Agravo regimental. Depoimento das testemunhas gravados em cd-rom sem a respectiva transcrição.
Tribunal de Justiça do Paraná - TJPR.
AGRAVO REGIMENTAL Nº 618.408-3/01, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA, 6ª VARA CRIMINAL
AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
INTERESSADO: SIRLEI CERINO DA LUZ RIBEIRO
RELATOR DESIGNADO: DES. LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO
AGRAVO REGIMENTAL - PROCESSUAL PENAL - DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS GRAVADOS EM CD-ROM SEM A RESPECTIVA TRANSCRIÇÃO - EXEGESE DOS ARTIGOS 195 E 216 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E DOS ARTIGOS 170 E 417, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, APLICADOS POR ANALOGIA, NOS TERMOS DO ARTIGO 3º DA LEI PROCESSUAL PENAL - OBRIGATORIEDADE DA TRANSCRIÇÃO -PROVIMENTO DOAGRAVO.
1. Nos termos do artigo 3º do Código de Processo Penal, a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerias de direito.
2. No silêncio da lei processual penal a respeito da possibilidade de registro de depoimentos através de qualquer método idôneo de documentação, no caso específico o CD-rom, aplica-se por analogia o disposto no artigo 417 do Código de Processo Civil.
3. Quando houver recurso da sentença é obrigatória da transcrição dos depoimentos tomados através de meio digital de som e imagem, sob pena de violação dos princípios do devido processo legal, publicidade dos atos e da ampla defesa.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo Regimental nº 618.408-3/01, da Comarca de Curitiba, 6ª Vara Criminal, em que é agravante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e interessado SIRLEI CERINO DA LUZ RIBEIRO.
1. Trata-se de agravo regimental oposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná, por meio da il. Procuradora de Justiça, Dra. Sonia Maria de Oliveira Hartmann, à decisão que houve por bem em indeferir o requerimento da Procuradoria Geral de Justiça para a degravação da prova oral colhida digitalmente.
Articula, em resenha, que nos termos do artigo 417 do Código de Processo Civil é obrigatória a transcrição dos depoimentos gravados, não só em razão da fragilidade do sistema, mas também, no intuito de permitir irrestrito acesso ao réu carente de recursos, notadamente no caso de eventual pedido revisional (sic - fls. 311).
É O R E L A T Ó R I O.
2. Com efeito, é crescente o uso do computador nos serviços forenses, não só pela facilidade que traz em si, mas também pela dinamização das audiências, mormente em razão do elevado número de processos que tramitam e das pautas sobrecarregadas, sendo certo que a lei processual deve tirar da técnica moderna o máximo de proveito.
Entretanto, a tecnologia e a modernização não podem vir em detrimento dos princípios processuais básicos, mormente o do devido processo legal, da publicidade dos atos e da ampla defesa, até que, através de legislação própria, seja possível a aplicação desta técnica em processo penal.
Destaque-se que não obstante os artigos 195 e 216, ambos do Código de Processo Penal, exijam que o interrogatório do réu e o depoimento das testemunhas, sejam reduzidos a termo, certo é que não dispõe acerca da gravação e a respectiva transcrição dos mencionados atos processuais, como o faz a lei processual civil.
O artigo 3º do Código de Processo Penal estabelece que a lei processual penal admitirá interpretação extensiva a aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerias de direito.
Segundo doutrina de Tourinho Filho, analogia é um princípio jurídico segundo o qual a lei estabelecida para um determinado fato a outro se aplica, embora por ela não regulado, dada a semelhança em relação ao primeiro. Supõe, como diz MAGGIORE: a) a falta de uma disposição precisa no caso a decidir; b) igualdade de essência entre o caso a decidir e o caso já regulado (Processo Penal, 1º vol. Editora Saraiva, 15ª edição, p. 153-154).
No mesmo sentido é o escólio de Júlio Fabbrini Mirabete:
Ao referir-se à aplicação analógica, o Código está mencionando a possibilidade da utilização da analogia, citada como um dos meios idôneos para o juiz decidir o caso quando a lei for omissa (art. 4º LICC). A analogia é uma forma de auto-integração da lei. Na lacuna involuntária desta, aplica-se ao fato não regulado expressamente um dispositivo que disciplina hipótese semelhante. Não é cabível, portanto, na hipótese em que a lei processual tem caráter inflexível, taxativo. É necessário, ainda, que haja semelhança entre o caso previsto e o não previsto, além de igualdade de valor jurídico e igualdade de razão entre ambos (ubi idem ratio, ubi idem ius) (Código de Processo Penal Interpretado, 7ª edição, Editora Atlas, SP).
Assim, inexistindo previsão legal sobre a gravação do interrogatório e dos depoimentos das testemunhas, através de meio digital de som e imagem e, tendo em vista o disposto no mencionado artigo 3º do Código de Processo Penal, deve-se adotar o estabelecido na lei processual civil, por analogia: ubi eadem legis ratio, ibi idem jus (onde existe a mesma razão da lei, aí ocorre o mesmo direito) e ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio (onde existe a mesma razão, aí tem lugar a mesma disposição da lei).
3. O artigo 170 do Código de Processo Civil, com a redação da Lei nº 8.952/94, permite não só o uso da taquigrafia, mas também da estenotipia ou qualquer outro meio idôneo, avultando-se desde logo, a informática, como ocorre na hipótese dos autos, em que os depoimentos das testemunhas (fls. 203) foram gravados em CD-rom.
