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Justiça indeniza aposentado que foi vítima de fraude em empréstimos consignados.
Circunscrição: 1 - BRASÍLIA
Processo: 2008.01.1.010375-6
Vara: 201 - PRIMEIRA VARA CÍVEL DE BRASÍLIA
SENTENÇA
RELATÓRIO
1. Trata-se de ação proposta por JOSÉ LEÃO DE CASTILHO contra BANCO PANAMERICANO S/A, objetivando o autor: a) a declaração de inexistência de qualquer débito seu junto ao réu; b) a condenação do réu a "cancelar" os contratos 500993859-7, 500993860-5 e 500993861-3, abstendo-se de promover a cobrança das prestações; c) a condenação do réu ao pagamento de R$ 3.201,12; e d) a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 45.000,00.
2. Segundo o exposto na inicial, o autor recebeu o pagamento de benefício do INSS em 9/10/2007 e verificou que o valor estava menor do que o devido. Ao procurar se informar junto ao INSS, descobriu que constavam três contratos celebrados com o réu, cujos números já foram indicados acima, todos eles com pagamento consignado, sendo o total das prestações descontadas de R$ 400,14. Imediatamente, o autor dirigiu-se à Delegacia de Polícia e registrou o fato, pois jamais realizou qualquer transação com o réu. Afirma que o banco agiu com negligência, pois contratou os empréstimos com "falsário", sem se ater à autenticidade dos documentos. Mesmo depois de informado sobre o caráter fraudulento dos empréstimos, o banco nada fez, prosseguindo com os descontos consignados. Sustenta que o réu deve restituir em dobro os valores descontados, além de pagar indenização por danos morais, pois os descontos incidiram sobre verba alimentar.
3. A antecipação de tutela foi deferida (fls. 23).
4. Citado, o réu contestou (fls. 37). Aduziu que os descontos foram realizados regularmente. Observou que não foi apresentada pelo autor qualquer contestação ao empréstimo concedido em seu nome. Acrescentou que se houve fraude praticada por terceiro, a instituição bancária não pode ser responsabilizada, pois tomou todas as cautelas de praxe para celebrar o contrato. Negou haver dano a ser reparado e também nexo de causalidade com a prestação do serviço. Afirmou ainda que o valor pleiteado é excessivo.
5. Em réplica (fls. 55), o autor reiterou as razões expostas inicialmente.
6. O réu apresentou novos documentos às fls. 82, dos quais o autor teve vista em seguida (fls. 101).
7. A seguir, os autos vieram conclusos.
FUNDAMENTAÇÃO
8. O processo comporta julgamento imediato, na forma do art. 330, I, do CPC, tendo em vista a desnecessidade de produção de outras provas.
9. O caso trata de nulidade de contratos e responsabilidade civil do réu decorrente de débitos efetuados pela instituição financeira sem a anuência do devedor.
10. O autor recebe benefício previdenciário e percebeu que sobre seu rendimento passaram a ser debitados em favor do réu valores relativos a prestações de contratos de empréstimo consignado.
11. O ponto central da controvérsia consiste exatamente em se verificar se o autor efetivamente contratou esses empréstimos com o banco.
12. Os contratos que deram ensejo às cobranças ou não existem ou foram celebrados por terceiro que, fraudulentamente, utilizou-se do nome do autor. Isso porque o réu, a quem caberia comprovar a existência de relação obrigacional idônea entre as partes - já que não se pode exigir do réu a produção de prova negativa relacionada à não contratação dos créditos - não se dignou sequer a apresentar os instrumentos contratuais.
13. Em sua contestação e também na petição de fls. 82, limitou-se a anexar tabelas elaboradas unilateralmente, com os valores supostamente contratados, e um extrato de informação emitido pela SERASA, documentação essa sem maior relevância para o desate do ponto principal.
14. Sendo assim, forçoso é concluir que, de fato, o autor não contratou com o réu os empréstimos consignados, o que leva à constatação evidente de que os descontos incidentes sobre seu benefício previdenciário são indevidos.
15. Destarte, é de se acolher a pretensão do autor para que se declare a inexistência de qualquer débito seu perante o banco-réu, diante da nulidade absoluta dos contratos de empréstimo 500993859-7, 500993860-5 e 500993861-3, bem como a imediata extinção desses negócios.
16. Além disso, deverá o réu restituir ao autor todo o valor descontado de seu benefício previdenciário, que soma R$ 1.600,56, em razão da permanência do débito total de R$ 400,14 ao longo de quatro meses.
17. Esse total deve ser devolvido ao autor em dobro, por força da regra do art. 42, parágrafo único, do CDC.
18. Não se pode reconhecer que a cobrança indevida decorreu de engano justificável cometido pela instituição bancária. O argumento de que todas as precauções foram tomadas pelo banco para evitar a prática de fraude contra o autor não pode ser acolhido. Primeiro, porque carece de comprovação efetiva. Segundo, porque, a se admitir a alegação do réu nesse ponto, inevitavelmente chega-se à conclusão de que ou não foram adotadas medidas de proteção ou, se foram, elas não têm a menor serventia, pois não se prestam a evitar contratações fraudulentas. Ou seja, ou a instituição financeira falhou ao aplicar os procedimentos de segurança ou falhou ao elaborá-los, porque se eles foram observados, não funcionaram adequadamente.
