Indenização. Inundação da propriedade dos autores em razão de obras realizadas em barragem localizada na propriedade do réu. Prejuízos constatados.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.
Apelação Cível
Vigésima Câmara Cível
Nº 70029535705
Comarca de São Borja
APELANTE/RECORRIDO ADESIVO: DEOCLECIO DA SILVA AMORIM
RECORRENTES ADESIVOS/APELADOS: SADI TERNES MULLER E ODÍLIA HERLEIN MULLER
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. INUNDAÇÃO DA PROPRIEDADE DOS AUTORES EM RAZÃO DE OBRAS REALIZADAS EM BARRAGEM LOCALIZADA NA PROPRIEDADE DO RÉU. PREJUÍZOS CONSTATADOS. REVELIA DECRETADA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS PELOS AUTORES.
Circunstâncias da prova que revelam ter a obra executada pelo réu, supostamente para manutenção da barragem, promovido o alague da propriedade dos autores. Alegação defensiva, de que a barragem seria servidão sujeita à prescrição aquisitiva e de que era obra consentida pelos vizinhos há muitos anos, afastada em face da revelia.
Revelia, contudo, cujos efeitos não são absolutos. Indenização deferida de forma parcial, nos termos quantificativos apurados pela perícia técnica. Impossibilidade de estender a indenização para as safras seguintes, porque é descabida indenização a partir de presunção do dano.
Ampliação do dever de indenizar para abranger o período entre o ajuizamento do feito e a perícia, que se realizou três anos após. Restituição integral do prejuízo sofrido pela parte. Pedido que não é incerto, constante na inicial, mas que deve ser limitado à data da perícia.
RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento a ambos os recursos.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Glênio José Wasserstein Hekman e Dr.ª Ângela Maria Silveira.
Porto Alegre, 09 de setembro de 2009.
DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO,
Relator.
RELATÓRIO
Des. José Aquino Flôres de Camargo (RELATOR)
Deoclécio da Silva Amorim apelou da sentença que, nos autos da ação de indenização por ato ilícito proposta por Sadi Ternes Müller e Odília Herlein Müller, julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida na petição inicial e condenou o réu ao pagamento de valor equivalente a quatrocentos e dezessete sacas de arroz, observada a cotação oficial do produto na data do trânsito em julgado da demanda, corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir da data do fato e acrescido de juros de 01% ao mês a contar da citação. Ante a solução encontrada, o demandado foi condenado ao pagamento de metade das custas processuais, cabendo, o restante, aos autores. Os honorários advocatícios foram fixados em 12% sobre o valor atualizado da causa para o procurador de cada uma das partes (fls. 94-95).
Em suas razões, o apelante afirmou que a intempestividade da contestação foi um equívoco e não justifica o agravamento dos ônus de sucumbência decorrentes da sanção processual. Salientou que não há provas concretas da dimensão do prejuízo, sendo exagerada a cobrança estipulada em sentença, tendo o perito informado a perda de apenas o equivalente a 114 sacas de arroz, podendo ser deferido, no máximo, 11,4 sacos de arroz em casca, visto que o apelado requer apenas 10% daquilo que deixou de ser colhido. Pugnou, então, pelo provimento do recurso, afastando-se a condenação ou, no máximo, limitando-a a 11,4 sacas de arroz em casca (fls. 97-100).
Ao contra-arrazoar, os apelados alegaram que a prova pericial confirmou o que foi dito na petição inicial sobre o prejuízo de aproximadamente 30 hectares de suas terras inundadas. Aduziram estar totalmente de acordo o valor cobrado. Postularam, então, o desprovimento do recurso de apelação (fls. 104-107).
Foi interposto recurso adesivo, no qual o recorrente sustentou haver um equívoco na limitação da indenização apenas sobre a safra do ano de 2005, haja visto que três anos depois foi realizada a perícia técnica, comprovando ainda haver prejuízos no terreno. Requereu, por fim, a condenação dos apelantes às custas e honorários e também a concessão do benefício da justiça gratuita (fls. 110-112).
Ao manifestar-se sobre o recurso adesivo, o recorrido salientou que estender o feito não faz sentido, que seria uma "promessa de prejuízo futuro", não tendo havido fundamentos suficientes para provar o fato alegado (fls. 115-117).
Na sequência, subiram os autos a esta Corte e, por distribuição, vieram-me conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
Des. José Aquino Flôres de Camargo (RELATOR)
Apreciarei os recursos conjuntamente, como segue.
De acordo com a tese dos autores, o réu, ao realizar obras em uma das barragens de sua propriedade, teria inundado o imóvel explorado pelos autores, em área com extensão aproximada de 31ha. Pediram, então, a condenação do réu ao pagamento de indenização em valor equivalente a 417 sacas de arroz referentes à safra 2004-2005, e outras 417 sacas de arroz em relação às safras vindouras.
Embora o réu tenha apresentado contestação, assim procedeu de forma intempestiva, sendo-lhe decretada a revelia (fl. 88), decisão da qual não foi interposto recurso.
E, como sabido, um dos efeitos da revelia é, justamente, a presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial.
Trata-se, a toda evidência, de presunção relativa, pois do conjunto probatório pode resultar a prova em contrário, derrubando, assim, a presunção que favorecia a parte autora.
No caso sub judice, porém, o réu não conseguiu desfazer essa presunção quanto ao fato gerador do dever de indenizar.
