Estado e Município são condenados a pagamento de indenização por uso indevido de imagem.
Autos nº 001.08.018791-0
Classe Processo de Conhecimento
Autor Derdela da Silva Lima e outros
Réu Estado do Acre e outro
Sentença
Derdela da Silva Lima, Melissa da Silva Araújo, Michele da Silva Araújo e Miréa da Silva Araújo ajuizaram ação contra o Estado do Acre e Município de Rio Branco, ao argumento de que no mês de abril ou maio de 2008, a primeira autora, mãe das demais, fora abordada na entrada de sua residência por servidores dos réus, que estavam vistoriando e fotografando o local onde seriam executadas obras do PAC, tendo um deles se oferecido para fotografar a família da autora, com a promessa de que, revelado o filme, entregaria de presente às autoras. A primeira autora concordou, almejando ter como recordação uma fotografia com suas filhas menores. Para surpresa das requerentes, ao serem convocadas para participar de uma reunião na Associação de Moradores do bairro Palheiral, foram surpreendidas com sua fotografia estampada em um convite do Governo do Estado do Acre e do Município de Rio Branco para lançamento das ações sociais, saneamento ambiental, habitação e urbanismo, nas zonas de atendimento prioritário. As autoras sofreram gozação dos presentes, que disseram terem sido elas garota-propaganda, mas ficaram duras, pois foram fotografas gratuitamente. Tal acontecimento causou revolta, constrangimento, angústia e tristeza às autoras, que em momento algum autorizaram a divulgação de sua imagem. Os servidores dos réus ainda tentaram abrandar e conciliar a situação, afirmando inclusive que as autoras seriam indenizadas pela exposição de sua imagem no convite, o que não ocorreu; o convite foi distribuído na cidade. Entendem assim que tiveram violado o seu direito à imagem, fazendo jus, portanto, à indenização correspondente a 50 (cinqüenta) salários mínimos para cada autora.
Na resposta oferecida pelo Estado do Acre (fls. 25/40), este sustenta a inépcia da inicial e sua ilegitimidade passiva, na medida em que não foi indicado qual dos réus teria realizado a reprodução da imagem das autoras, o que importa incompatibilidade entre a fundamentação e o pedido e, por conseguinte, ilegitimidade do Estado do Acre. No mérito, sustenta a inexistência dos pressupostos autorizadores da obrigação de indenização, porquanto o funcionário foi autorizado a tirar a fotografia, a qual não foi utilizada para fins ilícitos, mas para fins informativos e enaltecedor da sociedade. Ademais, eventual perturbação às autoras teria o caráter de mero dissabor, o que não enseja indenização. Mas na remota hipótese de condenação, o valor a ser fixado deve respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ao final, postula o acolhimento das preliminares e, no mérito, a improcedência do pedido.
Na contestação oferecida pelo Município de Rio Branco (fls. 44/64), este sustenta que da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão, pois da imagem utilizada no convite não se constata lesão a honra, boa fama e respeitabilidade das autoras.
Ademais, a fundamentação contida na inicial é imprecisa, na medida em que não indica se a indenização almejada decorre da violação do direito à imagem ou da divulgação das imagens sem a devida autorização. Ainda em sede preliminar, sustenta a sua ilegitimidade passiva, pois a inicial sequer indica o nome do servidor que fotografou as autoras, sendo incerto se ele pertencia aos quadros do Estado do Acre ou do Município de Rio Branco. No mérito, sustenta a ausência dos pressupostos da obrigação de indenizar e a exorbitância do valor cobrado. Postula o acolhimento das preliminares e, no mérito, a improcedência do pedido.
Remetidos os autos ao Ministério Público, este emitiu o parecer de fls. 86/88, opinando pela rejeição das preliminares por ocasião da decisão saneadora, argumentando que: a petição inicial descreve razoavelmente os fatos e indica a providência almejada pelas autoras, inexistindo obstáculo à defesa dos réus; ambos os réus fizerem uso da imagem das autoras, motivo pela qual são legitimados a figurar no pólo passivo, sendo irrelevante saber quem fotografou as autoras. Requereu a designação de audiência de instrução e julgamento.
É o sucinto relatório. Passo a decidir.
A questão em debate é de fato e de direito. Contudo, não existe a necessidade da produção de quaisquer outras provas em audiência, sendo aplicável, pois, o julgamento antecipado da lide, a teor do artigo 330, I, do Código de Processo Civil.
