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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

JURID - Invasores desocuparão terreno. [30/09/09] - Jurisprudência


Invasores de lote deverão desocupar o terreno e pagar indenização.


Circunscrição: 1 - BRASÍLIA
Processo: 2005.01.1.040891-6
Vara: 2101 - VARA DE MEIO AMBIENTE DESENV. URBANO E FUNDIÁRIO DO DF

Processo: 2005.01.1.040891-6

Ação: CIVIL PUBLICA
Autor: DISTRITO FEDERAL e outros
Réu: RAIMUNDA SANTIAGO DA SILVA e outros

Sentença

O DISTRITO FEDERAL ajuizou em 25.04.2005 pedido em Ação Civil Pública por Danos à Ordem Urbanística, com pedido de tutela liminar em desfavor de RAIMUNDA SANTIAGO DA SILVA, MIRIANI LEITE DA COSTA, BAIRON NUNES DA SILVA NETO, ANTONIA EDILMA FERREIRA DOS SANTOS, EDNA DOS SANTOS ALMEIDA, CARLOS ANTONIO LEAL JUNIOR, JUNIOR CÉSAR P. DA SILVA, VALDELIVIA BARROSO DOS SANTOS, PATRÍCIA MARQUES REBOUÇAS, RUTH ROSE RUAS PERES, ERISVAN OLIVEIRA GONÇALVES e OSMAR FERREIRA DOS REIS. Consoante fl. 283, foi excluído o requerido Júnior César P. da Silva e incluída no pólo passivo IVONE DOS SANTOS ROCHA.

O autor postulou provimento judicial liminar para que os réus, e outros ocupantes irregulares, abstivessem de praticar atividades no imóvel lote nº 01, da Rua 200, da QS 06, de Águas Claras. Ao final, pediu a confirmação dos efeitos da tutela liminar e a condenação dos réus em obrigação de fazer e ao pagamento de indenização.

O Distrito Federal aduz ser o proprietário do imóvel objeto da demanda, consoante registro nº R-1, da Matrícula nº 139.324 do 3º R.I. do Distrito Federal, com destinação de uso especial, para fins de construção de um Jardim de Infância em benefício da comunidade local. Entretanto, desde o ano de 2000, a área vem sendo ocupada por invasores, que de má-fé assim agem, uma vez que conhecem a natureza pública de uso especial do imóvel.

Ressaltou que a destinação especial do imóvel objeto da demanda foi alterada pela Lei Complementar nº 594/02, sendo que posteriormente o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal a declarou inconstitucional em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2004.00.2.004098-9. Lado outro, salienta que "as construções em questão foram levantadas antes do advento da Lei Complementar 594/02" - fl.07. E, por fim, o autor argumenta que os réus não poderiam se servir da regra jurídica aludida para edificação de suas casas, uma vez que ela foi retirada do mundo jurídico por decisão judicial com efeitos ex tunc e erga omnes.

Noticiou que grande número de particulares vem edificando casas e prédios na área QS 06 de Águas Claras/DF ao arrepio da Lei Distrital nº 2.105/98 (Código de Edificações do Distrito Federal), dos artigos 30, inciso VIII, 32, §1º e 182, caput da Constituição Federal, da Lei Distrital 41/89 (determina a Política Ambiental do Distrito Federal) e sem a anuência prévia da Administração Regional competente (licença para construir e da carta de habite-se do Poder Público). Afirma ainda ser o imóvel objeto de parcelamento irregular, pois realizado à margem da Lei 6.766/79.

Assegura que a Administração Regional de Taguatinga juntamente com o Siv-Solo tentam impedir a ação dos loteadores na área objeto da presente lide, com notificações e embargos de obras realizadas no local, todavia diariamente surgem novos invasores que iniciam construções clandestinas, causando danos à ordem urbanística.

Instrui a inicial com os documentos às fls.13/126.

Concedida em parte a liminar "APENAS para notificar os réus da temeridade de ocuparem área pública, cuja mera detenção não lhes garante qualquer das garantias da posse de boa-fé, inclusive a impossibilidade de detenção com base na realização de benfeitorias de qualquer modalidade, porquanto plenamente cônscias da irregularidade da ocupação" - fls.135/142. Decisão enfrentada por meio do recurso de agravo de instrumento ao qual foi negado provimento - fls. 233/237.

Citação às fls. 144/145. Contestação de todos os requeridos às fls. 156/199, inclusive daquela incluída formalmente à fl. 283, em face da procuração juntada conforme fl. 170. Sustentam que a ocupação é lícita e alegam que conseguiram junto à Câmara Legislativa aprovação do Projeto de Lei Complementar para modificar a destinação da área ocupada, que inclusive à época estava servindo como ponto de drogas. Os ocupantes da área sustentam terem sido beneficiários da lei distrital referida, e que somente após a ocupação do imóvel a referida lei foi afastada por Ação de Inconstitucionalidade. Noticiam que receberam autorização verbal das autoridades competentes para construção de suas moradias. E mais, afirmam que a área ocupada não está inserida em Reserva Ambiental, e nem sequer deram causa a qualquer dano ao meio ambiente. Requerem que seja julgado o pedido do autor improcedente, a concessão da gratuidade de justiça, a intimação da TERRACAP a fim de promover tentativa de venda dos lotes e do DISTRITO FEDERAL para modificar a destinação da área e, caso este juízo decida pela desocupação dos imóveis, sejam indenizados por benfeitorias dos imóveis.

Réplica às fls. 213/229. O Distrito Federal reafirma que os réus invadiram e parcelaram irregularmente o imóvel público objeto da lide. Ressalta que "o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao decretar a inconstitucionalidade dos artigos 2º, caput e 5º, § 2º da Lei Distrital 954/95 (ADI 2003.00.2.008231-8, relator Dês. Vaz de Mello), que permitia a transferência de imóveis públicos a particulares sem a devida licitação, fulminou o argumento teratológico daqueles que advogavam a tese da transferência do patrimônio público a invasores de terras públicas em evidente prejuízo ao erário e à coletividade" - fl. 214. Por isso, inviável a possibilidade jurídica de venda direta do imóvel em questão como pretendem os requeridos. Quanto à pretensão ao direito de indenização dos ocupantes da área objeto da demanda, o autor imputa a eles má fé, uma vez que tinham conhecimento da qualidade pública do bem, e diz que nenhum proveito irá tirar das edificações efetuadas, ao revés terá despesas ao retirar a invasão instalada na área. Por fim, o requerente sustenta que os pedidos de intimação da Terracap com o intuito de obter a venda dos lotes e de condenação à indenização não são possíveis em peça contestatória, e nem sequer foram apresentadas em reconvenção.

O autor assevera ainda que a Lei Complementar nº 594/02 foi promulgada posteriormente à ocupação da área pelos requeridos, e por isso não serve como argumento de que o Poder Público autorizou a invasão em tela. Ademais, os requeridos edificaram suas casas sem observar o Código de Obras, ou seja, sem a licença e a carta de habite-se expedida pelo Poder Público.

Ministério Público se manifestou às fls. 260/264 "pelo julgamento da lide nos termos do art. 330, do Código de Processo Civil, acolhendo-se o pedido formulado pelo Distrito Federal" - fl.264.

Decisão à fl. 275 declinando da competência em favor da Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal.

É o relatório. DECIDO.

A ação civil pública eficiente e legítimo instrumento processual destinado a proteger o meio ambiente, o consumidor, a ordem urbanística, a moralidade administrativa, enfim, bens e valores que são caros à coletividade (Lei nº 7.347/1985, artigo 1º).

A questão versada nos autos diz respeito à suscitada ilegal ocupação e parcelamento do imóvel Lote nº 01, Rua 200, QS-6, Bairro Águas Claras, Taguatinga/DF, e à Lei Complementar nº 594, de 09 de maio de 2002, promulgada pelo Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, à época.

À vista da matrícula nº 139.342 do 3º R.I. (fl. 81), o imóvel inquestionavelmente público objeto da demanda foi destinado a Jardim de Infância, sendo seu proprietário o Distrito Federal. Todavia, a Lei Complementar nº 594, de 09 de maio de 2002, alterou a destinação especial do bem público. Porém, essa situação não persistiu por muito tempo, uma vez que a referida lei foi afastada da ordem jurídica nos termos da decisão de mérito proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade, autos nº 2004002004098-9, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

A Lei Complementar n. 594, em seu artigo 2º, assim, dispunha:

"Fica alterada a destinação de uso do Lote 01, Rua 200, QS 06, Bairro Águas Claras, na Região Administrativa de Taguatinga - RA III, passando da categoria de uso institucional, atividade de ensino para a categoria de uso residencial" - fl.59.

A decisão colegiada, consoante o acórdão registrado sob nº 226008, da relatoria do e. Des. Lécio Resende, restou assim disposto:

"Diante de tais fundamentos, julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei Complementar nº 594, de 09 de maio de 2002, com efeito erga omnes e ex tunc."

