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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

JURID - Apelação. Artigo 302, parágrafo único, III, da Lei 9.503/97. [14/01/10] - Jurisprudência


Apelação. Artigo 302, parágrafo único, III, da Lei 9.503/97. Atropelamento.
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Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.

2ª CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO Nº 2009.050.05872

APELANTE: TERCIO ROSA CECÍLIO

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

ASSISTENTE: VERA LÚCIA SOARES

RELATORA: DES. KATIA MARIA AMARAL JANGUTTA

APELAÇÃO. Artigo 302, parágrafo único, III, da Lei 9.503/97. Atropelamento. Omissão de socorro. Morte da vítima. Pretensão à absolvição por insuficiência probatória ou à suspensão da ação penal até o trânsito em julgado de sentença de improcedência prolatada em ação cível indenizatória movida em face do ora apelante, na qual se teria decidido pela culpa exclusiva da vítima.

Não há amparo à suspensão da ação penal, à falta de comprovação e informações precisas sobre o andamento da ação cível de indenização, e principalmente se esta teria sido julgada improcedente, não por reconhecer culpa exclusiva da vítima, mas por ausência de provas suficientes quanto à culpa atribuída ao réu.

Por outro lado, a farta prova a respeito da materialidade e autoria do crime, especialmente diante o Auto de Exame Cadavérico e o Laudo de Exame em Local de Acidentes de Tráfico (atropelamento), e a segura prova oral colhida durante a instrução criminal, são suficientes a sustentar a condenação, não se credenciando ao acolhimento a alegação de que a vítima teria concorrido para o evento porque estaria embriagada, circunstância que não exclui a culpa do atropelador, pois mesmo que aquela estivesse sóbria, a falta de cuidado objetivo com que se houve o agente, que dirigia à velocidade em torno de 90 a 100 km/h, em rua movimentada à ocasião, certamente a teria atingido e à outro transeunte qualquer, pelo que assumiu o risco de produzir o resultado que do acidente decorreu.

Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 2009.050.05872, em que é Apelante Tércio Rosa Cecilio e Apelado o Ministério Público.

Em Sessão realizada em 10 de dezembro de 2009,

ACORDARAM, à unanimidade, os Desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em negar provimento ao recurso.

RELATÓRIO

O ora apelante foi condenado pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal Regional de Campo Grande, por violação do artigo 302, parágrafo único, III, da Lei 9.503/97, nas penas de 2 anos e 8 meses de detenção, em regime aberto, e 15 DM, no valor mínimo legal, além das custas processuais e a suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor pelo mesmo período, substituída a pena detentiva por uma restritiva de direitos, na modalidade de prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo da pena privativa, em favor de entidade a ser indicada pelo Juízo da execução (fls. 200/206).

A Defesa interpôs apelação (fls. 211/217), rogando sua absolvição, ao argumento de fragilidade probatória, porque a r. sentença teria ignorado o estado de embriaguez da vítima no dia dos fatos, acolhendo depoimentos contraditórios apresentados pela acusação, desprezando o único depoimento de uma testemunha de visu, não considerando, ainda, o parecer do Ministério Público e a r. sentença do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Campo Grande que, em ação indenizatória proposta em face do ora apelante, relativa ao atropelante em questão, reconheceu a culpa exclusiva da vítima, devendo o processo ser suspenso até decisão definitiva na ação cível.

A Assistente de Acusação roga pelo não conhecimento do recurso ou pelo seu desprovimento (fls. 232/234).

O Ministério Público, em ambas as instâncias, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 223/230 e 242/245, respectivamente).

VOTO

Segundo a denúncia, o ora apelante estava conduzindo seu veículo automotor quando atropelou a vítima Adriano Soares da Silva, causando-lhe as lesões corporais descritas no Auto de Exame Cadavérico de fls. 71/73, que foram a causa eficiente de sua morte. Consta, ainda, que o mesmo dirigia de forma imprudente, porquanto em velocidade incompatível para o local e sem a devida atenção ao trânsito de pedestres, o que o impediu de desviar e frear a tempo de evitar o atropelamento, não observando, por isso, o dever de cuidado necessário que lhe era exigido. Aduz a acusação, que o réu, livre e conscientemente, deixou de prestar socorro à vítima, evadindo-se do local em alta velocidade, apesar de sê-lo plenamente possível.

Em primeiro lugar, não se credencia ao acolhimento o pleito de suspensão do processo até que seja julgada definitivamente ação cível em curso em face do ora apelante, na qual teria sido reconhecida a culpa exclusiva da vítima.

Anote-se, inicialmente, que a respeito da referida ação há apenas menção, nas alegações finais defensivas (fls. 195/199), como nas razões recursais (fls. 211/217), onde a Defesa fez transcrever trecho da r. sentença cível, que teria sido prolatada em 29/09/2008, mas como bem ressalvou o digno Procurador de Justiça, não há informações precisas a respeito do andamento do processo, e diante a independência das instâncias, aquele processamento não interfere no julgamento dessa ação penal, a contrario sensu do que prevê o artigo 265, IV, a, do Código de Processo Civil, que prevê a suspensão do processo quando a sentença de mérito "depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente".