A petição inicial contém a necessária descrição dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido. Não se mostra relevante saber se a fotografia é de autoria de servidor do Estado do Acre ou do Município de Rio Branco, na medida em que ambos fizerem uso da imagem das autoras, e por essa razão inexiste a alegada ilegitimidade passiva. Rejeito, portanto, as questões preliminares.
A prova da imagem que as autoras alegam ter sido indevidamente utilizada consta do informe publicitário de fl. 11, cujo verso contém o seguinte convite:
O governador Binho Marques e o prefeito Raimundo Angelim convidam para a Solenidade de Lançamento das Ações Sociais, Saneamento Ambiental, Habitação e Urbanização nas Zonas de Atendimento Prioritário - ZAP.
Um importante investimento do Governo do Estado e Prefeitura de Rio Branco para levar cidadania aos moradores da região que compreende os bairros Chico Mendes, Palheiral - Igarapé Maternidade, Conquista, Igarapé Fundo e Santa Inês, com apoio do Governo Federal, através do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC.
Data: 23 de junho de 2208
Horário: 17h00min
Local: Teatro Plácido de Castro
O Estado do Acre sustenta a inexistência dos pressupostos autorizadores da obrigação de indenizar, porquanto o funcionário foi autorizado a tirar a fotografia, a qual não foi utilizada para fins ilícitos, mas para fins informativos e enaltecedor para a sociedade. A defesa do Município de Rio Branco segue a mesma toada.
Contudo, o cerne da questão não consiste em saber se as autoras autorizaram fosse tirada a fotografia em questão (consta na inicial que autorizaram), mas em saber se esta foi utilizada de forma a malferir o direito à imagem, assegurado no art. 5º, V, X e XXVIII, da Constituição Federal.
Walter Moraes refere que a imagem -é um bem inerente à natureza do homem, naturalmente integrante da personalidade, o que, vale dizer: um bem essencial da personalidade". Também pontua que, "por essencial, a imagem é obviamente inalienável, intransferível, inexpropriável, irrenunciável, porque tudo isso significaria privação de um bem essencial.(1)
Como exteriorização da personalidade, a imagem abrange tanto características físicas como atributos sociais da pessoa, perfis que Hermano Duval exemplifica:
-Direito à imagem é a projeção da personalidade física (traços fisionômicos, corpo, atitude, gestos, sorrisos, indumentárias, etc.) ou moral (aura, fama, reputação, etc.) do indivíduo (homem, mulheres, crianças ou bebê) no mundo exterior.(2)
Atente-se que os réus não alegaram e nem provaram que as autoras foram previamente informadas e concordaram com a utilização da fotografia em publicidade do Estado do Acre e do Município de Rio Branco. Estes, aliás, não podem divulgar seus atos, programas, obras e campanhas em desacordo com o art. 37, § 1º, da Constituição Federal, como também não podem, na mesma publicidade, violar a imagem de particulares, também protegida constitucionalmente.
Observa-se que as autoras aparecem em publicidade oficial como pessoas carentes que seriam beneficiárias de obras executadas para -levar cidadania- a moradores de regiões deficitárias de políticas públicas. Assim, houve exploração dos aspectos fisionômicos e atributos sociais das autoras, de forma desautorizada. Também houve intensa divulgação dessa imagem, na medida em que o convite indica como local do evento o Teatro Plácido de Castro, prédio com capacidade para centenas de pessoas.
Ressalte-se que, da violação do direito à imagem resulta o dever de indenizar os danos morais sofridos, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, o qual decorre da simples utilização desautorizada da imagem, a exemplo do caso concreto.
Caracterizado o dano à imagem, tenho que a reparação deve corresponder ao valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais) para cada autora, considerando as circunstâncias acima descritas.
Ante as razões expendidas, julgo procedente o pedido, condenando os réus ao pagamento de indenização no valor correspondente a R$ 6.000,00 (seis mil reais) para cada autora, a ser acrescido, doravante, de correção monetária pelo INPC e juros de mora de 12% ao ano.
Rio Branco-(AC), 6 de novembro de 2009
Maria Penha Sousa Nascimento
Juíza de Direito
Notas:
1 - MORAES, Walter. Direito à própria Imagem (I). In Revista dos Tribunais nº 443, set/1972, pp. 80/81 [Voltar]
2 - DUVAL, Hermano. Direito à Imagem. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 105. [Voltar]
JURID - Estado e Município são condenados. [17/02/10] - Jurisprudência
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