Apelação cível. Ação declaratória negatória de dívida c/c reparação de danos morais. Aquisição de linha telefônica móvel mediante fraude.
Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT.
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO Nº 38821/2009 - CLASSE CNJ - 198 - COMARCA DE VÁRZEA GRANDE
APELANTE: AMERICEL S. A.
APELADO: JULIANO STEFANO DURAN
Número do Protocolo: 38821/2009
Data de Julgamento: 31-8-2009
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA NEGATÓRIA DE DÍVIDA C/C REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS - AQUISIÇÃO DE LINHA TELEFÔNICA MÓVEL MEDIANTE FRAUDE - UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO NOME DO APELADO - NEGLIGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO - DÍVIDA NÃO CONTRAÍDA - INSCRIÇÃO NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO - DANO MORAL CONFIGURADO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE - RECURSO NÃO PROVIDO.
A negligência da empresa de telefonia que, mesmo possuindo o dever de examinar atentamente os documentos de identificação de pretensos consumidores, habilita linha telefônica contratada por terceiros mediante fraude, gera a responsabilidade de indenizar a vítima pela inscrição indevida do seu nome nos órgãos de proteção ao crédito.
Deve ser mantido o valor da condenação quando fixado de acordo com as peculiaridades do caso em concreto, bem como à vista dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
R E L A T Ó R I O
EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO
Egrégia Câmara:
Apelação Cível de sentença que julgou parcialmente procedente Ação Declaratória Negatória de Dívida c/c Reparação de Danos Morais, declarou inexistente o débito relativo ao contrato de telefonia móvel celebrado por falsário, condenou a apelante ao pagamento de R$5.000,00 (cinco mil reais) pela indevida inscrição do nome do apelado nos órgãos de proteção ao crédito, acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da inserção, correção monetária a partir da indenização, bem como custas processuais e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento), sobre o valor da condenação.
A apelante alega culpa exclusiva de terceiro, inexistência do dever de indenizar e ausência de comprovação dos danos suportados, razão pela qual requer a reforma integral do decisum e, alternativamente, caso se entenda devida a indenização, a redução do quantum, por entender excessivo e desproporcional.
Contrarrazões pela manutenção da decisão (fls. 295/300- TJ).
É o relatório.
V O T O
EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (RELATOR)
Egrégia Câmara:
O autor/apelado, em 24.09.2002 (fls. 32), teve seu nome inscrito nos registros do SERASA e SPC em razão de débito no valor de R$144,13 (cento e quarenta e quatro reais e treze centavos), proveniente de uma linha móvel habilitada em seu nome por terceiro que utilizou de documentos furtados para praticar a fraude.
Em suas razões, a empresa alega que "o contrato firmado foi verbal, pelo televendas. (...) Sendo assim, todos os dados do cliente são fornecidos neste momento e, seguidamente, verificados pelo departamento anti-fraude da requerida. (...) se forem tais documentos falsos, de inegável ação exclusiva de terceiro mal intencionado, razão pela qual há de se reconhecer se tratar de hipótese de culpa exclusiva de terceiro, que é excludente de responsabilidade civil objetiva imposta pelo Código de Defesa do Consumidor, artigo 14, §3º, inciso II." (fls. 278/280).
A facilidade com que se adquire um celular na atualidade, sem dúvida, é fato vantajoso à sociedade, que sinaliza o progresso tecnológico com a consequente melhora na qualidade de vida dos cidadãos; não obstante, de outro lado cabe às empresas prestadoras desse serviço, como desdobramento natural, majorar as cautelas no momento de conferir a autenticidade dos documentos que lhes forem apresentados, de forma a evitar situações como a que ora se vê.
Importante ressaltar que a apelante não comprovou a idoneidade do procedimento efetuado para a habilitação da linha telefônica, pois sequer trouxe aos autos cópia do contrato celebrado nem os documentos supostamente apresentados para a sua formalização, não havendo, portanto, elementos para se imputar a conduta ao apelado ou a terceiros.
Assim, se apresenta evidente a sua negligência no caso concreto, porquanto, mesmo possuindo o dever de examinar atentamente os registros de identificação de pretensos consumidores, acolhe documento falso apresentado por estelionatário e habilita telefone em nome do recorrido, de modo que a inserção dele no cadastro de inadimplentes figura-se como ato manifestamente ilícito.
Nesse sentido:
"EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. CONTRATO DE TELEFONIA REALIZADO POR FALSÁRIO. DANO MORAL IN RE IPSA (...). A embargante é responsável pelos serviços oferecidos ao consumidor, devendo responder pelos danos morais impingidos, em decorrência de contratação firmada com terceiro falsário que veio a ocasionar indevido cadastro em órgão de restrição de crédito - SERASA (...)" (TJRS - Bem. Inf. N. 70024547242 - 3º Grupo de Câmaras Cíveis - Rel. Des. Liege Puricelli Pires - DJ 4.7.2008).
"RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. SERASA E SPC. LINHA DE TELEFONIA FIXA FRAUDULENTAMENTE HABILITADA EM NOME DA PARTE AUTORA. Adotando as operadoras de telefonia serviço falho no que respeita às habilitações de terminais, possibilitando que sejam instaladas linhas em nome de terceiros que não os titulares das solicitações, culminando com a inscrição em órgãos de proteção ao crédito, correta a decisão que condenou a demandada ao pagamento de indenização por danos morais. (...) RECURSO DA RÉ A QUE SE NEGA PROVIMENTO." (TJRS - n. 71001873520, 3ª Turma Recursal Cível - Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti - DJ 30.6.2009)
Não bastasse isso, a empresa de telefonia assume o risco do seu empreendimento, devendo arcar com os prejuízos causados a terceiros, independentemente da perquirição de culpa.
Sobre o tema, a lição de Sergio Cavalieri Filho:
"Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. (...)".
Ao seu turno, o abalo extrapatrimonial no caso concreto, consoante entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, prescinde de prova concreta do prejuízo, pois o lançamento indevido do nome do recorrido nos bancos de dados restritivos constitui fato suficiente à presunção do sofrimento e da angústia por ele suportados.
A propósito:
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E TUTELA ANTECIPADA - INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SPC E SERASA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA OPERADORA DE TELEFONIA LOCAL - CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - APLICAÇÃO DA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - PRESENTES OS REQUISITOS DO DANO MORAL PURO QUE INDEPENDE DE PROVA PARA A SUA INDENIZAÇÃO (...)." (STJ - REsp 1058951 - Rel. Min. Fernando Gonçalves - DJ 15.10.2008)
E ainda:
"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA. SPC. FRAUDE. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE NÃO-VERIFICADA. RISCO DO EMPREENDIMENTO. DANO MORAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELEFONIA. DÍVIDA INEXISTENTE. O registro, sem existência de dívida do nome do consumidor em listagens de inadimplentes implica-lhe prejuízos, indenizáveis na forma de reparação por danos morais, sendo estes, segundo a majoritária jurisprudência, presumíveis, prescindindo de prova objetiva (...)" (TJRS - AC n. 70024804254 - 9ª Câmara Cível - Rel Des. Marilene Bonzanini Bernardi - DJ 15.10.2008).
O valor indenizatório fixado pelo julgador singular não destoa dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, nem demonstra exorbitância capaz de gerar enriquecimento ilícito ao apelado.
Eis a jurisprudência:
"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TELEFONIA. DÍVIDA INDEVIDA. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. (...) Com efeito, a possibilidade desta Corte intervir, alterando o valor da indenização por danos morais, somente é admitida no caso do quantum se mostrar irrisório ou excessivo, o que não ocorre nos presentes autos, onde foi fixado o valor de R$ 8.300,00 (oito mil e trezentos reais)." (STJ - Ag 1145317/RS - Des. Min. Vasco Della Giustina - 26/8/2009)
Com essas considerações, nego provimento ao apelo para manter a sentença hostilizada.
É como voto.
V O T O
EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (REVISOR)
Egrégia Câmara:
A questão batida nos autos se assemelha a tantas outras já apreciadas neste Sodalício, e cuida de estabelecer os limites razoáveis para a atuação dos prestadores de serviços nos contratos de adesão que se proliferam nas relações sociais.
