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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

JURID - Deputados são afastados. [21/01/10] - Jurisprudência


Juiz determina afastamento de deputados distritais.
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Circunscrição: 1 - BRASÍLIA

Processo: 2010.01.1.001832-3

Vara: 117 - SÉTIMA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO DF

Ação: CIVIL PÚBLICA

Autor: MPDFT MINISTÉRIO PÚBLICO DO DF E DOS TERRITÓRIOS

Réu: CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL e outros

D E C I S Ã O I N T E R L O C U T Ó R I A

Trata-se de ação civil pública, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela final, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS em desfavor: a) da Câmara Legislativa do Distrito Federal; b) da Mesa Diretora da Câmara Legislativa do Distrito Federal; c) dos Deputados Distritais - Aylton Gomes, Benedito Domingos, Benício Tavares, Eurides Brito, Júnior Brunelli, Leonardo Prudente, Rogério Ulisses, Roney Nemer, bem como os suplentes Berinaldo Pontes e Pedro do Ovo e d) contra o DISTRITO FEDERAL.

Na petição inicial, o órgão ministerial público descreve a situação política atual do Distrito Federal. Situação que evidencia uma série de gravações de áudio e vídeo de vários agentes políticos (deputados, secretários, e o próprio Governador do Distrito Federal) a receber dinheiro em espécie para, supostamente, satisfazer pagamento de propina.

Fala, que, em razão desses fatos, de ampla notoriedade, objeto de investigação no Inq./STJ 650, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Distrito Federal, protocolou representação, junto à Câmara Legislativa do Distrito Federal, por quebra de decoro parlamentar em desfavor dos deputados distritais qualificados como réus da presente ação. Sustenta, igualmente, a existência de vários pedidos de impedimento contra o governador do Distrito Federal, presente a regência da Lei 1.079/1950, que levaram à convocação extraordinária da Câmara Legislativa do Distrito Federal para 11 de janeiro de 2010, quando se adotará o rito necessário para o processo.

Sustenta, então, a suspeição dos deputados supostamente envolvidos para o processo e julgamento do impeachment - impedimento -, fundamentado na lógica geral: um investigado não pode apurar fatos que estejam correlacionados com a suposta prática que esteja supostamente envolvido.

Pede, pois, inclusive em sede de antecipação dos efeitos da tutela, o afastamento dos parlamentares-réus de qualquer comissão que tenha objeto de apuração os fatos alinhavados na inicial e do julgamento final em plenário.

Ao despachar a inicial, no dia 11 de janeiro de 2010, indeferi o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, por considerar que nos autos não existiam elementos descritivos das condutas dos envolvidos, de modo que estaria ausente um dos requisitos dessa medida de urgência, qual seja, a prova inequívoca.

Tendo em conta essa realidade, o Ministério Público apresentou DVD com a íntegra do Inq.650/STJ, documentos impressos dos trechos nos quais há imputação aos deputados indicados na inicial e fotocópia da representação de impeachment, subscrita pela advogada Estefânia Viveiros, contra o governador do Distrito Federal. (folha 37 a 174). Na oportunidade, formulou requerimento processual de emenda à petição inicial, para, diante da participação de deputados nas comissões do processo de impedimento, já formadas em 11 de janeiro de 2010, "determinar (sic) a nulidade da escolha com a participação e eleição dos parlamentares suspeitos, bem como de todos os atos praticados nesta data pelo colegiado ilegalmente constituído, determinada a renovação da escolha após a convocação dos suplentes livres de suspeição". (folha 40).

Admitida a emenda, determinei a notificação da Câmara Legislativa do Distrito Federal, da Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal e da Fazenda Pública do Distrito Federal, para prestarem informações, sobre o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, no prazo de 72h (setenta e duas horas), tendo em vista a indeclinável ordem do art. 2.º, da Lei 8.437/1992.

Primeira a se manifestar, a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal, na pessoa do seu Vice-Presidente, Deputado Sidney Patrício (Cabo Patrício), apresentou fotocópias de todas as representações por quebra de decoro parlamentar, protocoladas pela nobre advogada Estefânia Viveiros, contra os parlamentares-réus.

O Distrito Federal, por meio de seu presentante judicial, sustentou a inexistência de interesse seu no deslinde da causa, presente a necessária independência jurídica da Câmara Legislativa nos tratos de suas competências constitucionais, requerendo sua exclusão da causa. Caso ultrapassada, requer a declaração de incompetência do juízo de primeiro grau para o processamento do feito, com subida dos autos ao Egrégio Tribunal de Justiça.

A Câmara Legislativa, última a se manifestar, vindicou o indeferimento da tutela antecipada, ancorando-se no princípio da separação orgânica dos poderes e em decisão do Supremo Tribunal Federal.

Com a manifestação dos atores processuais parciais, instruindo o feito da maneira a eles adequada, vieram-me os autos conclusos para apreciação da medida de urgência (gênero).

É o relatório.

DECIDO.

E ao fazê-lo, saliento, de início, que a concessão da medida ora pleiteada dependerá do avanço sobre quatro obstáculos: 1) competência do presente juízo; 2) adequação da ação civil pública para a tutela dos interesses ora defendidos; 3) legitimidade do Distrito Federal 4) possibilidade de revisão judicial (judicial review). 5) presença dos requisitos do art. 273, do Cód. de Proc. Civil.

1- DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU

Nos termos do princípio da competência sobre a competência, chamado pelos alemães de Kompetenz-Kompetenz, todo magistrado tem competência para apreciar sua competência para resolver determinada disputa/causa. "Trata-se de decorrência inevitável da cláusula que outorga ao magistrado da causa o poder de verificar a satisfação dos pressupostos processuais" (MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. "Manual do Processo de Conhecimento", p. 49, 4ª. edição, 2005, Revista dos Tribunais).

