Doença profissional. Responsabilidade subjetiva da empresa. Obrigação de indenizar.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT 2ª Região.
DOENÇA PROFISSIONAL. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA EMPRESA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. Doenças que eclodem em consequência do chamado esforço repetitivo de movimento estão associadas a fatores laborais e causam redução da capacidade de trabalho. Se a Reclamada tinha ciência da patologia obreira mas não empreendeu esforços para minorar as conseqüências da doença, readaptar o trabalhador e assegurar o restabelecimento de sua saúde, atuou com imprudência e negligência, devendo responder pela ocorrência do dano, namodalidade culposa.
(TRT2ªR. - 04324200608002008 - RO - Ac. 4ªT 20090881421 - Rel. SÉRGIO WINNIK - DOE 23/10/2009)
ACORDAM os Magistrados da 4ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: por unanimidade de votos, dar provimento parcial ao apelo da reclamante para julgar PROCEDENTE EM PARTE a ação e condenar a Reclamada a pagar-lhe indenização equivalente à reintegração, comportando os salários do período e reflexos em férias + 1/3, 13º salário e FGTS + 40%, em valores que serão apurados em execução, bem como indenização por danos morais no importe de R$9.000,00, conforme previsto na fundamentação. Juros da mora conforme a lei. Correção monetária segundo a previsão da Súmula 381 do TST. Descontos previdenciários e fiscais de acordo com a Súmula 368 do TST.
Custas pela Reclamada sobre o valor arbitrado de R$18.000,00 (dezoito mil reais).
São Paulo, 06 de Outubro de 2009.
SERGIO WINNIK
PRESIDENTE E RELATOR
Inconformada com a r. decisão de fls. 210/215, que julgou improcedente a ação, a Reclamante interpõe recurso ordinário, fls. 218/224, pleiteando indenização por danos morais e honorários advocatícios. Contrarrazões, fls. 228/229. Sem parecer ministerial.
Este o relatório.
V O T O
Conheço do recurso porque regular e tempestivo.
O MM. Juízo de primeiro grau, com esteio no laudo pericial, considerou ausente o nexo de causalidade entre a doença adquirida e as atividades exercidas na Reclamada. A Reclamante insiste na configuração de doença profissional e pleiteia o recebimento de indenização por danos materiais e morais. Em que pese o resultado do laudo pericial e data venia do ilustre direcionamento de origem, a análise do conjunto probatório permite vislumbrar a existência de causalidade entre a moléstia diagnosticada e o trabalho na Ré. A Autora foi contratada para o exercício da função de passadeira, perdurando o contrato de trabalho de 05/07/00 a 26/04/06, havendo afastamento previdenciário de 23/02/02 a 09/02/03 e de 21/02/03 a 22/04/06. O laudo técnico constatou que a obreira é portadora de "cervicobraquialgia à direita", mas não relacionou tal moléstia ao trabalho (fls. 157/174). O vistor esclareceu que no exercício da função a Reclamante tinha a atribuição de passar 300 peças de roupa durante a jornada de 8 horas diárias, colocando cada peça na tábua de passar roupa e alisando com o ferro o tecido (fls. 161 e 166). Analisando as atividades desenvolvidas durante o exercício da função de passadeira, que aliás são de senso comum, constato que estas compreendiam esforços repetitivos de movimentos, possíveis de estabelecer o nexo causal com a doença adquirida. Embora o expert tenha informado que o ferro era de peso leve (1,2 kg) e que era manuseado "através de deslizamento e não de elevação" (fls. 185), tal constatação não exclui o fato inequívoco de que, para exercer suas atividades, a Reclamante fazia sim esforço de elevação, na medida em que tinha que retirar a roupa da caixa, colocar na tábua e elevar o ferro para passar sobre a roupa (ainda que deslizando sobre o tecido), bem como elevando-o também ao final de alisar cada peça de roupa (fls. 166). De outra parte, a informação fornecida pela Autora ao perito de que começou a sentir dores após 2 meses da admissão, por si só, é frágil para o afastamento do nexo de causalidade. Primeiro, porque a informação não é precisa, já que a pergunta foi direcionada à obreira 7 anos após a contratação, além de a Reclamante ter mencionado o tempo "aproximadamente" (fls. 161). Ademais, independentemente da época em que supostamente tiveram início as dores, a documental revela que o 1º exame diagnosticando a doença foi realizado em julho/01, ou seja, 1 ano após a admissão, tendo ocorrido o 1º afastamento previdenciário somente após 1 ano e 6 meses da contratação (fls. 19/23). Registre-se, ainda, que à época do 1º afastamento a Autora contava apenas 36 anos de idade, não havendo que se falar em causas hereditárias para a aquisição da moléstia. Aliás, embora o perito tenha afastado o nexo causal, sequer cuidou de demonstrar qual seria a causa da moléstia, já que afastou também os demais fatores (fls. 162 e 172).
