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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

JURID - Medicamento deve ser fornecido. [08/02/10] - Jurisprudência


JF condena União e Estado do PR a fornecer medicamento para portador de hepatite B


AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO) Nº 2008.70.07.000646-6/PR

AUTOR: GENESIO LUDOVICO BORDIGNON

ADVOGADO: GIOVANI MARCELO RIOS

: RODRIGO BIEZUS

RÉU: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

RÉU: ESTADO DO PARANÁ

ADVOGADO: JAIR ROBERTO DA SILVA

SENTENÇA

Trata-se de ação ordinária proposta por Genésio Ludovico Bordignon em face da União e do Estado do Paraná, na qual a parte autora requer, com base no direito constitucional à saúde (art. 196 da Carta Magna), a condenação dos réus ao fornecimento do medicamento Entecavir/Baraclude, na quantidade de uma caixa ao mês e por tempo indeterminado.

O autor sustenta ser portador de hepatite crônica do tipo B, moléstia que, por sua vez, possui um custo de tratamento demasiadamente elevado e não fornecido pelo Sistema Único de Saúde. Juntou documentos (fls. 10/37).

O pedido de tutela antecipada, após a manifestação dos réus (fls. 44/50 e 70/80), foi indeferido às fls. 81/83.

O Ministério Público Federal requereu a realização de perícia técnica (fls. 87/88).

Citados, tanto União (fls. 108/143) como Estado do Paraná (fls. 153/163) contestaram.

A União alegou não ser responsável pelo fornecimento dos fármacos solicitados, porque atua como órgão responsável pela regulamentação das ações de saúde, na função gestora e financiadora, sem, contudo, executar tais atividades. Afirmou, também, que para o tratamento de Hepatite B existem duas opções de medicamentos fornecidas pelo SUS, a Alfainterferona e a Lamivudina. Ademais, a droga requerida não foi prescrita por médico do SUS e não integra o elenco de medicamentos de dispensação excepcional, de forma que o fornecimento desequilibraria o sistema, trazendo prejuízos aos demais usuários.

O Estado do Paraná arguiu, em preliminar a falta de interesse de agir, e, no mérito, que o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Hepatite Viral Crônica B não inclui o tratamento com entecavir/baraclude.

Mediante despacho saneador, as preliminares foram afastadas e foi deferida a realização de prova pericial (fls. 187/188).

O laudo pericial foi juntado ao feito às fls. 207/212, tendo as partes sido intimadas do seu teor.

É o breve relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Tendo em vista que as preliminares restaram afastadas pela decisão de fls. 187/188, passo, doravante, a analisar o mérito.

Do fornecimento da medicação

Mister destacar que saúde é direito fundamental, consagrado na Constituição Federal (artigos. 6º e 196), sendo dever do Estado assegurá-la a todos os cidadãos indistintamente. O artigo 2º da Lei nº 8.080/90, por sua vez, reafirma que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado promover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

Não há dúvidas, pois, de que a saúde qualifica-se como bem jurídico tutelado constitucionalmente que assiste a todas as pessoas e deve ser garantido pelo Estado mediante políticas sociais e econômicas, para possibilitar o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.

A norma do artigo 196 da Carta Magna não é simplesmente programática, pois não pode significar tão somente uma promessa constitucional inconsequente. A saúde é um direito assegurado constitucionalmente às pessoas, porquanto é inerente à vida, e o direito à vida tem aplicabilidade imediata, nos termos do § 1º do artigo 5º da Constituição Federal. Merece, portanto, concreção.

Por conseguinte, tanto a situação de a recomendação médica para utilização do mencionado medicamento não advir de profissional do Sistema Único de Saúde, como o fato de ele não ser abarcado pelo Programa de Medicamentos Excepcionais, não pode obstar o fornecimento, bastando que a prescrição tenha sido fornecida por médico capacitado para tanto.

Aliás, a necessidade do tratamento com a medicação vindicada sobreleva os óbices burocráticos que porventura possam surgir.

Nesse sentido é rica a Jurisprudência:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO GRATUITA. DEVER DO ESTADO. AGRAVO REGIMENTAL. 1. Consoante expressa determinação constitucional, é dever do Estado garantir, mediante a implantação de políticas sociais e econômicas, o acesso universal e igualitário à saúde, bem como os serviços e medidas necessários à sua promoção, proteção e recuperação (CF/88, art. 196). 2. O não preenchimento de mera formalidade - no caso, inclusão de medicamento em lista prévia - não pode, por si só, obstaculizar o fornecimento gratuito de medicação a portador de moléstia gravíssima, se comprovada a respectiva necessidade e receitada, aquela, por médico para tanto capacitado. Precedentes desta Corte. 3. Concedida tutela antecipada no sentido de, considerando a gravidade da doença enfocada, impor, ao Estado, apenas o cumprimento de obrigação que a própria Constituição Federal lhe reserva, não se evidencia plausível a alegação de que o cumprimento da decisão poderia inviabilizar a execução dos serviços públicos. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg na STA . 83/MG, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, CORTE ESPECIAL, julgado em 25/10/2004, DJ 06/12/2004 p. 172 - Grifei)

"O Sistema Único de Saúde - SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado (REsp 684.646/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/05/2005, DJ 30/05/2005 p. 247).

