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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
JUÍZO DE DIREITO DA 4ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL
Processo nº 001.09.029612-6
Ação: Ação ordinária
Autor: Marcos Vinicius de Oliveira Costa repres. P/ mãe Udenia Angela de Oliveira Silva
Advogado: Claudia Carvalho Queiroz
Réu: Município de Natal
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Trata-se de Ação Ordinária c/c Pedido de Tutela Antecipada interposta por MARCOS VINICIUS DE OLIVEIRA COSTA repres. p/ mãe UDENIA ANGELA DE OLIVEIRA SILVA, devidamente qualificado nos autos, em desfavor do MUNICÍPIO DO NATAL, pleiteando o imediato fornecimento de medicamentos que possam atuar no tratamento de sua enfermidade.
Alega o requerente ser uma criança de 11 anos de idade, que se encontra acomentido por patologia crônica, diagnosticada como L94.0 - Esclerodermia localizada (morféia).
Ressaltou que segundo o relatório médico, firmado pela Dra. Uelma P. Medeiros, CRM 5939, o paciente faz acompanhamento no "ambulatório de Reumatologia Pediátrica por patologia crônica(...) faz uso crônico de medicações. Comparece regularmente às consultas médicas e à fisioterapia, além de sessões de psicologia", conforme documento de fls. 20/21 dos autos.
Em virtude do seu estado de saúde, foi receitado para tratamento do requerente os fármacos, de uso contínuo e por tempo indeterminado, senão vejamos: PROTOPI POMADA, 6 vezes ao dia; HIDROCORTISONA, 2 vezes ao dia; URÉIA, 2 vezes ao dia; CREME BASE QSQ, 2 vezes ao dia; PENINCILINA 250 mg, 90 comprimidos; VITAMINA E 400mg, 90 comprimidos; e PROTETOR SOLAR FPS 30, 3 vezes ao dia, conforme descrevem os receituários de fls. 22/23 dos autos.
Destaca-se que as mencionadas medicações importam num custo mensal de R$384,95(trezentos e oitenta e quatro Reais e noventa e cinco centavos), não reunindo o requerente e sua família condições financeiras de adquiri-los com recursos próprios, vez que a renda mensal é de 01 salário mínimo.
Diante disso, procurou a Secretaria Municipal de Saúde para a obtenção de tais medicamentos, entretanto, o seu pedido foi negado, apesar de estarem compostos na lista de fármacos da assistência básica à saúde.
Fundamenta sua pretensão no direito constitucional à saúde e correspondente dever do Município de assegurar, com absoluta prioridade, o exercício de tal faculdade. Discorreu, ainda, acerca dos requisitos que autorizam a concessão da tutela antecipada.
Ao final, pleiteou os benefícios da justiça gratuita, bem como a concessão da tutela antecipada para determinar que o requerido forneça o medicamento indicado nos autos, em conformidade com a prescrição médica. Requeu, também, a aplicação de multa diária conforme o entendimento deste juízo, caso haja descumprimento de decisão judicial.
Autos conclusos em 21/09/2009.
É o relatório. Decido.
Defiro a gratuidade judiciária requerida, nos termos do que consta na Lei nº 1.060/50, com alterações posteriores.
No que se refere a inexistência de instrumento procuratório na petição inicial, verifico a não obrigatoriedade do já citado instrumento postulatório e a falta de prejuízo ao transcurso regular do processo, quando se trata de atuação de membros da Defensoria Pública, como se observa da leitura do art. 128, IX da Lei 80/94 e do art. 16 da Lei nº 1.060/50.
Ressalto, porém, que tal permissibilidade legal dos Defensores Públicos dirigem-se à atuação geral para o foro, impedindo que os mesmos atuem especificamente para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso, conforme as disposições do caput do art. 38 do Código de processo Civil.
