Embargos infringentes. Penal. Condenação por crime de porte ilegal de munição de uso permitido.
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT.
Órgão: Câmara Criminal
Classe: EIR- Embargos Infringentes
Nº. Processo: 2008.03.1.000389-8
Embargante: Charles Wilker de Oliveira
Embargado: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Relator Des.: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA
404423
EMENTA
EMBARGOS INFRINGENTES. PENAL. CONDENAÇÃO POR CRIME DE PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. ART. 14, CAPUT, DA LEI 10.826/2003. PERÍCIA INFORMOU QUE QUATRO CARTUCHOS ESTAVAM COM MARCAS DE PERCUSSÃO NAS ESPOLETAS. MUNIÇÕES INAPTAS A MUNICIAR ARMA DE FOGO. EMBARGOS PROVIDOS.
1. A munição inapta para municiar arma de fogo não pode configurar crime, pois não reúne condições para ofender bem juridicamente tutelado. Trata-se de meio absolutamente ineficaz ou exemplo de crime impossível.
2. Dado provimento ao recurso, para que prevaleça o entendimento do voto minoritário.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA - Relator, LUCIANO VASCONCELLOS - Revisor, MÁRIO MACHADO, SANDRA DE SANTIS e ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS - Vogais, sob a Presidência do Senhor Desembargador SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, em proferir a seguinte decisão: DAR PROVIMENTO, POR MAIORIA, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 11 de janeiro de 2010.
Desembargador JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA
Relator
RELATÓRIO
O Embargante Charles Wilker de Oliveira opôs Embargos Infringentes contra acórdão da Primeira Turma Criminal do TJDFT, buscando a prevalência do voto isolado, da lavra da Excelentíssima Desembargadora Sandra de Santis, que deu provimento à Apelação interposta pelo Embargante, para reformar a sentença do magistrado de primeiro grau e absolvê-lo da acusação de portar ilegalmente 06 (seis) cartuchos, conduta prevista no artigo 14, caput, da Lei 10.826/2003.
Nas razões de Embargos Infringentes, às fls. 158/164, o Embargante alega: 1) ausência de prova da capacidade de explosão; 2) não ter cometido o delito de porte ilegal de munição de uso permitido, em razão de ser ínsita, ao porte de arma de fogo, a conjugação de trazer embutidas as munições no armamento, que foi considerado ineficiente.
O voto minoritário considerou atípica a conduta do porte das munições, eis que o laudo técnico atestou que quatro balas estavam "picotadas", e não fez nenhuma referência às duas outras remanescentes.
A Procuradoria de Justiça se posicionou às fls. 165/170, pelo improvimento do recurso.
É o relatório
VOTO
O Senhor Desembargador JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA - Relator
Os presentes Embargos Infringentes são tempestivos e adequados à espécie, razão por que deles conheço.
Conforme relatado, trata-se de Embargos Infringentes opostos por Charles Wilker de Oliveira, por intermédio da Defensoria Pública do Distrito Federal, em face do v. acórdão de folhas 148/153, proferido em sede de Apelação Criminal, nos quais requer a prevalência do voto minoritário, proferido pela eminente Desembargadora Sandra de Santis, que reformou a sentença de primeiro grau e absolveu o Embargante.
A questão cinge-se apenas à discussão da análise do porte ilegal das munições de uso permitido, no presente caso, configurar ou não o crime defininido no artigo 14, caput, da Lei nº 10.826/03 (porte de munição de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar).
Com muito respeito aos senhores prolatores dos votos majoritários, tenho com razão a Desembargadora que ficou vencida, uma vez que a perícia efetuada na arma de fogo concluiu que o revólver estava inapto a efetuar disparos. No mesmo sentido, os peritos informaram que:
"(...) acompanhando a arma vieram seis cartuchos de calibre 38, estando quatro deles com marcas de percussão nas espoletas".
A ausência de perícia específica nos seis cartuchos que municiavam a arma de fogo enseja a falta de prova material para configurar a condição de munições aptas a municiarem a arma de fogo, não estando presente a elementar do tipo penal do artigo 14, caput, da Lei 10.826/2003. A inaptidão dos quatro cartuchos para municiarem a arma de fogo, bem como a ausência de informação acerca dos outros dois cartuchos não são provas suficientes para embasar uma condenação.
As munições inaptas a municiarem arma de fogo não são lesivas nem ofensivas a bens juridicamente tutelados. Trata-se de meio absolutamente ineficaz ou exemplo de crime impossível.
