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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

JURID - Recurso de apelação criminal. Tentativa de furto qualificado [15/01/10] - Jurisprudência


Recurso de apelação criminal. Tentativa de furto qualificado pelo emprego de chave falsa e concurso de pessoas.
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Tribunal de Justiça do Paraná - TJPR.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 594603-4 DA 2ª VARA CRIMINAL DO FORO REGIONAL DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

APELADO: VALDEMAR DE JESUS ABADIA

RELATOR: DES. JORGE WAGIH MASSAD

RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL - TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE CHAVE FALSA E CONCURSO DE PESSOAS - CUMULAÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COM RESTRITIVA DE DIREITOS - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO.

Na sistemática do Código Penal, as penas restritivas de direitos são sempre substitutivas às privativas de liberdade, sendo vedada a aplicação cumulativa.

Apelação conhecida e provida.

I - RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação criminal deduzido contra a respeitável sentença do Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal do Foro Regional de São José dos Pinhais, Comarca da Região Metropolitana de Curitiba.

Valdemir de Jesus Abadia restou condenado à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, bem como ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, em virtude da tentativa de furto qualificado pelo emprego de chave falsa e concurso de pessoas, previsto no artigo 155, § 4º, incisos III e IV c/c artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade, e multa, nos termos do artigo 44 e seguintes do Código Penal.

A condenação baseou-se no seguinte fato:

"No dia 06 de janeiro de 2005, por volta das 03h e 30min, vigilantes que faziam serviço de ronda no interior do Condomínio Portal do Aeroporto, em São José dos Pinhais/PR, flagraram e abordaram o denunciado VALDEMIR DE JESUS ABADIA que, ciente da ilicitude e da reprovabilidade de sua conduta, mediante rompimento de obstáculo consistente em arrombar um dos caminhões ali estacionados, tentou subtrair para sua pessoa, dolosamente, objetos do mesmo, pertencentes à empresa JR. Na abordagem feita ao denunciado, os vigilantes constataram que o mesmo já havia, dolosamente, subtraído para sua pessoa, 04 (quatro) tacógrafos e 01 (um) rádio de carro, avaliados em R$ 4.050,00 (quatro mil e cinqüenta reais) conforme Auto de Avaliação de fls. 10 e Auto de Exibição e Apreensão de fls. 07. Os delitos acima somente não se consumaram em virtude de circunstância alheia à sua vontade, consistindo na ação dos vigilantes da empresa."

Irresignado com os termos da condenação, o zeloso Promotor de Justiça interpôs recurso de apelação criminal, no qual aduz a impossibilidade de imposição da prestação de serviços à comunidade como condição do regime aberto. Fls. 151/157.

Em contrarrazões, a defesa se manifesta pelo não provimento do recurso. Fls. 159/162.

A representante da Procuradoria-Geral de Justiça, em seu parecer, opina pelo provimento do recurso interposto. Fls. 174/179.

É, em síntese, o relatório.

II - VOTO

Conheço do apelo, eis que satisfeitos os requisitos de admissibilidade.

Analisando as condições do regime aberto estabelecidas pela magistrada sentenciante, constato a necessidade de adequação.

Asseverou a respeitável sentença:

"O regime inicial de cumprimento de pena é o aberto (art. 33 § 2º, 'c'), frente à quantidade da pena aplicada, quais sejam as condições: (...) h) prestações de serviço a comunidade pelo prazo de (1) hora por dia de condenação ou seja 448 horas, sendo (7) horas semanais, junto ao Cartório da Polícia Militar desta Comarca." Fls. 134.

Sem embargo de posicionamento contrário, a meu ver, não é possível cumular pena privativa de liberdade e restritiva de direito sem contrariar preceitos básicos do direito penal pátrio. Na sistemática do Código Penal, as penas restritivas de direitos são sempre penas substitutivas às privativas de liberdade, sendo vedada a aplicação cumulativa.

Deve-se frisar que as penas restritivas de direitos são substitutivas e não acessórias. Desta maneira, não podem ser aplicadas em concorrência com a privativa de liberdade, conforme preceitua o artigo 44 do Código Penal:

"Art. 44. As penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liberdade (...)".

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal:

"(...) Consoante o artigo 44 do Código Penal Pátrio, na redação vigente, as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, nas hipóteses previstas na lei. Possuem caráter substitutivo, não podendo coexistir com a pena privativa de liberdade (...)" (STF, 2ª Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, in DJU de 26.11.93, p. 25533).