No que concerne à medida de urgência, consoante dispõe o art. 273 do Código de Processo Civil, pode-se afirmar que são requisitos para a antecipação da tutela jurisdicional o requerimento da parte, a existência de prova inequívoca, a verossimilhança da alegação, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu e a reversibilidade do provimento antecipado(1).
Analisando a presença dos citados requisitos indispensáveis a concessão da medida pretendida, está bem caracterizado, a par da documentação dos autos, sobretudo pelo receituários médicos de fls. 20 - 23 dos autos, a necessidade de realizar o tratamento prescrito.
Assim sendo, pelo menos em uma análise perfunctória da matéria, própria em decisões dessa natureza(2), verifico que restam configurados os requisitos para concessão do provimento de urgência, sendo a verossimilhança embasada no direito do requerente receber os medicamentos supra citado e o receio de dano irreparável consubstanciado no risco à saúde do autor, que se constatará caso não seja concedido, initio litis, provimento de urgência em apresso.
Outrossim, a quantidade diária necessária restou demonstrada, eis que o receituário indica, além do remédio de forma precisa, a exata quantidade a ser utilizada.
Por outro lado, imperioso afirmar que o quadro de Esclerodermia Localizada(morféia), atuam de forma intensa no organismo humano, exigindo um efetivo controle por meio de medicação específica, cuja aquisição particular, na maioria das vezes, sacrifica financeiramente a família e o doente, já sofrido em decorrência da doença.
Nossa Constituição Federal, em seu art. 196, preconiza a saúde como um direito de todos e dever do Estado, decorrente do intocável direito à vida (caput do art. 5º, da CF). É de se transcrever o dispositivo:
"A saúde é direito de todos e dever do estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
Da mesma forma, as disposições infraconstitucionais da Lei nº 8.080/90 tratam do funcionamento dos serviços de saúde, adotando a descentralização político-administrativa como princípio básico do sistema de saúde, dando ênfase à atuação do Município, embora todas as esferas de governo sejam responsáveis pela saúde da população.
Também o art. 23 da Carta Magna dispõe a competência de todos os níveis da Administração na garantia do exercício do direito público subjetivo à saúde. Vejamos:
"É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I - omissis;
II cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência." (grifo nosso)
Portanto, é, indubitavelmente, a responsabilidade do Município do Natal pela saúde do autor, de forma a incluir o fornecimento da medicação, principalmente em se tratando de doença grave, como a do caso, que requer despesas constantes, impossíveis de serem suportados diretamente pelo enfermo sem comprometer outros gastos com sua subsistência.
Diante de tudo exposto, não resta qualquer dúvida, diante das provas constantes dos autos, que a demora processual, inerente ao próprio trâmite, poderá trazer a ineficácia de um possível provimento final procedente, pois caso não seja garantido agora à autora, o direito de ser-lhe fornecido o tratamento prescritos, poderá correr risco de morte, configurando deste modo, solidamente, o periculum in mora.
Para corroborar com a idéia da garantia da vida como objeto jurídico maior da sociedade, decidiram largamente os nossos Tribunais Superiores e Regionais sobre este tema de caráter indisponível, como se depreende das ementas abaixo destacadas:
"EMENTA: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. MULTA E EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER. - O abuso do direito de recorrer - por qualificar-se como prática incompatível com o postulado ético-jurídico da lealdade processual - constitui ato de litigância maliciosa repelido pelo ordenamento positivo, especialmente nos casos em que a parte interpõe recurso com intuito evidentemente protelatório, hipótese em que se legitima a imposição de multa. A multa a que se refere o art. 557, § 2º, do CPC possui função inibitória, pois visa a impedir o exercício abusivo do direito de recorrer e a obstar a indevida utilização do processo como instrumento de retardamento da solução jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes." (STF - RE-AgR 393175/RS - Relator Ministro CELSO DE MELLO - Segunda Turma - DJ de 02.02.2007).