Insta ressaltar que, de acordo com o Anexo II do Decreto 3.048/99, os itens IV e VI indicam a síndrome cervicobraquial e a cervicalgia como Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (Grupo XIII da CID-10), face aos seguintes fatores de risco: posições forçadas e gestos repetitivos, ritmo de trabalho penoso, condições difíceis de trabalho. É o que se vislumbra da análise dos autos, eis que a averiguação do local de trabalho feita pelo perito revela que as atividades desempenhadas pela Reclamante demandavam o chamado "esforço repetitivo", repriso, configurado pelo ato de passar 300 peças de roupa durante o lapso de 8 horas diárias (fls. 166). Entendo, pois, que o nexo causal afigura-se presente, e que os elementos expostos nos autos fragilizam a conclusão pericial de que "não houve tempo nem intensidade suficiente de exposição aos fatores de risco". Sendo assim, data venia da conclusão exarada, os demais elementos do conjunto probatório evidenciam o nexo causal, uma vez que as atividades exercidas na demandada contribuíram de forma eficaz para o surgimento ou agravamento da doença, que fica caracterizada como ocupacional.
A incapacidade para o trabalho restou patente frente ao longo interregno de afastamento previdenciário (23/02/02 a 09/02/03 e 21/02/03 a 22/04/06), sempre em decorrência da "cervicobraquialgia" (fls. 23/44). Aliás, desde o primeiro afastamento houve restrições médicas para o retorno ao trabalho, mas os autos revelam que ao retornar ao labor em fevereiro/03 a Reclamante continuou a exercer movimentos repetitivos, laborando no mesmo setor agora com a função de "conferente" (fls. 166). O conjunto probatório revela que o trabalho desenvolvido expunha a Autora a situações de risco, não havendo comprovação nos autos de que foram tomadas atitudes preventivas, treinamentos adequados, ou mesmo concedidas pausas e realizados rodízios nas atividades, com vistas a minimizar/neutralizar os efeitos nocivos das atividades repetitivas desenvolvidas. Tais fatos comprovam que a empregadora descumpriu as normas regulamentadoras relativas à saúde do trabalho. Registre-se que a moléstia identificada é progressiva e de evolução lenta, e o fato de esta poder se originar também de outras causas, além da laborativa, não descaracteriza o nexo causal que motiva a pretendida indenização. A legislação específica que trata da matéria adotou a equivalência de condições (concausas) para a configuração do acidente de trabalho (que é equiparado à doença profissional). No art.21 da Lei 8.213/91, tem-se que são equiparados ao acidente de trabalho o acidente ligado à atividade laborativa que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para sua recuperação. A diminuição da capacidade laboral é patente frente às contínuas recomendações médicas de restrição das atividades laborais.
Para os fins previstos no art. 118 da Lei 8.213/91, não resta dúvida de que deve ser reconhecida a condição estabilitária da Autora, nos termos pretendidos na inicial, por ser portadora de moléstia ocupacional que se originou ou ao menos se agravou durante o trabalho na Reclamada. O entendimento que trilho é o de que basta o nexo causal entre a moléstia profissional e a atividade laborativa em favor do empregador, para a garantia de emprego de que trata o invocado art. 118, não havendo necessidade de afastamento por "auxílio-doença acidentário", tampouco expedição de CAT ou diagnóstico do próprio médico do INSS. Nesse contexto, quando da dispensa a obreira era detentora de estabilidade provisória, que se estendeu até um ano após a alta, ou seja, até 22/04/07 (fls. 75). Em face ao tempo decorrido, e ainda considerando o pedido da inicial, condeno a demandada ao pagamento de indenização equivalente à reintegração, comportando os salários do período e reflexos em férias + 1/3, 13º salário e FGTS + 40%, em valores que serão apurados em execução. Não há compensação a ser autorizada. Considerando que o artigo 790-B da CLT determina que a responsabilidade no tocante aos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, e restando deferido o pleito da Recorrente, determino que os honorários de R$1.200,00 arbitrados com relação à doença profissional fiquem a cargo da demandada.
Merece reforma também a questão relativa aos danos morais. Os danos físicos que acometeram a Autora são inequívocos, porquanto teve permanentemente reduzida sua capacidade laborativa. A demandada tinha ciência da patologia, frente ao extenso interregno de afastamento pelo órgão previdenciário, mas não acatou as sugestões médicas nem envidou esforços para minorar as conseqüências danosas à saúde advindas das condições ergonômicas do trabalho, já que a Autora exerceu atividades repetitivas mesmo no período intermediado pelas licenças. A Ré deve ser responsabilizada por conta de seu ato ilícito, pois presentes o dano, o nexo causal e a culpa (NCC, art. 186). O dano moral está presente porquanto a redução da capacidade laborativa é capaz de interferir na convivência social de qualquer cidadão, em especial ao considerar-se a precípua finalidade do trabalho. Se a Reclamante foi vítima de moléstia que poderia ter seus efeitos amenizados caso a recorrida observasse o cumprimento da legislação atinente à saúde e segurança do trabalho, repriso, deve ser responsabilizada por conta de seu ato ilícito. Deve-se ter presente que mesmo a culpa leve ou levíssima já é suficiente para a caracterização da responsabilidade do empregador. A indenização por danos morais tem o objetivo de minorar o prejuízo extrapatrimonial sofrido e inibir a reiteração do comportamento empresarial comprovado nestes autos, evitando-se que outros empregados sofram idêntico dano físico e moral pela incúria da empresa demandada. Levando-se em conta a gravidade e extensão da lesão, a existência de culpa e a capacidade financeira da empregadora, arbitro a indenização por danos morais em R$9.000,00 (aproximadamente 15 remunerações).
Por fim, improspera o pedido de honorários advocatícios com base nos arts. 389 e 404 do CC. Inicialmente, porque nesta Justiça Especializada a verba honorária rege-se pela Lei 5.584/70, estando ausentes os requisitos necessários. Ademais, o parágrafo único, do art. 404, do CC confere discricionariedade ao Magistrado para a concessão da respectiva indenização por perdas e danos, a qual constato ser indevida na hipótese destes autos ("pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar").
Por tais fundamentos, CONHEÇO do recurso da Reclamante porque regular e tempestivo e a ele DOU PARCIAL PROVIMENTO para julgar PROCEDENTE EM PARTE a ação e condenar a Reclamada a pagar-lhe indenização equivalente à reintegração, comportando os salários do período e reflexos em férias + 1/3, 13º salário e FGTS + 40%, em valores que serão apurados em execução, bem como indenização por danos morais no importe de R$9.000,00, conforme previsto na fundamentação. Juros da mora conforme a lei. Correção monetária segundo a previsão da Súmula 381 do TST. Descontos previdenciários e fiscais de acordo com a Súmula 368 do TST. Custas pela Reclamada sobre o valor arbitrado de R$18.000,00 (dezoito mil reais).
Desembargador Sérgio Winnik
Relator
JURID - Doença profissional. Responsabilidade subjetiva da empresa. [19/01/10] - Jurisprudência
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