As ações civis públicas, independentemente do objeto que as integrava, sempre foram, na esteira do magistério doutrinário, de competência do juiz singular. Hugo Nigro Mazzilli, por todos, no ponto, ao realizar distinção entre o mandado de segurança e a ação civil pública, assim corrobora a assertiva por mim formulada, in verbis:

"As ações civis públicas não supõem necessariamente a existência de um direito líquido e certo (ao contrário do mandado de segurança). Não obstante, nelas se aplica o sistema do mandado de segurança no que diz respeito à concessão e cassação das liminares. Apesar, porém, de haver uma semelhança entre ação civil pública e mandado de segurança no tocante à concessão de liminares, a verdade é que, quanto à competência para seu processo e julgamento, nem sempre os órgãos jurisdicionais serão os mesmos (as ações civis públicas são julgadas originariamente por juízes singulares, enquanto os mandados de segurança contra algumas autoridades são ajuizados diretamente nos tribunais). (MAZZILLI, Hugo Nigro. "Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos", p. 58, 5ª. edição, 2005, Editora Damásio de Jesus).

A razão de ser dessa distinção apregoada pela doutrina é a distribuição rígida de competências efetuada pela Constituição Federal. Diante da inexistência de norma constitucional expressa outorgando competência para o processo e julgamento das ações civis públicas a qualquer juízo ou tribunal especiais, restaria ao juiz de primeiro grau da Justiça Comum Estadual, tirante questão federal, presente sua natureza residual, capacidade para delas conhecer. (JÚNIOR, Humberto Theodoro. "Curso de Direito Processual Civil", p. 186, v. II, 47ª. edição, 2007, Forense).

As dificuldades surgidas na definição da competência para processamento e julgamento da presente ação surgem, pelo menos naquilo que é essencial discutir, em dois pontos: a) o entendimento de que as ações, civis públicas ou não, que tenham como objeto a perda da função pública devem ser julgadas pelos órgãos competentes para o processo e julgamento das ações criminais contra os agentes políticos nelas investidos; b) competência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal para julgamento de mandado de segurança contra ato da Mesa Diretora da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

1.a. Competência para o julgamento das ações civis públicas contra agente público detentor do foro por prerrogativa de função.

Como já havia salientado acima, o entendimento majoritário da doutrina apregoava - ou melhor, apregoa, até hoje - a competência, sem exceções, do juiz de primeiro grau da Justiça Estadual para julgamento das ações civis públicas, independentemente de seu objeto. Na jurisprudência não existiam maiores dissidências, debates, a respeito dessa inteligência.

Sem embargo, desde o julgamento da Reclamação 2.138, Rel. Ministro Jobim, Red. p/ acórdão Min. Gilmar (DJe de 17 de abril de 2008), essa tranqüilidade na fixação de entendimento deu lugar a uma série de dificuldades concretas na definição dos órgãos jurisdicionais com capacidade para julgamento das inúmeras ações civis públicas por ato de improbidade em tramitação neste país de dimensões continentais. De fato, a maioria formada foi apertada (vencidos os Ministros Velloso, Barbosa, Celso e Pertence) e contabilizada em um misto de composições plenárias, não refletindo, segundo a óptica de alguns, o atual embate de entendimentos dentro da Suprema Corte. Situação notada nas decisões monocráticas e colegiadas, do próprio Supremo, que se seguiram, deixando de aplicar essa orientação primeira. À guisa de exemplo, por todas, a

Pet 3.923/QO, Relator Ministro Barbosa, Pleno, DJe de 25 de setembro de 2008.

Mesmo diante dessa indefinição, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar reclamação destinada a afastar julgamento de ação civil por improbidade contra um de seus ministros, decidiu, vencido o Ministro Marco, que "compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade contra seus membros". Isso sob a argumentação jurídica de que "distribuir competência ao juiz de primeiro grau para o julgamento de ministro da Suprema Corte quebraria o sistema judiciário como um todo". (Pet 3.923/QO, Relator Ministro Marco, Red. p/ acórdão Ministro Direito, Pleno, DJe de 26 de junho de 2008).

Recentemente, nos termos dos julgados acima especificados, o Superior Tribunal de Justiça concluiu pela sua competência para julgamento de ação civil pública por improbidade contra Governador de estado-membro. (Rcl 2.790, Rel. Ministro Zavascki, julgada em 2/12/2009).

A suposta adesão do Superior Tribunal de Justiça - suposta, porque isolada - àqueles entendimentos do Supremo Tribunal Federal não resolve a questão. Em pesquisa ao acervo de jurisprudência da Suprema Corte, pude perceber que pelo menos 10 (dez) de seus ministros ainda aplicam o entendimento doutrinário de que as ações civis públicas, independentemente do que perseguido, devem tramitar no primeiro grau de jurisdição. Vejam, exaustivamente, essas decisões do ano de 2009: RE 439.723, Celso, Dec. Mon., DJe de 16 de dezembro de 2009; AI 667.327, Cármen, Dec. Mon., DJe de 04 de dezembro de 2009; RE 560.863, Peluso, Dec. Mon., DJe de 25 de novembro de 2009; RE 435.461, Barbosa, Dec. Mon., DJe de 17 de novembro de 2009; AI 770.308, Lewandowski, Dec. Mon., DJe de 09 de novembro de 2009; Rcl. 5.107, Direito, Dec. Mon., DJe de 18 de agosto de 2009; RE 443.475, Ellen, Dec. Mon., DJe de 10 de agosto de 2009; Pet. 4.554, Eros, Dec. Mon., DJe de 23 de abril de 2009; Rcl. 7.222, Britto, Dec. Mon., DJe de 03 de março de 2009.

Na reclamação decidida monocraticamente pelo eminente decano Ministro Celso, assim manifestou Sua Excelência, in verbis:

"Compete, ao magistrado de primeira instância, processar e julgar ação civil de improbidade administrativa, ainda que ajuizada contra autoridade pública que dispõe, nas infrações penais comuns, perante qualquer Tribunal judiciário, mesmo que se trate de Tribunal Superior da União ou que se cuide do próprio Supremo Tribunal Federal, de prerrogativa de foro "ratione muneris". Doutrina. Precedentes. (grifos no original).

Resumidamente, então, pode-se afirmar que:

- a extensão do foro por prerrogativa de função às ações civis públicas por improbidade ainda não foi definida sequer no âmbito do Supremo Tribunal Federal, encontrando forte resistência no âmbito doutrinário;

- a medida propugnada deu-se em casos especialíssimos, como nos de perda da função ou de quebra da verticalidade do Poder Judiciário em vassalagem ao princípio da particularização progressiva das normas (Hans Kelsen) com conseqüências na estrutura piramidal do Poder Judiciário Nacional;

- o objeto da presente ação, observada a assertiva anterior, é o afastamento de parlamentares para atos específicos e não a perda do cargo, devendo os julgados acima, que já constituem exceção ao princípio da definição taxativa de competências, serem, também, interpretados restritivamente.

Não vinga, nesse ponto, a alegação de incompetência do presente juízo.

1b. A competência do Tribunal de Justiça para julgar mandado de segurança contra ato da Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

Essa questão está intimamente ligada, como pude adiantar, às essências da ação civil pública e do mandado de segurança. De fato, o mandado de segurança, ao exigir a presença de direito líquido e certo, possui rito abreviado por natureza, ao contrário da ação civil pública que permite a existência de cognição exauriente e extensa dilação probatória.

Pois bem. A competência do Tribunal de Justiça é definida pela Lei 11.697, de 13 de junho de 2008 (Lei de Organização Judiciária), mas, ao contrário do modelo federal, em que ao Supremo compete processar e julgar mandado de segurança contra ato das Mesas do Congresso Nacional (art. 102, I, "d"), não há qualquer definição, a esse respeito, no âmbito da Justiça do Distrito Federal.

Na prática, os mandados de segurança contra a Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal têm sido julgados no Conselho Especial do Tribunal de Justiça, aplicando-se o principio da simetria. Princípio, que é bom lembrar, dosado pelo Supremo Tribunal Federal, em nome do nosso modelo federal, a homenagear as norma-princípio em detrimento das normas-regra.

Assim, diante da interpretação restritiva que se dá às normas de definição da competência, a ação civil pública, bem assim as de conhecimento sob o procedimento comum de rito ordinário, estão dentro da capacidade do juiz de primeiro grau.

Vale salientar, por oportuno, que, diuturnamente, vemo-nos diante de ações que, por dependerem de dilação probatória extensa - inviabilizando-se a veiculação de pretensão pela via do mandado de segurança - são ajuizadas na primeira instância, não obstante, se pudesse ser utilizado o writ, seriam da competência do Tribunal de Justiça.

Vejam, a título de exemplo, pretensão anulatória dirigida contra ato do Governador do Distrito Federal, em concurso público. Se a parte decide defender seu direito subjetivo por meio de mandado de segurança, a competência é do Tribunal de Justiça (art. 8º, I, "c", da Lei de Organização Judiciária). Ao contrário, se a questão está a depender de cognição exauriente, propõe-se ação sob o procedimento comum perante as Varas da Fazenda Pública. Nunca ousaram discutir isso. Aplica-se, pois, essa interpretação das normas processuais, ao caso concreto.

Desta feita, diante dos argumentos acima alinhavados, FIXO a competência da presente Vara para o processamento e julgamento desta ação.

2 - DA ADEQUAÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Definida a competência do juízo, abre-se margem à apreciação das demais questões de ordem pública.

O art. 127, da Carta da República, assim dispõe sobre o Ministério Público, in verbis:

"Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

Como corolário desses deveres constitucionais do Ministério Público apresenta-se a ação civil pública. Essa, nos termos do art. 1º, da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública), está destinada à responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I) ao meio ambiente; II) ao consumidor; III) aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV) a qualquer outro interesse difuso e coletivo; V) infração da ordem econômica e da economia popular; VI) à ordem urbanística. Ademais, "por força das alterações que ao sistema trouxe o Código de Defesa do Consumidor, hoje, em defesa dos interesses transindividuais, cabem, em tese, quaisquer ações, com qualquer rito, objeto ou pedido (arts. 83 e 110, do Cód. de Def. do Consumidor; aplicação recíproca do CDC e LACP: arts. 21 desta e 90 daquele). (MAZZILLI, Hugo Nigro. "Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos", p. 61, 5ª. edição, 2005, Editora Damásio de Jesus).

No caso, atento à teoria da asserção, e, portanto, ao quanto declinado como causa de pedir na petição inicial do Ministério Público, observo que a hipótese de cabimento desta especial medida está dentro da defesa da ordem jurídica, no sentido de defesa dos princípios da moralidade, impessoalidade e razoabilidade enquanto limitação material à ação do Poder Legislativo e qualquer dos Poderes constituídos.

Reputo, então, presente a condição da ação caracterizada pelo interesse de agir - adequação do meio.

3) DA LEGITIMIDADE DO DISTRITO FEDERAL

Nos termos do art. 5º, inciso III, e § 2º, da Lei da Ação Civil Pública, o Poder Público, no caso o Distrito Federal, pode assumir a condição de autor ou réu na Ação Civil Pública. Essa última condição, a de réu, deve estar ligada aos atos em que ele, Poder Público, age diretamente, ou é conivente, omitindo-se em providência que deveria tomar.

In casu, o Distrito Federal, enquanto Poder Público, não é responsável pela prática direta de qualquer ato perseguido nesta ação. Aliás, intimado a se manifestar sobre o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do despacho de folha 176, argüiu sua ilegitimidade.

Ademais, os magistérios doutrinário e jurisprudencial, hodiernamente, tem conferido personalidade judiciária aos órgãos legislativos quando em defesa de atribuições arrancadas diretamente da Constituição Federal.

Desta feita, a presença do Distrito Federal no pólo passivo da relação angular jurídico-processual é dispensada, sendo de rigor a declaração de sua ilegitimidade.

Ante o exposto, julgo extinto o processo, em relação ao Distrito Federal, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do Cód. de Proc. Civil.

Sem custas e honorários.

Uma vez preclusa a presente decisão na via da recorribilidade, anote-se e comunique-se.

4) DA JUDICIAL REVIEW

O Poder Judiciário, diante da normatização da base principiológica da Constituição, aliada às concepções neoconstitucionalistas, tem sido chamado cada vez mais para dirimir conflitos de envergadura maior que eclodem na sociedade.

