Condenação por furto. Impossibilidade. Apelo do Ministério Público.
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT.
Gabinete da Desembargadora Sandra De Santis
Órgão: Primeira Turma Criminal
Classe: APR - Apelação Criminal
N. Processo: 2006.01.1.054589-4
Apelante(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
Fernando Cruz Silva
Apelado(s): Os mesmos
Relatora Desª.: Sandra De Santis
Revisor Des.: Eson Alfredo Smaniotto.
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL - CONDENAÇÃO POR FURTO - IMPOSSIBILIDADE - APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - GRAVE AMEAÇA CARACTERIZADA - ROUBO SIMPLES - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA - ABSOLVIÇÃO INCABÍVEL.
I. Reunidos elementos hábeis e propícios a corroborar a autoria delitiva, notadamente as declarações firmes e coesas da vítima e das testemunhas, não se há cogitar de absolvição.
II. Em crimes contra o patrimônio, normalmente praticados às escondidas, a palavra do ofendido constitui forte elemento de convicção.
III. Impossível manter a desclassificação para furto se caracterizada a violência, que pode ser física ou moral.
IV. Apelo do réu improvido. Recurso do Ministério Público provido para condenar o réu como incurso no art. 157, caput, do CP.
A C Ó R D Ã O
Acordam os Senhores Desembargadores da Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, SANDRA DE SANTIS - Relatora, EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Revisor e MARIO MACHADO - Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO RÉU E DAR PROVIMENTO AO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 07 de janeiro de 2010.
Desembargadora SANDRA DE SANTIS
Relatora
R E L A T Ó R I O
O Ministério Público do Distrito Federal e FERNANDO CRUZ SILVA apelam da sentença que, ao julgar parcialmente procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, condenou este último à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão, regime semiaberto, mais 10 (dez) dias multa, por infração ao artigo 155, caput, do CP.
A peça acusatória narra os seguintes fatos:
" No dia 04 de junho de 2006, por volta das 23h30min, no Parque da Cidade - Brasília/DF, o denunciado subtraiu, de forma livre e consciente, e mediante uso de grave ameaça capaz de incutir na vítima temor bastante para atender ao intento criminoso do denunciado, um par de tênis Nike, modelo The Rival Shox, em couro, de propriedade de Giglianny Lobo Batista.
Nessas circunstâncias, a vítima encontrava-se caminhando pelo parque da cidade quando foi abordada pelo denunciado que determinou a entrega do tênis. Após ser atendido, saiu caminhando rapidamente do local.
Após comunicação do fato à polícia foi o autor descoberto e recuperado o objeto roubado."
O Ministério Público alega a existência de provas para condenação do réu pelo crime de roubo. Assinala que a subtração do par de tênis ocorreu mediante grave ameaça "configurada pelo temor causado à vítima, eis que o acusado estava o tempo todo com uma das mãos dentro do bolso da calça, simulando estar com uma faca."
Em contrarrazões ao recurso ministerial, FERNANDO assinala a intempestividade. Sustenta ausência de violência ou grave ameaça à vítima.
Nas respectivas razões recursais, o réu requer absolvição. Aduz que as provas produzidas são insuficientes.
Ao contrarrazoar o apelo, o Ministério Público rebate as deduções vertidas por FERNANDO.
A Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento dos recursos e provimento apenas do recurso da acusação.
É o relatório.
V O T O S
A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS - Relatora
Recursos tempestivos, cabíveis e regularmente processados. Deles conheço.
O Ministério Público e o réu FERNANDO CRUZ SILVA intentam a reforma da sentença. O primeiro apelante requer condenação pelo delito de roubo. O segundo absolvição.
O pleito absolutório não prospera.
A materialidade delitiva está comprovada pelo auto de prisão em flagrante (fls. 05/11), auto de apreensão e apresentação (fl. 18), laudo de avaliação econômica indireta (fl. 65), dentre outros.
A tese de inocência não pode ser aceita. Ao ser preso, FERNANDO calçava os tênis subtraídos.