É certo que o imóvel objeto da demanda possuía, originariamente, destinação da área de uso institucional (atividade de ensino), consoante matrícula nº 139.342 do 3º R.I. (fl. 81). Com o advento da Lei Complementar n. 594, o uso da área foi alterado para residencial. Todavia, a decisão proferida na ADI nº 2004002004098-9 do TJDFT, cujos efeitos foram erga omnes e ex tunc, restabeleceu a destinação de uso especial do bem, desde a sua origem.

Ou seja, diante da proclamação de inconstitucionalidade da Lei Complementar Distrital nº 594 de 09.05.2002 e dos efeitos dela decorrentes, a discussão acerca do momento da ocupação da área objeto da demanda pelos réus, se antes ou no curso da vigência da Lei Complementar nº594/02, torna-se inócua.

Contudo, é oportuno observar que às fls. 87/90 há cópias de notificações expedidas em 20.11.2001 pela Administração Regional de Taguatinga para que fossem demolidas construções no local QS 06, Área Especial, Rua 200, Águas Claras, assim como auto de embargo às fls.99/107, lavrados no mês de setembro de 2001. Tais circunstâncias demonstram a consumação de atos administrativos de controle urbanístico contra os ocupantes da área, que ali se instalaram antes mesmo de ser promulgada a Lei Distrital nº 594 de 09 de maio de 2002.

Portanto, o que se tem nos presentes autos foi a velada intenção dos réus de se apoderam às claras de bem público, no que contaram com o patrocínio da Câmara Legislativa do Distrito Federal para dar legalidade ao que era ilegal.

Disseram com a contestação que obtiveram autorização "verbal" da autoridade competente da ocasião, para a referida ocupação. Ora, nada mais frágil que esse argumento. Afinal, os atos administrativos são essencialmente formais, não se conhecendo mesmo a forma verbal que pudesse legitimar a invasão que perpetraram. Se autorização verbal foi dada, o agente que a expediu agiu com a mesma ilegalidade na incorreram os réus, constituindo-se partícipes no mesmo ilícito.

Como se vê, os réus obraram sem nenhum amparo na ordem jurídica ao estabelecer o regramento quanto ao direito de propriedade, quando ainda desobedeceram a princípio informador do direito urbanístico, consistente na conformação da construção urbana às normas de postura, imprimindo à área de uso especial e à força ilegítima, o uso residencial.

A destinação pública reservada à área é fruto de planos urbanísticos e de outros procedimentos e normas legais que visam orientar a utilização do bem, de sorte que se possa obter, nos modos de vida e nas condições de moradia dos indivíduos, o bem estar da coletividade.

Efetivamente a inobservância de princípios e regras urbanísticas gera desordem do traçado urbano, produz focos de degradação ambiental, aumenta as desigualdades sociais e a violência urbana, tudo isso a prejudicar a realização da qualidade de vida humana, razão pela qual o Poder Público deve rechaçar as ocupações irregulares.

Cabe acentuar, ainda, que os réus ocuparam área pública, sem observar as normas de sistematização urbanística, as normas de controle urbanístico (Lei Distrital nº 2.105/98 - Código de Edificações do Distrito Federal; a Lei Distrital 41/89 - Política Ambiental do Distrito Federal e a Lei 6.766/79 - Parcelamento do Solo) e sem a anuência prévia da Administração Regional competente (licença para construir e da carta de habite-se do Poder Público).

No que diz respeito ao pedido de indenização, o caput do artigo 927 do Código Civil dispõe sobre o dever de indenizar, com o seguinte texto: "Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". Por sua vez, o Código Civil, em seu artigo 186, manteve a culpa com fundamento da responsabilidade subjetiva, sendo ela o seu principal pressuposto. De outro lado, vê-se nos artigos 927, parágrafo único e 931 do Código Civil, a responsabilidade objetiva, sem culpa, baseada na chamada teoria do risco.

De acordo com tais regras, trata-se aqui de responsabilidade subjetiva, no que só teria espaço para a responsabilização se verificasse a presença dos seus pressupostos: conduta culposa, nexo causal e dano.

Inegavelmente os réus agiram em detrimento do interesse coletivo, personificado no ente estatal-autor. Violaram deveres no tocante ao respeito à coisa alheia, como ainda inobservaram normas urbanísticas, edificando sem permissão da autoridade competente. Assim agindo, os réus esvaziaram, até o momento presente, o exercício dos atributos de uso, gozo e disposição inerentes ao direito de propriedade em favor do Distrito Federal, por inexistir ato do Poder Público com eficácia de produzir efeitos jurídicos de concessão de direitos de uso da área objeto da demanda em face dos réus. À luz desses fatos, tem-se a conduta culposa dos réus.

Como se assinala acima, o dano é outro requisito indispensável à obrigação de indenizar. Quanto ao prejuízo sofrido pelo autor na esfera urbanística, o fato constitutivo do seu direito à indenização está nos danos causados ao bem estar coletivo da população residente em Águas Claras, quando não vê atendidas as regras de planejamento e de execução de obra públicas que permitam o desempenho harmônico e progressivo das funções urbanas elementares: habitação, trabalho, recreação, circulação no espaço urbano. Nesse sentido, a conduta ilícita dos réus atinge ainda a impossibilidade de uso do imóvel ao seu destino especial de construção de um jardim de infância pelo Distrito Federal, prejudicando pessoas indeterminadas que poderiam estar colhendo serviço público essencial no amparo à criança na idade pré-escolar.

É oportuno considerar ainda que o dano urbanístico foi causado por conduta ilícita dos réus, descortinando então o nexo causal como requisito da responsabilidade civil.

A ocupação ilegal exercida pelos réus retirou do autor e da coletividade que representa o uso e gozo da coisa por período considerável. Por isso, se não pôde o proprietário fazer uso da coisa em razão da conduta ilícita do ocupante, cumprirá a este pagar compensação correspondente, a título de indenização pelo uso da coisa alheia.

A despeito de danos ambientais, o autor não produziu prova dos prejuízos impostos ao meio ambiente. E se a vítima não provou o dano, não há como ressarci-la. A simples afirmação do dano não configura a efetiva lesão. A prova do fato constitutivo do direito afirmado com a causa de pedir é ônus que compete ao autor (CPC, art. 333, I), não sendo a hipótese versada nos autos daquelas exceções onde se dá a inversão do ônus probatório.

Por fim, quanto ao interesse dos réus em colher benefício da compra e venda direta do imóvel objeto da lide, ou no direito à indenização por benfeitorias, como suscitado na contestação, importa aqui lembrar que em regra o réu formula apenas pedidos de natureza instrutória. Se desejar formular pedido substancial, somente poderá deduzi-lo quando admitido pedido contraposto nas lides de caráter dúplice, reconvenção ou demanda autônoma. Nesse particular aspecto, os pedidos referidos sequer estão à mercê de conhecimento, mais distante ainda o acolhimento meritório.

Isto posto, julgo procedente em maior parte a pretensão deduzida com a inicial, nos termos do disposto no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para:

1) condenar os réus à desocupação do terreno público objeto da matrícula nº 139342, no prazo de 30 dias, sob pena de desocupação compulsória;

2) condenar os réus, às suas custas, a obrigação de fazer consistente na demolição das construções, obras, acréscimos ou quaisquer edificações que respectivamente fizeram ou sucederam no terreno objeto do pedido inicial, isto no prazo de 30 dias da desocupação, sob pena de não o fazendo incorrerem em pena individual de multa no valor ora arbitrado de R$ 30.000,00 pelo descumprimento, podendo ainda a demolição ser levada a cabo pelo autor, cobrando-lhes em seguida o reembolso das respectivas despesas;

3) condenar os réus em obrigação de fazer, consistente na remoção de materiais ou entulho no mesmo prazo de 30 dias da desocupação, de sorte ao restabelecimento do estado anterior das coisas, sob a mesma pena de multa supra referida e o deferimento da remoção ao Distrito Federal com o posterior reembolso das despesas respectivas;

4) condenar os réus ao pagamento de indenização pelos danos urbanísticos a serem apurados em liquidação de sentença;

5) condenar os réus a pagarem indenização pecuniária pelo uso não autorizado da coisa pública, cujo valor individual será estabelecido em liquidação de sentença; e

6) Condenar os réus ao pagamento das custas processuais, além de honorários advocatícios ora arbitrados em R$ 1.000,00 para cada um dos réus, de acordo com o critério do § 4º, do art. 20, do CPC (1. É cabível a condenação da parte vencida em honorários advocatícios, quando a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público for julgada procedente. Precedentes do STJ. - Resp 957369/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, j. 23/06/2009, DJe 06/08/2009)

Após o trânsito em julgado, faculto a extração de carta de sentença, para que assim, no transcurso do tempo e em face de eventual descumprimento do preceito em momento futuro, disponha o autor de título judicial a amparar o cumprimento da obrigação aqui reconhecida. Expedida a carta, remetam os autos ao arquivo, com baixa na Distribuição.

P. R. I.

Brasília - DF, quinta-feira, 24/09/2009 às 18h34.

Carlos D. V. Rodrigues
Juiz de Direito



JURID - Invasores desocuparão terreno. [30/09/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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