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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

JURID - Direito à saúde. [15/01/10] - Jurisprudência


União, Estado e Município devem garantir o direito à saúde.
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUÍZO DE DIREITO DA 5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL

Processo nº 001.07.240757-4 - Ação Ordinária

Autora: Noemia Cosme de Souza

Advogado: Rychardson de Macêdo Bernardo

Réu: Estado do Rio Grande do Norte

SENTENÇA

EMENTA
: DIREITO CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO GRATUITO DE REMÉDIO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA. AMPLO ACESSO ÀS AÇÕES DE SAÚDE. DEVER DO PODER PÚBLICO E DIREITO DE TODOS.

I - A Constituição Federal assegura a proteção da saúde como extensão do direito à vida, que se insere na compreensão dos direitos fundamentais do homem.

II - O Estado, como integrante do Sistema Único de Saúde - SUS, deve garantir o fornecimento gratuito de remédio essencial ao tratamento do indivíduo.

III - Procedência do pedido.

RELATÓRIO

NOEMIA COSME DE SOUZA
, qualificada, assistida por advogado, ajuizou a presente ação ordinária, com pedido de tutela antecipada, contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, alegando, em síntese, que tem a saúde debilitada, tendo sido preescrito um tratamento com o medicamento CLOPIDOGREL 75mg, cujo nome comercial é PLAVIX. Acrescenta que por ser muito alto o custo desse medicamento, não possui condições de arcar com o tratamento e por isso procurou a Unidade de Distribuição de Agentes Terapêuticos - UNICAT na tentativa de obtê-lo, o que lhe foi negado, sob a alegação de que o Estado só tem cumprido o fornecimento de tais medicamentos quando compelido pela justiça.

A tutela antecipada foi deferida nos termos em que foi solicitada (fls. 23/29), e o Estado-réu citado apresentou contestação rebatendo o pedido, alegando, preliminarmente, que o Estado do Rio Grande do Norte não pode suportar a obrigação de arcar com o medicamento pleiteado, requerendo o chamamento à lide da União e do Município de Natal.

O Estado, irresignado com a decisão que antecipou os efeitos da tutela, interpôs agravo de instrumento com pedido de suspensividade que, em seguida, converteu-se em Recurso Especial. Porém, tais recursos foram conhecidos e improvidos pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte.

Emitindo parecer (fls. 78/83), o Ministério Público opinou pela procedência parcial do pedido autoral, no sentido de que o Estado seja obrigado a fornecer de forma contínua, não a marca pretendida pela autora, mas Clopidogrel Hidrogenossulfato 75mg.

Relatado, decido.

FUNDAMENTAÇÃO

A autora busca provimento jurisdicional que lhe garanta o fornecimento gratuito do medicamento Clopidogrel (PLAVIX), para tratamento da doença de que é portadora, por não possuir condições financeiras para seu custeamento.

Arguiu o Estado a preliminar, de que a responsabilidade pelo fornecimento do medicamento é de todos os entes federativos, devendo, portanto, o Município de Natal e a União Federal integrarem também a lide.

Não assiste razão essas alegações, pelos motivos a seguir delineados:

"Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Infere-se do texto constitucional um regime de responsabilidade solidária entre as pessoas políticas para o desempenho de atividades voltadas a assegurar o direito fundamental à saúde, uma vez que se referiu ao Estado de forma ampla, alcançando todos os entes da Federação.

Com efeito, o Estado, a União e o Município são responsáveis solidários, a teor do que preceitua o art. 23, inciso II, da Constituição Federal. Todavia, podem figurar no pólo passivo da relação processual tanto em conjunto, quanto separadamente. Assim, pode a parte autora escolher contra quem ajuizará a demanda.

A propósito, trago à baila trecho da decisão monocrática proferida pela eminente Min. Cármen Lúcia, quando do julgamento do AI 597141/RS, in verbis:

"(...) Em razão da responsabilidade prevista no artigo 196 da Constituição Federal, a legitimidade passiva para a causa consiste na coincidência entre a pessoa do réu e a pessoa de qualquer um dos vários entes federativos. A presença de um dos vários legitimados no pólo passivo da relação processual decorre da escolha do demandante, já que todos e qualquer um deles tem o dever de 'cuidar da saúde e assistência pública' na forma do inciso II do artigo 23 da Constituição Federal. (...)." (DJ 29-06- 2007, pp- 00174).