Por outro lado, dispõe o artigo 417 do Código de Processo Civil, verbis:
Art. 417 - O depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, estenotipia, ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação.
Parágrafo único. O depoimento será passado para a versão datilográfica quando houver recurso da sentença ou noutros casos, quando o juiz o determinar de ofício ou a requerimento da parte.
Pontes de Miranda, em sua obra Comentários ao Código de Processo Civil, em edição atualizada por Sérgio Bermudes, adverte com propriedade:
O juiz só determina a transcrição datilográfica do depoimento estenografado, ou colhido por outro método idôneo (e.g., gravação feita pelo próprio juízo), antes ou depois da sentença, se a reputar conveniente, ou se deferir pedido da parte. Havendo recurso da sentença (a lei falou, prudentemente, em recurso, em vez de apelação, atenta ao fato de que, formalmente consideradas interlocutórias, entendem-se agraváveis certas sentenças, proferidas sem a extinção de todo o processo), a transcrição é obrigatória, para que o depoimento se faça acessível ao órgão recursal. Pode-se julgar sem a prévia transcrição, tanto assim que o parágrafo só a torna obrigatória existindo recurso (grifei, tomo IV, Editora Forense, pág. 468).
Também, o entendimento do doutrinador Nelson Nery Junior:
A transcrição do depoimento gravado é sempre necessária, ainda que o parágrafo único do CPC 417 só indique essa necessidade quando houver recurso da sentença. Isto porque pode ser tomado o depoimento de uma testemunha numa audiência, ou por precatória, e decidida a causa posteriormente, inclusive por outro juiz. Nestes casos o magistrado sentenciante não teria condições de avaliar o depoimento da testemunha, se não estivesse reduzido a termo escrito (Código de Processo Civil Comentado, Editora RT, 5ª edição, pág. 871).
Cândido Rangel Dinamarco, tratando da modernidade da documentação dos atos processuais, verbera:
Ao novo art. 170 associa-se, entre as inovações ditadas na lei n. 8.952, a redação agora dada ao art. 417, situado na secção da prova testemunhal, que assim se lê:
'o depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação'.
A essa exigência de assinatura dos registros pelos participantes do ato, o parágrafo 417 impõe também que, sendo interposto recurso da sentença (ou de alguma decisão interlocutória), seja feita a sua transcrição datilográfica. Tal determinação liga-se à óbvia observação de que os juízes do tribunal ad quem, não havendo participado da instrução oral, fatalmente terão necessidade dos textos escritos (grifei - A Reforma do Código de Processo Civil, 2ª edição, São Paulo, Editora Malheiros, 1995).
Destarte, havendo recurso da sentença, como no caso dos autos, é obrigatória a transcrição dos depoimentos gravados, sendo que a não transcrição do interrogatório do réu, bem como dos depoimentos das testemunhas, viola não só a norma do artigo 195 do Código de Processo Penal, mas também, o disposto no item 1.8.4, do Provimento nº 60 da Corregedoria da Justiça do Paraná (Código de Normas), que estabelece que dos atos gravados será lavrado termo de audiência de que constarão, resumidamente, a identificação do CD (compact disc) ou fita magnética, com o número dos autos, natureza da ação, data, nome das partes, depoimentos e testemunhos nele contidos e as deliberações do juiz, dificultando o acesso do conteúdo do ato às partes.
Ademais, o 'CD-rom' vem grampeado na contracapa do processo, sem qualquer medida de segurança, não só para evitar seu extravio, mas também, possíveis danos, tais como, arranhões e desmagnetização.
É perfeitamente possível a utilização de gravação fonográfica ou digital de som e imagem, nos termos do artigo 417 do CPC, bem como nos item 1.8.1 e seguintes do Código de Normas. Ocorre que, havendo recurso da sentença, obrigatoriamente, os depoimentos devem ser transcritos, pelos motivos alhures aduzidos, com ciência as partes.
Consigne-se que este Órgão julgador, é infenso ao excessivo rigorismo formal, que dá ensejo a infindáveis série de irregularidades e até nulidades processuais, contudo na aplicação do bom direito processual penal, não pode ser esquecido que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, buscando a verdade material, cujo livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio.
Outrossim, impende ressaltar, que não se deixa respiradouro para o frívolo curialismo, que se compraz em espiolhar irregularidades ou mesmo nulidades, entretanto, faz imperiosa a conversão do feito em diligência, para a degravação do interrogatório do réu e dos depoimentos das testemunhas colhidos durante a instrução criminal, mormente que em sessão de julgamento é impossível o relator prestar esclarecimentos aos demais integrantes do quorum, dos termos gravados em CD, cerceando também, a defesa, que fica inerte em poder esclarecer em sustentação oral, qualquer fato relevante extraído do interrogatório ou inquirições de testemunhas, inclusive ao Ministério Público.
Por tais razões, provejo o recurso, para que se proceda a respectiva transcrição da prova oral gravada em CD-rom.
EX POSITIS, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em prover o recurso, consoante enunciado.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Eduardo Fagundes e Jorge Wagih Massad, relator originário, vencido, com declaração de voto em separado.
Curitiba, 17 de dezembro de 2009
DES. LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO
Presidente e Relator Designado
DES. JORGE WAGIH MASSAD
Vencido, com declaração de voto em separado.
DJ: 08/01/2010
JURID - Agravo regimental. Depoimento das testemunhas gravados. [28/01/10] - Jurisprudência
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