Esta Câmara já decidiu:

"APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO QUALIFICADO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA EM HARMONIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS PROBANTES - DELAÇÃO PELO CO-RÉU - RELEVÂNCIA COMO MEIO DE PROVA - MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO - REGIME PRISIONAL - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO E DE OFÍCIO, EXCLUSÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE COMO UMA CONDIÇÃO DO REGIME ABERTO.

(...) 4 - A prestação de serviços à comunidade é uma espécie de pena restritiva de direitos, tendo, pois, função de substituir a pena privativa de liberdade em certas hipóteses. Por isso, não pode ser aplicada concomitantemente com esta, motivo pelo qual deve ser, de ofício, excluída do rol de condições para cumprimento da privação de liberdade em regime aberto.

(TJPR - V CCr - Ap Crime 0493983-1 - Rel.: Marcus Vinicius de Lacerda Costa - Julg.: 20/11/2008 - Unânime - Pub.: 05/12/2008 - DJ 7758)

Ainda que posicionamento minoritário admita pena restritiva de direito como condição para o cumprimento do regime aberto, penso que é inviável a pretensão de cumular penas de espécies diferentes.

Portanto, reformo a sentença para suprimir a prestação de serviços à comunidade como condição para o cumprimento da pena em regime aberto.

Neste ponto, destaco posicionamento diverso, sustentado pelo Juiz Convocado Rogério Etzel, o qual resta vencido e cujo entendimento passo a transcrever:

"Quanto ao pleito de afastamento das condições impostas pela MM. Juíza Monocrática para o regime aberto, notadamente a prestação de serviços à comunidade, penso que esta tem cunho de caráter pedagógico.

O contido no art. 115 da Lei de Execuções Penais faculta ao juiz estabelecer condições especiais da pena no regime aberto, sem prejuízo das demais condições previstas nos incisos, bem como diante da previsão contida na legislação local (art. 119 da LEP), ou seja, no item 7.2.1 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Paraná.

É de se observar que as condições gerais e obrigatórias, que devem ser impostas ao condenado no regime aberto, conforme artigo 115, da Lei de Execuções Penais, são completamente inócuas, levando-se em conta que não são passíveis de fiscalização, principalmente em grandes cidades. O Estado não possui mecanismos para efetuar a fiscalização no que toca ao horário de saída ou de permanência do réu em sua residência ou mesmo sobre ausência da Comarca onde reside, bem como sobre a freqüência a locais de duvidosa reputação.

Ademais, a "apresentação de balcão", aquela na qual o réu comparece ao Fórum para informar e justificar as suas atividades, não possui finalidade educativa ou pedagógica, além do que, na maioria das vezes, é efetuada apenas com a apresentação de documento de identidade, sem qualquer comprovação da real situação do apenado.

Diante disto, necessário que se imponha também ao condenado como condição especial, autorizada pelo artigo 116, da LEP, um trabalho(1), o qual certamente possui caráter pedagógico e tem atualmente uma fiscalização eficaz, em face da existência da Vara de Execução de Penas, que dispõe de equipe multidisciplinar para tal desiderato, além de contar com equipe semelhante junto ao Ministério Público.

Cumpre ressaltar que as penas alternativas sempre fracassaram de certa forma no seu propósito maior, em face de nunca terem sido executadas com o rigor necessário, mormente em grandes centros. E existe uma causa: a falta de estrutura. Afinal, não se poderia exigir ainda do Magistrado atuante em uma Vara Criminal, com todos seus afazeres normais, pauta sobrecarregada, sem dispor de uma equipe técnica, que procedesse ao cadastramento de entidades para prestação do trabalho ou fiscalização do cumprimento das condições impostas.

Hodiernamente, com a Vara de Execução de Penas realiza esta fiscalização, evitando-se que a entidade que recebe o réu prestador de serviço preencha sua freqüência e o libere, sem o cumprimento da determinação judicial, já que muito mais prático e menos trabalhoso. Assim, com uma fiscalização eficaz, impede-se que a Justiça fique com sua imagem desgastada ou desmoralizada.

Portanto, com a determinação de trabalho ao apenado, se quer transformar a sensação de impunidade e falência do sistema em efetividade, possuindo função de reinserção social da pena, de acordo com as diretrizes do Direito Penal Democrático.

