Lei Maria da Penha. Ex-namorados. Violência cometida, em tese, em razão do inconformismo do agressor com o fim do relacionamento.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.
Número do processo: 1.0000.09.507390-4/000(1) Número CNJ: 5073904-19.2009.8.13.0000
Relator: EDUARDO BRUM
Relator do Acórdão: EDUARDO BRUM
Data do Julgamento: 11/11/2009
Data da Publicação: 16/12/2009
Inteiro Teor:
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO - JUSTIÇA COMUM VERSUS JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL - LEI MARIA DA PENHA - EX-NAMORADOS - VIOLÊNCIA COMETIDA, EM TESE, EM RAZÃO DO INCONFORMISMO DO AGRESSOR COM O FIM DO RELACIONAMENTO - CONFIGURAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER - APLICAÇÃO DA LEI N.º 11.340/2006 E CONSEQUENTE AFASTAMENTO DA LEI N.º 9.099/95 - COMPETÊNCIA DO SUSCITADO. 1. Configura violência contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei n.º 11.340/2006 (e, consequentemente, o afastamento dos institutos despenalizadores previstos na Lei n.º 9.099/95 e da eventual competência do Juizado Especial Criminal), a ameaça e agressão cometida por ex-namorado que não se conformou com o fim do namoro, restando demonstrado nos autos o nexo causal entre a suposta conduta agressiva do agente e a relação de intimidade que existia com a vítima. 2. In casu, a hipótese se amolda perfeitamente ao previsto no art. 5º, III, da Lei n.º 11.343/2006, já que caracterizada a relação íntima de afeto, em que o agressor conviveu com a ofendida por cerca de 01 (um) ano, ainda que apenas como namorados, pois aludido dispositivo legal não exige a coabitação para a configuração da violência doméstica contra a mulher. 3. Deram pela competência do suscitado.
CONFLITO DE JURISDIÇÃO N° 1.0000.09.507390-4/000 - COMARCA DE CONSELHEIRO LAFAIETE - SUSCITANTE: JD JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL CONSELHEIRO LAFAIETE - SUSCITADO(A): JD 1 V CR COMARCA CONSELHEIRO LAFAIETE - RELATOR: EXMO. SR. DES. EDUARDO BRUM
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PELA COMPETÊNCIA DO JUIZ SUSCITADO.
Belo Horizonte, 11 de novembro de 2009.
DES. EDUARDO BRUM - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. EDUARDO BRUM:
VOTO
Cuida-se de conflito negativo de competência em que é suscitante o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal da Comarca de Conselheiro Lafaiete, sendo suscitado o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da mesma Comarca.
Consta dos autos que o réu Leandro Moisés Apolinário foi denunciado, perante o Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Conselheiro Lafaiete, como incurso nas sanções dos arts. 147 do CP e 21 da LCP, por ter, em tese, ameaçado e agredido sua ex-namorada, Alessandra Cristina dos Santos de Oliveira, com quem manteve relacionamento amoroso durante aproximadamente 01 (um) ano, no dia 27 de dezembro de 2007 (fls. 04/05).
Todavia, o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal, então processante do feito, declinou da competência para o Juízo do Juizado Especial Criminal daquela Comarca, uma vez que:
"os fatos ensejadores deste caderno processual não ocorreram no âmbito familiar e doméstico, eis que findo o relacionamento do suposto ofensor com a vítima" (fls. 21).
O Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal, por sua vez, suscitou este conflito, aduzindo:
"que a Lei n.º 11.340/2006 tem efetiva aplicação nos casos de relacionamentos amorosos já findos, como é o do presente caso, que versa sobre ex-namorados, uma vez que a lei não exige coabitação" (fls. 02/03).
Manifestação da douta Procuradoria-Geral de Justiça às fls. 45/51, pela competência do Juízo suscitado.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do conflito.
