Reparação de danos materiais. Prescrição de ação da União contra particular.
Tribunal Regional Federal - TRF 3ª Região.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.61.00.008200-3/SP
RELATOR: Juiz Federal Convocado Alexandre Sormani
APELANTE: Uniao Federal
ADVOGADO: GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e outro
APELADO: MARCOS BARRETO MENEZES DA SILVA
ADVOGADO: PEDRO PAOLIELLO MACHADO DE SOUZA e outro
EMENTA
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. PRESCRIÇÃO DE AÇÃO DA UNIÃO CONTRA PARTICULAR. PRAZO VINTENÁRIO E, NA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL, DE TRÊS ANOS. ACIDENTE EM CONDIÇÕES NORMAIS. IMPERÍCIA DO CONDUTOR. CONCAUSA DE TERCEIRO. VALOR. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
1. Como aduzido pela apelante, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 só se aplica aos direitos e ações contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal. Sua redação não deixa dúvidas quanto a esse fato. Como se trata de ação de indenização promovida pela União Federal contra um particular, aplica-se, in casu, a regra geral do Código Civil antigo (art. 177). Não há que se falar, ainda, em ofensa à isonomia, eis que o interesse público defendido pela União justifica o tratamento diferenciado quanto ao prazo prescricional.
2. O prazo para a reparação de danos reduziu a 3 (três) anos, consoante art. 206, § 3º, V. Logo, com a entrada em vigor do atual Código Civil, isto é, em 11 de janeiro de 2003, não havia fluído metade do curso do prazo prescricional, de modo que o prazo prescricional a ser adotado ao caso é o de três anos.
3. A presente demanda foi distribuída em 16/05/2005 (fl. 02). Ocorre que o réu só foi citado em 20/02/2006 (fls. 65 vs.), entretanto, a promoção da citação, com o endereço correto do réu foi celebrada pela União em petição protocolada em 29/09/2005 (fl. 57). Portanto, o atraso na realização da citação foi por morosidade da estrutura judicial, de modo que há que se ter como interrompida a prescrição no prazo do ajuizamento da ação, conforme artigo 219, § 1º, do CPC.
4. A denunciação à lide foi bem afastada em primeiro grau, eis que não demonstrada uma das hipóteses do artigo 70 do CPC, inexistindo justificativa para a realização de nova audiência.
5. Uma vez adotado o rito sumário, cumpriria às partes especificarem as provas testemunhais que porventura tivessem interesse de produzir na petição inicial ou na contestação (arts. 276 e 278, ambos do CPC). Não houve essa produção e, em audiência, nem uma outra prova foi produzida, a não ser a prova documental existente nos autos (cf. audiência de fl. 108), oportunidade em que se abriu conclusão para sentença.
6. Portanto, afastada a prescrição, nada impede o enfrentamento direto, por esta Corte, da matéria propriamente de mérito, conforme artigo 515, §§ 1º e 2º do CPC, sem supressão de instância.
7. O fundamento da pretensão de reparação de danos repousa no fato de que o réu, condutor do veículo, colidiu contra a cerca de defensa lateral da estrada, consoante Ocorrência 33/95 do DNER, cujo acidente não foi presenciado por testemunhas (fl. 17). Afirma-se que ônus de provar é do réu, porquanto o acidente ocorreu em uma situação normal, em situação fática que traz em si "elementos identificadores da responsabilidade do réu" (fl. 12).
8. É certo que o ônus da prova é do autor, conforme proclama o artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Assim, cumpre-se ao autor comprovar os fatos constitutivos de seu direito, dentre eles, a existência de, pelo menos, culpa do condutor do veículo, nas modalidades de negligência, imprudência ou imperícia, conforme a regra do artigo 159 do Código Civil na época vigente.
9. Segundo a ocorrência, o tempo estava "bom" e o infortúnio ocorreu às 05:00 hrs (fl. 17). O motorista tinha carteira de habilitação expedida em 29/09/92, há mais de 02 anos do acidente. No momento dos fatos, a alegação apresentada pelo condutor é que foi fechado por um veículo não identificado. Ora, mesmo que a versão do réu estivesse provada, a causa de terceiro não é exclusiva. Quem bateu na defensa lateral foi o autor, de modo que a atuação de terceiro, se ocorreu, foi apenas uma concausa para o acidente, sem excluir a responsabilidade do réu.
10. As alegações genéricas do réu quanto ao valor pretendido não são de ser acolhidas. Demonstrou o autor o dano causado ao patrimônio público, relativo a 10 perfis "w" e 10 perfis "c-150" (fl. 16), sendo avaliado no importe total de R$1.405,60 (fl.22, verso) na época dos fatos. O acréscimo de correção monetária propugnado à fl. 46 é devido, já que a correção monetária não consiste em nenhum acréscimo patrimonial, mas, apenas na recomposição da poder aquisitivo da moeda. Os juros contam do fato danoso, em se tratando de responsabilidade extracontratual (Súmula 54 do C. STJ). Logo, não há motivo para retirar tais acréscimos do valor cobrado.
11. Portanto, procedente a ação. Condena-se o réu, ainda, na verba honorária no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, além das custas judiciais.