Os julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte trilham neste sentido:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PARA DETERMINAR AO ESTADO AGRAVANTE QUE FORNECESSE MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO INDISPENSÁVEL À SAÚDE. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO, POR DEFEITO NO PÓLO PASSIVO A RELAÇÃO PROCESSUAL, SUSCITADA PELO AGRAVANTE. INCLUSÃO DA UNIÃO E DO MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO. REJEIÇÃO. MÉRITO. DIREITO À SAÚDE ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE DOS MEDICAMENTOS PARA A SOBREVIVÊNCIA DO AGRAVADO. INCAPACIDADE PARA PROVER O SEU CUSTEIO. OBRIGATORIEDADE DE FORNECIMENTO PELO ESTADO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

I - "É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo as mais graves. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de qualquer deles no pólo passivo da demanda" (RESP 719716/SC, DJ 05/09/2005, Min. Relator Castro Meira).

II - Conhecimento e improvimento do recurso." (TJRN, Agravo de Instrumento nº 2007.000558-2, Segunda Câm. Cív., Rel. Des. Cláudio Santos, Julg. 08-05-2007).

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA ANTECIPADA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. TRANSFERÊNCIA PARA O MÉRITO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. RECUSA DO ESTADO EM FORNECÊ-LO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA A DIREITOS ASSEGURADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DO ESTADO APELANTE EM PROMOVER O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO IMPRESCINDÍVEL AO TRATAMENTO DE SAÚDE DA APELADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE 1º GRAU. PRECEDENTES DESTA EGRÉGIA CORTE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO." (TJRN, Apelação Cível nº 2007.003192-7, Segunda Câm. Cív., Rel. Des. Aderson Silvino, Julg. 10-07-2007).

Dessa forma, por considerar que a responsabilidade de prestar assistência à saúde é de competência de todos os entes federados, e que quaisquer dessas entidades têm legitimidade para figurar no pólo passivo da lide, não vejo como admitir que sejam a União e o Município de Natal chamados ao processo ou, ainda, que os mesmos integrem a lide na condição de litisconsórcio passivo necessário, razão pela qual concluo carecer de razoabilidade o reconhecimento de incompetência da Justiça Estadual para apreciação do feito como pretendido pelo Estado.

Diante do exposto, rejeito a preliminar.

Em relação ao mérito, a questão controvertida envolve o direito fundamental à saúde, garantido pelo nosso sistema constitucional, pela intelecção do direito à vida, constante do art. 5º, caput, da Constituição Federal. Esse tema também se situa na compreensão de Seguridade Social, que engloba além da saúde, a previdência e a assistência social.

Para o deslinde do presente conflito, merece atenção o art. 194, parágrafo único, inciso I, da Carta da República que destaca como objetivo do Poder Público em relação à seguridade social, a garantia da universalidade de cobertura e de atendimento. Essas universalidades devem ser entendidas tanto no aspecto subjetivo como no objetivo, no sentido de que deve ser assegurado o acesso sem distinção a qualquer pessoa que necessite de assistência médica, entendendo essa assistência como toda forma de tratamento possível à recuperação ou prevenção do estado de saúde.

A opinião do Prof. Feijó Coimbra, in Direito Previdenciário Brasileiro, 7ª ed., Edições Trabalhistas, 1997, p. 58, é bastante oportuna para o caso:

"O texto constitucional se esforça por colocar os serviços médicos ao alcance do cidadão necessitado, como direito seu e não mais como caridade ou beneficência".

Completando o sentido da norma fundamental, a Lei nº 8.080/90, que regula as ações de saúde, sua organização e funcionamento em todo território nacional, aponta no art. 6º, I, "d", que a proteção e recuperação da saúde obriga o SUS - Sistema Único de Saúde a executar ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.

Como o Estado é um dos pólos integrantes do SUS, se configura inconstitucional a omissão da Secretaria Estadual em fornecer o medicamento necessário ao tratamento do autor.

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, tem julgado no sentido de que persiste a obrigação da Administração Pública em suportar os custos de um medicamento que não é fornecido pelo SUS, possibilitando até mesmo o bloqueio de dinheiro para sua aquisição:

MEDIDA CAUTELAR. MEDICAMENTO ESPECÍFICO. RISCO DE MORTE. NÃO FORNECIMENTO PELO BLOQUEIO DE VALORES NECESSÁRIOS À AQUISIÇÃO. NÃO APLICAÇÃO AO CASO DO ARTIGO 1º, § 3º, DA LEI 8.437/92. MEDIDA CAUTELAR PROCEDENTE.

1. Em exame medida cautelar interposta por Karem Patrícia Maia Gomes cujo pedido liminar de bloqueio de valores para compra de medicamentos foi concedido nos seguintes termos: "Saliente-se, que desde agosto de 2005 o Estado não fornece a medicação, descumprindo liminar concedida em antecipação de tutela, posteriormente confirmada por sentença. Não é razoável, pelos princípios de Direito e pela primazia da vida assegurada constitucionalmente, para não falar nos princípios cristãos, que o Estado, não havendo durante todo este tempo fornecido a medicação, se recuse a pagar os valores necessários à compra dos remédios de que a requerente necessita. Portanto, concedo a liminar, inaudita altera pars, para determinar que seja feito o bloqueio do valor de R$ 8.725,20 expedindo-se o alvará para sua imediata liberação. Determino, outrossim, o destrancamento do recurso especial." Contestação do Estado do Rio Grande do Sul sustentando a existência de medicamento equivalente ao solicitado pela requerente sendo ilegítima a sua pretensão; a liminar concedida na presente cautelar detém efeito plenamente satisfativo em clara afronta ao artigo 1º, § 3º, da Lei 8.437/92; a norma do artigo 196 da Constituição Federal que assegura o acesso universal e igualitário aos serviços e ações na área da pretende que se franqueie o ingresso no sistema ao maior número de pessoas possível. 2. Comprovado documentalmente nos autos que não obstante a determinação judicial, o requerido não forneceu os medicamentos determinados em laudo médico e encontrando-se a requerente, desde agosto de 2005, sem receber o e em sério risco de morte, sem obter do Estado sequer a insulina comum deve ser confirmada liminar que determinou o bloqueio de valores para tal fim. 3. A assertiva do Estado de que o NPH possui efeito equivalente a Novorapid, com Caneta, Novopen e Insulina Cantus além de Glucagen e açúcar líqüido não infirma o laudo médico acostado aos autos que afirma que a insulina NPH não produzirá o efeito necessário ao controle da doença da requerente. 4. Ainda que o artigo 1º, § 3º, da Lei 8.437/92 vede a concessão de liminar contra atos do poder público no procedimento cautelar, que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação, há que se considerar que, tratando-se de aquisição de medicamento indispensável à sobrevivência da parte, impõe-se que seja assegurado o direito à vida da requerente. 5. Medida cautelar julgada procedente. (STJ - Medida Cautelar 11120 / RS - Relator Min. JOSÉ DELGADO - Primeira Turma - DJ 08.06.2006)

Volvendo-se ao caso em tela, constata-se das disposições acima, ser inadmissível retirar do Estado o dever de fornecer o medicamento a autora, uma vez que restou suficientemente demonstrado que ela encontra-se acometida de doença grave, necessitado do uso diário do medicamento Clopidogrel (PLAVIX). Além do que, não detém a demandante condições financeiras de arcar com o custo do remédio, sob pena de comprometer a sua subsistência e de seus familiares, necessitando, assim, do fornecimento gratuito do medicamento para assegurar a sua saúde e a própria vida.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, julgo procedente o pedido formulado pela autora NOEMIA COSME DE SOUZA, para determinar que o ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE lhe forneça o medicamento Clopidogrel (PLAVIX), receitado pelo médico da paciente, ficando obrigado a manter seu fornecimento regular de acordo com a orientação médica, ratificando integralmente a antecipação dos efeitos da tutela concedida às fls. 23/29, notificando-se por mandado o Senhor Secretário Estadual da Saúde Pública e a Procuradoria Geral do Estado para que dêem efetividade a esta decisão.

Condeno o réu no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

Sentença não sujeita ao reexame necessário, tendo em vista que o valor da causa é inferior a 60 (sessenta) salários mínimos (art. 475, § 2º, do Código de Processo Civil), e a condenação não fixou valor líquido e certo superior a este parâmetro, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Natal, 18 de dezembro de 2009.

Luiz Alberto Dantas Filho
Juiz de Direito



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