Improbidade. Prefeito. Incompetência do Juízo de 1º Grau. Nova posição do STF e STJ.
PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DE GOIÁS
SEXTA VARA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (Classe 7.300)
Processo n. 2009.35.00.025241-7
D E C I S Ã O
Trata-se de ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de DIVINO ALEXANDRE DA SILVA, EFRAIN ANTÔNIO ALVES e ROTAL HOSPITAL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., objetivando provimento jurisdicional que condene os requeridos nas sanções previstas no artigo 12, inciso II, da Lei n. 8.249/92, em decorrência da suposta prática de atos de improbidade administrativa que teriam causado danos ao erário, na execução do convênio n. 2703/2004, celebrado entre a Prefeitura de Panamá/GO e o Fundo Nacional de Saúde - FNS. Tais atos teriam consistido em frustrar a licitude do convite n. 010/2004, destinado à compra de equipamentos hospitalares e, em decorrência, e adquirir os referidos equipamentos por preços superiores aos de mercado.
Afirma a parte autora, em síntese, que através do procedimento administrativo n. 1.18.000.000975/2009-94, constataram-se irregularidades na gestão de programas/ações do Ministério da Saúde no município de Panamá, apontadas no relatório de fiscalização n. 866/2006 da Controladoria-Geral da União.
Acrescenta o MPF que o prefeito demandado teria adquirido os equipamentos hospitalares objeto da empresa requerida após promover a realização de um arremedo de processo licitatório, eivado de irregularidades que teriam frustrado o caráter competitivo do procedimento.
Ressalta, nesse ponto, que além de não ter havido comprovação de realização de pesquisa de preços de mercado, duas das três empresas participantes do convite pertenceriam à mesma família.
Ademais, restaria comprovado que esses equipamentos foram adquiridos por preços superiores aos praticados pelo mercado, inclusive pela própria empresa vencedora (fls. 56 e 139/41), o que teria gerado um dano ao erário no importe atual de R$ 10.246,00 (dez mil, duzentos e quarenta e seis reais).
A inicial veio acompanhada dos documentos de fls. 08/145.
É o sucinto relato do feito. Decido.
Inicialmente, a posição do Supremo Tribunal Federal era no sentido de que a ação de improbidade, de cunho cível, deveria ser ajuizada perante o juízo de primeiro grau, mesmo que de seu pólo passivo constasse pessoa com prerrogativa de foro para ações penais. Tal entendimento foi manifestado em sede de controle concentrado de constitucionalidade, no âmbito das ADIs n. 2.797 e 2.860 (julgadas a 15/09/05). Entretanto, posteriormente, o STF julgou a questão de ordem em petição n. 3.211-0 (julgamento a 13/03/08) valendo-se do entendimento de que a competência para a ação de improbidade é do órgão a quem caberia conhecer de ação penal em face do mesmo réu.
Muito embora o caso julgado pelo STF em sede de petição tivesse no pólo passivo um ministro daquele tribunal, o entendimento ali exarado se aplica a quem quer que detenha, com base na Constituição, prerrogativa de foro para ações penais, posto que caberia ao mesmo órgão conhecer tanto das ações penais quanto das ações de improbidade em face de tal réu, não obstante o texto constitucional só se refira explicitamente à competência criminal. Tal se daria por força de competência implícita complementar.
Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
COMPETÊNCIA. IMPROBIDADE. GOVERNADOR. [...] O STF, em 13/3/2008, com apenas um voto contrário, declarou competir a ele julgar ação de improbidade contra seus membros (QO na Pet. 3.211-0, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJe 27/6/2008). Considerou, para tanto, que a prerrogativa de foro, em casos tais, decorre diretamente do sistema de competências estabelecido na CF/1988, que assegura a seus ministros foro por prerrogativa de função tanto em crimes comuns, na própria Corte, quanto em crimes de responsabilidade, no Senado Federal. Por isso, seria absurdo ou o máximo do contrassenso conceber que ordem jurídica permita que um ministro possa ser julgado por outro órgão em ação diversa, entre cujas sanções está também a perda do cargo. Isso seria a desestruturação de todo o sistema que fundamenta a distribuição da competência. Esses mesmos fundamentos de natureza sistemática autorizam a concluir, por imposição lógica de coerência interpretativa, que uma norma infraconstitucional não pode atribuir a juiz de primeiro grau o julgamento de ação de improbidade administrativa - com possível aplicação da pena de perda do cargo - contra governador que, a exemplo dos ministros do STF, também tem assegurado foro por prerrogativa de função tanto em crimes comuns (no STJ) quanto em crimes de responsabilidade (na respectiva Assembléia Legislativa). É de se reconhecer que, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (art. 105, I, a, CF/1988), há, em casos tais, competência implícita complementar do STJ.