"EMBARGOS INFRINGENTES. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. É dever do Estado garantir, mediante a implantação de políticas sociais e econômicas, o acesso universal e igualitário à saúde, bem como os serviços e medidas necessários à sua promoção, proteção e recuperação, conforme artigo 196 da CF. O fato do autor não ter procurado tratamento médico pelo SUS, não pode, por si só, obstaculizar o fornecimento gratuito de medicação a portador de moléstia gravíssima, degenativa, incurável e incapitacitante, se comprovada a respectiva necessidade e receitada por médico para tanto capacitado, como é o caso dos autos" (TRF4, EINF 2006.70.00.021031-0, Segunda Seção, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 02/09/2009 - Grifei)

Dessa maneira, cabe a análise da indispensabilidade do acompanhamento terapêutico requerido pelo autor por meio da prova técnica produzida às fls. 207/212.

Do laudo médico pericial

O perito nomeado atestou que o autor é portador de hepatite B crônica, em estágio de pré-cirrose, cujo tratamento pleiteado judicialmente tem o condão de impedir a evolução do quadro clínico apresentado.

Asseverou, ainda, a existência de estudos comprovando a eficácia superior do Entecavir em relação a Lamivudina, esta fornecida pelo Sistema Único de Saúde:

QUESITOS DA UNIÃO.

1) Qual a denominação da doença que o periciando possui?

R- O autor é portador de hepatite B crônica.

2) Há alguma espécie de tratamento alternativo ao pleiteado pelo periciando? Qual ? é fornecido pelo SUS?

R- No momento as drogas disponíveis para o tratamento da hepatite crônica B são: Interferon Preguilado, Adeforvir Dipivoxil e Entecavir. Nenhum desses é fornecido pelo SUS. A lamivudina e interferon alfa também fazem parte do arsenal terapêutico usado no tratamento da hepatite B e são fornecidos pelo SUS.

3) Há comprovação de eficácia dos medicamentos pleiteados pelo periciado? Qual o percentual de recuperação médio dos pacientes anteriormente tratados com os mesmos, caso hajam dados?

R- Sim, a eficácia do Entecavir sobre a Lamivudina é comprovada. Há dois estudos, do New England Journal of Medicine. Um dos estudos clínicos comparou o tratamento com Entecavir com o tratamento com Lamivudine incluindo um total de 715 pacientes positivos. Após 48 semanas de tratamento 72% dos pacientes tratados com Entecavir e 62% dos pacientes tratados com Lamivudine apresentou diversas melhorias nos resultados dos exames de sangue. Porém, em relação à carga viral (B DNA), um fator muito importante na progressão da hepatite B, foi encontrado que 67% dos pacientes tratados com Entecavir estavam negativos e, dos tratados com Lamivudine somente 36% estavam negativos. Um resultado surpreendente, mostrando a superioridade do Entecavir sobre a Lumivudina.

4) Há histórico clinico de sucesso (recuperação) com o tratamento desta doença com o medicamento pleiteado?

R- Sim, o histórico dessa eficácia segue relatado no estudo divulgado pelo New England Journal of Medicine, que está citado na resposta do quesito 3.

Após, comprovou a imprescindibilidade do fornecimento da medicação, corroborando as alegações efetuadas na petição inicial, no sentido da real necessidade do medicamento requerido, agregando que o autor já havia sido submetido a tratamento com Interferon Alfa, contudo, sem sucesso, de modo que a adoção do Entecavir e não da Lamivudina visa à melhora clínica com base em diversos fatores sopesados pelo médico especialista.

Nesse sentido são absolutamente categóricas as assertivas do experto:

QUESITOS ESTADO DO PARANÁ.

4) O autor já fez tratamento específico para a doença que alega? Se positivo, como foi feito o tratamento, quais os medicamentos utilizados e qual o resultado obtido?

R- O autor fez tratamento inicialmente com a Interferon alfa, sem nenhum sucesso.

[...]

6) O tratamento com o Entecavir é o único possível para o autor?