Ab initio, para melhor compreensão da discussão ora trazida, pertinente a transcrição das declarações inquisitoriais prestadas pela vítima e réu, respectivamente, a fim de se aferir a existência ou não de relação íntima de afeto apta a ensejar a aplicação da Lei n.º 11.340/06:
"(...) que, durante aproximadamente um ano namorou Leandro Moisés Apolinário, período no qual por várias vezes sofreu agressões físicas por parte dele; que, no dia 27/12/2007, por volta das 20h30, encontrava-se em sua casa quando Leandro ligou para a declarante no intuito de devolvê-la (sic) seu capacete, bem como uma quantia em dinheiro que estava lhe devendo; que, quando chegou na casa da declarante, Leandro estava conversando, momento em que a chamou para ir no Bairro Cachoeira, no Bar do Peixe, para buscar seu dinheiro; que, quando chegou no bar, a declarante falou com Leandro que não iria ficar lá, pois somente foi até lá para buscar seu dinheiro, momento em que Leandro desferiu socos na região da face, acertando-lhe na região da cabeça com o capacete e também a arrastando pela rua a segurando pelos braços; que populares chamaram a polícia para fazer a ocorrência, mas, quando estes chamaram, a declarante já havia saído do local, pois pediu carona para uma pessoa que estava passando pelo local até sua residência, não sabendo declinar onde esta testemunha reside; que, minutos depois, Leandro a chamou na porta, ameaçando de morte a declarante e todos seus familiares; que, logo em seguida, a declarante acionou os militares que lá compareceram, mas Leandro já havia fugido do local, tomando rumo ignorado; que constantemente Leandro a está perseguindo, inclusive, todos os relacionamentos amorosos que a declarante inicia, Leandro fica perseguindo, criando uma situação de constrangimento nas ruas, inclusive ligando para seu telefone celular a todo tempo a perturbando (...)" (fls. 10/12).
"(...) que confirma ter ocorrido um desentendimento entre o declarante e sua namorada, Alessandra Cristina dos Santos de Oliveira, na data mencionada na ocorrência e afirma que Alessandra ficou bastante irritada com o declarante, tendo em vista que, durante o desentendimento, atirou o capacete novo dela no chão; que nega tê-la agredido fisicamente desferindo golpes com o capacete contra ela, e, questionado acerca das lesões mencionadas na ocorrência policial, esclarece não tê-las provocado e não sabe informar como ela se machucou (...); que, perguntado se ameaçou Alessandra de morte, respondeu que não; que, perguntado se tem perseguido Alessandra na rua, constrangendo ela na presença de outras pessoas, respondeu que 'já aconteceu da gente brigar, normalmente'; que o declarante e Alessandra reataram o relacionamento e continuam namorando até a presente data (...)" (fls. 14/15).
Assim, extrai-se das declarações de Alessandra e Leandro que, de fato, existiu um relacionamento entre ambos durante o prazo mínimo de 01 (um) ano, não tendo ele, aparentemente, se conformado com o rompimento da relação - tanto que afirma ainda ser namorado dela, apesar da negativa peremptória desta -, passando a importuná-la e ameaçá-la, chegando às vias de fato, restando demonstrado, portanto, o nexo causal entre a conduta agressiva do agente e a relação de intimidade que havia entre ambos.
In casu, a hipótese se amolda perfeitamente ao previsto no art. 5º, III, da Lei Maria da Penha, já que caracterizada a relação íntima de afeto, em que o agressor conviveu com a ofendida por no mínimo 01 (um) ano, ainda que apenas como namorados, pois aludido dispositivo legal não exige a coabitação para a configuração da violência doméstica contra a mulher, consoante se infere do aludido dispositivo.
Nesse sentido:
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. LEI MARIA DA PENHA. VIOLÊNCIA PRATICADA EM DESFAVOR DE EX-NAMORADA. CONDUTA CRIMINOSA VINCULADA A RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO. CARACTERIZAÇÃO DE ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. LEI N.º 11.340/2006. APLICAÇÃO.
1. A Lei n.º 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, em seu art. 5.º, inc. III, caracteriza como violência doméstica aquela em que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Contudo, necessário se faz salientar que a aplicabilidade da mencionada legislação a relações íntimas de afeto como o namoro deve ser analisada em face do caso concreto. Não se pode ampliar o termo - relação íntima de afeto - para abarcar um relacionamento passageiro, fugaz ou esporádico.
2. In casu, verifica-se nexo de causalidade entre a conduta criminosa e a relação de intimidade existente entre agressor e vítima, que estaria sendo ameaçada de morte após romper namoro de quase dois anos, situação apta a atrair a incidência da Lei n.º 11.340/2006.
3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1.ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG" (STJ - CC 100.654/MG - Terceira Seção - Rel.ª Min.ª Laurita Vaz - j. 25/03/2009 - DJe 13/05/2009).
Dessarte, configurada a hipótese de aplicação da Lei n.º 11.340/06, não há que se falar em competência do Juizado Especial Criminal para processar e julgar o feito, tendo em vista o disposto no art. 41 da citada norma.
Isso posto, dirimo o presente conflito e declaro a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Conselheiro Lafaiete, ora suscitado, para processar e julgar o feito, remetendo-lhe os autos.
Oficie-se ao Juízo Suscitante acerca desta decisão.
Sem custas.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): FERNANDO STARLING e DOORGAL ANDRADA.
SÚMULA: DERAM PELA COMPETÊNCIA DO JUIZ SUSCITADO.
JURID - Lei Maria da Penha. Ex-namorados. [05/01/10] - Jurisprudência
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