, de início, considerado apenas o valor, conduziria a reconhecer-se o crime de bagatela, a atipicidade, chegando-se, portanto, ao afastamento do processo criminal - o valor do bem de cerca de duzentos e setenta e cinco reais. Acontece que há peculiaridades quanto ao furto tentado e essas peculiaridades dizem respeito a qualificadoras. Em primeiro lugar, a destruição, o rompimento de obstáculo à subtração da coisa. Em segundo lugar, a coautoria.

Ante esses dados, acompanhando Sua Excelência, indefiro a ordem.

03/11/2009 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 97.091 PERNAMBUCO

VOTO

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - No crime de bagatela, e bagatela já exprime um valor inexpressivo do bem objeto da tutela estatal, é preciso fazer a distinção entre o formal e o material. O crime, a conduta formalmente sempre se ajusta ao tipo penal, ao modelo, ao molde penalmente descrito, mas materialmente ou substancialmente não porque, afinal, nem a vítima experimentaria, no crime de bagatela, um real desfalque, um verdadeiro desfalque patrimonial, mas, aqui, o eminente Relator deixou muito bem posto, muito bem colocado que a conduta do agente - uma mulher - se deu em concurso de pessoas, com rompimento de obstáculos, houve um planejamento cuidadoso para consumação do delito. Dez peças foram subtraídas em sequência metódica, digamos assim, e, de fato, eu não me animo a dar pela atipicidade material da conduta increpada como criminosa à paciente.

PRIMEIRA TURMA

EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 97.091

ORIGEM: HC - 171400 - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

PROCED.: PERNAMBUCO

RELATOR MIN.: RICARDO LEWANDOWSKI

PACTE.(S): EDILANE MOREIRA DA SILVA OU EDLANE MOREIRA DA SILVA

IMPTE.(S): JOÃO VIEIRA NETO E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Unânime. Presidência do Ministro Carlos Ayres Britto. 1ª Turma, 03.11.2009.

Presidência do Ministro Carlos Ayres Britto. Presentes à Sessão os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Dias Toffoli.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida.

Ricardo Dias Duarte - Coordenador




JURID - Trancamento da ação penal. Princípio da insignificância. [10/02/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário