Conflito negativo de competência. Lei Maria da Penha. Lesão corporal. Ameaça.
Tribunal de Justiça de Goiás - TJGO.
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA Nº 727-0/194 (200903834612)
Comarca: GOIÂNIA
Suscitante: JD DA DÉCIMA SEGUNDA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE GOIÂNIA
Suscitado: JD DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE GOIÂNIA
EMENTA
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. LESÃO CORPORAL. AMEAÇA. CRIMES, EM TESE, PRATICADOS PELO FILHO CONTRA OS PAIS. SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. I. A Lei nº 11.340/2006 criou mecanismos para coibir e prevenir todas as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, devendo incidir o procedimento ali estabelecido quanto à prática, em tese, dos crimes de lesão corporal e ameaça, cometidos pelo filho contra os pais, no âmbito familiar, sendo as vítimas pessoas de idade avançadas que se encontravam em condição de vulnerabilidade à conduta agressiva do descendente. II. Conflito procedente, declarando-se a competência do Juiz de Direito do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Goiânia, ora suscitado, para o conhecimento e julgamento do feito.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os componentes do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por sua Egrégia Seção Criminal, à unanimidade de votos, acolhido o parecer ministerial, deu provimento ao conflito, para declarar competente o JD do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, ora suscitado, nos termos do voto do Relator.
Impedido de votar o Desembargador Huygens Bandeira de Melo, ausente por motivo de férias regulamentares o Desembargador Ivo Fávaro.
Votaram, além do Relator, a Desembargadora Nelma Branco Ferreira Perilo, o Desembargador Itaney Francisco Campos, que presidiu a sessão, a Desembargadora Amélia Martins de Araújo, o Desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga, a Doutora Rozana Fernandes Camapum, em substituição ao Desembargador Leandro Crispim, e os Desembargadores José Lenar de Melo Bandeira e Ney Teles de Paula.
Presente ao julgamento a Doutora Luzia Vilela Ribeiro, digna Procuradora de Justiça.
Goiânia, 02 de dezembro de 2009.
Des. ITANEY FRANCISCO CAMPOS
PRESIDENTE
Des. PRADO
RELATOR
RELATÓRIO e VOTO
Trata-se de Conflito Negativo de Competência, tendo como suscitante a MM. Juíza de Direito da 12ª Vara Criminal e, suscitado, o MM. Juiz de Direito do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, ambos da Comarca de Goiânia.
Consta dos autos que no dia 11 de janeiro de 2009, por volta de 10h30min, na Rua C-234, nº 1.169, Ed. Miame Beach, apto 702, Setor Nova Suíça em Goiânia, o indiciado Danilo Torres Machado ofendeu a integridade de seus pais Direne Machado Torres e Raimundo Torres Machado, causando-lhes lesões corporais e, ainda, os ameaçou por palavras de lhes causarem mal injusto e grave.
O procedimento foi encaminhado inicialmente ao Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, onde a representante do Ministério Público (fls. 46/47) manifestou-se pela remessa dos autos a uma Vara Criminal competente, alegando que o caso em tela não tem sua base no gênero e que não estava caracterizada a hipossuficiência ou fragilidade da mulher, pois a explosão de ira do indiciado foi motivada por uma discussão, entendendo não ser aplicável ao caso a Lei nº 11.340/06.
Em razão disso, o MM. Juiz de Direito do referido Juizado (f. 48), determinou a remessa dos autos a uma das Varas Criminais competentes.
Os autos foram redistribuídos ao Juízo da 12ª Vara Criminal de Goiânia, onde fora ofertada denúncia contra Danilo Torres Machado por infração aos artigos 129, § 9º e 147 (duas vezes), em concurso material (art. 69), todos do Código Penal.
Porém, em decisão às fls. 92/95, a MMª Juíza de Direito da 12ª Vara Criminal suscitou o presente conflito negativo de competência, entendendo que:
"(...). No caso, a violência decorre, indiscutivelmente, de desavenças familiares, ocorrida no âmbito da unidade doméstica, conforme consta dos autos; o acusado reside com os pais, faz uso de drogas e de bebidas alcoólicas e agride a mãe, que é defendida pelo pai.
Enquadra-se a questão na relação de gênero, pois o delito foi cometido em razão de aspectos familiares aonde se vislumbra tentativa de dominação e subordinação do agressor em detrimento da vítima (...)".
Manifestou-se a Procuradoria-Geral de Justiça pela competência do Juizado Especial de Violência contra a Mulher, ao fundamento de que os conflitos entre pais e filhos estão ao abrigo da Lei Maria da Penha, quando a agressão tem motivação de ordem familiar (fls. 102/105).
Em suma, é o relato.
Voto.
Emergentes os pressupostos de admissibilidade do presente conflito, dele conheço.
Conforme relatado, trata-se de Conflito Negativo de
Competência suscitado pela MM. Juíza de Direito da 12ª Vara Criminal, em razão da decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito do Juizado da Mulher, ambos desta Capital, que entendeu pela competência da Justiça Comum para julgamento do presente feito.
Depreende-se dos autos que teve início um Inquérito Policial, através de Auto de Prisão em Flagrante, com a finalidade de apurar autoria, materialidade e circunstâncias de suposto crime de lesão corporal e ameaça (artigos 129, § 9º e 147, c/c 69, ambos do CPB) praticado, em tese, por Danilo Torres Machado, que teria agredido verbal e fisicamente seus pais, Direne Machado Torres e Raimundo Torres Machado, causando-lhes lesões corporais e ainda os ameaçando por palavras de lhes causarem mal injusto e grave.
Com efeito, a Lei nº 11.340/2006 criou mecanismos para coibir e prevenir todas as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, enquanto o seu artigo 5º, assim verbera:
"Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual."
Verifica-se, portanto, que a referida Lei, também denominada "Lei Maria da Penha", deu principal ênfase e prioridade no combate à violência contra a mulher no âmbito doméstico, familiar e afetivo, sem dedicar-se muito em definir o gênero ativo do agressor, sendo o escopo da lei a integral proteção da mulher em qualquer relação íntima e em condições de submissão.
Segundo o entendimento dos doutrinadores Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini:
"Sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada com a vítima (pessoa de qualquer orientação sexual, conforme o art. 5º, parágrafo único): do sexo masculino, feminino ou que tenha qualquer outra orientação sexual. Ou seja: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo da violência; basta estar coligada a uma mulher por vínculo afetivo, familiar ou doméstico: todas se sujeitam à nova lei.
Mulher que agride outra mulher com que tenha relação íntima: aplica a nova lei. A essa mesma conclusão se chega: na agressão de filho contra mãe (negrito) de marido contra mulher, de neto contra avó, de travesti contra mulher, empregador ou empregadora que agride empregada doméstica, de companheiro contra companheira, de quem esta em união estável contra a mulher etc." (www.lfg.com.br).
A vítima Direne Machado Torres, ao prestar suas declarações na polícia (fl. 04), relatou:
"QUE representa criminalmente contra seu filho DANILO TORRES, pelo crime de AMEAÇA; QUE o autuado mora na casa da declarante, é alcoólatra e usuário de drogas e se torna muito agressivo quando está sob o efeito de drogas; QUE o autuado sempre agride a declarante e seu marido verbalmente e quando está mais alterado, agride fisicamente, por estar sob efeito dos entorpecentes..."
A meu sentir, tenho que neste caso em especial, a suposta violência física resultante em lesão corporal e a grave ameaça, se enquadram na Lei nº 11.340/06, quando notória a vulnerabilidade dos pais, pessoas de idade avançada, que se postam em condições de submissão à conduta agressiva do filho no imóvel em que coabitam, sendo que essa imposição de domínio e exigências do descendente para com os ascendentes, já se propagava há bastante tempo.
A propósito do tema, segue julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, verbis:
"EMENTA: CONFLITO DE JURISDIÇÃO - DELITO DO ART. 129 DO CP - DECISÃO DO JUÍZO DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA PARA A 39ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL, O QUAL DEVOLVEU OS AUTOS AO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. - Tem razão o Juízo suscitante. - Com efeito, conforme o disposto no art. 5º da Lei 11340/06, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão "baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. - Na presente hipótese, tratando-se de agressão da filha contra a sua mãe, pessoa idosa, havendo, pois, vínculo afetivo entre as envolvidas, que coabitam o mesmo imóvel, incide o procedimento elencado na Lei Maria da Penha. (grifo) - (...). - A competência para processar e julgar os fatos noticiados nos autos é do Juízo suscitado, I Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher..." (TJRJ, Processo: 0297264-50.2008.8.19.0001 (2009.055.00240), Conflito de Competência, julgamento: 22/04/2009, Rel. Des. Gizelda Leitão Teixeira).
Por conseguinte, não se pode olvidar quanto ao objetivo da "Lei Maria da Penha" em estabelecer proteção especial à mulher no âmbito doméstico, familiar e na relação de afeto. Assim, entendo sua aplicabilidade no caso concreto, pois demonstrada a situação de domínio do agressor, pessoa jovem, para com as vítimas.
Nestes termos não é do Juízo da 12ª Vara Criminal a competência para processar e julgar os presentes autos, lembrando-se que no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, poderá se desenvolver atendimento multidisciplinar, com instrumentos sociais e psicológicos aos envolvidos (agressor e ofendidos).
Por fim, deve-se se esclarecer que o crime, em tese, teria sido praticado em concurso material contra os pais, ou seja, estando também no pólo passivo a figura de "um homem". Daí, tenho como aplicável também na espécie a conexão com previsão legal no artigo 78, inciso IV, do Código de Processo Penal que assim dispõe: "No concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá está."
Pelo teor do exposto, acolho o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, julgo procedente o presente Conflito Negativo de Competência, declarando competente o Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, ora suscitado, para processar e julgar o presente feito.
É como voto.
Goiânia, 02 de dezembro de 2009.
Des. PRADO
RELATOR
DJ 482 de 17/12/2009
JURID - Conflito negativo de competência. Lei Maria da Penha. [18/01/10] - Jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário