Apelação Criminal. Crime de sonegação fiscal previsto no artigo 1º, II, da Lei nº 8.137/90. Recebimento da denúncia.
Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.
Apelação Criminal - Crime de sonegação fiscal previsto no artigo 1º, II, da Lei nº 8.137/90 - Recebimento da denúncia - Posterior quitação do débito tributário pelo réu - Superveniência da Lei nº 10.684/2003, autorizadora da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo a qualquer momento - Aplicação retroativa desse diploma legal, por força do disposto no artigo 5º, XL, da Constituição Federal - Prosseguimento da ação penal e condenação do acusado - Inadmissibilidade - Ocorrência de autêntico constrangimento ilegal - Recurso de apelação prejudicado - Hábeas Corpus Ex-offício - Concessão, na forma dos artigos 5º, LXVIII, da Constituição Federal e 654, parágrafo segundo, do Código de Processo Penal. - Se o apelante foi acusado do crime de sonegação fiscal acima capitulado (ocorrido no ano de 2001) e efetuou o pagamento do correspondente débito tributário (2004), ainda que em momento posterior ao recebimento da denúncia (2003), a Lei nº 10.684/03, de aplicação retroativa por força do princípio constitucional da lei mais favorável (artigo 5º, XL, CF), permitia fosse declarada desde logo a extinção da punibilidade. Na medida em que o Juiz deixou de fazê-lo, imprimiu prosseguimento à persecução penal e proclamou, inclusive, o édito condenatório, deu ensanchas a autêntico constrangimento ilegal, a recomendar, mesmo já estando o caso em grau de apelação, a concessão de habeas corpus ex-offício para anular o processo a partir da quitação do débito tributário e julgar extinta a punibilidade por esse fato, ficando prejudicado o apelo (artigos 5º, LXVIII, CF, e 654, parágrafo segundo, CPP).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 993.06.083636-6, da Comarca de Santo André, em que é apelante LUIZ SIDNEI MONTEIRO sendo apelado MINISTÉRIO PUBLICO.
ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "CONCEDERAM, " EX OFFICIO", ORDEM DE HABEAS CORPUS, PARA ANULAR O PROCESSO A PARTIR DA DATA DA QUITAÇÃO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO E EXTINGUIR A PUNIBILIDADE DO AGENTE JULGANDO PREJUDICADO O RECURSO DE APELAÇÃO. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores AMADO DE FARIA (Presidente) e LUIZ PANTALEÃO.
São Paulo, 04 de agosto de 2009.
MOREIRA DA SILVA
RELATOR
Apelação Criminal com Revisão nº 993.06.083636-6 (916.527.3/0)
Comarca de Santo André
3ª Câmara Criminal
Relator: Moreira da Silva
Apelante: Luiz Sidnei Monteiro
Apelado: Justiça Pública
Voto nº 3.876
1. Trata-se de Apelação Criminal interposta por Luiz Sidnei Monteiro, nos autos da ação penal pública nº 507/02, que lhe move a Justiça Pública, em trâmite na Eg. 4ª Vara Criminal da Comarca de Santo André, contra a r. sentença que o condenou às penas de 02 anos de reclusão, em regime aberto, e dez 10 dias-multa, no valor unitário mínimo, como incurso no artigo 1º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.
2. Irresignado, recorre em busca da reforma da r. sentença para proclamar-se o decreto absolutório, ou, subsidiariamente, pela extinção da punibilidade por ter efetuado pagamento do tributo devido mesmo após o recebimento da denúncia.
Processado e contra-arrazoado o recurso, em que a apelada postulou o desprovimento, manifestou-se a d. Procuradoria Geral de Justiça pelo improvimento.
É o relatório.
3. O recurso deve ser considerado prejudicado, mas há que se conceder habeas corpus ex-officio ao apelante.
Cumpre registrar, de início, que o apelante foi denunciado, como incurso no artigo 1º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, porque a empresa Jocar Automóveis Ltda., de que é sócio-gerente, fraudou a fiscalização tributária, no dia 28 de maio de 2001, deixando de escriturar nota fiscal de venda de veículo, com a conseqüente sonegação do tributo de ICMS incidente na operação.
A hipótese dos autos não reclama o exame propriamente do mérito, mormente por ocorrer fenômeno jurídico consistente em causa extintiva da punibilidade, o que evidentemente revela o desaparecimento do interesse de agir do Estado no prosseguimento da persecução penal.
Com efeito, agentes fiscais da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda lavraram auto de infração e imposição de multa contra a sobredita empresa, de que é sócio-gerente o apelante. Após isso, este requereu o parcelamento da dívida junto ao órgão tributário competente.Ao final acabou por recolher o tributo devido e demais acessórios, quando já tinha sido recebida a denúncia e ainda estava em tramitação a ação penal na qual foi tirada a presente apelação.
A defesa, argumentando já ter efetuado o pagamento do tributo e demais encargos legais e efetuando a respectiva comprovação, pleiteou mas viu indeferida a perseguida extinção da punibilidade.
O MM. Juiz a quo fundamentou o não atendimento desse pedido no artigo 34 da Lei nº 9.249/95 que, a exemplo do entendimento acerca do artigo 14 da Lei nº 8.137/90, assegura a extinção da punibilidade exclusivamente se a dívida for integralmente paga antes do recebimento da denúncia. De se notar que a denúncia foi recebida em 14/11/2003 e a dívida em questão foi paga em 28/05/2004, conforme documentos juntados aos autos.
Olvidou-se Sua Excelência, contudo, da superveniência da Lei nº 10.684, promulgada e publicada em 30 de maio de 2003, por força da qual seguramente tem incidência, na espécie, a denominada novatio legis in mellius, com vistas à extinção da punibilidade do crime pelo pagamento integral do débito, a qualquer tempo, não mais se exigindo que seja efetuado antes do recebimento da denúncia.
De fato, de acordo com a sobredita lei, em seu artigo 9º, parágrafo segundo, prevê-se a extinção da punibilidade dos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos artigos 168 e 337 do Código Penal, quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, sem exigência de que tal ato jurídico se realize em momento anterior ao recebimento da denúncia para gerar o efeito extintivo da punibilidade.
A Carta Constitucional de 1988 definiu, a propósito, a retroatividade da lei mais favorável como direito e garantia individual, consagrados em seu artigo 5º, inciso XL, a prescrever que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".
Nessa mesma linha, o artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal tratou da lex mitior, ao dispor que: "A lei posterior que, de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença transitada em julgado".
É bem de ver, nesse passo, que esta Egrégia 3ª Câmara Criminal já teve oportunidade de decidir, em caso análogo, pela declaração da extinção da punibilidade do réu, com fundamento no artigo 9º, parágrafo segundo, da Lei nº 10.684/2003.
Por sua vez, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em caso semelhante, reconheceu a retroatividade benéfica da Lei nº 10.684/03, para conceder habeas corpus e julgar extinta a punibilidade em caso de crime previsto na Lei nº 8.137/90, em v. acórdão unânime assim ementado:
"O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário".
Portanto, na medida em que o d. Magistrado de Primeiro Grau, após comprovado o recolhimento do tributo noticiado na denúncia, imprimiu prosseguimento à persecução penal, deu inequívoca ensanchas ao nascimento de coação ilegal contra o apelante, a reclamar, a partir de então, pronta reparação por via de remédio constitucional, por já ter desaparecido o interesse de agir do Estado desde o momento em que comprovada a causa de extinção da obrigação tributária (o pagamento), o que, enfatize-se, ocorreu ainda no limiar da ação penal.
Dessa forma, exsurge imperioso conceder habeas corpus ex-officio para anular o processo a partir da data do pagamento do débito tributário e declarar extinta a punibilidade do apelante, nos termos do artigo 9º, parágrafo segundo, da Lei nº 10.684/2003, consoante o mandamento inscrito no artigo 5º, inciso LXVIII, da Carta Constitucional de 1988 e, simetricamente, a regra contida no artigo 654, parágrafo segundo, do Código de Processo Penal, ficando prejudicada a apelação.
3. Pelo exposto, concede-se habeas corpus ex-officio para anular o processo a partir da data da quitação do débito tributário e julgar extinta a punibilidade do apelante, Luiz Sidnei Monteiro, com supedâneo no artigo 9º, parágrafo segundo, da Lei nº 10.684/2003, ficando prejudicado o apelo.
RONALDO SÉRGIO MOREIRA DA SILVA
RELATOR
JURID - Apelação Criminal. Crime de sonegação fiscal. [17/02/10] - Jurisprudência
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