O iter criminis foi descrito em detalhes por GIGLIANY LOBO BATISTA que caminhava nas proximidades do Parque de Diversões Nicolândia rumo ao Bar Barulho, também localizado no parque da cidade, quando abordada:
"que no dia dos fatos por volta das 23h, caminhava no Parque da Cidade, com destino ao Bar Barulho; que no Bar Barulho iria encontrar com Ricardo e André; que quando passou pelo Parque de diversão, aproximadamente uns três metros desse Parque, foi abordada pelo acusado que anunciou o assalto e empurrou-a na direção de uma cerca; que ao anunciar o assalto o acusado exigiu que fosse entregue o tênis; que o acusado afirmou que se entregasse o tênis não iria acontecer nada com a vítima; que uma das mãos do acusado permanecia no bolso da calça; que achou que o acusado estava com uma faca, na mão que se encontrava no bolso da calça; (...) que naquele local não era comum passagem de pessoas naquele horário; que na abordagem conseguiu visualizar a fisionomia do acusado, o qual era negro, cabeça raspada, um pouco mais alto que a declarante e magro; que o acusado pegou o tênis e partiu na direção da rodoviária, descendo para o Pátio Brasil; que por ocasião do assalto, notou que o acusado estava calçado de uma sandália, além de ostentar uma camisa mostarda; que logo em seguida dirigiu-se ao bar Barulho quando no caminho encontrou-se com Ricardo e Andre, informando a eles o ocorrido; que de imediato adentrou ao carro de Ricardo e juntamente com André, seu irmão, dirigiram-se na direção em que tomou o acusado, a fim de encontrá-lo e recuperar o tênis; (...) que então continuaram na busca do acusado, quando então próximo ao CONIC notou o acusado subindo em direção à rodoviária; que imediatamente acionaram os policiais militares que estavam nas proximidades do CONIC, indicando a eles o acusado como sendo o autor do roubo que acabara de acontecer; que se recorda que indicou o acusado como aquele rapaz que estava subindo e vestindo a camisa da cor mostarda; que os policiais o abordaram e o conduziram até a 1ª DP; que deslocou-se até a 1ª DP e pôde reconhecer o acusado como autor do roubo e também o tênis que foi apresentado pelo delegado de polícia; (...) que realizou-se o reconhecimento pessoal do acusado, através do visor da sala de testemunha, o qual dá acesso a esta sala de audiência, sendo que a vítima reconheceu, com absoluta certeza, o acusado como sendo aquele que anunciou o assalto. (...)."(fls. 221/222)
A corroborar as declarações da vítima, que já desfrutam de ampla credibilidade em crimes contra o patrimônio, existem os depoimentos dos policiais JOSÉ NILTON AMARAL (fl. 87) e VALTER DE SOUSA DA COSTA (fl. 106) e das testemunhas JOÃO RICARDO QUINTINO (fl. 223) e ANDRÉ LUIZ LOBO BATISTA (fls. 259/260), respectivamente, amigo e irmão de GIGLIONY.
Evidencia-se incorreta a desclassificação operada na sentença. A grave ameaça, elementar do roubo, restou inequívoca. A vítima foi enfática. Empurrada pelo réu contra a cerca sentiu-se atemorizada e com a capacidade de resistência reduzida. Diante da postura de FERNANDO, que mantinha uma das mãos dentro do bolso da calça, a moça não vacilou. Entregou-lhe o par de tênis cobiçado.
Como leciona Guilherme de Souza Nucci, in Código Penal Comentado, 7ª edição, pág. 683:
"(...) a grave ameaça é o prenúncio de um acontecimento desagradável, com força intimidativa, desde que importante e sério. O termo violência, quando mencionado nos tipos penais, como regra, é traduzido como toda forma de constrangimento físico voltado à pessoa humana. Lembremos, no entanto, que violência, na essência, é qualquer modo de constrangimento ou força, que pode ser física ou moral. Logo, bastaria mencionar nos tipos, quando fosse o caso, a palavra violência, para se considerar a física e a moral, que é a grave ameaça. Mas, por tradição, preferiu o legislador separá-las, citando a grave ameaça (violência moral) e a violência, esta considerada, então, a física ou real". Grifos nossos.
É entendimento desta Corte sobre o tema:
"PENAL. TENTATIVA DE ROUBO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO TENTADO. IMPOSSIBILIDADE. GRAVE AMEAÇA CARACTERIZADA. SIMULAÇÃO DE PORTE DE ARMA DE FOGO. PENA PECUNIÁRIA. REDUÇÃO.
Desarrazoada a pretendida desclassificação de tentativa de roubo para furto tentado, eis que perpetrada a grave ameaça pela simulação de porte de arma de fogo, com o fito de subtração, elementar do crime de roubo.
A redução da pena pela tentativa é aplicável tanto à pena privativa de liberdade como à multa.
Apelo provido em parte".(20050310178300APR, Relator MÁRIO MACHADO, 1ª Turma Criminal, julgado em 03/08/2006, DJ 20/09/2006 p. 131).
À vista de tais considerações, nego provimento ao recurso de FERNANDO CRUZ SILVA, ao passo em que dou provimento ao recurso do Ministério Público, para condenar o réu como incurso no artigo 157, caput, do CP.
Passo à dosimetria.
Das circunstâncias judiciais, tenho como desfavoráveis ao réu a reprovabilidade da conduta, personalidade e conduta social. As anotações de fls. 36/38 assim o autorizam. Fixo a pena-base em 04 (quatro) anos e 03 (três) meses de reclusão. Em segunda etapa, majoro a pena em 06 (seis) meses de reclusão, pela reincidência (fls. 35), para alcançar o montante provisório de 04 (quatro) anos e 09 (nove) meses de reclusão, patamar em que estabilizo à míngua de causas de aumento ou diminuição de pena.
O regime inicial fechado é o adequado, pela reincidência.
Fixo a pena de multa em 15 (quinze) dias-multa, à razão mínima.
Apelo do réu improvido. Recurso do Ministério Público provido para condenar o réu a 04 (quatro) anos e 09 (nove) meses de reclusão, em regime fechado, mais 15 (quinze) dias-multa, como incurso no art. 157, caput, do CP.
O Senhor Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Revisor
Com a Relatora.
O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Vogal
Com a Relatora.
D E C I S Ã O
Negou-se provimento ao recurso do réu e deu-se provimento ao recurso do Ministério Público. Unânime.
DJ-e: 11/02/2010
JURID - Condenação por furto. Impossibilidade. Apelo do MP. [12/02/10] - Jurisprudência
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