Esse chamamento, por vezes, a depender do objeto de debate, pode provocar delicada tensão entre as atribuições dos Três Poderes da República.

Entretanto, não pode o Poder Judiciário, dentro da eminente função institucional que lhe incumbe de dizer o direito, deixar de solver esses conflitos quando reveladores de uma lide constitucional, pautada, pois, na força normativa da Constituição.

A propósito, o Ministro Celso de Mello, profundo conhecedor da doutrina americana da judicial review, afirmou que "o Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo". (MS 24.831, Ministro Celso, Pleno, DJ de 04 de agosto de 2006).

Como se viu da petição inicial do Ministério Público, parâmetro primeiro para análise das condições da ação, presente o princípio da asserção, a causa de pedir que fundamenta o que pleiteado é justamente agressão aos postulados básicos da República. Saber se essa agressão existe ou não é matéria circunscrita ao mérito.

Por ora, basta afirmar, na linha do mesmo voto do Ministro Celso, que "não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional".

Assim, mostra-se possível, por todos os argumentos preliminares que teci, a análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela postulado pelo Ministério Público.

5) DA TUTELA ANTECIPADA VINDICADA

O provimento antecipado, na forma do art. 273, do Cód. de Proc. Civil, depende da verificação nos autos da prova inequívoca que convença da verossimilhança das alegações e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

5A. DA PROVA INEQUÍVOCA

Com a juntada do inteiro teor do inquérito em tramitação no Superior Tribunal de Justiça, em desfavor dos réus da presente ação, pude constatar, com segurança jurídica, a conduta individual de cada um. Não era possível, naquelas condições, como expus na decisão que primeiramente indeferiu o pedido de tutela antecipada, partir-se para a consideração em bloco dos elementos indiciários de participação dos parlamentares.

Assim, para formação da prova inequívoca, faz-se necessária a individualização da conduta de cada parlamentar, com a demonstração, pontual, nos autos do inquérito dos atos que lhe são imputados.

- Deputado Júnior Brunelli

As folhas 08, 19 e 20, do Volume I do Inquérito 650/STJ; a folha 23, também do Volume I; as folhas 229 a 230 e 267 a 268, do Volume III, dos autos do Inquérito 650/STJ, apontam, em juízo de delibação, o envolvimento, em tese, do deputado no recebimento de propina em troca de apoio político. O delator, a propósito, afirmou que "o Deputado Brunelli recebia desde dezembro de 2002, a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), mensalmente, sendo que a recomendação de Arruda era de fracionar a distribuição do dinheiro ao longo do mês o máximo possível para que os beneficiados não perdessem o interesse". (folha 19, vol. I).

O deputado ainda foi flagrado em vídeo onde recebe um maço de dinheiros e o coloca no bolso do terno, em uma atitude que, corroborando com os demais documentos constantes nos autos, denota, em tese, a verossimilhança de que se trata de dinheiro advindo de propina.

- Deputada Eurides Brito

As folhas 19 e 20, do Volume I; as folhas 229 a 230 e 277, do Volume III, dos autos do Inquérito 650/STJ, apontam, em juízo de delibação, o envolvimento, em tese, da deputada no recebimento de propina em troca de apoio político. Digno de nota é o vídeo gravado pelo delator, em seu gabinete, em que a deputada aparece, após certificar que a porta do gabinete estava realmente trancada, a receber bolos de dinheiro para a campanha e os acondiciona em sua bolsa.

- Deputado Leonardo Moreira Prudente

As folhas 19 e 20, do Volume I; as folhas 24 e 25, também do Volume I; as folhas 229 a 230 e 267 a 268, do Volume III, dos autos do Inquérito 650/STJ, apontam, em juízo de delibação, o envolvimento, em tese, do deputado no recebimento de propina em troca de apoio político. Vale lembrar o vídeo anexado aos autos mostrando o referido deputado a receber maços de dinheiro, acomodando-os nos bolsos do paletó e nas meias. A justificativa foi o pagamento, não declarado, de despesas com campanha.

- Deputado Benício Tavares

As folhas 19 e 20, do Volume I, dos autos do Inquérito 650/STJ, apontam, em juízo de delibação, o envolvimento, em tese, do deputado no recebimento de propina em troca de apoio político. Nas declarações prestadas pelo delator, somadas às conversas gravadas com autorização judicial, é possível ver que, em tese, recebia o deputado a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) mensais pelo jogo político.

- Deputado Roney Nemer

A folha 164/A, do Volume III, em sintonia com as folhas 19 e 20, do Volume I, dos autos do Inquérito 650/STJ, aponta, em juízo de delibação, o envolvimento, em tese, do deputado no recebimento de propina em troca de apoio político. Nas declarações prestadas pelo delator, somadas as conversas gravadas com autorização judicial, é possível ver que, em tese, recebia o deputado a quantia de R$ 11.500,00 (onze mil e quinhentos reais) mensais pelo jogo político.

- Deputado Berinaldo Pontes

A folha 164/A, do Volume III, dos autos do Inquérito 650/STJ, assentada com as folhas 19 e 20, do Volume I, aponta, em juízo de delibação, o envolvimento, em tese, do deputado no recebimento de propina em troca de apoio político. Nas declarações prestadas pelo delator, somadas as conversas gravadas com autorização judicial, é possível ver que, em tese, recebia o deputado a quantia de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) mensais pelo jogo político. Nesse trecho é possível observar que o Governador Arruda chega a reclamar do valor alto pago pela suposta propina, debochando da pequenez política do aliado.

- Deputado Benedito Domingos

As folhas 23, do Volume I; as folhas 163/A e 164/A, do Volume III, combinadas com as folhas 19 e 20, do Volume I, dos autos do Inquérito 650/STJ, apontam, em juízo de delibação, o envolvimento, em tese, do deputado no recebimento de propina em troca de apoio político. Ressalta-se que o delator chegou a afirmar em depoimento junto à Polícia Federal que "Benedito Domingos, cuja adesão à coligação de Arruda, ficou em torno de 6 (seis milhões) de reais, sendo que os recebedores do dinheiro foram Sérgio Domingos (folho de Benedito Domingos) e o próprio Benedito). (folha 23, vol. I, do Inquérito).

- Deputado Pedro Marcos Dias (Pedro do Ovo)

As folhas 163/A e 164/A, do Volume III, dos autos do Inquérito 650/STJ, combinadas com as folhas 19 e 20, do Volume I, apontam, em juízo de delibação, o envolvimento, em tese, do deputado no recebimento de propina em troca de apoio político, na ordem de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) mensais.

- Deputado Rogério Ulysses Telles de Mello

As folhas 19 e 20, do Volume I, em simbiose com as folhas 163/A e 164/A, do Volume III, dos autos do Inquérito 650/STJ, apontam, em juízo de delibação, o envolvimento, em tese, do deputado no recebimento de propina em troca de apoio político, na ordem de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

- Deputado Aylton Gomes

As folhas 19 e 20, do Volume I; as folhas 163/A e 164/A, do Volume III, dos autos do Inquérito 650/STJ, apontam, em juízo de delibação, o envolvimento, em tese, da deputada no recebimento de propina em troca de apoio político, na ordem de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Nota-se, portanto, a presença de elementos indiciários mínimos dos envolvidos, a denotar que os argumentos alinhados pelo Ministério Público - de "suspeição" - estão amparados em prova inequívoca. Basta saber, agora,se eles estão dotados de verossimilhança, ou seja, se a ordem jurídica constitucional admite a providência ora buscada.

5B. DA VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES.

Os deputados estão investidos em poder conferido diretamente pela Constituição Federal, eleitos por meio do voto popular, já que a soberania - expressão máxima de poder - é detida pelo povo (parágrafo único, do art. 1.º).

A história dos parlamentos confunde-se com a própria história do constitucionalismo, com a busca incessante de um sistema político em que os abusos do poder estatal fossem neutralizados, quiçá extirpados, por meio de um corpo de representantes do povo em contraposição ao monarca.

No intuito de bem exercer esse múnus, os parlamentares, hoje, tem a seu favor um regramento próprio delineado pela Constituição, o Estatuto dos Congressistas (artigos 53 a 56), que lhes imuniza de ações externas que possam prejudicar a representatividade da parcela da população que os elegeu. São exemplos dessas cláusulas de imunidade: a) julgamento, por crimes comuns, no plano federal, junto ao Supremo Tribunal Federal (art. 53, § 1º); b) só poderão ser presos, após a diplomação, em flagrante de crime inafiançável, podendo tal prisão ser relaxada por decisão da casa respectiva casa (art. 53, § 2.º); sustação de ação penal movida contra si (art. 53, § 3º), etc...

Essas imunidades, como já propalado aos quatro ventos, não são privilégios conferidos aos deputados, mas tentativas, mecanismos, de obstar eventuais quebras de representatividade popular. Isso se daria, por exemplo, no caso de prisão desmotivada de deputado federal com o intuito de afastar a representatividade de determinada parcela do povo que confiou ao mandatário segregado a defesa de seus interesses no parlamento.

A vontade da Constituição, portanto, é que os representantes do povo exerçam seu mandato refletindo, realmente, as forças políticas, os diferentes grupos sociais, que se reúnem em torno de uma causa e elegem seus mandatários.

A representatividade popular não está somente no Poder Legislativo. O chefe do Poder Executivo, em nosso modelo constitucional, também é eleito pelo voto. Escolha que se dá pelo projeto de governo, pelas políticas públicas que o candidato apresenta como primordiais.

Investido no cargo, o chefe do Poder Executivo, ao comandar o seu programa de governo, na dianteira da Administração Pública, deve estar atento às balizas constitucionais sobre o funcionamento do aparelho estatal, aos princípios que permeiam a ordem jurídica, sob pena de incidir em crime de responsabilidade (Lei 1.070, de 10 de abril de 1950).

No julgamento desse crime de responsabilidade, o chefe do Poder Executivo, nas mais das vezes, é submetido ao parlamento - ou a órgão especial composto de parlamentares e outras autoridades. Tem-se nesse julgamento uma ficção: o povo que elege o seu representante no Poder Executivo julga, por meio de seus mandatários, o destino político daquele que violou a ordem jurídica.

A essência do impeachment, portanto, está na forte representatividade da soberania popular. O povo se torna Tribunal através dos membros do corpo legislativo.

O pedido do Ministério Público, materialmente, busca justamente impedir essa quebra de representatividade. De fato, estamos diante de uma situação anômala em que 10 (dez) dos parlamentares que participarão do processo de impedimento são personagens dos fatos que lhe deram origem.

Pois bem. O processo de impeachment, espécie jurídica ligada ao princípio dos freios e contrapesos - uma função própria do Poder Judiciário é confiada ao Poder Legislativo -, conquanto seja desprovido das notas características que lhe qualificariam como judicial, não pode se desbordar de um consectário lógico que permeia todos os julgamentos em que o Estado, seja na condição de Estado-juiz, de Estado-Parlamento, de Estado-Administração, deve obedecer.

Esse consectário é o devido processo legal. Ao acusado deve ser garantido o direito de defesa, com todos os recursos a ele inerentes, observado o procedimento descrito na lei de regência.

Além dessa faceta formal do devido processo legal, a ordem jurídica convive com sua faceta material, plasmada nos princípios da razoabilidade, moralidade e impessoalidade. Princípio a afirmar que os atos do Parlamento, principalmente em sua produção legislativa, devem estar sintonizados com o mundo dos fatos, que suas ações devem estar circunscritas a balizas que não as conduzam a exageros e absurdos.

A participação de alguém em investigação, em procedimento, onde se apuram fatos relacionados à sua pessoa, fere as mais elementares regras da razão. É atentado frontal à razoabilidade, moralidade e impessoalidade, previstos no caput do artigo 37 da Constituição da República. Não estou a tratar aqui da possibilidade de absolvição do Governador. A existência de julgadores interessados na causa fere o poder/dever de que o julgamento prossiga segundo as regras impostas pelo devido processo legal. E não há devido processo legal quando o órgão julgador é interessado no resultado do julgamento, isso por um motivo óbvio: a ninguém é dado o direito de ser juiz da própria causa.

