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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

JURID - Ação ordinária c/c pedido de tutela antecipada. [26/01/10] - Jurisprudência


Ação ordinária c/c pedido de tutela antecipada. Fornecimento de medicamentos.


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.

Processo: 2009.010080-2

Julgamento: 19/01/2010 Órgao Julgador: 1ª Câmara Cível Classe: Apelação Cível

Apelação Cível n° 2009.010080-2

Origem: 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal/RN.

Apelante: Estado do Rio Grande do Norte.

Procuradora: Adriana Torquato da Silva Ringeisen. 1997/RN

Apelado: Francisco Inocêncio da Silva.

Def. Pública: Cláudia Carvalho Queiroz. 4844/RN

Relator: Desembargador Vivaldo Pinheiro.

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA C/C PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO, DE FALTA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. MÉRITO: OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. SENTENÇA VÁLIDA. RECONHECIMENTO DO DIREITO. PRECEITO COMINATÓRIO. DIREITO À VIDA, SAÚDE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INAPLICABILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL. ORIENTAÇÃO DO STF. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO. SITUAÇÃO DE CARÊNCIA DO PACIENTE. DEVER DO PODER PÚBLICO. PRECEDENTES UNÍSSONOS DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL, DO STJ E DO STF. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO DO RECURSO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas:

Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer da 2ª Procuradoria de Justiça, transferir para o mérito as preliminares suscitadas pelo Estado Apelante. No mérito, pela mesma votação e consoante o parecer Ministerial, conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que passa a fazer parte integrante deste.

RELATÓRIO

1. Trata-se de Recurso de Apelação Cível interposto pelo Estado do Rio Grande do Norte contra Francisco Inocêncio da Silva, face à sentença proferida em sede de Ação de Ordinária c/c Pedido de Tutela Antecipada na qual o Juízo de Primeiro Grau julgou procedente o pedido inicial e condenou o Estado do Rio Grande do Norte a fornecer, sem ônus, a aplicação do Iodo 131 e os exames PCI Pré Dose e PCI Pós Dose, conforme descrito no receituário médico.

2. Inconformado, o Estado interpôs recurso de apelação cível apontando as seguintes preliminares: 1) nulidade da sentença por ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário com a União e o Município do Natal, consequentemente deslocando o feito à Justiça Federal; 2) falta de interesse superveniente ante a perda do objeto e 3) ilegitimidade passiva ad causam do Estado do Rio Grande do Norte para o fornecimento de medicamentos oncológicos.

3. Destacou que a garantia de saúde é da prestação universal e não particular quanto à assistência.

4. Destacou a impossibilidade de o Poder Judiciário determinar prestações por parte do Poder Público sem que existam meios disponíveis para tanto, sob pena de penalizar os recursos concernentes aos outros deveres do Estado.

5. Afirmou que a escolha do medicamento cabe ao Ente Público, nos termos do art. 244 do Código Civil de 2002.

6. Ao final, requereu o acolhimento das preliminares e, no mérito, pugnou pelo provimento do recurso com o fito de reformar a sentença de Primeiro Grau, julgando improcedente o pedido formulado na incial ou, eventualmente, manifestação explícita das matérias pertinentes às Leis Federais e artigos constitucionais.

7. Às fls. 91/117, a parte apelada apresentou contrarrazões ao recurso, pugnando pelo seu conhecimento e improvimento.

8. O Ministério Público, através da Segunda Procuradoria de Justiça emitiu parecer de estilo em que ratificou os termos da sentença de Primeiro Grau e opinou pela rejeição das preliminares suscitadas, e, no mérito, pelo conhecimento e improvimento do apelo.

9. É o relatório. Segue o voto.

VOTO

PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO, DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR SUPERVENIENTE E ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM SUSCITADAS PELA PARTE APELANTE

10. Ab initio, verifica-se que a matéria denominada de preliminares pela parte ora apelante se confundem com o próprio mérito da demanda, razão porque voto pela transferência das mesmas para a análise do mérito recursal.

MÉRITO

11. Preenchidos os requisitos de admissibilidade conheço da presente Apelação Cível.

12. Inicialmente, sustentou o recorrente a deficiência na formação do pólo passivo da demanda, sob o argumento de haver responsabilidade solidária entre o Estado, o Município e a União, nos ônus da política pública de saúde.

