Apelação criminal. Tribunal do Júri. Procedência da pretensão acusatória.
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.
Apelação Criminal nº 2009.050.02697
Origem: 02º Tribunal do Júri da Comarca da Capital
Magistrado: Dr. Paulo de Oliveira Lanzellotti Baldez
Apelante: ITAMAR CAMPOS PAIVA
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO
Relator: Des. SIRO DARLAN DE OLIVEIRA
ACÓRDÃO
APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO ACUSATÓRIA. ART. 121, § 1º DO CP. PENA FIXADA EM 14 ANOS DE RECLUSÃO EM REGIME FECHADO. APELAÇÃO DO RÉU REQUERENDO O PROVIMENTO DO RECURSO PARA QUE SEJA DETERMINADO NOVO JULGAMENTO CONFORME ART. 593, §3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, OU, A REVISÃO DA DOSIMETRIA. SUSTENTA A NULIDADE DO JULGAMENTO POSTO QUE OS JURADOS TERIAM JULGADO DE FORMA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS, VISTO QUE O LAUDO PERICIAL FOI CLARO AO CONCLUIR QUE O RÉU NÃO ERA PLENAMENTE CAPAZ DE ENTENDIMENTO E DETERMINAÇÃO À ÉPOCA DOS FATOS, TENDO OS JURADOS REJEITADO A TESE DE SEMI-IMPUTABILIDADE. DEVE SER ACATADA A PRELIMINAR DE NULIDADE ARGÜIDA PELO RÉU, HAJA VISTA QUE A DECISÃO DOS JURADOS É MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. O LAUDO PERICIAL CONSTANTE NOS AUTOS CONCLUIU PELA SEMI-IMPUTABILIDADE DO ACUSADO, HAJA VISTA QUE À ÉPOCA DOS FATOS NÃO ERA INTEIRAMENTE DE ENTENDIMENTO E AUTODETERMINAÇÃO, EM VIRTUDE DE TRANSTORNO DE PERSONALIDADE. OS JURADOS À FL. 546 RESPONDERAM AO QUESITO 06 QUE O RÉU EM VIRTUDE DE PERTURBAÇÃO DE SAÚDE MENTAL TINHA PLENA CAPACIDADE DE ENTENDER O CARÁTER ILÍCITO DO FATO OU DE DETERMINAR-SE DE ACORDO COM ESSE ENTENDIMENTO. SENDO ASSIM, OS JURADOS RESPONDERAM POSITIVAMENTE SOBRE A PLENA CAPACIDADE DO RÉU, AO PASSO QUE O LAUDO CONCLUIU PELA SEMI-IMPUTABILIDADE. COMO SE VÊ, OS JURADOS, EM CONCLUSÃO DESFUNDAMENTADA, REJEITARAM O LAUDO PERICIAL. ORA, AFIGURANDO-SE CONTRARIA À PROVA DOS AUTOS DEVE, NA FORMA DO § 30 DO ART. 593 DO CPP, O RÉU SE SUJEITAR A NOVO JULGAMENTO. CABE, AINDA, DESDE LOGO AFASTAR A TESE DE QUE OS JURADOS NÃO ESTARIAM VINCULADOS À PROVA PERICIAL, POIS COMO BEM FRISOU O ILUSTRE PROCURADOR DE JUSTIÇA FRANCISCO EDUARDO FERNANDES NABUCO: "A NOSSO VER, O ARGUMENTO DE QUE O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ADOTOU O SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO, E QUE O JURADO, SÍMILE AO MAGISTRADO DE CARREIRA, NÃO ESTARIA VINCULADO À PROVA PERICIAL, PODENDO REJEITAR AS SUAS CONCLUSÕES, NÃO SE APLICA. É SEMPRE BOM LEMBRAR QUE A LEGISLAÇÃO PROCESSUAL ADOTOU COMO REGRA O SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO, TRAZENDO EXCEÇÕES (V.G. ARTIGO 158). ADEMAIS, É PACÍFICO QUE O JUIZ SINGULAR AO REJEITAR AS CONCLUSÕES DO LAUDO PERICIAL DEVERÁ FUNDAMENTAR SUA DECISÃO, O QUE NÃO OCORRE COM OS JUÍZES DE FATO QUE NÃO TÊM ESTE DEVER, PREVALECENDO QUANTO A ELES A ÍNTIMA CONVICÇÃO". PRECEDENTE DO STJ. CONHECIMENTO DO RECURSO PARA DAR PROVIMENTO A FIM DE QUE O RÉU SEJA SUBMETIDO A NOVO JULGAMENTO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 2009.050.02697, originários do 02º Tribunal do Júri da Comarca da Capital, em que é apelante Itamar Campos Paiva e apelado o Ministério Público.