Nos ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior, citando Liebmam: "Não basta, outrossim, que o juiz, na sua consciência, sinta-se capaz de exercitar o seu ofício com a habitual imparcialidade. Faz-se necessário que não suscite em ninguém a dúvida de que motivos pessoais possam influir sobre seu ânimo. Na pitoresca comparação de Andriolli 'o magistrado [e qualquer julgador, no Estado Democrático de Direito], como a mulher de César, não deve nunca ser suspeito" (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 44ª edição, p. 231).

O Estado Democrático de Direito não convive com um julgador interessado no resultado da demanda. Tal espírito pode ser aferido, a título de exemplo, no comando do artigo 102, inciso "n" da Constituição de 1988 que estabelece que nas causas em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, a demanda será julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Tal comando tem a intenção, justamente, de preservar a isenção máxima do julgador. Se tal cautela a Constituição teve para com o julgamento pelo Judiciário, aplica-se a mesma razão, a mesma ratio para as hipóteses onde ao Legislativo cabe investir no poder de julgar condutas, tal como um Tribunal Especial.

A lógica é uma só: garantir que o órgão julgador seja desinteressado no resultado do julgamento. Se o Judiciário que é o órgão ao qual compete constitucionalmente julgar demandas a Constituição limitou a atuação julgamento para garantir máxima isenção do julgador, com muito maior razão é de se aplicar tal ratio às deliberações de parlamentares, quando esses se investem na imissão de funcionar como órgão julgador de demandas.

Arremata Gilmar Mendes "Integra também o conceito de juiz natural, para os fins constitucionais, a idéia da imparcialidade, isto é, a concepção de neutralidade e distância em relação às partes" e arremata "daí a necessidade de que o sistema preveja e desenvolva fórmulas que permitam o afastamento, a exclusão ou recusa do juiz que, por razões diversas, não possa oferecer a garantia da imparcialidade" (Curso de Direito Constitucional, 4ª edição, Saraiva, p. 616).

Não é consentânea com o espírito da Constituição a participação, como verdadeiro órgão julgador de condutas, dos parlamentares pessoalmente envolvidos, em tese, com a matéria fática sub judice, em qualquer fase do processo de impedimento do Governador. Isso é uma traição à própria origem do Poder Legislativo, destinado a reprimir os abusos e delinear uma ordem jurídica baseada na igualdade e na justiça.

O intérprete deve estar atento à inteligência da Constituição como um todo, e não a uma leitura picotada de dispositivos. A propósito, em situação mais grave, o Supremo Tribunal Federal, partindo de uma interpretação lógico-sistemática da Constituição, dispensou a autorização da Assembléia Legislativa de Rondônia para instauração de processo penal em desfavor de parlamentar, diante da suspeição de 23 (vinte e três) dos 24 (vinte e quatro) deputados, que estariam envolvidos na mesma organização criminosa. Trata-se do HC 89.417-8/RO, Ministra Cármen, Primeira Turma, DJ de 22 de agosto de 2006.

Naquela oportunidade, a Ministra Cármen Lúcia afirmou o seguinte, in verbis:

"(..) Tal como a autonomia da vontade, que é encarecida como expressão da liberdade individual e que, por vezes, é amparada pela decisão judicial por ausência de condições da pessoa para manifestar livremente sua vontade, nos termos da legislação vigente e que é dessa forma aparentemente (e apenas aparentemente) contraditória que se garante a liberdade, também para garantir a vida constitucional livre e democrática há que se aceitar que, em situações excepcionais e de anormalidade, como a que se apresenta no caso em foco, o provimento judicial, fundado, rigorosa e estritamente, nos princípios que sustentam o sistema positivado, é que se poderá garantir a integridade da Constituição. Eventualmente, há que se sacrificar a interpretação literal e isolada de uma regra para assegurar a aplicação e o respeito de todo o sistema constitucional."

E mais:

"A aplicação pura e simples de uma norma em situação que conduz ao resultado oposto àquele buscado pelo sistema jurídico fundamental - que se inspirou na necessidade inegável e salutar de proteger os parlamentares contra investidas indébitas de antidemocracias - é negar a Constituição em seus esteios mais firmes, em seus fundamentos mais profícuos, em suas garantias mais caras. É ignorar a cidadania (art. 1º, inc. II) para enaltecer o representante que pode estar infringindo todas as normas que o deixam nessa legítima condição; é negar a submissão de todos, governantes e governados, ao direito, cuja possível afronta gera o devido processo legal, ao qual não há como fugir de maneira absoluta sob qualquer título ou argumento".

Como se depreende, o Estado Democrático de Direito não comporta uma atuação que, escoimada em prerrogativas parlamentares, equivalham a total afronta aos mais basilares princípios republicanos. Não se pode reputar legítima a atuação como órgão julgador, pessoas que tenham, ainda que em tese, relação direta e pessoal com os fatos ilícitos que serão objeto de processamento e julgamento pelo órgão. Em um Estado Democrático de Direito não é dado a ninguém ser o julgador de sua própria causa, como se o interesse público do julgamento pudesse sucumbir às naturais tendências de auto-defesa. Feriria de morte a legitimidade do julgamento.

Vê-se, assim, que o afastamento dos envolvidos, ao contrário de ser uma indevida interferência do Poder Judiciário, configura uma afirmação dos princípios mais caros do Estado Democrático de Direito, a demonstrar que o jogo político tem que estar atento à sua lisura.

Não tem aplicação, portanto, ao caso, a decisão proferida na SL 297, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, porquanto a questão lá debatida era o completo afastamento dos parlamentares, ao contrário do buscado aqui: o afastamento, pontual, dos envolvidos. A decisão fundamentou-se no fato de que, com o afastamento dos deputados para todos os atos, ter-se-ia a cassação do mandato do parlamentar de forma transversa. A questão dos autos, repito, é apenas para afastamento pontual para o julgamento do Impeachment.

Por fim, cumpre registrar que a irreversibilidade da antecipação dos efeitos da tutela não pode ser óbice para o deferimento, quando versar sobre ações de cunho coletivo, pois o ônus da irreversibilidade não pode recair sobre direitos transindividuais.

