Uso de documento falso. Materialidade comprovada. CNH.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.
Número do processo: 1.0309.07.016397-2/001(1)
Número CNJ: 0163972-17.2007.8.13.0309
Relator: DOORGAL ANDRADA
Relator do Acórdão: DOORGAL ANDRADA
Data do Julgamento: 18/11/2009
Data da Publicação: 16/12/2009
EMENTA: USO DE DOCUMENTO FALSO. MATERIALIDADE COMPROVADA. CNH. AUTORIA COMPROVADA. DELITO CONFIGURADO. CONCESSÃO DE SURSIS NA SENTENÇA. ALTERAÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COM CONCESSÃO DE SURSIS PARA SUBSTITUIÇÃO DE PENA CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE. - O crime de uso de documento falso estabelece como tipo objetivo a utilização de documento material ou ideologicamente falso em sua específica destinação probatória. Dessa forma, se pretendia o recorrente provar a sua condição de motorista pelo documento por ele apresentado (carteira de habilitação falsa) à polícia no momento da abordagem, houve a ocorrência do crime. - Não há nos autos nenhuma demonstração de que a substituição de pena não seja indicada. O acusado preenche os requisitos do art. 44 do CP, motivo pelo qual viável a substituição de pena restritiva de direitos ao invés da concessão do sursis.
APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0309.07.016397-2/001 - COMARCA DE INHAPIM - APELANTE(S): MARCELO PEREIRA DE LIMA - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO. SR. DES. DOORGAL ANDRADA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM PROVER, EM PARTE, O RECURSO.
Belo Horizonte, 18 de novembro de 2009.
DES. DOORGAL ANDRADA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. DOORGAL ANDRADA:
VOTO
Trata-se de apelação criminal interposta por MARCELO PEREIRA DE LIMA em face da r. sentença de f. 63/65, em razão da qual fora condenado pela prática do delito capitulado no art. 304 do CP, à pena de 02 (dois) anos de reclusão e 10 dias-multa, em regime aberto, tendo sido concedido ao réu o benefício do sursis pelo mesmo período.
O caso dos autos diz respeito à apresentação para a autoridade policial de CNH falsa. Narra a denúncia que no dia 17/04/2007, os milicianos apreenderam a habilitação do acusado, sob a suspeita de ser falsificada. Submetido à perícia ficou constatado que o documento era materialmente autêntico, mas não constava no DETRAN dados acerca do prontuário do acusado, que admitiu ter adquirido a carteira de uma pessoa chamada "Alemão".
Nas razões recursais, alega o apelante que ficou comprovada a autenticidade do documento, através do laudo pericial, existindo, no mínimo, controvérsia sobre o assunto. Dessa forma, não poderia ter havido a condenação do acusado.
Expõe que a inexistência de dados do recorrente no DETRAN configura erro material.
Aduz que a condenação do acusado não pode se dar apenas com base na sua confissão.
Argumenta que em caso de manutenção da condenação, que a pena privativa de liberdade seja fixada no mínimo legal e seja substituída por restritiva de direitos.
Por fim, pugna por sua absolvição, tendo em vista os seus argumentos; ou que a pena seja substituída por restritiva de direitos (f. 71/75).
Contra-razões às f. 77/82, pugnando seja mantida a condenação.
Parecer da douta Procuradoria de Justiça às f. 91/97, opinando pelo desprovimento do apelo.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
A materialidade encontra-se consubstanciada pelo ofício emitido pelo DETRAN/MG, informando que não há registro em seu banco de dados a respeito do recorrente MARCELO PEREIRA DE LIMA (f. 29).
O crime de uso de documento falso estabelece como tipo objetivo a utilização de documento material ou ideologicamente falso em sua específica destinação probatória. Dessa forma, se pretendia o recorrente provar que era habilitado pelo documento por ele apresentado à polícia no momento da abordagem, houve a ocorrência do crime. Essa apresentação do documento ficou muito clara nos autos, tendo em vista que o apelante foi parado em uma ação de rotina da polícia.
Ademais, o uso do documento era capaz de iludir pessoas, tendo em vista as circunstâncias de sua utilização. O próprio laudo acostado aos autos atestou que o documento era materialmente verdadeiro, ou seja, capaz de enganar. Apenas os dados constantes no documento não eram verídicos.
A lição de Luiz Regis Prado, em sua obra Comentários ao Código Penal, São Paulo: RT, 2007, pág. 862, explica bem a situação ocorrida nos autos, servindo de sustentação para a presente decisão:
"Faz-se uso de um documento falso apresentando-o como genuíno (se materialmente falso) ou como verídico (se ideologicamente falso), para uma finalidade qualquer, desde que juridicamente relevante e relacionada com o fato a que o documento se refere." Itálico nosso.