Vejamos o disposto no artigo 17, do Código Penal:
"Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime".
Vejamos, também, a Jurisprudência do Egrégio TJDFT, sobre arma de fogo desmuniciada e inapta para efetuar disparos, como instrumento incapaz de gerar lesão. Valemos da inteligência do julgado, abaixo transcrito, para as munições e artefatos inaptos a ofenderem e a lesionarem bens juridicamente protegidos:
"PENAL E PROCESSUAL RENAL LEI N. 10.826/2003. PORTE DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA E INAPTA PARA EFETUAR DISPAROS. ATIPICIDADE DO FATO. ABSOLVIÇÃO. RECURSO DA DEFESAPROVIDO.
1. Não se pode confundir "ofensividade" com "poder de intimidação". A ratio da punição penal do art. 14 da Lei N. 10.826/2003 não está na capacidade de intimidação do objeto, mas sim na sua capacidade ofensiva ao bem jurídico protegido, quaI seja, a segurança coletiva.
2. A arma que não é idônea para efetuar disparos e não reúne a ofensividade exigida pelo tipo e pelo moderno Direito Penal - é, aliás, meio absolutamente ineficaz ou exemplo, de crime impossível, nos termos do art. 17 do Código Penal.
3.É atípica a conduta do paciente, pois, à luz dos princípios da lesividade e da ofensividade, a arma desmuniciada e inapta para efetuar disparos é instrumento incapaz, portanto, de gerar lesão efetiva ou potencial à incolumidade pública.
4. Recurso provido." (20070111356042APR, Relator SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, 2a Turma Criminal, julgado em 16/10/2008, D J 12/11/2008 p. 201)
Quanto à tese do Embargante acerca da munição que está dentro da arma de fogo não configurar, por si só, o crime de porte ilegal de munição de uso permitido, não merece prosperar, posto ser prescindível que a munição esteja separada da arma de fogo ou municiando-a. O delito de porte ilegal de munição não é subsidiário, em relação ao porte ilegal de arma de fogo. O crime subsiste, existindo ou não a arma de fogo. A conduta de portar ilegalmente as munições não precisa estar isolada da arma de fogo.
Dessa forma, haverá tanto crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, desmuniciada ou não, quanto crime de porte ilegal de munição de uso permitido, municiando arma de fogo ou não.
Pelo exposto dou provimento aos Embargos Infringentes para que prevaleça o entendimento do voto minoritário.
É como voto.
O Senhor Desembargador LUCIANO VASCONCELLOS - Revisor
R E L A T Ó R I O
Charles Wilker de Oliveira oferece embargos infringentes e de nulidade contra o acórdão da 1ª Turma Criminal, assim ementado:
"DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO POR PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ARMA INAPTA PARA EFETUAR DISPAROS MUNICIADA COM CARTUCHOS. ARTIGO 14 DA LEI 10.826/03. CRIME DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. ADEQUAÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO À DENÚNICA.
1. A inaptidão da arma para efetuar disparos acarreta na atipicidade da conduta descrita no art. 14, da Lei 10826/03. Contudo, por se tratar de crime de mera conduta e de perigo abstrato, o fato de também terem sido apreendido seis cartuchos de calibre 38, é suficiente para configurar a ação delitiva, já que o tipo penal inclui entre as condutas típicas, o porte de munições sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
2. Adequação da sentença à denúncia, onde consta pleito condenatório pelo porte de arma de fogo e de seis cartuchos intactos, sem autorização legal ou regulamentar.
3. Recurso improvido. "
Pretende o recurso a prevalência do voto minoritário da lavra da eminente desembargadora Sandra De Santis que absolveu o embargante por considerar que a conduta é atípica, porque ausente comprovação da capacidade lesiva das munições, alegando que a perícia só se manifestou a respeito de quatro, das seis balas enviadas para serem periciadas, omitindo-se quanto às demais, assim, ausente prova material a configurar o crime de porte ilegal de arma e munições de uso permitido.
Parecer da Procuradoria de Justiça, oficiando pelo conhecimento e improvimento dos embargos (fls.176/184).
É o relatório.
V O T O
Conheço do recurso.
Os embargos não merecem ser providos.
Dou os motivos do meu convencimento.