13. Segundo as disposições constitucionais, a saúde pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público, ou seja, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, conjuntamente, devem garantir o direito à saúde aos cidadãos, que inclui, por razões lógicas, o fornecimento gratuito de medicamentos e congêneres a pessoas desprovidas de recursos financeiros para a cura, controle ou atenuação de enfermidades.

14. Cumpre transcrever o art. 196 da Constituição Federal:

"Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

15. Assim, à luz do art. 196 da Constituição Federal, trata-se de responsabilidade solidária entre os entes federados, desempenhando atividades de forma conjunta, assegurando o direito fundamental à saúde, uma vez que conforme se observa o artigo supramencionado se refere ao Estado de forma dilatada, albergando todas as pessoas políticas.

16. Conseqüentemente, o Estado, a União e o Município são responsáveis solidários, podendo figurar no pólo passivo deste tipo de feito tanto em conjunto, quanto separadamente.

17. Assim, o necessitado de medicamento pode pleitear a qualquer ente federativo, sem a necessidade de chamamento ao processo, conforme, aliás, orientação desta Corte:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INTRUMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA, PARA DETERMINAR AO AGRAVANTE QUE FORNECESSE MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO INDISPENSÁVEL À SAÚDE. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E DE NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO, AMBAS SUSCITADAS PELO AGRAVANTE. DESNECESSIDADE DE INCLUSÃO DA UNIÃO E DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO. REJEIÇÃO. MÉRITO. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DE MEDICAMENTOS. DIREITO À SAÚDE. GARANTIA FUNDAMENTAL ASSEGURADA NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAL E ESTADUAL. CONSTATAÇÃO DO PERIGO DE DANO IRREPARÁVEL À SAÚDE DA AGRAVADA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO." (AI 2007.005731-6, 2ª Câmara, Rel. Des. Claudio Santos, j. 13.11.07)

18. Igualmente, não prospera a tese de ilegitimidade passiva do apelante. O art. 196 da Constituição Federal, ao determinar que a saúde é direito de todos e dever do Estado, refere-se a todos os Entes da Federação, os quais possuem competência comum no cuidado da saúde da população (art. 23, II, da CF).

19. Ademais, é cediço que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS, instituído pela Lei nº 8.080/90, é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, tendo qualquer dos entes legitimidade para figurar no pólo passivo das demandas que lhe digam respeito (STJ, REsp 693.466/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2005, DJ 14/11/2005 p. 267).

20. Neste sentido, dispõe o artigo 198, §1º da Constituição Federal:

"Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

(...)

§ 1º - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios, além de outras fontes." (grifo nosso)

21. Colhe-se da jurisprudência desta egrégia Corte de Justiça, orientação no mesmo sentido (TJRN, Apelação Cível n° 2007.005434-1, Rel. Juíza convocada FRANCIMAR DIAS, 1ª Câmara Cível, julgamento em 16/10/2007; e Agravo de Instrumento n° 2007.004898-4, Rel. Des. CLÁUDIO SANTOS, 2ª Câmara Cível, julgamento em 30/10/2007).

22. No que tange à ausência de interesse de agir (necessidade, utilidade e adequação) por perda do objeto arguida pela parte ora apelante, observa-se que permanece incólume, haja vista que a condenação fixada na decisão interlocutória e mantida na sentença, consiste em uma obrigação de entregar coisa certa, vale dizer, execução de trato sucessivo ou continuado, permanente enquanto perdurar a necessidade dos aludidos fármacos.

23. Compulsando os autos verifica-se que o cerne recursal consiste na análise da responsabilidade do Estado em fornecer ao autor medicamento indispensável à saúde.

24. Sobre o tema, é válido salientar o posicionamento da Jurisprudência dos Tribunais no sentido de garantir judicialmente o direito à saúde, ainda que, aparentemente, não haja recurso financeiro disponível. Fala-se em 'aparentemente', pois sabe-se que há a possibilidade de utilização de créditos adicionais ou remanejamentos de verbas de uma rubrica menos importante para outra mais essencial. Há precedente desta Corte e Câmara no mesmo sentido:

"EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. PRESTAÇÃO QUE PODE SER EXIGIDA DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS, ISOLADAMENTE, CONTRA DOIS DELES, OU ATÉ MESMO CONTRA TODOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE ORÇAMENTÁRIA E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DIREITO À SAÚDE. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. PACIENTE QUE APÓS SER SUBMETIDO AO TRATAMENTO CONVENCIONAL DE QUIMIOTERAPIA, APRESENTOU RECIDIVA DA DOENÇA. NECESSIDADE DE INTRODUÇÃO DE NOVO MEDICAMENTO, FACE À FALÊNCIA DOS ESQUEMAS ANTERIORES. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO RECURSO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA."

(Agravo de Instrumento 1N.º 2007.002154-8, 1ª Câmara. Rel. Dr. Nilson Cavalcanti - juiz convocado, DJ 18/07/2007).

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. INOCORRÊNCIA. PROCESSO NECESSÁRIO, ÚTIL E ADEQUADO. CARÊNCIA DE AÇÃO NÃO VERIFICADA. REJEIÇÃO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. OBRIGAÇÃO ESTATAL. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E NÃO PROVIDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA A QUO.

1. Constitui obrigação estatal, prescrita na Carta Magna, proporcionar ao cidadão o tratamento necessário, bem como fornecer os medicamentos imprescindíveis à cura ou prolongação da vida.

2. Remessa necessária conhecida e não provida."

(Apelação Cível N.º 2005.004864-1, 1ª Câmara. Rel. Des. Expedito Ferreira, DJ 18/07/2007).

25. Não se pode olvidar que, in casu, o que se pretende tutelar é bem jurídico da maior importância, qual seja, a vida humana, cuja proteção decorre de imperativo constitucional, como prevê o art. 5º, caput, da Constituição Federal, tendo primazia sobre qualquer bem ou interesse meramente patrimonial.

26. Neste diapasão, tendo em consideração que os medicamentos pleiteados serão utilizados na tentativa de prolongar a vida do apelado - vivência com dignidade da pessoa humana, qualidade - observado o espírito da lei, entendo que o magistrado de Primeiro Grau agiu com acerto, determinando ao apelante e ao Município de Natal que arcasse com os custos do tratamento.

27. É preciso aplicar a proporcionalidade e a razoabilidade para investigar qual a maneira mais eficiente de proteção da pessoa humana, encontrando um ponto de equilíbrio que atenda o fim da supremacia do interesse público, o que, no caso em testilha, leva à forçosa conclusão de que a economia proporcionada aos cofres públicos diante do risco à saúde e vida de um ser humano é um valor secundário a ser considerado.

28. Quanto à questão da reserva do possível, compreendo que não pode ser utilizada pelo Estado com o fito de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sendo que, conforme precedentes do próprio STF não cabe ser aplicada contra pretensões razoáveis e quando houver lastro financeiro por parte da administração para a empreitada. Ressalte-se que não basta afirmar a inexistência de disponibilidade orçamentária, é preciso comprová-la.

29. Não se aplica a reserva legal quanto ao presente caso pois vida e saúde são, nas letras do STF: "bens máximos e impossíveis de ter sua proteção postergada". (AgRg no Resp 921590/RS, Ministra Eliana Calmon - julgado em 29/08/2007).

30. No que tange a alegação do Estado Apelante no que diz respeito a escolha do medicamento, igualmente não merece prosperar, uma vez que na receita firmada pelos médicos responsáveis pelo acompanhamento clínico do apelado, encontra-se a prescrição do tratamento medicamentoso buscado na petição inicial, devendo, até prova em contrário, ser o medicamento mais adequado para o controle da patologia, salvo no caso de ser comprovado que outro medicamento cumpra com os mesmo benefícios.

31. Ante o exposto, em consonância com parecer da 2ª Procuradoria de Justiça, conheço e nego provimento ao presente recurso de Apelação Cível para manter a decisão de Primeiro Grau por seus próprios e jurídicos fundamentos, bem como nos termos deste voto.

É como voto.

Natal, 19 de janeiro de 2010.

Desembargador CRISTÓVAM PRAXEDES
Presidente

Desembargador VIVALDO PINHEIRO
Relator

Dr. HUMBERTO PIRES DA CUNHA
14º Procurador de Justiça




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