19. Por outro lado, o fato de não constar nos registros do banco qualquer reclamação do autor quanto aos descontos também não se mostra relevante. O autor não é obrigado a reclamar diretamente ao banco que, sem autorização, promove descontos sobre seus rendimentos por conta de contratos que não celebrou. O autor adotou as medidas que estavam ao seu alcance, como levar o fato ao conhecimento da autoridade policial e reclamar ao ente pagador - o INSS (fls. 10).
20. Assim, o réu deverá pagar ao autor, a título de devolução em dobro do valor indevidamente cobrado, a quantia de R$ 3.201,12, com correção monetária pelo INPC a partir do desembolso e juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.
21. Quanto ao pedido indenizatório, deve ser acolhido também.
22. O dever de indenizar o prejuízo moral derivado da prática de ato ilícito depende da demonstração do dano e do nexo causal entre a ação ou omissão do fornecedor, já que a responsabilidade do fornecedor independe da demonstração do elemento culpa, como dispõe o artigo 14 do CDC.
23. Em relação ao nexo causal, o fato de o contrato ter sido celebrado por terceiro que agiu fraudulentamente não basta para afastar a responsabilidade civil do banco perante o lesado. Isso porque, a despeito da suposta atuação fraudulenta do tomador efetivo do crédito, o réu falhou no controle da análise dos dados necessários à contratação, permitindo assim que o autor viesse a ser prejudicado com descontos indevidos.
24. Quanto ao dano moral, não há necessidade de sua comprovação efetiva, pois existe in re ipsa. O simples fato de se ter retido valores que correspondem a cerca de um terço do benefício previdenciário do autor (como se vê às fls. 18), por si só, já caracteriza situação que configura ofensa a direito da personalidade do aposentado.
25. Com efeito, a conduta do réu provocou redução significativa da renda percebida pelo autor, afetando com isso sua própria capacidade de sustento, já que se trata de verba alimentar.
26. Tudo isso indica que houve efetivamente violação, pelo réu, a direitos do autor garantidos pelas cláusulas gerais que tutelam a dignidade da pessoa humana, as quais protegem os valores mais fundamentais do indivíduo, abrangendo a sua integridade psicofísica, sua liberdade, a igualdade e também a solidariedade.
27. A indisponibilidade de parte substancial da remuneração percebida pelo autor prejudicou automaticamente sua sobrevivência, porquanto se viu tolhido de recursos financeiros mínimos que poderiam lhe proporcionar a aquisição de bens básicos ao seu sustento.
28. No que tange ao quantum indenizatório, deve ser fixado a partir dos critérios de proporcionalidade e razoabilidade, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado. Além disso, o fato de o nome do autor não ter sido inscrito em cadastros de devedores e a circunstância de que os descontos atingiram cerca de um terço (e não a totalidade) dos rendimentos previdenciários do autor devem também ser observados.
29. Apesar de inexistir uma regra para fixação do valor do dano moral sofrido, e ser questão entregue ao livre arbítrio do julgador, que deverá verificar as reais condições do caso concreto, nível social, grau de instrução, o prejuízo sofrido pela vítima e demais fatores, mostra-se excessivo o pedido do autor em face do constrangimento suportado, devendo ser reduzido.
30. Considerando-se os fatores já mencionados, fixa-se o valor da indenização, equitativamente, em R$ 3.000,00 (três mil reais), a serem corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar desta data, pois já abrangem valores dessa natureza.
DISPOSITIVO
31. Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para, confirmando a decisão de fls. 23, declarar a inexistência de qualquer dívida do autor para com o réu derivada dos contratos 500993859-7, 500993860-5 e 500993861-3; determinar ao réu que extinga os referidos contratos, abstendo-se de promover qualquer débito sobre os rendimentos previdenciários do autor; e condenar o réu a restituir ao autor o dobro do valor indevidamente descontado, no total de R$ 3.201,12, bem como pagar indenização por danos morais de R$ 3.000,00, tudo com a correção monetária e os juros de mora já estipulados acima.
32. Não obstante a procedência parcial do pedido, condeno o réu a arcar integralmente (Súmula 326/STJ) com as custas processuais e também com os honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação.
33. Após o trânsito em julgado, certificado sobre o recolhimento das custas finais, dê-se baixa e remetam-se os autos ao arquivo.
P.R.I.
Brasília - DF, sexta-feira, 29/01/2010 às 18h02.
Roque Fabrício Antônio de Oliveira Viel
Juiz de Direito Substituto
JURID - Juiz indeniza vítima de fraude. [09/02/10] - Jurisprudência
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