Senão vejamos:

"Reparação de dano e casos de absolvição criminal. Em face da independência da responsabilidade penal e civil, em princípio a sentença penal absolutória não impede a actio civilis ex delicto. Os casos de absolvição criminal estão previstos no art. 386, I e VI do CPP: a) estar provada a inexistência do fato; b) não haver prova de existência do fato; c) não constituir o fato infração penal; d) não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; e) não existir prova suficiente para a condenação; e f) existir causa de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade." (Damásio de Jesus, in Código de Processo Penal Anotado, 23ª edição revista, atualizada e ampliada de acordo com a reforma do CPP, p. 88).

Pondere-se, ainda, que ao contrário do que se sustenta, o douto Magistrado que prolatou a r. sentença cível, não reconheceu a culpa exclusiva da vítima, mas apenas que " ... a prova oral colhida nos autos é incapaz de concluir que o Réu estivesse dirigindo em alta velocidade ou mesmo em desacordo com as normas de trânsito para o local." (fl. 198), ou seja, diante a dúvida que entendeu decorrida da prova produzida naquela ação, julgou-a improcedente, o que não impede que a prova colhida na presente ação penal (sobre a qual, aliás, não há notícias de se tratar da mesma da ação cível), venha a ser considerada suficiente à condenação do ora apelante.

No mérito, não há dúvidas sobre a materialidade e a autoria do crime, fartamente comprovadas, a primeira, diante os registros de ocorrência e aditamento, respectivamente as fls. 2/3 e 9/14, da guia de remoção de cadáver, a fl. 4, do auto de exame cadavérico, a fls. 71/73, e do laudo de exame em local de acidentes de tráfico (atropelamento), a fl. 171, sendo a segunda por força de toda prova oral colhida durante a instrução penal.

Extrajudicialmente o ora apelante confessou asseverou passava com seu carro, em companhia da amiga Márcia, em frente ao Clube Luso Brasileiro, onde havia um baile funk, a uma velocidade de 60km/h, quando várias pessoas atravessaram a pista inadvertidamente, e que apesar de tentar evitar, atropelou um homem, vindo a parar a uns 50 metros adiante para prestar-lhe socorro, porém ao ouvir gritos dizendo "LINCHA - LINCHA - LINCHA", se viu obrigado a sair dali sem fazê-lo, tendo dali seguida para casa, só vindo a comunicar o fato à Autoridade Policial, no dia 10/12/2001, acrescentando que seu veículo está completamente consertado (fls. 17/18), declarações que ratificou em Juízo (fls. 92/93 e 173).

A citada testemunha Márcia Andréia Sugino Toba, só foi ouvida em Juízo, como testemunha da Defesa, ocasião em que confirmou estava em companhia do ora apelante, e ratificou sua versão, aduzindo que este não chegou sequer a frear o veículo, pois não esperava que a vítima atravessasse a rua, acreditando a declarante, que a velocidade máxima permitida no local fosse de 70 km/h (fls. 144/145).

Esses depoimentos, por si já indicam a falta de cuidado objetivo com que se houve o ora apelante, no momento do acidente, pois diante a travessia de várias pessoas na localidade do acidente, não chegou a frear o veículo, ao que deveria proceder, mesmo que estivesse dirigindo a uma velocidade de 55 ou 60 km/h como afirmaram, incompatível, à evidência, para as circunstâncias em que se encontrava.

Mas, além disso, a prova acusatória aponta que a velocidade empreendida no carro é maior que a acima mencionada, o que tornou a conduta do ora apelante mais grave.

Ouvido na qualidade de informante, Alex Sandro Soares da Silva, irmão da vítima, declarou não presenciou os fatos, tendo se dirigido ao local, quando soube do acidente, e como teve conhecimento de que o veículo tivera o párabrisas quebrado, procurou nas oficinas da proximidade algum que estivesse em reparo, e pela numeração de um vidro substituído, acabou chegando ao do ora apelante, na terça-feira seguinte à sexta-feira do evento, comunicando o fato à Delegacia (fl. 109).

Por sua vez, a testemunha Anderson, amigo íntimo da vítima, pelo que também não prestou compromisso legal, afirmou não assistiu o atropelando, mas viu quando um veículo prata adentrou na rua trafegando entre 80 e 100 km/h, não sabendo o declarante qual o limite ali permitido, tendo outro amigo lhe informado que a vítima Adriano fora atropelado, pelo que se dirigiu ao local e avistou seu corpo próximo ao meio-fio, concluindo que, no momento em que viu o veículo passar correndo, o acidente já acontecera, e que o agente estava fugindo (fl. 136).

