Recurso em Sentido Estrito. Homicídio tentado. Decisão de pronúncia.
Tribunal de Justiça de Goiás - TJGO.
Recurso em Sentido Estrito nº 10.663-0/220 (200903816630)
Comarca de Formosa
Recorrente: Flávio José de Melo
Recorrido: Ministério Público
Relator: Des. José Lenar de Melo Bandeira
EMENTA: Recurso em Sentido Estrito. Homicídio tentado. Decisão de pronúncia. Legítima defesa própria. Absolvição sumária. Prova da materialidade e indícios de autoria. Impossibilidade. - O acolhimento da tese de absolvição sumária exige certeza plena da presença dos requisitos consubstanciadores da excludente de ilicitude da legítima defesa própria. A menor dúvida, por ínfima que seja, impõe seja a matéria apreciada pelo Conselho de Sentença, juízo natural para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, notadamente porque, nesta fase procedimental, vigora o princípio do in dubio pro societate, bastando à pronúncia a prova da materialidade e indícios de autoria. Recurso em sentido estrito conhecido e improvido.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso em Sentido Estrito nº 10.663-0/220 (200903816630), da comarca de Formosa, em que figura como recorrente Flávio José de Melo e recorrido Ministério Público.
ACORDA o Tribunal de Justiça de Goiás, pela Primeira Turma Julgadora da Segunda Câmara Criminal, em votação unânime, acolhendo o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do relator, que a este se incorpora.
Custa de lei.
Votaram, além do relator, que presidiu a sessão, os Desembargadores Ney Teles de Paula e Nelma Branco Ferreira Perilo, que completou a Turma Julgadora, dada a ausência justificada do Des. Prado.
Presente, representando o órgão de cúpula do Ministério Público, o Procurador de Justiça, Dr. Leônidas Bueno Brito.
Goiânia, 1 de dezembro de 2009.
José Lenar de Melo Bandeira
Desembargador Relator
R E L A T Ó R I O
Flávio José de Melo foi denunciado pelo representante do Ministério Público da Comarca de Formosa nas sanções do art. 121, caput, c/c art. 14, inc. II, do CP, por ter, no dia 21/01/2001, por volta das 02h30min, nas imediações da "Boate Brodway", tentado contra a vida de André Luiz Jacinto Albernaz, não obtendo êxito em sua empreitada criminosa por circunstâncias alheias à sua vontade.
Narra a exordial que o denunciado, ex-marido da esposa da vítima, tomado de ciúmes, passou a incomodar o casal nos encontros que tiveram em locais públicos, terminando por armar-se com um revólver Taurus, calibre 38, nº EF67273, disparando-o por duas vezes contra André Luiz, que se esquivou do primeiro disparo, e, quando ia receber o segundo tiro na cabeça conseguiu desviar a trajetória do projétil.
Denúncia recebida (fl. 66), citado (fl. 75), qualificado e interrogado (fls. 78/79), o acusado apresentou defesa preliminar com rol de testemunhas (fl. 81). Colhida a prova oral (fls. 92/97, 117/120), as partes ofertaram as derradeiras alegações (fls. 125/127, 142/146), culminando com a prolação da sentença que pronunciou Flávio José de Melo nos termos da preambular acusatória (fls. 150/154), decisão contra a qual manifesta recurso em sentido estrito para lograr absolvição sumária por ter agido em legítima defesa própria.
Em tempo hábil, a Promotora de Justiça contra-arrazoou o recurso em sentido estrito (fls. 177/183). Exercendo o juízo de retratação, a magistrada singular manteve a pronúncia (fl. 185). Remetido à instância superior, manifestou o Procurador de Justiça pelo conhecimento e improvimento do recurso (fls. 191/197).
É o relatório.
V O T O
Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por Flávio José de Melo, pronunciado nas penas do art. 121, caput, c/c art. 14, inc. II, do CP, por ter disparado dois tiros contra André Luiz Jacinto Albernaz, marido de sua ex-esposa, não o matando por circunstâncias alheias à sua vontade. Fato que nega, sustentando a tese de legítima defesa própria, defendia-se de agressões da vítima.
Compulsando detidamente os elementos de convicção que instruem os autos, tenho que o recurso não pode prosperar, uma vez presentes os requisitos legais para prolação da decisão de pronúncia, quais sejam: a prova da materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria.
A orientação dos Tribunais, inclusive do Colendo STJ, é no sentido de que: "A pronúncia é mero juízo de admissibilidade da acusação, com o fim único de submeter o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri, sendo sua natureza meramente processual, logo, basta ao Juiz que a prolata estar convencido da existência do crime e demonstrar os indícios da autoria" (STJ, 5ª Turma, HC 66038/BA, Rel.ª Min.ª Jane Silva, v.u., j. 14.08.2008; in DJU de 17.09.2008, p. 312.).
A materialidade ressai comprovada do Auto de Exibição e Apreensão (fl. 15), Laudo de Eficiência de Arma de Fogo (fl. 17) e do Laudo de Exame Pericial de Local de Disparos de Projéteis de Arma de Fogo (fls. 18/20).
Os indícios de autoria, por sua vez, fluíram da palavra do recorrente ao assumir que "sacou o revólver e efetuou dois disparos para o alto, sendo que estes disparos perfuraram o telhado do estabelecimento" (fl. 79).
Contudo, o recorrente justifica que tem uma filha com Janaine, atual esposa da vítima, que passou a persegui-lo após ajuizar ação para modificação de cláusula de visita à menor. No dia dos fatos, chegou primeiro ao local, um pit-dog, e foi surpreendido com um soco nas costas. Começada a confusão, disparou a arma para defender-se, não consumando o crime por vontade própria, consoante testemunhos de Neirismar Figueiredo dos Santos (fl. 25) e Almir Pereira de Jesus (fl. 29). Daí a irresignação com a decisão de pronúncia, almejando a absolvição sumária por ter agido em legítima defesa própria.
Fragilizando a tese recursal, André Luiz Jacinto Albernaz disse que "foi perseguido pelo acusado (...) em dado momento ouviu o primeiro disparo, o acusado veio empunhando a arma em sua direção; (...) teve início a luta corporal (...) durante a briga ocorreu o segundo disparo; (...) Flávio aproximou-se muito e ao segurar o braço dele e tentar se esquivar houve o segundo disparo, (...) o acusado apontava a arma em sua direção no momento em que segurou o braço dele; (...) pessoas presentes no local e policiais militares seguraram o acusado e tomaram a arma dele; (fl. 93).
No mesmo sentido Nelson Lelis Ribeiro esclareceu que "em determinado momento surgiu uma discussão entre acusado e vítima, acrescentando que em um instante Flávio sacou de uma arma e os dois começaram a brigar, (...) entraram em luta corporal logo após o primeiro disparo (fl. 95).
Os excertos transcritos não autorizam a conclusão pretendida, de legítima defesa própria, em termos de certeza, pela ausência de elementares da causa justificadora de criminalidade. Não saltam aos olhos a moderação e a necessidade do meio empregado. A absolvição sumária na pronúncia somente é possível se a excludente de ilicitude tiver sido comprovada plenamente. Havendo dúvida, remete-se à deliberação do Júri.
Nesse sentido a jurisprudência da Casa: "A absolvição sumária, com fulcro na legítima defesa, nos processos de competência do Tribunal do Júri, reclama prova cristalina da excludente da ilicitude. Havendo prova da materialidade delitiva e indícios suficientes da autoria, impõe-se a pronúncia, viabilizando a apreciação do meritum causae pelo Colegiado Popular, com fulcro no artigo 413 do Código de Processo Penal." (TJGO - 1ª Câmara Criminal - RSE nº 10.357-3, Rel. Des. Itaney Francisco Campos, DJ 304, de 27.03.09); "Não merece acolhida pedido de absolvição sumária fundado na alegação de que o acusado encontrava-se sob o pálio da legítima defesa, se da prova colacionada os requisitos inerentes à referida excludente não se apresentarem extremes de quaisquer dúvidas, caso dos autos, impondo-se, portanto, que a apreciação da matéria seja submetida ao Júri, seu desaguadouro natural." (TJGO - 2ª Câmara Criminal - RSE nº 10.550-5, Rel. Des. Prado, DJ 430, de 30.09.09).
A propósito, sobre a decisão de pronúncia, ensina Fernando Capez: "Na pronúncia, há um mero juízo de prelibação, pelo qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem penetrar no exame do mérito. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência. No caso de o juiz se convencer da existência do crime e de indícios suficientes da autoria, deve proferir sentença de pronúncia, fundamentando os motivos de seu convencimento. (...) Trata-se de decisão interlocutória mista não terminativa, que encerra a primeira fase do procedimento escalonado. A decisão é meramente processual, e não admite que o juiz faça um exame aprofundado do mérito, sob pena de se subtrair a competência do Júri (...) O juiz verifica apenas se a acusação é viável, deixando o exame mais acurado para os jurados. Somente não serão admitidas acusações manifestamente infundadas, pois há juízo de mera prelibação". (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 14.ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 652).
Portanto, malgrado a irresignação do recorrente, eventuais incertezas resolvem-se em favor da manutenção da pronúncia, porque nesta fase processual vigora o princípio do in dubio pro societate, ou seja, em caso de dúvida, esta deve ser dirimida pelo Conselho de Sentença, juízo constitucional soberano dos crimes dolosos contra vida, conforme dispõe o art. 5.º, XXXVIII, alínea "d", da CF/88.
Por tais razões, acolhendo o parecer ministerial, conheço do recurso mas nego-lhe provimento, mantendo intacta a decisão atacada, a fim de que o acusado Flávio José de Melo seja submetido a julgamento pelo Tribunal Popular.
É o voto.
Goiânia, 1 de dezembro de 2009.
José Lenar de Melo Bandeira
Desembargador Relator
DJ 480 de 15/12/2009
JURID - Recurso em Sentido Estrito. Homicídio tentado. Pronúncia. [25/01/10] - Jurisprudência
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