12. Apelação provida. Ação procedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 08 de setembro de 2009.
Alexandre Sormani
Juiz Federal Convocado
VOTO
O Sr. Juiz Federal Convocado Alexandre Sormani (Relator):
O valor da condenação da União resume ao valor fixado a título de honorários, inferior, portanto, ao patamar de 60 (sessenta) salários-mínimos, não havendo justificativa para a remessa oficial (art. 475, § 2º, CPC). De igual modo, o direito controvertido, ao que consta de fls. 46, não atinge o aludido patamar. Logo, não é o caso de remessa oficial.
Analiso, de primeiro, a questão da prescrição.
De fato, como aduzido pela apelante, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 só se aplica aos direitos e ações contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal. Sua redação não deixa dúvidas quanto a esse fato. Nesse sentido:
"Classe: AC - APELAÇÃO CÍVEL - 235601. Nº Documento: 8 / 17. Processo: 95.03.013902-3. UF: SP. Doc.: TRF300170284. Relator: JUIZA CONVOCADA NOEMI MARTINS. Órgão Julgador: TURMA SUPLEMENTAR DA PRIMEIRA SEÇÃO. Data do Julgamento: 21/05/2008. Data da Publicação/Fonte: DJF3 DATA:12/06/2008.
Ementa:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INÉRCIA DA PARTE AUTORA SUPRIDA. QUESTÃO PRECLUSA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE PROVOCADO POR VEÍCULO FURTADO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA PROPRIETÁRIA. AÇÃO PESSOAL. PRESCRIÇÃO. VINTENÁRIA. OMISSÃO NO DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA. DANOS AO CAMINHÃO PERTENCENTE AO EXÉRCITO BRASILEIRO. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR NÃO CONFIGURADOS. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
- A União Federal pleiteia indenização pelos danos causados ao caminhão do Exército Brasileiro, sob o fundamento de que foi violentamente abalroado pelo ônibus de propriedade da ré, que trafegava indevidamente pelo acostamento da Rodovia Presidente Dutra.
- Em aplicação do princípio da economia processual, não cabe a extinção do processo, sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 267, III, do Código de Processo Civil , por inércia da parte autora, pois a questão restou preclusa pela superveniência da sua manifestação, em atendimento à determinação judicial de fl. 269, cabendo observar que nada foi requerido na oportunidade pela ré.
- Não prospera a preliminar de prescrição, pois, nos termos do artigo 177 do Código Civil de 1916, vigente na época, prescreve em 20 (vinte) anos as ações de natureza pessoal, entre as quais a ação para ressarcimento de danos provocados por acidente de veículo.
(...)".
Como se trata de ação de indenização promovida pela União Federal contra um particular, aplica-se, in casu, a regra geral do Código Civil antigo (art. 177). Não há que se falar, ainda, em ofensa à isonomia, eis que o interesse público defendido pela União justifica o tratamento diferenciado quanto ao prazo prescricional.
Pois bem, o prazo prescricional de vinte anos findar-se-ia em 21 de janeiro de 2015, já que o fato que enseja a reparação de danos ocorreu em 21 de janeiro de 1.995.
Tendo os fatos narrados na inicial ocorridos durante a vigência do Código Civil de 1916, mas inexistindo ação para reparar o dano até a vigência do atual Código, cumpre observar a sua disposição para os prazos em curso. Diz o Código Civil atualmente em vigor:
"Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada."
O prazo para a reparação de danos reduziu a 3 (três) anos, consoante art. 206, § 3º, V. Logo, com a entrada em vigor do atual Código Civil, isto é, em 11 de janeiro de 2003, não havia fluído metade do curso do prazo prescricional, de modo que o prazo prescricional a ser adotado ao caso é o de três anos.
Nesse sentido, o Enunciado nº 50, aprovado na I Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários - CEJ:
"50 - Art. 2.028: a partir da vigência do novo Código Civil, o prazo prescricional das ações de reparação de danos que não houver atingido a metade do tempo previsto no Código Civil de 1916 fluirá por inteiro, nos termos da nova lei (art. 206)."
O prazo em questão começou a correr da entrada em vigor do atual Código Civil, em 11/01/2003, findando-se, portanto, em 11/01/2006.
O expediente administrativo realizado para apurar responsabilidade não é causa interruptiva da prescrição, a teor do disposto no artigo 202 do atual Código Civil e nem pendente condição suspensiva para o exercício de ação, consoante artigo 199 do mesmo estatuto. A presente demanda foi distribuída em 16/05/2005 (fl. 02). Ocorre que o réu só foi citado em 20/02/2006 (fls. 65 vs.), entretanto, a promoção da citação, com o endereço correto do réu foi celebrada pela União em petição protocolada em 29/09/2005 (fl. 57). Portanto, o atraso na realização da citação foi por morosidade da estrutura judicial, de modo que há que se ter como interrompida a prescrição no prazo do ajuizamento da ação, conforme artigo 219, § 1º, do CPC.
Em sentido símile já dispunha o Extinto TFR, em sua Súmula 78:
"Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição."
Destarte, não ocorreu a prescrição.
A denunciação à lide foi bem afastada em primeiro grau, eis que não demonstrada uma das hipóteses do artigo 70 do CPC, inexistindo justificativa para a realização de nova audiência.
Uma vez adotado o rito sumário, cumpriria às partes especificarem as provas testemunhais que porventura tivessem interesse de produzir na petição inicial ou na contestação (arts. 276 e 278, ambos do CPC). Não houve essa produção e, em audiência, nem uma outra prova foi produzida, a não ser a prova documental existente nos autos (cf. audiência de fl. 108), oportunidade em que se abriu conclusão para sentença.
Portanto, afastada a prescrição, nada impede o enfrentamento direto, por esta Corte, da matéria propriamente de mérito, conforme artigo 515, §§ 1º e 2º do CPC, sem supressão de instância.
O fundamento da pretensão de reparação de danos repousa no fato de que o réu, condutor do veículo, colidiu contra a cerca de defensa lateral da estrada, consoante Ocorrência 33/95 do DNER, cujo acidente não foi presenciado por testemunhas (fl. 17). Afirma-se que ônus de provar é do réu, porquanto o acidente ocorreu em uma situação normal, em situação fática que traz em si "elementos identificadores da responsabilidade do réu" (fl. 12).
É certo que o ônus da prova é do autor, conforme proclama o artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Assim, cumpre-se ao autor comprovar os fatos constitutivos de seu direito, dentre eles, a existência de, pelo menos, culpa do condutor do veículo, nas modalidades de negligência, imprudência ou imperícia, conforme a regra do artigo 159 do Código Civil na época vigente.
Segundo a ocorrência, o tempo estava "bom" e o infortúnio ocorreu às 05:00 hrs (fl. 17). O motorista tinha carteira de habilitação expedida em 29/09/92, há mais de 02 anos do acidente. No momento dos fatos, a alegação apresentada pelo condutor é que foi fechado por um veículo não identificado.
Ora, mesmo que a versão do réu estivesse provada, a causa de terceiro não é exclusiva. Quem bateu na defensa lateral foi o autor, de modo que a atuação de terceiro, se existente, foi apenas uma concausa para o acidente, sem excluir a responsabilidade do réu.
O Código de Trânsito então vigente (Lei 5.108/66) estabelecia que é dever do condutor de veículo dirigir com atenção e os cuidados indispensáveis à segurança do trânsito (art. 83, I), de modo que, no mínimo, agiu com imperícia ao colidir com a cerca de defensa em razão de postura de terceiro que, não havendo indicativo de choque desse terceiro com o veículo do réu, não seria causa suficiente para o acidente. Desta forma, provado o direito à indenização.
De outra volta, não há que se falar de erro na lavratura da ocorrência, eis que não é pelo fato de a Polícia Rodoviária o ter lavrado que estaria favorecendo o ente público.
As alegações genéricas do réu quanto ao valor pretendido não são de ser acolhidas. Demonstrou o autor o dano causado ao patrimônio público, relativo a 10 perfis "w" e 10 perfis "c-150" (fl.16), sendo avaliado no importe total de R$1.405,60 (fl.22, verso) na época dos fatos. O acréscimo de correção monetária propugnado à fl. 46 é devido, já que a correção monetária não consiste em nenhum acréscimo patrimonial, mas, apenas na recomposição da poder aquisitivo da moeda. Os juros contam do fato danoso, em se tratando de responsabilidade extracontratual (Súmula 54 do C. STJ). Logo, não há motivo para retirar tais acréscimos do valor cobrado.
Portanto, procedente a ação. Condeno o réu, ainda, na verba honorária no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, além das custas judiciais.
Diante de todo o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO DA UNIÃO para afastar a prejudicial de prescrição e julgar, na forma dos §§ 1º e 2º do artigo 515 do CPC, procedente a ação.
É como voto.
Alexandre Sormani
Juiz Federal Convocado
RELATÓRIO
O Sr. Juiz Federal Convocado Alexandre Sormani (Relator):
Trata-se de recurso de apelação da União Federal em face da r. sentença de fls. 114/121 que houve por bem, acolhendo a preliminar de mérito de prescrição, julgar improcedente o pedido inicial, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e na verba honorária, esta fixada em 10% do valor da causa.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
Em suas razões de apelo (fls. 127/138), sustenta a União que a ação não se encontra prescrita. Aduz que o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 tem aplicação apenas em ações ou direitos contra a Fazenda Pública, devendo ser aplicado, in casu, à ausência de legislação específica, a norma geral do Código Civil. O prazo prescricional, assim, seria de 20 anos, nos termos do art. 177 do Código Civil de 1916, reduzido para 3 - a contar da entrada em vigor do novo Código Civil. No mérito, sustenta ser devida a indenização pleiteada.
Sem contrarrazões, os autos vieram a esta Corte.
Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.
Alexandre Sormani
Juiz Federal Convocado
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ALEXANDRE SORMANI:10175
Nº de Série do Certificado: 44358EBE
Data e Hora: 8/9/2009 20:08:48
D.E. Publicado em 18/9/2009
JURID - Prescrição de ação da União contra particular. [29/09/09] - Jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário