Administrativo. Improbidade. Prescrição. Lei n. 8.429/92, art. 23, I e II. Cargo efetivo. Cargo em comissão ou função comissionada.
Superior Tribunal de Justiça - STJ.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.060.529 - MG (2008/0112461-8)
RELATOR: MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE: UNIÃO
RECORRIDO: MICHEL FRANCISCO MELIN JÚNIOR
ADVOGADO: JOÃO BATISTA DE OLIVEIRA FILHO E OUTRO(S)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. PRESCRIÇÃO. LEI N. 8.429/92, ART. 23, I E II. CARGO EFETIVO. CARGO EM COMISSÃO OU FUNÇÃO COMISSIONADA. EXERCÍCIO CONCOMITANTE OU NÃO. PREVALÊNCIA DO VÍNCULO EFETIVO, EM DETRIMENTO DO TEMPORÁRIO, PARA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Duas situações são bem definidas no tocante à contagem do prazo prescricional para ajuizamento de ação de improbidade administrativa: se o ato ímprobo for imputado a agente público no exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, o prazo prescricional é de cinco anos, com termo a quo no primeiro dia após a cessação do vínculo; em outro passo, sendo o agente público detentor de cargo efetivo ou emprego, havendo previsão para falta disciplinar punível com demissão, o prazo prescricional é o determinado na lei específica. Inteligência do art. 23 da Lei n. 8.429/92.
2. Não cuida a Lei de Improbidade, no entanto, da hipótese de o mesmo agente praticar ato ímprobo no exercício cumulativo de cargo efetivo e de cargo comissionado.
3. Por meio de interpretação teleológica da norma, verifica-se que a individualização do lapso prescricional é associada à natureza do vínculo jurídico mantido pelo agente público com o sujeito passivo em potencial. Doutrina.
4. Partindo dessa premissa, o art. 23, I, associa o início da contagem do prazo prescricional ao término de vínculo temporário. Ao mesmo tempo, o art. 23, II, no caso de vínculo definitivo - como o exercício de cargo de provimento efetivo ou emprego -, não considera, para fins de aferição do prazo prescricional, o exercício de funções intermédias - como as comissionadas - desempenhadas pelo agente, sendo determinante apenas o exercício de cargo efetivo.
5. Portanto, exercendo cumulativamente cargo efetivo e cargo comissionado, ao tempo do ato reputado ímprobo, há de prevalecer o primeiro, para fins de contagem prescricional, pelo simples fato de o vínculo entre agente e Administração pública não cessar com a exoneração do cargo em comissão, por ser temporário.
6. Recurso especial provido, para reformar o acórdão do Tribunal de origem em que se julgaram os embargos infringentes (fl. 617) e restabelecer o acórdão que decidiu as apelações (fl. 497).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Humberto Martins.
Brasília (DF), 08 de setembro de 2009.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Trata-se de recurso especial (fls. 621/632) interposto contra acórdão assim ementado (fl. 497):
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SERVIDOR DO TRT/MG. PRESCRIÇÃO. CARGO EFETIVO E FUNÇÃO COMISSIONADA. EXERCÍCIO CONCOMITANTE OU NÃO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO. LEI 8.429/92, ARTIGO 23, INCISO I E II C/C A LEI 8112/90, ARTIGO 142, INCISO I, §§ 3º E 4º.
I - Os prazos prescricionais para o ajuizamento da ação de improbidade administrativa são definidos em razão do cargo ou função comissionada do agente público, ou da sua condição de detentor de cargo efetivo ou emprego, conforme estatuído pelo artigo 23, I e II, respectivamente, da Lei 8.429/92.
II - Sendo o agente do ilícito administrativo ocupante de cargo público e, concomitantemente, detentor de cargo ou função comissionada, com aquele relacionado ou não, aplica-se-lhe a regra de prescrição do inciso II, do artigo 23, da Lei 8.429/92, pelo simples fato de que a responsabilidade pela falta funcional decorrente do exercício daquele cargo ou função comissionados, repercutirá, direta ou reflexamente, no próprio cargo efetivo, no mínimo, por violação aos deveres de lealdade e da moralidade administrativa, que, em qualquer condição de agente público, deveriam ser observados, na forma do artigo 116, da Lei 8.112/90.