Além do que, a prestação de serviço possui caráter ressocializador e preventivo, gera menos reincidência e a diminuição da criminalidade torna-se inevitável.

De qualquer maneira, para finalizar, deve-se deixar claro que nenhum absurdo está-se cometendo quando da imposição de trabalho como condição especial do regime aberto, já que a própria Lei de Execução Penal define como dever do condenado à execução de trabalho (art. 39, inciso V), bem como estabelece que: "O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade". (art. 31, caput).

A jurisprudência do STJ, inclusive deste Estado, já se manifestaram no sentido de ser possível determinar como uma das condições do regime aberto a prestação de serviços:

"APELAÇÃO CRIMINAL - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (ART. 14, CAPUT, DA LEI 10.826/2003) - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE - FIXAÇÃO COMO CONDIÇÃO DO REGIME ABERTO - POSSIBILIDADE - PEDIDO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS AO DEFENSOR DATIVO - GARANTIA CONSTITUCIONAL - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

O serviço à comunidade adéqua-se na medida em que faz com que o acusado repense a sua conduta, exercendo atividade produtiva em benefício da coletividade. É reeducativa (terapia laboral), potencializando o conteúdo ético-social do trabalho gratuito, como oportunidade de enriquecimento do bem comum e crescimento da pessoa humana, cumprindo-se a finalidade pedagógico-educativa e inibindo a reincidência".

(TJ/PR, Apelação Crime 427830-0, 2ª Câmara Criminal, rel. Juiz de Direito Substituto em 2º Grau José Laurindo de Souza Netto, DJ 12.09.2008)

"EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. CONDIÇÃO ESPECIAL PARA O CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME ABERTO. POSSIBILIDADE.

O art. 115 da LEP autoriza o Magistrado fixar outras condições, além das gerais e obrigatórias, para o cumprimento da pena em regime aberto.

II - In casu, não se trata de pena restritiva de direitos substitutiva de pena privativa de liberdade (art. 43, inciso IV, e art. 46 do Código Penal), mas sim de condição especial na fixação do regime aberto, como forma de se alcançar a finalidade da execução penal. Ordem denegada"

(STJ, Habeas Corpus nº 100.417/SP, Quinta Turma, rel. Min. Felix Fischer, DJ 02.02.2009)

Por derradeiro, é certo que as determinações fixadas como condição para o cumprimento do regime aberto, in casu, a de prestação de serviços à comunidade, não implica na violação ao princípio do non bis in idem, pois são condições especiais que objetivam o atendimento da finalidade da execução penal, não se tratando de pena restritiva de direitos."

Mantenho inalterada a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade) e multa, na forma imposta na sentença.

Ademais, quanto ao pedido feito pela defesa em contrarrazões, pela fixação de honorários advocatícios, ressalto que já foi devidamente fixado em sentença.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso, para excluir a prestação de serviços à comunidade como condição para o cumprimento da pena em regime aberto.

É como decido.

III - DECISÃO

ACORDAM os integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria, em DAR PROVIMENTO ao recurso. Resta vencido o Juiz Convocado Rogério Etzel, que nega provimento ao recurso.

Participaram do julgamento o Desembargador Marcus Vinícius de Lacerda Costa e o Juiz Convocado Rogério Etzel.

Curitiba, 17 de dezembro de 2009.

JORGE WAGIH MASSAD
Relator

ROGÉRIO ETZEL
Voto vencido

DJ: 15/01/2010



Notas:

1 - Não se cuida, aqui, de confundir pena substitutiva com condição "acessória", mas e bom senso na fixação de condições de um regime que, a rigor formal, seria muito brando se os magistrados não se utilizassem da criatividade para torná-lo eficaz. Isto porque a fiscalização de horários de permanência e deslocamento do condenado para sua casa é algo um tanto ilusório (de impossível fiscalização - possível apenas em "filmes americanos"), para além de o Governo, em atitude de descaso para com a LEP, não ter construído as "casas do albergado". Portanto, irreal passa a ser o entendimento de que o juiz não pode, ao estabelecer outras condições, fixar como tal a prestação de serviços à comunidade, pois é uma das formas que possui para não desmoralizar o regime aberto. (Trecho da sentença proferida pelo Juiz José Maurício Pinto de Almeida junto a 10ª Vara Criminal de Curitiba) [Voltar]




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