Precedentes citados do STF: ADI 2.860-DF, DJ 19/12/2006; do STJ: Rcl 591-DF, DJ 15/5/2000; Pet 2.588-RO, DJ 9/10/2006; Pet 2.639-RJ, DJ 25/9/2006; AgRg na MC 7.487-GO, DJ 17/4/2006; Pet 2.593-GO, DJ 6/11/2006, e Rcl 2.197-DF, DJe 9/3/2009. Rcl 2.790-SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgada em 2/12/2009.
Exposto o entendimento acima, ao qual me filio, observo que a Constituição Federal concedeu aos prefeitos prerrogativa de foro, conforme se lê do art. 29, inciso X. Tal prerrogativa foi melhor explicitada pelo STF através da Súmula 702, que reza: "A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau." Assim, na Justiça Federal, cabe ao tribunal regional federal da respectiva região conhecer de ação penal em face de prefeito, cabendo-lhe também conhecer de ações de improbidade ajuizadas em face do mesmo, por força do entendimento já exposto.
Considerando que o réu Divino Alexandre da Silva é prefeito municipal de Panamá-GO, este juízo não tem competência para conhecer do pedido em face dele. Deve-se ressaltar, ainda, que inobstante a conexão, o prefeito e os demais réus não podem ser julgados conjuntamente pelo TRF da 1ª Região, posto não ser aquele tribunal abstratamente competente para conhecer da ação em relação aos demais réus. Tratando-se a ação de improbidade de causa cível, não se aplicam ao caso os artigos 78, inciso III e 79 do CPP, que preconizam a reunião de ações conexas cuja competência seja atribuída a órgãos jurisdicionais de hierarquia funcional diversa. Assim, em se tratando de feito submetido à disciplina do CPC, aplica-se ao caso o disposto no art. 102, que não permite a modificação da competência funcional.
Por fim, cumpre-me fazer duas ressalvas.
Primeiramente, destaco que não constitui objeto deste provimento o tema da possibilidade jurídica de um agente político, sujeito ao regime de crime de responsabilidade, responder também por improbidade. Esse tema, examinado pelo STF na reclamação n. 2.138, encontra-se além do escopo do presente provimento, que se restringe a tratar de competência. Em segundo lugar, observo que o presente provimento, de acordo com o que dispõe o art. 162 do CPC, seria, ontologicamente, uma sentença. Todavia, em atenção à norma de sobredireito contida no art. 5º do Decreto-lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil), e considerando que uma das finalidades maiores do Processo Civil é proporcionar um trâmite seguro aos feitos que por ele se regem, denomino a presente como decisão, que é o vocábulo ainda utilizado pelo dispositivo legal que estabelece a via recursal que, segundo corrente majoritária, é adequada para desafiá-la (art. 522 do CPC).
Pelo exposto, com fulcro no art. 267, inciso IV, do CPC, julgo extinto o processo sem resolução do mérito em relação a DIVINO ALEXANDRE DA SILVA.
Sem custas e honorários advocatícios (art. 18, da Lei n. 7.357/85).
Providencie a Secretaria a retificação dos registros para exclusão do requerido Divino Alexandre da Silva e adequação do nome da empresa requerida para Rotal Hospitalar Ltda., conforme documentos de fls. 71/5.
Após, notifiquem-se os requeridos mantidos no pólo passivo da demanda para, no prazo de 15 (quinze) dias, oferecer manifestação por escrito e, caso queiram, instruí-la com documentos e justificações, nos termos do art. 17, §7º, da Lei n. 8.429/92.
Em seguida, intimem-se a União (AGU) e o Município de Panamá para manifestar, no prazo de 10 (dez) dias, se têm interesse no feito.
Intimem-se.
Goiânia, 12 de janeiro de 2010.
HUGO OTÁVIO TAVARES VILELA
Juiz Federal Substituto
JURID - Nova posição do STF e STJ. [26/01/10] - Jurisprudência
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