III - Incidindo a regra do artigo 23, II, da Lei 8.429/92, para o caso concreto impõe-se observar a interrupção da prescrição de que tratam os §§ 3º e 4º, do inciso I, artigo 142, da Lei 8.112/90, e disso resultando não se configurar a incidência prescricional para fins de extinção do processo.
IV - Apelações providas para anular a sentença, com retorno dos autos ao MM. Juízo "a quo" para o seu regular prosseguimento.
Contra esse acórdão foram opostos embargos de declaração, rejeitados nestes termos (fl. 581):
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO. AUSÊNCIA DE REVISOR. NÃO-CABIMENTO. ERRO MATERIAL. TERMO INICIAL DE CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. INOCORRÊNCIA.
1. São cabíveis os embargos de declaração para sanar eventuais contradições, obscuridades ou omissões e nos casos de manifesto erro material do julgado.
2. Não é de se admitir, em sede de embargos, seja suscitada a nulidade do acórdão em virtude da falta de revisor. Previsão de dispensa no Regimento Interno da Corte.
3. Não há de se cogitar da existência de erro material com relação à data de término do Processo Administrativo Disciplinar. Incensurável, pois, se revela o v. acórdão embargado quando, fazendo incidir a regra do art. 23, II, da Lei n. 8.429/92 afastou a prescrição, considerando que o termo inicial para a contagem do prazo prescricional deu-se no dia do encerramento do processo disciplinar, qual seja, no dia 10/07/1996, e o ajuizamento da ação, no dia 13/02/2001.
Em seguida, interpôs-se o recurso de embargos infringentes, julgado nos termos da ementa abaixo transcrita (fl. 581):
EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO.
I - A prescrição em ação de improbidade ajuizada contra funcionário que exercia cargo em comissão é qüinqüenal, eis que foi nessa condição que ele praticou os supostos atos ímprobos.
II - Embargos infringentes providos.
A parte recorrente alega violação dos seguintes dispositivos legais: art. 23, II, da Lei n. 8.429/92; arts. 116 e 142 da Lei n. 8.112/90. Sustenta, em síntese, que não se configurou nos autos a prescrição para ajuizamento de ação de improbidade administrativa, já que a demanda foi ajuizada em 13 de fevereiro de 2001 e destituição do recorrido do cargo em comissão ocorrera em 12 de julho de 1996.
Aduz que o art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa prevê duas hipóteses de contagem da prescrição: a do inciso I, aplicável após o término do exercício do mandato, cargo em comissão ou função de confiança; e a do inciso II, que remete à prescrição prevista em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
Argumenta que quaisquer das hipóteses seriam aplicáveis ao caso, já que o demandado, além de ter exercido cargo comissionado, do qual foi exonerado em 1996, era detentor de cargo efetivo, e, independente da regra seguida, a prescrição não teria ocorrido.
Foram apresentadas contra-razões (fls. 637/643).
Recurso admitido na origem.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Assiste razão à parte recorrente.
A discussão gira em torno, basicamente, da definição da norma prescricional aplicável à espécie, tendo em vista que o agente a que se imputou ato considerado ímprobo, à ocasião dos fatos, ocupava cargo efetivo e, concomitantemente, exercia cargo em comissão.
As hipóteses de contagem da prescrição em ação para apurar ato de improbidade administrativa são texto expresso do art. 23 da Lei n. 8.429/92:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
Portanto, duas situações são bem definidas: se o ato ímprobo for imputado a agente público no exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, o prazo prescricional é de cinco anos, com termo a quo no primeiro dia após a cessação do vínculo; em outro passo, sendo o agente público detentor de cargo efetivo ou emprego, havendo previsão para falta disciplinar punível com demissão, o prazo prescricional é o determinado na lei específica.
No caso em tela, a matriz prescricional aplicável ao segundo caso é o art. 142 da Lei n. 8.112/90:
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§ 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4o Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.
Silencia a Lei de Improbidade, no entanto, quanto à hipótese de o mesmo agente praticar ato ímprobo no exercício cumulativo de cargo efetivo e de cargo comissionado. E é dessa lacuna que exsurge a quaestio iuris trazida a esta Superior Corte na via recursal: aplicação da regra prescricional do inciso I ou do inciso II do art. 23 da Lei de Improbidade.
O magistério doutrinário de Emerson Garcia e José Pacheco Alves, tratando exatamente dessas possibilidades, informa que
Estando a individualização do lapso prescricional associada à natureza do vínculo jurídico mantido pelo agente público com o sujeito passivo em potencial, resta analisar se tal operação será influenciada pela possível existência de vínculos outros, por vezes com duração mais ampla, e que, se levados em consideração, redundariam na postergação o redução do lapso prescricional. À guisa de ilustração, vale mencionar a situação do parlamentar que pratique ato de improbidade quando e em razão exclusiva do exercício da função de Presidente da Casa Legislativa; ou do membro de determinada Instituição que seja afastado de suas funções regulares para ocupar cargo em comissão na estrutura da administração superior. Nesses casos, entendemos que o termo inicial da prescrição não coincidirá com o termo final do vínculo jurídico que possibilitou a prática do ato de improbidade. Inicialmente, deve-se lembrar que o vínculo subseqüente somente foi estabelecido face à existência do vinculo antecedente, sendo ambos condições à prática do ato, justificando seja o vínculo originário o epicentro de análise. Acresça-se, ainda, que, em se tratando de vínculo temporário, a ratio do art. 23 da Lei n. 8.429/1992 é associar o início da prescrição à dissolução daquele; e, no caso de vínculo definitivo, a prescrição seria direcionada pelo mesmo lapso fixado para a punição de faltas disciplinares, o que permite concluir pela desinfluência das funções intermédias desempenhadas pelo agente.
(GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, 4. ed., ver. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 507)
Perpassando, pois, por uma interpretação teleológica da norma, a Lei n. 8.429/92 associa, no art. 23, I, o início da contagem do prazo prescricional ao término de vínculo temporário. Ao mesmo tempo, no art. 23, II, no caso de vínculo definitivo - como o exercício de cargo de provimento efetivo ou emprego -, não considera, para fins de aferição do prazo prescricional, o exercício de funções intermédias - como as comissionadas - desempenhadas pelo agente, sendo determinante apenas o exercício de cargo efetivo.
Então, exercendo cumulativamente cargo efetivo e cargo comissionado, ao tempo do ato reputado ímprobo, há de prevalecer o primeiro, para fins de contagem prescricional, pelo simples fato de o vínculo entre agente e Administração pública não cessar com a exoneração do cargo temporário.
Portanto, o critério a ser seguido no caso dos autos é o previsto no inciso II do Lei de Improbidade, o que, remetendo ao procedimento administrativo previsto na Lei n. 8.112/90 e as respectivas regras prescricionais, leva à conclusão de que não se configurou a prescrição para ajuizamento de ação de improbidade administrativa, já que a demanda foi ajuizada em 13 de fevereiro de 2001 e o término do procedimento disciplinar ocorrera em 10 de julho 1996, com a demissão do acusado.
Assim, com base nas razões expostas, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para reformar o acórdão do Tribunal de origem em que se julgaram os embargos infringentes (fl. 617) e restabelecer o acórdão que decidiu as apelações (fl. 497).
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2008/0112461-8 REsp 1060529 / MG
Número Origem: 200138000064063
PAUTA: 08/09/2009 JULGADO: 08/09/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. DULCINÉA MOREIRA DE BARROS
Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: UNIÃO
RECORRIDO: MICHEL FRANCISCO MELIN JÚNIOR
ADVOGADO: JOÃO BATISTA DE OLIVEIRA FILHO E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos Administrativos - Improbidade Administrativa
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 08 de setembro de 2009
VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária
Documento: 910641
Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 18/09/2009
JURID - Administrativo. Improbidade. Prescrição. Lei n. 8.429/92. [30/09/09] - Jurisprudência
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