DA NULIDADE DA ELEIÇÃO DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA (CCJ)

O Ministério Público informa que em 11 de janeiro de 2010 houve reunião extraordinária da Câmara Legislativa, momento no qual foi eleita a Comissão de Constituição e Justiça, com efetiva participação, voto e, inclusive, eleição como membro da CCJ de deputados suspeitos. Pugna pelo reconhecimento de nulidade da Comissão, pois eivada de vícios trazidos pelo voto e eleição de membros suspeitos.

Nas informações, a mesa da Câmara Legislativa distrital afirma que, deliberando sobre o procedimento a ser seguido para apuração do crime de responsabilidade, a Casa decidiu, por maioria de votos, incluindo os ora suspeitos, que a tramitação dos processos deve passar pela CCJ, sendo que a deputada Eurides Brito foi eleita para compor a mencionada CCJ, inclusive presidindo a primeira reunião (fl. 194).

Pelas razões já expostas, máxime pela afronta aos princípios processuais constitucionais, a mácula ao devido processo legal é vício insanável, pois de origem, genético. A participação plenária, contabilização de votos, participação da Comissão de Constituição e Justiça e, inclusive, presidência dos atos tendentes a apurar os ilícitos por deputados suspeitos inquina todo o procedimento, impondo a nulidade das deliberações.

O vício é tão forte que o art. 485, II do Código de Proc. Civil estabelece o impedimento do julgador como hipótese de vulnerabilidade da decisão, e conseqüentemente da autoridade da coisa julgada, prevendo, para tal hipótese, a ação rescisória.

Não vislumbro a possibilidade de se aproveitar atos que serão derivados de uma expressão de vontade viciado ab initio. Todas as deliberações no processo de Impeachment que tiveram a participação de deputados impedidos restam, inexoravelmente, contaminadas pelo vício genético.

Não se trata de matéria sujeita a demonstração de prejuízos, pois tal se exige quando a nulidade é relativa, passível de convalidação. No caso em vértice, o vício é quanto à isenção do próprio órgão julgador, afrontando os mais comezinhos princípios de uma ordem jurídico-democrática, notadamente o devido processo legal.

Ainda, a deliberação e presidência de atos tendentes a apurar infrações das quais supostamente a própria presidente da primeira reunião CCJ, deputada Eurides Brito, seja investigada, havendo fortes indícios de sua real participação nos fatos a serem debatidos e julgados, fere frontalmente a Constituição da República, importando ofensa aos princípios expressos da impessoalidade e moralidade, devido processo legal, bem como juízo natural e razoabilidade.

De mais a mais, a razão para o afastamento e não interferência, pode ser apreciada, inclusive, no artigo 16 do Regimento Interno da CLDF que, atento ao espírito da Constituição, estabelece que "O Deputado Distrital não poderá presidir os trabalhos da Câmara Legislativa ou de Comissão quando se tratar de assunto de seu interesse pessoal, de apreciação de matéria de sua autoria ou da qual tenha sido Relator".

Tendo em vista a nulidade absoluta das deliberações levadas a efeito na convocação extraordinária do dia 11 de janeiro de 2010, por contar com votos e composição da CCJ por deputados supostamente envolvidos nos fatos a serem apurados, tal pronunciamento de nulidade urge, a fim de evitar deliberações inócuas e maior prejuízo à moralidade e erário público, uma vez que todo o restante do procedimento estaria contaminado pelo vício inicial, impossível de ser convalidado.

DA CONVOCAÇÃO DOS SUPLENTES

Primeiramente, cumpre salientar que a Lei Orgânica do Distrito Federal, bem como o Regimento Interno da Câmara Legislativa do Distrito Federal são omissos quanto à convocação de suplentes em casos de suspeição ou impedimento pontual de deputados, como no caso em tela. Apenas trazem a possibilidade da convocação quando houver o afastamento total do parlamentar, em situações em que o mesmo se afastará da apreciação de todas as matérias de competência da Casa. No caso em tela, o afastamento é pontual: apenas para os atos de processamento e julgamento do Impeachment do governador.

O artigo 126 do Código de Proc. Civil estabelece que o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade na lei, cabendo-lhe, em primeiro lugar, aplicar as normas legais, mas não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito.

No âmbito distrital, as disposições sobre matéria relativa à convocação de suplentes, se reduzem à previsão da convocação quando da ocorrência de vaga; investidura do titular nas funções incompatíveis, bem como na hipótese de afastamento do titular para tratamento de saúde (artigo 30 do Regimento Interno da Câmara Legislativa do DF e art. 64, §1º da Lei Orgânica do DF), in verbis:

"RICLDF, Art. 30. A Mesa Diretora convocará, no prazo de quarenta e oito horas, o Suplente de Deputado Distrital, nos casos de:

I - ocorrência de vaga;

II - investidura do titular nas funções definidas no art. 19, inciso I;

III - licença para tratamento de saúde do titular, desde que o prazo original seja superior a cento e vinte dias, vedada a soma de períodos para esse efeito, estendendo-se a convocação por todo o período da licença e de suas prorrogações".

Como podemos observar, a Lei Orgânica do Distrito Federal e o Regimento Interno da Câmara Legislativa são omissos quanto à convocação de suplentes em caso de impedimento e suspeição do titular, apesar de prever a convocação do suplente em casos específicos do art. 64, §1º da LODF.

Não havendo norma específica para a especificidade do caso em tela, qual seja impedimento de deputado para participar de um processo específico, sem afastamento completo das funções legislativas, mas visando fazer imperar os mais caros princípios do Estado Democrático de Direito, chamo à balha o regramento paralelo no art. 5º, inciso I do Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores.