R- A escolha da opção terapêutica levará em conta os seguintes fatores: probabilidade de resposta, idade, comorbidades, função hepática, presença de cirrose, rapidez de ação, resistência às drogas, custo das drogas, efeitos colaterais. A adoção do Entecavir no tratamento deu-se por avaliação médica especializada sempre visando a melhora clínica do paciente e em acordo com os critérios citados acima, além desses fatores, se for adotada a Lamivudina como opção de tratamento, os pacientes que desenvolverem resistência a esta, também desenvolverão resistência (cruzada) ao Entecavir/Baraclude, o qual então não poderia mais ser utilizado no tratamento, com risco de falha terapêutica e resistência, e conseqüente risco de evolução para doença fatal se for usado outro medicamento que não o Entecavir.

7) Há algum prejuízo terapêutico para o autor em se submeter ao tratamento de acordo com o Protocolo clínico e Diretrizes Terapêuticas para sua patologia?

R- Se for adotado a Lumivudina ao invés do Entecavir, esta tem baixa barreira genética (em comparação ao Entecavir), favorecendo o desenvolvimento de resistência precoce a medicamento que, ao final do 1º ano, chega a 17% de resistência, e no 5º ano, mais de 90%. Além de que o se optado pela Lamivudina, e o paciente ter desenvolvido resistência precoce à Lamivudina, desenvolverá também a resistência ao Entecavir, o qual então não poderia mais ser utilizado no tratamento, perdendo-se com isso o melhor e mais potente anti retroviral disponível para o tratamento de hepatite B crônica. O Entecavir/Baraclude tem eficácia mundialmente comprovada, com alta barreira genética, sendo que ao final do 5º ano, menos de 5% dos pacientes terão desenvolvido resistência ao medicamento. Cabe assinalar que as resistências ao Entecavir podem ser tratadas se substituindo o mesmo pelo Adefovir.

[...]

11) Caso se conclua ser imprescindível o tratamento com o Entecavir, por quanto tempo o autor necessitaria utilizar o referido medicamento para seu tratamento? Qual seria a dosagem recomendada?

R- O uso do Entecavir deverá ser feitos nas dosagens de 0,5mg/dia, e a duração do tratamento ainda é indeterminada e contínuo.

Portanto, é imperioso o acesso ao medicamento solicitado, porque imprescindível para o tratamento da doença que aflige o autor, a fim de evitar a piora de seu estado de saúde.

Da tutela antecipada e a forma do seu cumprimento

A tutela antecipada pleiteada inicialmente foi indeferida, sendo que a parte autora interpôs Agravo de Instrumento nº 2008.04.00.024350-3/PR, ao qual foi dado provimento (fls. 223/226). Embora a decisão não tenha transitado em julgado, conforme consulta ao site do Superior Tribunal de Justiça, foi negado seguimento ao Recurso Especial interposto pela União (impresso anexo).

Desse modo, impende o cumprimento imediato da medida liminar concedida mediante o agravo de instrumento nº 2008.04.00.024350-3/PR, que se dará da seguinte maneira: a) o Estado do Paraná deverá fornecer os medicamentos através da Secretaria Estadual de Saúde, a qual, por sua vez, encaminhará a medicação, promovendo a entrega diretamente ao autor; b) o reembolso dos custos deverá ser feito posteriormente pela União, nos termos da legislação pertinente, cabendo ao Estado do Paraná requerer diretamente àquela ré o atendimento dessa obrigação.

Outrossim, a obrigação do Estado do Paraná independe do repasse da União, evitando-se, assim, que formalidades burocráticas coloquem em risco a vida e a saúde do autor.

Ressalto que essa sistemática já foi utilizada neste Juízo (autos n.º 2008.70.07.001515-7 e 2008.70.57.001108-5)

DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, resolvendo o mérito do processo, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para determinar que a União e o Estado do Paraná forneçam ao autor o medicamento Entecavir/Baraclude, na dosagem prescrita e enquanto perdurar a necessidade/tratamento.

Sem custas (artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96).

Em razão da sucumbência, condeno os réus ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), para cada um, com base no artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil, cujo montante deverá ser corrigido monetariamente pela aplicação do IPCA-e, desde a data desta sentença, sem a inclusão de juros de mora.

Intimem-se os réus, com urgência, para que forneçam o tratamento vindicado, em decorrência do provimento do Agravo de Instrumento n.º 2008.04.00.024350-3, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do § 4º do artigo 461 do Código de Processo Civil, a incidir a partir do 31º dia após a intimação.

Sentença sujeita ao duplo grau necessário (artigo 475, inciso I, do Código de Processo Civil). Decorrido o prazo sem recurso voluntário, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Havendo recurso tempestivo, intime-se a parte contrária para oferecer contrarrazões, no prazo legal. Após, remetam-se os autos àquela Corte de Justiça.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Independentemente do trânsito em julgado, requisite-se o pagamento dos honorários periciais.

Francisco Beltrão/PR, 01 de fevereiro de 2010.

SANDRO NUNES VIEIRA
Juiz Federal Substituto

D.E. Publicado em 08/02/2010



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