Resta evidente a materialidade do delito apurado nos autos.
Para finalizar esse ponto, surge a jurisprudência do TJMG que estabelece o seguinte:
"Número do processo: 1.0105.03.104214-3/001
Relator: HYPARCO IMMESI
Data do Julgamento: 07/08/2008
Data da Publicação: 30/09/2008
Ementa: TRÂNSITO - USO DE DOCUMENTO FALSO - CNH - ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DA FALSIDADE - AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME NÃO DEMONSTRADA - O ilícito penal de uso de documento falso, - especificamente o de carteira nacional de habilitação para conduzir veículos automotores -, consuma-se quando o agente, portando o documento, exiba-o, ao ser solicitado. Cabe à defesa o 'onus probandi' acerca do alegado desconhecimento da falsidade do documento, mediante argumentos evidenciadores da ausência do elemento subjetivo do crime, ou seja, o dolo. Ademais, quem porta carteira de motorista ciente de que não se submeteu ao respectivo e obrigatório exame de habilitação, está, por óbvio, consciente de que essa carteira é falsa, o que vale dizer, age dolosamente ao fazer uso dela. É o bastante à configuração do delito do art. 304 do Código Penal (uso de documento falso, - especificamente o de carteira nacional de habilitação para conduzir veículos automotores -, quando o seu portador o exiba, ao ser solicitado pela autoridade competente).Súmula: NEGARAM PROVIMENTO. " Itálico e destaque nossos.
Dessa forma, não há que falar em ausência de dolo por parte do acusado, pois se não houve a submissão do recorrente aos trâmites normais para a obtenção da carteira, obviamente ela foi obtida por meios ilícitos. Quando da apresentação do documento aos policiais, fica evidenciado o crime.
A autoria também é induvidosa, uma vez que o acusado alegou, nas fases inquisitorial e judicial, ter adquirido a carteira de habilitação de maneira diversa dos trâmites normais (alegou que comprou a carteira).
Para tanto, vide depoimento prestado pelo acusado (f. 46): "que é verdadeira a denúncia que lhe está sendo imputada;".
A versão do recorrente foi firmada em juízo, sendo que assumiu ter adquirido a carteira sem se submeter aos exames necessários à obtenção lícita do documento. Sabedor dessa condição, não pode o agente alegar ausência de dolo ou erro de tipo, uma vez que sabia da origem indevida do documento.
Quem recebe carteira das mãos de outrem sem prestar o devido exame de habilitação perante o DETRAN, sabe ou, pelo menos deveria saber ser falso o documento.
Está presente o dolo, quando o agente, apesar de não ter se submetido aos trâmites para a obtenção da carteira, se apresenta aos policiais como motorista. A dúvida a respeito da origem lícita da CNH pode configurar, no mínimo, dolo eventual.
Portanto, a meu ver, todas as provas produzidas formam um conjunto probatório harmônico e desfavorável ao apelante, o que acertadamente autorizou um juízo de certeza para o decreto condenatório pelo crime de uso de documento falso, devendo-se por esta razão, ser mantida nesse ponto a r. decisão monocrática por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Não há que falar em redução da pena, uma vez que já foi fixada em seu mínimo legal.
Sobre o pedido de alteração do sursis pela substituição de pena, acredito que tem razão o recorrente. O sursis teria espaço se não fosse indicada ou cabível a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 77, III, CP).
Entretanto, não há nos autos nenhuma demonstração de que a substituição de pena não seja indicada. O acusado preenche os requisitos do art. 44, do CP.
As circunstâncias evidenciam a possibilidade de substituição, tanto assim que a pena foi fixada e mantida em seu mínimo legal, com a fixação do regime aberto para cumprimento. Desse modo, possível a substituição de pena corporal por restritiva de direitos.
Preenchidos os requisitos do art. 44, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, em entidade a ser determinada pelo juízo da execução; e pena pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, em favor de estabelecimento a ser designado pelo juízo da execução.
Quanto ao mais, fica mantido o que foi determinado na sentença.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, para que seja aplicado o benefício da substituição de pena restritiva de direitos ao invés da concessão do sursis.
Custas ex lege.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): HERBERT CARNEIRO e EDUARDO BRUM.
SÚMULA: RECURSO PROVIDO EM PARTE.
JURID - Uso de documento falso. Materialidade comprovada. CNH. [15/01/10] - Jurisprudência
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