A testemunha Alex da Silva Afonso, amigo da vítima, disse ter presenciado o atropelamento, já que estava a uns 20 metros do local, onde observou que o veículo atropelador trafegava "em alta velocidade", aproximadamente 90 km/h, não chegando o motorista a, sequer, frear o carro após o evento, não prestado, ainda, socorro à vítima. Esclarecendo que no local havia, aproximadamente, 30 pessoas, pois era hora de saída de um baile funk. Negou tenha havido qualquer intenção dos populares de linchar o motorista, já que os mesmos só se preocuparam em socorrer à vítima. Aduziu não saber se a vítima ingerira bebida alcoólica (fl. 110).

Também teria presenciado o acidente, a testemunha arrolada pela Assistente de Acusação, Elmar da Silva Cruz Júnior, que disse estava em um ponto de ônibus, a uns 20 metros do local do impacto, após ter saído do baile no Clube Luso, acreditando que o veículo atropelador trafegasse à aproximadamente 100km/h, asseverando que o motorista não parou para prestar socorro, ou sequer reduziu a velocidade após o atropelamento. Aduziu que a vítima atravessava a rua sozinha, havendo, mais adiante, uma aglomeração (fl. 138).

Este depoimento confirma o que ofereceu a testemunha Alex da Silva Afonso, que também presenciou os fatos, e o de Anderson, que apesar de não tê-lo presenciado, estava próximo e pode relatar o que presenciou.

Por outro lado, o policial militar Geraldo Mendes Cerqueira foi chamado ao local da ocorrência, sendo capaz apenas de se recordar sobre o atropelamento havido, mas não outros detalhes (fl. 111).

Por fim, tomou-se o depoimento de outro informante, Hugo Linhares de Freitas, amigo íntimo do ora apelante, cujas declarações evidenciaram costumava o réu agir de forma imprudente na condução de veículos, porquanto aquele relatou que não presenciou os fatos, mas que uns seis meses antes, se envolvera em um acidente de carro, o qual era dirigia pelo réu, ocasião em que todos os passageiros dormiram no veículo, "inclusive o motorista" (fl. 137).

Não se verifica, enfim, contradição nos depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação, mas ao contrário, houve coerência entre todos, que tomados em Juízo, sob as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, devem ser considerados para efeito de confirmar o decreto condenatório.

Ao contrário da prova que possa ter sido produzida no Juízo cível, não há dúvidas em sede penal, quanto à culpa do ora apelante no evento, no qual, à evidência, agiu com imprudência e negligência, não observando o dever de cautela que lhe era exigido, reduzindo a velocidade que empreendia, à vista da existência de pessoas transitando após a saída de um baile, desrespeitando o limite de velocidade que, pelo que se apurou girava em torno de 60 ou 70 km/h (pelo menos esse foi o testemunho de Márcia, arrolada pela Defesa, que disse residir a uns cinco minutos do local), já que a prova indicou trafegava na média de 90 a 100 km/h, tendo, ainda, se omitido em prestar socorro à vítima.

Saliente-se que o fato de estar ou não embriagada a vítima, por si só é circunstância que não exclui a culpa do agente atropelador, inexistindo culpa concorrente em sede penal, e mesmo que sóbria aquela estivesse, a falta de cautela com que se houve o réu, poderia resultar no atropelamento de qualquer transeunte que atravessasse a rua naquele momento, tamanha a imprudência com que dirigia.

Efetivamente, o réu assumiu o risco de produzir o resultado quando passou pelo local, movimentado à ocasião, em velocidade incompatível.

A respeito do tema, vale á pena citar:

EMENTA - CRIMES DE HOMICÍDIO E DE LESÕES CORPORAIS CULPOSOS - ACIDENTE DE TRÂNSITO CONDENAÇÃO - DESCUMPRIMENTO DO DEVER OBJETIVO DE CUIDADO - AVANÇO DE SINAL LUMINOSO - PROVA ORAL DEFENSIVA INSUBSISTENTE EM RAZÃO DE CONTRADIÇÕES E DE VÍNCULO DE AMIZADE E PARENTESCO - TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO SEM QUALQUER LIGAÇÃO COM O ACUSADO OU AS VÍTIMAS - NÃO SENDO O ACIDENTE OCASIONADO POR CULPA EXCLUSIVA DAS VÍTIMAS SUBSISTE A CULPA DO ACUSADO INEXISTÊNCIA DE CULPA CONCORRENTE EM DIREITO PENAL - PROVA SEGURA DA CULPABILIDADE - DESPROVIMENTO DO RECURSO. (1ª Ementa - APELAÇÃO - Processo: 2009.050.03443 - DES. FÁTIMA CLEMENTE - Julgamento: 08/09/2009 - QUARTA CÂMARA CRIMINAL).

Desta forma, voto no sentido de negar provimento ao recurso.

Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2009.

Des. KATIA MARIA AMARAL JANGUTTA
Relatora




JURID - Apelação. Artigo 302, parágrafo único, III, da Lei 9.503/97. [14/01/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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