De plano, já se pode asseverar que o contrato de telefonia é tipicamente contrato de consumo, de natureza adesiva, onde o consumidor/aderente somente tem a faculdade de escolher a operadora com a qual irá contratar, não lhe cabendo opinar em mais nenhuma cláusula contratual.
Segundo Cláudia Lima Marques, contratos de adesão são aqueles:
"cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual mais forte (fornecedor) 'ne variatur', isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito." (Contratos no Código de Defesa do consumidor, Ed. RT, pág. 31).
Dessa forma, e tratando-se de nítido contrato de consumo é evidente que a responsabilidade do fornecedor do serviço ou produto comercializado é de natureza objetiva, desprendida, portanto, da noção de culpa contratual aquiliana, só se isentando da responsabilidade se demonstrar a ausência de nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido, ou a culpa exclusiva da vítima.
No caso, a apelante celebrou contrato de telefonia móvel com pessoa que se identificou como sendo a apelada, sem certificar-se, contudo, sobre a autenticidade dos documentos apresentados, o que possibilitou que o falsário obtivesse o direito de uso de linha telefônica móvel, agindo como se fosse outra pessoa.
Não se desconhece o fato de que ocorrências dessa natureza se multiplicam nos dias atuais, em que o acesso à novas tecnologias e o padrão de contratação por meio virtual proporcionam facilidades à ação de inescrupulosos, todavia, exatamente por isso é que os fornecedores de serviços devem redobrar seu dever de vigília na formação dos contratos que celebram.
Trata-se de aplicação da chamada "teoria do risco profissional", assim definida por Miguel Reale:
"Pois bem, quando a estrutura ou natureza de um negócio jurídico - como o de transporte ou de trabalho, só para lembrar os exemplos mais conhecidos - implica a existência de riscos inerentes à atividade desenvolvida, impõe-se a responsabilidade objetiva de quem dela tira proveito, haja ou não culpa." (Instituições de Direito Civil, 3ª ed., Forense, v. 3, pág. 507).
Desse modo, não há o que se falar, como pretende o apelante, em culpa exclusiva de terceiro como excludente de sua responsabilidade, porque é seu o encargo de zelar pela perfectibilidade dos pactos que celebra.
Além do mais, a inserção indevida do nome do apelado em cadastros restritivos de crédito enseja reparação de dano moral, cabendo à autora do ato ilícito o dever de indenizá-lo em razão de ofensa à honra e à consideração social do consumidor.
É posição assente na doutrina que o dano moral, para ser configurado, independe de demonstração de prova e de prejuízo.
O Ministro Sálvio de Figueiredo, no Resp. 53.729-0, ao discorrer sobre dano moral, ensina:
"Infundada é a pretensão do recorrente em afastar a indenização pela ausência de dano ou prejuízo. A questão da reparabilidade de danos morais e a desnecessidade de comprovação de prejuízo já é matéria sedimentada no meio forense."
No caso em tela e diante dos fatos descritos, bem como dos documentos acostados, verifica-se que o dano moral efetivamente ocorreu, pois o autor teve o seu nome inscrito indevidamente no SPC e SERASA.
Passando à questão do valor fixado em primeiro grau, a quantia arbitrada foi de R$5.000,00, que nada se afigura exagerada ou desproporcional à lesão sofrida pelo recorrido, injustamente achacado em sua honra, e cobrado por dívida que não possui.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso mantendo inalterada a sentença apelada.
Custas pela apelante.
V O T O
EXMA. SRA. DRA. MARILSEN ANDRADE ADDARIO (VOGAL)
Egrégia Câmara:
De acordo com votos precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (Relator), DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (Revisor) e DRA. MARILSEN ANDRADE ADDARIO (Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, IMPROVERAM O RECURSO.
Cuiabá, 31 de agosto de 2009.
DESEMBARGADOR ORLANDO DE ALMEIDA PERRI - PRESIDENTE DA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
DESEMBARGADOR RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO - RELATOR
Publicado em 10/09/09
JURID - Ação declaratória negatória de dívida c/c reparação de danos [22/09/09] - Jurisprudência
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