O mencionado dispositivo legal estabelece, que na análise de processo de cassação do mandato de Prefeito pela Câmara, em crimes de responsabilidade, estabelece que o parlamentar acusador no processo, e por conseqüência também estendo ao parlamentar envolvidos nos fatos tidos como ilícitos, são considerados impedidos de votar, a fim de assegurar a lisura do procedimento, e neste caso, será convocado o suplente do vereador impedido. Vejamos a letra da lei:

"Decreto-lei 201/1967, art. 5º, I, A denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das provas. Se o denunciante for Vereador, ficará impedido de voltar sobre a denúncia e de integrar a Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação. Se o denunciante for o Presidente da Câmara, passará a Presidência ao substituto legal, para os atos do processo, e só votará se necessário para completar o quorum de julgamento. Será convocado o suplente do Vereador impedido de votar, o qual não poderá integrar a Comissão processante".

Além de ser uma decorrência lógica da estrutura do Legislativo, considerando a imposição legal de que haja suplentes para o caso de faltar deputados aptos ao julgamento, a convocação dos suplentes no caso em tela é medida imperiosa para que haja efetividade da tutela jurisdicional. Explico:

Não obstante haver dúvida acerca da constitucionalidade do dispositivo do art. 60, inciso XXIII da Lei Orgânica do Distrito Federal (STF, ADI nº 3466/DF), tal dispositivo ainda não declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, estabelece que para autorizar o processamento do processo de Impeachment contra o Governador, necessária a aprovação por votos de, no mínimo, 2/3 (dois terços) dos deputados.

Tendo em vista que são 24 (vinte e quatro) os deputados votantes, bem como são 08 (oito) os titulares suspeitos/impedidos, o que por si só já equivale a 1/3 (um terço) dos votos, sem contar nos dois suplentes suspeitos, restam exatamente os necessários 16 (dezesseis) votos para deliberação e aprovação, exigindo-se, por conseqüência, a unanimidade dos votos desimpedidos/não suspeitos para que haja eventual aprovação. Isso considerando que os dois suplentes suspeitos/impedidos não participem, pois se participarem, teremos fulminado o quorum para deliberação, pois somaríamos 10 (dez) deputados suspeitos, restando apenas 14 (quatorze) não-suspeitos/impedidos, o que inviabilizaria, por si só, que se atingisse o quorum necessário de 2/3 (dois terços).

Caso tal situação perdurasse, ou seja, o simples afastamento dos deputados suspeitos sem que houvesse a convocação dos suplentes, estaria este magistrado, por vias oblíquas, elevando e qualificando, na melhor das hipóteses, à unanimidade o quorum para aprovação de uma matéria que, na LODF exige aprovação de 2/3 (dois terços) dos membros da casa. Se for considerados os suplentes suspeitos/impedidos, a decisão de simplesmente afastar os deputados ora réus, sem que seja procedida a convocação dos suplentes, acarretaria a inviabilidade da deliberação do pleito pela Câmara Legislativa.

"Art. 60. Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal:

XXIII - autorizar, por dois terços dos seus membros, a instauração de processo contra o Governador, o Vice-Governador e os Secretários de Estado"

Perceba, mais uma vez, que o simples afastamento, sem convocação dos suplentes, equivaleria, a rigor, na contagem forçada de seus votos como contrários à aprovação do processamento do impeachment, o que significaria, em essência, a usurpação da autonomia deliberativa da casa, que deve ser oportunizada contando com o quorum legalmente previsto para deliberação e aprovação, bem como pela totalidade dos membros da casa, ou seja, 24 (vinte e quatro) parlamentares, e não apenas 16 (dezesseis) ou 14 (quatorze).

Nesta esteira, objetivando a preservação da deliberação da matéria pela totalidade da Casa competente, bem como para não importar em elevação oblíqua do quorum constitucionalmente previsto, a substituição dos deputados impedidos/suspeitos pelos respectivos suplentes não impedidos/não suspeitos legais, pela ordem, é medida que se impõe para manutenção da ordem constitucional e exercício legítimo da função parlamentar.

A excepcionalidade da medida é justificada pela excepcionalidade do momento vivido no Distrito Federal, que requer a intervenção do Judiciário a fim de preservar a Constituição da República, o Estado Democrático de Direito e de suas instituições republicanas.

Ante o exposto, e pelo que dos autos consta, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA MERITÓRIA , reconhecendo o impedimento dos deputados distritais Aylton Gomes, Benedito Domingos, Benício Tavares, Eurides Brito, Júnior Brunelli, Leonardo Prudente, Rogério Ulisses, Roney Nemer, bem como dos suplentes Berinaldo Pontes e Pedro do Ovo, para atuarem no processo de Impeachment deflagrado, determinando:

1) O IMEDIATO AFASTAMENTO DOS PARLAMENTARES mencionados, réus nesta demanda, DE TO

DA E QUALQUER ATIVIDADE VINCULADA AO PROCESSO DE IMPEACHMENT do Governador do Distrito Federal, em tramitação na Câmara Legislativa do Distrito Federal;

2) A IMEDIATA INTIMAÇÃO do presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, ou de quem lhe faça as vezes, para que CONVOQUE OS RESPECTIVOS SUPLENTES (NÃO SUSPEITOS/IMPEDIDOS) dos deputados ora afastados, na forma regimental, respeitada a proporcionalidade partidária e ordem de suplência, para que atuem EXCLUSIVAMENTE no processamento e votação de toda e qualquer atividade vinculada ao processo de impeachment, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA NO IMPORTE DE R$500.000,00 (quinhentos mil reais), a contar do quinto dia após a intimação;

3) O RECONHECIMENTO DA INVALIDADE DE TODO ATO DELIBERATIVO JÁ PRATICADO, no qual houve a interferência direta e cômputo do voto dos deputados ora afastados;

4) A URGENTE CITAÇÃO dos réus, dando-lhes ciência acerca dos termos da presente demanda, bem como sobre o prazo legal para apresentação de contestação, com as advertências da lei, bem como a IMEDIATA INTIMAÇÃO dos mesmos acerca do inteiro teor desta decisão interlocutória;

5) A anotação, pela secretaria deste juízo, da exclusão do Distrito Federal do pólo passivo da presente demanda.

Intimem-se. Citem-se e Cumpram.

Brasília - DF, quarta-feira, 20/01/2010 às 16h37.

VINÍCIUS SANTOS SILVA
Juiz de Direito Substituto



JURID - Deputados são afastados. [21/01/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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