Diz o art.14 da Lei 10.826/03:
"Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:"
Observa-se que a lei menciona, entre os demais núcleos, portar "arma de fogo, acessório ou munição" para configuração do delito, não exigindo perícia técnica demonstrativa da potencialidade lesiva da munição, arma ou artefato, pois, tratando-se de crime de mera conduta, o simples fato de portar irregularmente os objetos, isolado ou conjuntamente, caracteriza o crime do art.14 da Lei 10.826/03. Assim, se a lei não exige que a arma esteja ou não municiada, ou que a munição tenha ou não capacidade lesiva é irrelevante para a configuração do crime, uma vez que a objetividade jurídica dos delitos previstos no Estatuto do Desarmamento ultrapassa a mera proteção da incolumidade pessoal, atingindo o corpo social, buscando aumentar os níveis de segurança.
Já disse o STF:
"EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE DE ARMA DE FOGO. ART. 10 DA LEI 9.437/97 E ART. 14 DA LEI 10.826/2003. PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DO POTENCIAL LESIVO DA ARMA. DESNECESSIDADE. ORDEM DENEGADA. I - Para a configuração do crime de porte de arma de fogo não importa se a arma está ou não municiada ou, ainda, se apresenta regular funcionamento. II - A norma incriminadora prevista no art. 10 da Lei 9.437/97 não fazia qualquer menção à necessidade de se aferir o potencial lesivo da arma. III - O Estatuto do Desarmamento, em seu art. 14, tipificou criminalmente a simples conduta de portar munição, a qual, isoladamente, ou seja, sem a arma, não possui qualquer potencial ofensivo. IV - A objetividade jurídica dos delitos previstos nas duas Leis transcendem a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da liberdade individual e de todo o corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que ele propicia. V - Despicienda a ausência ou nulidade do laudo pericial da arma para a aferição da material; idade do delito. VI - Ordem denegada. (HC 96922 / RS - RIO GRANDE DO SUL, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, DJe-071, Publicado em 17-04-2009, VOL-02356-05, PP-00950)."
Nesse sentido é a jurisprudência desse Tribunal de Justiça:
"PENAL. ART. 14, CAPUT, DA LEI Nº 10.826/03. MATERIALIDADE E AUTORIA INDUVIDOSAS - CONDENAÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA - INOCORRÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. Se da análise da prova angariada ressai a necessária certeza, quer da materialidade, quer da autoria do delito, não há que se falar em absolvição. O porte de munição de uso permitido, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar caracteriza o delito tipificado no artigo 14 da Lei nº 10.826/2003. (TJDFT. APR20050910128814, Relator ROMÃO C. OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, julgado em 04/12/2008, DJ 14/01/2009 p. 161)."
Diante do exposto, voto no sentido de NEGAR provimento aos embargos.
É o voto.
O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Vogal
Senhor Presidente, vou pedir vênia ao eminente Revisor para acompanhar o eminente Relator, desde que presente a evidência de que a arma não é apta a funcionar e porque não há qualquer laudo pericial indicando que a munição também seja idônea.
Assim, na falta desse prova, não vejo como condenar. Por isso que acompanho o voto do eminente Relator.
A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS- Vogal
Senhor Presidente, vou também pedir vênia ao eminente Revisor para manter o meu voto vencido, porque não só a arma estava inapta a efetuar disparos, como as quatro munições que foram periciadas também fora consideradas inaptas. Sobraram duas munições, mas não houve prova pericial em relação a elas; foi silente o laudo. O Ministério Público ou a própria autoridade policial deveria ter solicitado que fosse feita a perícia nas demais munições, já que as quatro periciadas estavam não aptas.
Por isso que reafirmo o voto vencido, acompanhando o eminente Relator.
O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO - Vogal
Também, Senhor Presidente, peço vênia ao eminente Revisor para acompanhar o eminente Relator.
Não há dúvida, e o Superior Tribunal de Justiça - STJ tem entendimento no sentido de que basta a existência de munição para caracterizar o crime do art. 14 da Lei n.º 10.826/03, mas essa munição tem de ser apta à lesividade, e não há essa prova nos autos.
Por isso subscrevo as razões do voto do eminente Relator para dar provimento aos embargos, reiterando o pedido de vênia ao eminente Revisor.
D E C I S Ã O
DAR PROVIMENTO AOS EMBARGOS. MAIORIA.
DJ-e: 10/02/2010
JURID - Condenação por crime de porte ilegal de munição. [17/02/10] - Jurisprudência
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