Com efeito, não há dúvida de que o alagamento das terras exploradas pelos autores ocorreu por culpa exclusiva do réu, o qual, inclusive, admitiu ter realizado obras de manutenção em uma das barragens de sua propriedade.
Os efeitos da revelia atingem à matéria de fato arguida em contestação, visto que o réu alegava usucapião da barragem, consentimento dos vizinhos em relação a ela e referia que as obras levadas a efeito não tinham a extensão pretendida na inicial. Vale dizer, seriam de mera manutenção do aterro, mediante colocação de argila e compactação, retornando ao estágio de quando construída, muitos anos atrás.
Estas alegações cederam espaço à versão do autor em face da revelia e da constatação do alagamento pela perícia.
Contudo, o fato de ter sido decretada a revelia não implica, por si só, o acolhimento integral da pretensão.
A planta de levantamento planimétrico anexada na fl. 12 pelos autores é bastante clara ao demonstrar que a inundação atingiu cerca de 30ha de suas terras, fato que está corroborado pelo relatório de vistoria efetuado pelo Segundo Grupo de Polícia Ambiental (fls. 09-10).
E a perícia técnica anexada nas fls. 89-90 foi concludente. A propósito, foram estas as conclusões do perito:
1) A barragem do Réu alaga campos dos autores?
Resposta: Sim.
2) Em caso afirmativo, até quantos hectares?
Resposta: Em até 31 hectares.
3) As terras às margens da Sanga Funda é constituída de várzeas para cultivo de arroz?
Resposta: Sim.
4) A barragem do Réu recolhe água de um braço da Sunga Funda?
Resposta: Sim.
5) Se a área dos autores estando alagada, diminui seu valor?
Resposta: Sim, tanto em valor comercial na hipótese de uma venda futura como em rendimentos anuais que Autor poderia obter utilizando a área coberta pelas águas.
6) O Réu cultiva arroz em terras abaixo da barragem?
Resposta: Sim.
7) Se o réu irriga lavouras com águas provenientes desta barragem?
Resposta: Sim, por gravidade.
8) Se o Réu obtém vantagem econômica com o alagamento das terras dos autores em detrimento deles?
Resposta: Obtêm duas vantagens econômicas, uma anualmente com a irrigação por gravidade de área a maior que poderia sem que inundasse o imóvel do autor, por ser maior a área cultivada por gravidade, maior o seu lucro anual. A outra vantagem é a valorização de sua propriedade, visto que quanto mais quantidade de água disponível em sua propriedade, maior é o valor de seu imóvel por hectare.
[...].
a) O alague da barragem do réu atingiu a lavoura do Senhor Dalton Antonio Dotto? Em caso positivo, que área e qual o prejuízo estimado?
Resposta: Sim, estimamos que a área atingida fosse de 0,6 hectares, em torno de 114 sacas de arroz limpo e seco. (o grifo é nosso)
Estou em que, efetivamente, tem razão o apelo quando sustenta que da revelia resultou certo o alague na área de propriedade do apelado, todavia isso não leva à condenação na quantia pleiteada na inicial (417 sacos de arroz), pela singela razão de que não há prova de que esse seja, efetivamente, o prejuízo ostentado pela parte autora.
A prova pericial não evidenciou a extensão do prejuízo reclamado na inicial. A única quantificação trazida pelo trabalho técnico é de que o dano experimentado pelo autor seria de 114 sacos de arroz.
Por outro lado, não menos verdade que a indenização deve ser integral, ou seja, deve repor os efetivos prejuízos do autor, na esteira da regra do art. 944 do Código Civil.
É verdade que a indenização não pode ser ilimitada, para o futuro, mas, é de se presumir, o réu não fez cessar os prejuízos, porque deferida a antecipação de tutela, consoante despacho de fl. 45, datado de 28.12.2004. Não obstante isso, a perícia, realizada três anos após a liminar, evidenciou que subsistia o prejuízo.
Com efeito, caberia aos réu fazer cessar os prejuízos decorrentes do constante alagamento das terras dos autores.
Inaceitável, contudo, é que se estabeleça uma indenização para o futuro, baseada em um juízo presuntivo. Não há dúvida de que a ação está fundamentada em fato determinado, acolhido como verdadeiro em face da revelia.
Logo, nesse contexto, estender a indenização para o futuro é medida impossível de ser alcançada e seria mesmo deferir indenização por uma "promessa de prejuízo futuro". A eventual condenação relativa a outras safras não prescindirá de contraditório.
Assim, estou convencido de que a melhor solução é no sentido de dar parcial provimento a ambos os recursos: o do réu, para limitar a indenização, por safra, ao quantitativo de 114 sacos de arroz; a dos autores, para estender a indenização às safras de 2006 e 2007.
Diante desse quadro, dou parcial provimento a ambos os recursos. Mantenho as disposições sentenciais, inclusive às relativas aos honorários advocatícios, tal qual fixadas em sentença.
É o voto.
Des. Glênio José Wasserstein Hekman (REVISOR) - De acordo.
Dr.ª Ângela Maria Silveira - De acordo.
DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO - Presidente - Apelação Cível nº 70029535705, Comarca de São Borja: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO E AO RECURSO ADESIVO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: MICHELE SOARES WOUTERS
Publicado em 13/11/09
JURID - Indenização. Inundação da propriedade dos autores. [04/01/10] - Jurisprudência
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