ACORDAM os Desembargadores que compõem a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer para dar provimento ao recurso do Apelante, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Rio de Janeiro, 01 de dezembro de 2009.
Desembargador SIRO DARLAN DE OLIVEIRA
Relator
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação penal proposta pelo Ministério Público em face de ITAMAR CAMPOS PAIVA, narrando os seguintes fatos descritos na denúncia de fls. 02/02-D:
"No dia 23 de Maio de 2008, por volta das 19 horas e 30 minutos, na Rua Almirante Cochrane, em via pública, em frente ao Supermercado Wal Mart, Tijuca, nesta cidade, o denunciado, consciente e voluntariamente, com vontade de matar, após avançar com o veículo que conduzia na direção de André Luiz Reuter Lima, sem obter êxito, desferiu golpe contra a vítima, utilizando uma barra de ferro, causando-lhe as lesões descritas no Auto de Exame de Corpo de Delito que será, oportunamente, acostado aos autos.
Assim agindo, o denunciado iniciou a execução de um delito de homicídio, que não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade, eis que transeuntes se aproximaram, visando detê-lo, ocasião em que, intimidado, conseguiu fugir no veículo que conduzia, posteriormente identificado.
O brutal crime foi impulsionado por motivação fútil, ou seja, o simples e banal fato da vítima ter reclamado por ter o denunciado avançado um sinal de trânsito, ocasião em que atravessava a rua com seus dois filhos e um amigo deles.
O crime foi praticado por meio do qual resultou perigo comum, eis que, ao avançar com o veículo em direção da vítima, o denunciado ameaçou a integridade física de outras pessoas, inclusive das que a acompanhavam.
O delito foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, surpreendido pela inopinada agressão do denunciado, praticada com instrumento que havia ocultado nas costas.
Assim agindo, objetiva e subjetivamente, o denunciado infringiu o comando descrito no art. 121, §2º, II, III e IV, na forma do art. 14, II, todos do Código Penal."
Incidente de Sanidade Mental em apenso, concluindo o laudo psiquiátrico-forense que o periciando apresenta perturbação da saúde mental, na forma de Transtorno de Personalidade com características dos tipos emocionalmente instável (tipo impulsivo) e Paranóide.
O Conselho de Sentença respondeu aos quesitos formulados às fls. 545/547.
Sentença às fls. 548/552 julgando procedente a pretensão acusatória para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos II, III, e IV, c/c o art. 14, inciso II, todos do CP, tendo sido a pena fixada em 14 anos de reclusão em regime inicialmente fechado.
Inconformado, o réu interpôs recurso de Apelação cujas razões recursais se encontram às fls. 609/621, requerendo o provimento do recurso para que seja determinado novo julgamento conforme art. 593, §3º do Código de Processo Penal, e, subsidiariamente, a reforma da sentença guerreada para fixar a pena-base do apelante no mínimo legal, considerando favoráveis as circunstâncias judiciais da art. 59 do CP com a redução prevista no art. 26, § 1º do CP, reconhecendo-se ainda que o crime ficou na esfera da tentativa (art.14, II CP).
Sustenta a nulidade do julgamento posto que os jurados teriam julgado de forma manifestamente contraria a prova dos autos, visto que o laudo pericial foi claro ao concluir que o réu não era plenamente capaz de entendimento e determinação à época dos fatos e que os jurados rejeitaram a tese de semi-imputabilidade.
Contra-razões às fls. 629/634, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso. Alternativamente, requer seja retificada a dosimetria da pena com a incidência da respectiva causa de diminuição de pena.
A douta Procuradoria de Justiça ofereceu parecer de fls. 642/644, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso.
É o relatório que submeto à d. Revisão.
Rio de Janeiro, 02 de julho de 2009.
Desembargador SIRO DARLAN DE OLIVEIRA
Relator
VOTO
Adoto o relatório contido nos autos.
O recurso merece ser conhecido posto que presentes os requisitos de admissibilidade.
Deve ser acatada a preliminar de nulidade argüida pelo réu, como se demonstrará.
A hipótese dos autos é singela, haja vista que há decisão manifestamente contrária à prova dos autos.
O laudo pericial constante nos autos concluiu pela semiimputabilidade do acusado, haja vista que à época dos fatos não era inteiramente de entendimento e autodeterminação, em virtude de transtorno de personalidade.
Os jurados à fl. 546 responderam ao quesito 06 que o réu em virtude de perturbação de saúde mental tinha plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Sendo assim, os jurados responderam positivamente sobre a plena capacidade do réu, ao passo que o laudo concluiu pela semiimputabilidade.
Como se vê, os jurados, em conclusão desfundamentada, rejeitaram o laudo pericial.
Ora, afigurando-se contraria à prova dos autos deve, na forma do § 30 do art. 593 do CPP, o réu se sujeitar a novo julgamento.
Cabe, ainda, desde logo afastar a tese de que os jurados não estariam vinculados à prova pericial, pois como bem frisou o ilustre Procurador de Justiça Francisco Eduardo Fernandes Nabuco:
"A nosso ver, o argumento de que o Código de Processo penal adotou o sistema do livre convencimento motivado, e que o Jurado, símile ao magistrado de carreira, não estaria vinculado à prova pericial, podendo rejeitar as suas conclusões, não se aplica. É sempre bom lembrar que a legislação processual adotou como regra o sistema do livre convencimento motivado, trazendo exceções (v.g.artigo 158). Ademais, é pacífico que o juiz singular ao rejeitar as conclusões do laudo pericial deverá fundamentar sua decisão, o que não ocorre com os juízes de fato que não têm este dever, prevalecendo quanto a eles a íntima convicção".
Insta trazer à colação entendimento do STJ no mesmo sentido:
RHC 4829 / ES RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 1995/0041496-1 Relator(a) Ministro ASSIS TOLEDO (1066) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 13/09/1995 Data da Publicação/Fonte DJ 16/10/1995 p. 34675 Ementa JURI. NULIDADE. DECISÃO CONTRARIA A PROVA DOS AUTOS. PACIENTE CONSIDERADO IMPUTAVEL PELO CONSELHO DE SENTENÇA, QUANDO O LAUDO PERICIAL FOI TAXATIVO AO CONCLUIR PELA PARCIAL REDUÇÃO DA CAPACIDADE DE ENTENDER O CARATER CRIMINOSO DO FATO OU DE DETERMINAR-SE DE ACORDO COM ESSE ENTENDIMENTO. DECISÃO QUE SE RECONHECE MANIFESTAMENTE CONTRARIA A PROVA DOS AUTOS. RECURSO DE HABEAS CORPUS CONHECIDO E PROVIDO PARA DETERMINAR SEJA O PACIENTE SUBMETIDO A NOVO JULGAMENTO. (MEUS GRIFOS)
À conta de tais considerações, voto no sentido de conhecer do recurso para dar provimento a fim de que o réu seja submetido a novo julgamento.
Rio de Janeiro, 01 de dezembro de 2009.
Des. SIRO DARLAN DE OLIVEIRA
Relator
JURID - Apelação criminal. Tribunal do Júri. Procedência. [26/01/10] - Jurisprudência
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