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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

JURID - Responsabilidade civil. Contrato de transporte. Acidente. [27/01/10] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Contrato de transporte. Acidente.
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Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.

DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível n. 2009.001.64479

Apelante1: Nina Iara Sales Cavalcanti

Apelante 2: Barcas S.A. Transportes Marítimos

Apelados: Os mesmos

Origem: Juízo de Direito da 51ª Vara Cível da Comarca da Capital

Relatora: Des. Luisa Cristina Bottrel Souza

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE TRANSPORTE. ACIDENTE ENVOLVENDO EMBARCAÇÃO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. DEFESA QUE SUSTENTA TER O ACIDENTE DECORRIDO DE EVENTO DA NATUREZA, CONFIGURANDO, POR ISSO, O CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR, O QUE ERA SUFICIENTE PARA AFASTAR A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR, ANTE O ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA QUE FOI EMBASADA NA ALEGAÇÃO DE NÃO TER SIDO A RÉ EFICIENTE NO AUXÍLIO AOS PASSAGEIROS ACIDENTADOS, TANTO EM MAR, COMO EM TERRA. A PROVA DOS AUTOS INDICOU QUE HOUVE FALHA NA PRESTACAO DO SERVIÇO, NA MEDIDA EM QUE, EM QUE PESE O INEDITISMO DA SITUAÇÃO, O FATO NÃO PODIA SER TIDO COMO IMPREVISÍVEL, EIS QUE JÁ NA PRIMEIRA VIAGEM O COMANDANTE DA EMBARCAÇÃO JÁ OBSERVARA AS CONDIÇÕES ADVERSAS DO MAR. ALÉM DO MAIS, A PROVA DOS AUTOS REVELOU QUE SERIA POSSÍVEL, AINDA QUE NÃO EVITAR O ACIDENTE, PELO MENOS MINIMIZÁ-LO, SE O COMANDANTE ESTIVESSE TRAFEGANDO EM MENOR VELOCIDADE E TIVESSE ADERNADO A EMBARCAÇÃO PARA UM ÂNGULO MAIS FAVORÁVEL. ALÉM DO MAIS, A TRIPULAÇÃO NÃO ESTAVA TREINADA PARA ATENDER AOS PASSAGEIROS, APAVORADOS E DESORIENTADOS. SITUAÇÃO QUE CONFIGURA FORTUITO INTERNO, COMO BEM DEFINIDO PELO DOUTO SENTENCIANTE. DANOS MORAIS BEM ESTIMADOS, SENDO IMPERIOSO DIANTE DA PROVA PERICIAL FIXAR-SE A INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MATERIAIS, QUE ALÉM DAS DESPESAS COMPROVADAS COM ATENDIMENTO MÉDICO DEVEM COBRIR OS 60 DIAS EM QUE A APELANTE FICOU INCAPACITADA PARA O EXERCÍCIO DE SUAS ATIVIDADES. PROVIMENTO PARCIAL DA PRIMEIRA APELAÇÃO E DESPROVIMENTO DA SEGUNDA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível, distribuídos sob o nº 2009.001.64479, em que são Apelantes (1) Nina Iara Sales Cavalcanti e (2) Barcas S.A. Transportes Marítimos, e Apelados os mesmos, Acordam os Desembargadores que compõem a Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em, por unanimidade, dar parcial provimento à primeira apelação e desprover a segunda.

Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2009.

Des. Luisa Cristina Bottrel Souza
Relatora

VOTO

A sentença deu correta solução à lide.

Na manhã do dia 24.04.2008, na baía de Guanabara, passageiros de uma das embarcações da ré, 2ª apelante, o catamarã Zeus, foram vítimas de inédito acidente. Enquanto fazia a travessia da Baía de Guanabara, a embarcação foi colhida por três ondas, a maior delas, com mais ou menos três metros de altura, tendo a água do mar invadido a embarcação, instalando o pânico e provocando a queda das pessoas, muitas delas, em torno de vinte, ficando feridas.

O fato é notório, tendo sido amplamente noticiado pela mídia, assim como eram conhecidas as condições adversas do tempo e do mar naquela manhã.

A 1ª apelante ajuizou a presente ação postulando indenização pelos danos materiais e morais que sofreu. Justificou sua pretensão no serviço defeituoso prestado pelo apelado, porque os tripulantes não sabiam como agir, estando absolutamente despreparados para lidar com a situação, não conseguindo ajudar os passageiros, que tiveram que prestar auxílio uns aos outros, não tendo o comandante também prestado qualquer informação, nem antes, nem depois do acidente. Ao desembarcar, já na Praça XV, não encontraram os passageiros socorro médico, tendo que aguardar por mais de trinta minutos, até que as ambulâncias chegassem para remoção dos feridos.

O 2º apelante nega essa desorganização. Aduz que a Capitania dos Portos não emitiu qualquer alerta para que as embarcações não saíssem para o mar. Certamente, não era previsível que enormes ondas atingissem a embarcação, daí porque o evento devia ser considerado como caso fortuito, e não como fortuito interno, porque esse dizia respeito a problemas ou defeitos ligados à máquina e ao homem, e relacionando-se com os riscos da atividade.

Não se discute que o acidente decorreu de evento da natureza, mas não era imprevisível. Colhe-se dos autos que o comandante já realizara duas outras viagens, naquele mesmo dia, sendo-lhe possível com sua larga experiência conhecer as péssimas condições de navegabilidade. Havia ressaca e fortes ventos. Assim, a decisão quanto a empreender viagem era sua, não sendo necessário que aguardasse ordens da Capitania dos Portos. Está registrado no Relatório do Capitão-tenente, encarregado do Inquérito aberto pela Capitania dos Portos, em fls. 103, verbis: "Foi observada e amplamente divulgada a ocorrência de uma forte ressaca no litoral do estado do Rio de Janeiro. Com a direção das ondas invadindo a Baía de Guanabara, a área de operação da embarcação apresentava ondas de dois a três metros de altura (estimada), recomendando precaução aos navegantes. Apesar da situação crítica de mar, a operação dos catamarãs foi mantida, não tendo sido registrada qualquer interrupção no serviço."

Em segundo lugar, também da prova documental se pode concluir que apesar da situação anormal, e até mesmo inevitável, se o comandante estivesse navegando em menor velocidade, possivelmente teria tido condições de ter um controle maior da situação. Do referido relatório, em fls. 103/4, extrai-se: "A manobra mais indicada seria posicionar a embarcação com a bochecha de BB voltada para as ondas e reduzir a velocidade, o que foi adotado após a ocorrência e apresentou bom resultado. Tanto que possibilitou o controle da embarcação e a condução da mesma até o terminal da Praça XV, sem outros incidentes. Realizaram também a análise da componente comercial, onde pesa a pressão sobre a tripulação para o cumprimento do horário, tanto pela empresa quanto pelos usuários do serviço, o que pode ter contribuído para a decisão do Comandante em manter a velocidade em 19 nós.

Dessas informações técnicas é possível, por isso, concluir que se a velocidade de navegação fosse menor as conseqüências do evento poderiam ter sido minimizadas.

A prova oral também revela o despreparo da tripulação, seja para prestar as corretas informações aos passageiros, seja para dominar o pânico que se instalou. Reconhece-se não ser fácil a tarefa de dominar tantas pessoas apavoradas, sendo lançadas ao chão, vendo a água do mar entrar pela embarcação, carregando passageiros e seus pertences. Mas, esse é um risco que decorre da própria atividade.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR. COMPOSIÇÃO DO METRÔ QUE SOFRE PANE E FICA PARADA POR MAIS DE UMA HORA, SUJEITANDO OS PASSAGEIROS AO DESCONFORTO, INSEGURANÇA E PÂNICO. HIPÓTESE TÍPICA DE CASO FORTUITO INTERNO. SENTENÇA QUE JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO. IMPROVIMENTO AOS RECURSOS. I A alegação da concessionária de que o fato decorreu de caso fortuito não pode ser acolhido, uma vez que se trata de típico fortuito interno - fato esperado e dentro do risco do empreendimento - e que não possui o condão de afastar a responsabilidade do transportador; II - Nas expressões inolvidáveis do eminente Ministro JOSÉ DELGADO "deve ser banida da cultura nacional a idéia de que ser mal atendido faz parte dos aborrecimentos triviais do cidadão comum". A incompetência da concessionária em não resolver problema relativo a ar comprimido do vagão, e o que é pior, sem ter uma solução de emergência para hipóteses semelhantes quanto à evacuação dos passageiros, deve preocupar nossas autoridades porque na hipótese de incêndio em um dos vagões poderá trazer consequências imprevisíveis; III - Os fatos demonstram que o Rio de Janeiro está distante do ideal de, quanto a transportes, receber "Copa do Mundo" de futebol ou "Olimpíadas"; IV - O dano moral está cabalmente configurado, pois como bem salientado pelo ilustre sentenciante as condições e o tempo em que os passageiros ficaram expostos é digno de causar todo tipo de dissabor; V - O valor arbitrado pelo ilustre sentenciante se mostra adequado nas circunstâncias;VI - Improvimento aos recursos. (0338740-68.2008.8.19.0001 (2009.001.50652) - APELAÇÃO; DES. ADEMIR PIMENTEL - Julgamento: 07/10/2009 - DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

Colhe-se também da prova oral que o socorro médico demorou mais de meia hora para chegar ao local (fls. 292; 293). Laura Reis Azeredo, funcionária da réu, confirma ter sido solicitado atendimento às vítimas, mas não informou se quando o catamarã atracou os médicos e ambulâncias já se encontravam no local. Ela ali estava, tendo visto os passageiros machucados, apesar, tudo indica, de não ter feito contato com os mesmos, deixando essa tarefa para a assistente social.

De tudo quanto foi exposto, resta evidente a prestação do serviço defeituoso, não sendo o fortuito interno suficiente para romper o nexo causal.

O valor da indenização pelo dano moral foi arbitrado com razoabilidade, atento o douto sentenciante a sua dupla função, não havendo razão para que seja majorado.

Os danos materiais devem cobrir o tempo em que a apelante permaneceu totalmente incapacitada para o desempenho de suas atividades normais. Segundo a prova pericial, foram 60 dias de incapacidade, o que lhe deve ser indenizado, observados os rendimentos que percebia ao tempo do acidente.

Não se tratando de condenação em prestações periódicas, não se aplica o disposto no art. 20, §5º, do CPC, estando correta a verba honorária fixada na sentença, que estimou como justa remuneração do patrono da vencedora o percentual de 10% do valor da condenação.

Como nem todos os pedidos formulados pela autora foram atendidos, tem-se como escorreita a distribuição dos ônus sucumbenciais.

À conta do exposto, o voto é pelo parcial provimento da 1ª apelação e desprovimento da segunda.

Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2009.

Des. Luisa Cristina Bottrel Souza
Relatora

RELATÓRIO

Nina Iara Sales Cavalcanti ajuizou ação indenizatória por danos morais e materiais, que seguiu o procedimento ordinário, em face de Barcas S.A. Transportes Marítimos.

Como causa de pedir, alegou que, no dia 24.04.2008, por volta das 7:50h, viajava como passageira do catamarã Zeus I, da empresa-ré, que faz o percurso pela Baía de Guanabara, da Estação de Charitas, no Município de Niterói, à Estação da Praça XV, no Rio de Janeiro, quando sofreu grave acidente, causado por três grandes ondas, que chegaram a três metros de altura, invadindo o interior da embarcação, derrubando a porta localizada na proa, que caiu sobre as pessoas acomodadas na primeira fileira; que, devido às fortes batidas do catamarã no mar, diversos bancos foram arrancados, dentre eles o seu, tendo sido obrigada a ficar de pé, agarrando-se, desesperadamente, na poltrona da frente. Acrescentou que vários passageiros foram atingidos e ficaram feridos, tendo a situação se agravado, em razão do despreparo da tripulação, que se manteve inerte, sem prestar qualquer socorro, e também pelo fato de a ré não ter disponibilizado equipamentos adequados para garantir a segurança dos passageiros, na medida em que os coletes salva-vidas encontravam-se amarrados, dificultando a utilização; que a ré não providenciou o pronto atendimento médico dos passageiros quando do desembarque, que tiveram que aguardar por cerca de 30 minutos a chegada do Corpo de Bombeiros; que devido ao incidente sofreu traumatismo e entorse de pé direito, e contusão no joelho direito, ficando incapacitada temporariamente para o trabalho. Requereu a condenação da ré no pagamento do dano material, consistente nos valores que despendeu com a tarifa de transporte (R$ 8,00); com o tratamento médico e/ou fisioterápico de que viesse necessitar para a sua completa recuperação, incluídas despesas com consultas, cirurgias, exames, medicamentos, internações; e por todo o período em que ficou afastada de suas atividades laborativas, a ser apurado em perícia médica, além do pensionamento, com base em percentual de eventual redução de capacidade laborativa, tomando-se por base os seus rendimentos, à época do acidente, além de indenização por dano moral, cujo valor deixou ao arbítrio do juízo.

A ré ofereceu contestação a f. 71-83, buscando afastar sua responsabilidade, alegando que o fato ocorrido no dia 24.04.2008, foi conseqüência de um ciclone extratropical, com origem no litoral do Rio Grande do Sul, que causou forte ressaca, deixando o mar com ondas de mais de cinco metros de altura em várias partes da cidade, o que foi noticiado na mídia escrita e televisiva; que, assim, o fato decorreu de um acontecimento externo (fortuito externo ou força maior), cuja previsão não foi possível nem mesmo ao serviço de meteorologia e à Capitania dos Portos do Estado do Rio de Janeiro; que, no entanto, a situação foi bem enfrentada pelo Comandante do catamarã, sendo inquestionável a qualidade de sua tripulação e embarcação, na medida em que enfrentou as ondas, sem que se registrasse acidentes em proporção maiores.

Ressaltou que as normas e procedimentos da Capitania dos Portos eram normas locais a serem seguidas pelos navegantes, cabendo ao Capitão dos Portos declarar a "impraticabilidade da barra", ou seja, as condições meteorológicas que impliquem riscos à segurança da navegação, o que não ocorreu. Disse ter providenciado imediatamente o socorro aos seus passageiros, através do Corpo de Bombeiros e Samu, e que o inquérito administrativo que tramitou perante a Capitania dos Portos foi arquivado, pois apurado não ter sido responsável pelo acidente. Acrescentou que o inquérito em trâmite na 1ª Delegacia de Polícia, ainda estava na fase de depoimentos; que seus funcionários eram de indubitável preparo, pois haviam participado de cursos obrigatórios para trabalhar em suas embarcações, tendo inclusive sido elogiados por passageiros; que na ocasião do fato, todos os passageiros usaram coletes; que todas as suas embarcações eram submetidas à freqüente manutenção; que no caso ocorrido com a embarcação Zeus, todas as medidas de segurança foram tomadas pela empresa, não havendo que se falar em ilicitude de sua conduta; que enviou telegrama à autora, solicitando o seu comparecimento à sua sede, a fim de que pudesse reembolsá-la do valor dos objetos danificados no evento, mas a autora não compareceu, preferindo demandá-la em juízo; que o fortuito externo rompe com o nexo causal, dando ensejo a exclusão da responsabilidade civil, razão pela qual indevidos danos morais e materiais.

Finda a instrução processual, foi prolatada sentença a f. 299-303, que julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos, verbis:

"Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão autoral para condenar a ré ao ressarcimento à autora do montante de R$ 119,82 (cento e dezenove reais e oitenta e dois centavos), referente às despesas com medicamentos, já comprovadas às fls.49/50, no qual incidirão juros de 1% ao mês a partir da data do desembolso, fluindo daí a correção monetária, pelos índices do TJRJ, bem como ao pagamento de compensação por danos morais no valor equivalente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigido desde a publicação da sentença e acrescido de juros moratórios desde a data do fato, nos termos do artigo 398 do Código Civil, sendo a taxa de juros de 12% ao ano. Em razão da sucumbência recíproca, a Ré suportará 1/3 e a autora 2/3 das custas do processo, bem como da verba honorária de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, atendido o disposto no art. 21 do CPC, observada a gratuidade de justiça ora concedida à demandante (fls.68)"

Inconformadas, apelaram ambas as partes.

Razões da autora a f. 305-326, pretendendo a majoração da indenização por danos morais e a fixação dos honorários advocatícios no percentual máximo e a condenação da ré no pagamento de pensão integral, pelo período em que ficou incapacitada fisicamente.

Razões da ré a f. 327-339, afirmando que não se opunha ao pagamento dos danos materiais, no valor de R$ 119,82, porém, pugnava pela reforma da sentença para afastar a condenação por danos morais, forte em que o evento se deu por conta de fortuito externo, que elidiu sua responsabilidade pelo ocorrido; que, ademais, adotou todas as providências necessárias para auxiliar os passageiros da embarcação Zeus.

Contrarrazões da autora a f. 344-352, seguindo-se as da ré a f. 353-363.

É o Relatório.

À douta Revisão.

Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2009.

Des. Luisa Cristina Bottrel Souza
Relatora

Publicado em 14/01/10




JURID - Responsabilidade civil. Contrato de transporte. Acidente. [27/01/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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