Penal. Contrabando. Art. 334, caput, do CP. Importação de veículo usado.
Tribunal Regional Federal - TRF 4ª Região.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2004.70.08.002073-9/PR
RELATOR: Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO: GUILHERME CLAUDIO SIATKOVSKI
ADVOGADO: Defensoria Pública da União
EMENTA
PENAL. CONTRABANDO. ART. 334, CAPUT, DO CP. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO USADO. NÃO CONFIGURAÇÃO. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO.
Comprovada a internalização regular de caminhonete usada, de fabricação estrangeira, no território nacional, através de Termo de Entrada e Admissão Temporária de Veículo, não está configurado o delito de contrabando, porquanto ausente elemento objetivo do tipo - importação de mercadoria proibida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de dezembro de 2009.
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra Guilherme Claudio Siatkovski, pela prática, em tese, do delito previsto no art. 334, caput, do Código Penal. A exordial, recebida em 09.12.2005 (fls. 08/09), assim narrou os fatos criminosos:
"Consta dos autos que, mediante diligência policial realizada em 27 de setembro de 2004, na Alameda dos Limoeiros, s/n, na cidade de Pontal do Sul/PR, foi encontrada uma caminhonete Nissan Pathfinder, vermelha, de fabricação estrangeira, com placa XDL 22S, do Texas/EUA, abandonada e arrombada na porta traseira esquerda, de propriedade do denunciado GUILHERME CLAUDIO SIATKOVSKI.
Conforme laudo pericial de fls. 27/30, a mercadoria apreendida é de origem estrangeira, fabricada no Japão, sendo avaliada em R$ 14.000,00.
Mister salientar que o denunciado providenciou, em agosto de 1997, perante as autoridades aduaneiras, a entrada de veículo importado usado em território nacional, utilizando-o desde então, não obstante ter ultrapassado em muitos anos o prazo provisório assinalado para a sua permanência (18/02/98 - fls. 48-verso).
Em suma, constata-se que o denunciado, em fevereiro de 1998, de forma dolosa e consciente, importou mercadoria proibida (veículo usado), utilizando-a desde então em proveito próprio, até ser a mesma apreendida em fevereiro de 2004."
Regularmente instruída a ação penal, sobreveio sentença (fls. 233/239), que julgou improcedente a peça acusatória para absolver o denunciado, com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.
Irresignada, apelou a acusação. Em suas razões (fls. 242/245), sustenta, em síntese, estarem caracterizadas a autoria e a materialidade, bem como o dolo na conduta, uma vez que "restou claro e evidente que o réu tinha consciência das obrigações (legais) que lhe cabiam, pois sabia que o veículo deveria regressar ao país de origem" e foi expressamente alertado acerca de suas responsabilidades.
Oferecidas contrarrazões (fls. 255/259), subiram os autos a esta Corte.
A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso (fls. 264/269).
É o relatório.
À revisão.
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
VOTO
Na espécie em julgamento, consta da denúncia que Guilherme Claudio Siatkovski teria cometido o delito do artigo 334, caput, do Código Penal, por ter introduzido no território nacional mercadoria proibida (uma caminhonete usada, Nissan Pathfinder, vermelha, de fabricação estrangeira, com placa XDL 22S, do Texas/EUA), utilizando-a, desde então, em proveito próprio, até ser apreendida.
Consoante dispõem o art. 1º da Portaria nº 03/95 do Ministério da Fazenda e o art. 27 da Portaria nº 08/91 do DECEX, é vedada a importação de bens de consumo usados. Verifico, porém, que no caso vertente não está configurado o delito de contrabando. Vejamos.
Conforme descrito na exordial, o acusado, em agosto de 1997, providenciou perante as autoridades aduaneiras a entrada da caminhonete importada no território nacional, tendo o Ministério da Fazenda emitido o Termo de Entrada e Admissão Temporária de Veículo nº 045/97, com vigência de 11.08.1997 e 08.11.1997, prazo prorrogado até 18.02.1998 (fl. 48 do IPL).
Note-se, portanto, que a internalização do bem foi regular, tendo o denunciado, tão somente, deixado ultrapassar sem renovação o prazo provisório assinalado para a sua permanência no território nacional, conduta que não corresponde à descrita no tipo em questão, o qual descreve a importação ou a exportação de mercadoria proibida.
Ademais, o réu declarou que não utilizou o automóvel após ter vencido o prazo da admissão temporária, o que foi confirmado pelas testemunhas arroladas, bem como pelo próprio fato de a caminhonete ter sido apreendida na residência de veraneio do réu, estando lá abandonada (fl. 03 do IPL) e em mau estado de conservação (laudo à fl. 30 do apenso).
Acrescenta-se, por oportuno, que, ainda que admitida a tipicidade do fato descrito na exordial, não restaria demonstrada a presença de dolo na conduta do acusado, requisito necessário para a configuração do delito do artigo 334 do Estatuto Repressivo. Sobre a questão, peço vênia para transcrever o seguinte trecho da sentença absolutória (fls. 236v/238):
"Pois bem, o réu Guilherme Cláudio Siatkovski informou no Inquérito Policial que morava nos Estados Unidos desde 1986, possuído, inclusive o 'green card' (visto permanente de imigração), sendo que adquiriu o veículo NISSAN em 1994, quitando-o em 1997 (fl. 35). Disse que neste ano fez uma viagem dos Estados Unidos para os países da América Latina com o veículo, adentrando em território nacional em 11.08.1997, mediante a promoção na Receita Federal de Corumbá/MT a admissão temporária do veículo (90 dias), o qual realizou a prorrogação por mais 90 (noventa) dias na Receita Federal de Curitiba/PR, conforme documento de fl. 48 (Inquérito Policial).
Verifica-se do interrogatório do acusado à fl. 138 que o veículo apresentou problemas mecânicos antes mesmo de vencer o prazo de prorrogação da admissão temporária, o que ocorreu em 18.02.1998 (fl. 48, IP), e, diante, da situação financeira do acusado e os autos custos para o conserto do veículo, o deixou abandonado na casa de praia de sua sogra.
A alegação de que deixou de consertar o veículo por causa dos altos custos me parece verossímil, pois o veículo era de origem estrangeira, o que acarreta altos custos das peças, e até mesmo a falta delas. Aliás, o laudo de exame em veículo de fls. 27/30 avaliou o referido bem em aproximadamente R$ 14.000,00, valor inexpressivo se comparado a um eventual conserto.
Ressalto que a acusado adentrou regularmente no Brasil com veículo NISSAN, sendo que procedeu, ainda, à prorrogação da admissão temporária.
Percebe-se que o réu não agiu com vontade e consciência em importar mercadoria proibida, em termos finalísticos, ao contrário, procedeu à devida regularização temporária do bem na Receita Federal do Brasil, abandonando o veículo por razão econômico-financeira.
O depoimento das testemunhas de acusação confirmam o estado de abandono do veículo Nissan Pathifinder, vermelha de fabricação estrangeira, com placa XDL 22S, do Texas/EUA:
ALBERTO BORGES DA CUNHA (fl. 156)
'conhece o réu e a casa de veraneio dele em Pontal do Sul, há uns seis anos. O réu usa a casa mais na temporada de verão. O depoente mora em Pontal do Sul há 8 anos em uma casa que faz fundos para a do denunciado. Havia uma caminhonete estacionada na garagem da casa do réu, reconhecendo-a na foto de fl. 04 do IPL. Não viu ninguém mexendo na caminhonete, mas ouviu comentários nesse sentido. Em uma temporada a caminhonete estava com o réu nessa mesma residência e, terminado o verão, a deixou estacionada.'
VILSON SERAFIM ALVES (FL. 157)
'que já viu o réu por ser vizinho em Pontal do Sul. O depoente está morando no local há 4 anos e nessa época o réu já tinha casa no local. Tinha uma pick-up estacionada na garagem do réu. Acredita que lá permaneceu entre 7 meses e um 1 ano. Reconhece a caminhonete como sendo a constante na foto de fl. 04 do IPL. Nunca chegou a conversar com Guilherme e não o viu usando a caminhonete.'
A esposa do réu, Sra. Isabel Gaia, confirmou que 'entraram pelo Estado do Mato Grosso, onde obtiveram uma autorização provisória para que o veículo circulasse no território nacional; que devido a problemas mecânicos o carro acabou ficando parado, razão pela qual seu marido não se preocupou em regularizar a situação'.
O Laudo de Exame em Veículo de fls. 27/30 (Inquérito Policial) atesta o mau estado de conservação do veículo Nissan Pathfinder, o que demonstra que não era utilizado há muito tempo: 'Quando dos exames, o veículo encontrava-se em mau estado de conservação. A porta traseira esquerda encontrava-se amassada, não sendo possível trancar a porta. A numeração identificadora do veículo foi observada na plaqueta afixada no compartimento do motor e em uma etiqueta afixada na porta dianteira esquerda, ambas sem indícios de adulteração'.
Portando, não há subsunção da conduta do acusado ao crime de contrabando, ante a ausência do elemento subjetivo do tipo, o que não elide a responsabilidade administrativa do réu, diante da não regularização do veículo apreendido, nos termos da jurisprudência pátria:
EMENTA: PENAL. CONTRABANDO. ART. 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO USADO. DOLO. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. DUPLO DOMICÍLIO. ABSOLVIÇÃO.
1. Restando nos autos demonstrado que o réu mantém residência e atividades mercantis no Uruguai, ao lado de residência no Brasil, onde se encontram filhos e genitora, tem-se no máximo situação de duplo domicílio, o que exclui a condição de permanência no país, ínsita à proibição de ingresso de veículo usado.
2. Excluída resta a possibilidade de admissão do crime de contrabando, pela ausência do elemento subjetivo do tipo penal, autorizando-se no máximo a incidência de mera multa tributária (do art. 521, II, 'b', do Decreto nº 91.030/85 - Regulamento Aduaneiro). (TRF4, ACR 2004.72.08.001458-6, Sétima Turma, Relator Néfi Cordeiro, D.E. 18/06/2008)
A responsabilidade administrativa/tributária será apurada devidamente pela Receita Federal do Brasil, nos termos da legislação aduaneira que permitem a decretação da pena de perdimento ao veículo importado irregularmente.
Dispõe a legislação aduaneira no artigo 23, I e parágrafo único, do DL nº 1.455/76, regulamentado pelo artigo 618, XX, do Regulamento Aduaneiro, que:
Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:
I - importadas, ao desamparo de guia de importação ou documento de efeito equivalente, quando a sua emissão estiver vedada ou suspensa na forma da legislação específica em vigor;
(...)
Parágrafo único. O dano ao Erário decorrente das infrações previstas no "caput " deste artigo, será punido com a pena de perdimento das mercadorias.
Art. 618. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 105, e Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 23 e § 1o, com a redação dada pela Medida Provisória no 66, de 2002, art. 59):
(...)
XX - importada ao desamparo de licença de importação ou documento de efeito equivalente, quando a sua emissão estiver vedada ou suspensa, na forma da legislação específica;
Desse modo, incorrendo o réu em ilícito administrativo/tributário, não se legitima um decreto condenatório, ante a atipicidade subjetiva da conduta."
Dessa forma, considerando que a conduta praticada não se subsume ao tipo penal previsto no artigo 334 do Código Penal, deve ser mantida a sentença absolutória, ainda que por fundamento diverso.
Dispositivo
Pelo exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação supra.
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 16/12/2009
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2004.70.08.002073-9/PR
ORIGEM: PR 200470080020739
RELATOR: Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Paulo Afonso Brum Vaz
PROCURADOR: Dr. Manoel do Socorro Tavares Pastana
REVISOR: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO: GUILHERME CLAUDIO SIATKOVSKI
ADV. (DT): Rogerio de Paula Alves
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 16/12/2009, na seqüência 8, disponibilizada no DE de 10/12/2009, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a DEFENSORIA PÚBLICA. Certifico, também, que os autos foram encaminhados ao revisor em 24/11/2009.
Certifico que o(a) 8ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
RELATOR ACÓRDÃO: Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
VOTANTE(S): Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI
: Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
AUSENTE(S): Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Lisélia Perrot Czarnobay
Diretora de Secretaria
D.E. Publicado em 14/01/2010
JURID - Penal. Contrabando. Art. 334, caput, do CP. Importação. [29/01/10] - Jurisprudência
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