"EMENTA: PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CUSTEIO DE MEDICAMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, § 5º, DO CPC. 1. A Constituição Federal excepcionou da exigência do precatório os créditos de natureza alimentícia, entre os quais se incluem aqueles relacionados à garantia da manutenção da vida, como os decorrentes do fornecimento de medicamentos pelo Estado. 2. É lícito ao magistrado determinar o bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio de tratamento médico indispensável, como meio de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à vida e à saúde. Nessas situações, a norma contida no art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil deve ser interpretada de acordo com esses princípios e normas constitucionais, sendo permitida, inclusive, a mitigação da impenhorabilidade dos bens públicos. 3. Recurso especial provido." (STJ - REsp 909752/RS - Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - Segunda Turma - DJ de 13.09.2007).
"EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE INTERESSE SUPERVENIENTE E NULIDADE DA SENTENÇA, SUSCITADAS PELO APELANTE. REJEIÇÃO DE AMBAS. MÉRITO: FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A PACIENTE CARENTE. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. - O interesse de agir existe uma vez verificada imprescindibilidade da prestação jurisdicional postulada, no sentido de assegurar o respeito/proteção a um bem juridicamente protegido, um direito fundamental (saúde), máxime se inexiste qualquer fato superveniente, capaz de alterar a realidade fática relatada na exordial. - Não há que se falar em nulidade de sentença que, com supedâneo no art. 196 da CF/88, confere ao Estado, enquanto ente federativo, a responsabilidade pela concretização de políticas sociais e econômicas que visem ao acesso universal e igualitário das ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde, direito fundamental. - Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, o que impõe ao Poder Público a obrigação de fornecer gratuitamente, às pessoas desprovidas de recursos financeiros, a medicação necessária para o efetivo tratamento de saúde. - O Sistema Único de Saúde é financiado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo solidária a responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população. - Conhecimento e improvimento do Apelo." (TJRN - Apelação Cível n° 2008.000901-9 - 2ª Câmara Cível - Relator Desembargador CLÁUDIO SANTOS - DJE de 03.04.2008).
Ante o exposto, DEFIRO a tutela antecipada pleiteada e, via de conseqüência, determino que o Município do Natal, através de sua Secretaria Municipal de Saúde, cumpra imediatamente com o fornecimento dos seguintes medicamentos: PROTOPI POMADA, 6 vezes ao dia; HIDROCORTISONA, 2 vezes ao dia; URÉIA, 2 vezes ao dia; CREME BASE QSQ, 2 vezes ao dia; PENINCILINA 250 mg, 90 comprimidos; VITAMINA E 400mg, 90 comprimidos; e PROTETOR SOLAR FPS 30, 3 vezes ao dia, de forma contínua e por tempo indeterminado, conforme descrevem os receituários de fls. 22/23 dos autos.
Intime-se, com urgência, o demandado para o cumprimento imediato desta decisão, comprovando no prazo de 10 (dez) dias o cumprimento desta nos autos; apresentando, também, a respectiva contestação no prazo legal.
Para viabilizar a presente tutela de urgência, notifique-se pessoalmente a Secretaria de Saúde do Município do Natal, na pessoa da Sra. Secretária de Saúde Municipal para dar imediato cumprimento a esta decisão, sob pena de responsabilização pessoal sobre o descumprimento da decisão.
Ofertada contestação com matérias preliminares, ou juntada de documentos, cumpra-se com a determinação contida nos artigos 327 e 398 no Código de Processo Civil, concedendo prazo de 10 (dez) dias para a demandante se pronunciar.
Publique-se, intimem-se e cumpra-se.
Natal, 21 de setembro de 2009.
Cícero Martins de Macedo Filho
Juiz de Direito
Notas:
1 - Melhor seria dizer reversibilidade dos efeitos do provimento antecipado, pois o provimento, pela sua própria natureza, é sempre reversível haja vista tratar-se de medida de urgência de caráter provisório. [Voltar]
2 - "Para se chegar à convicção necessária à concessão da tutela antecipada não necessita o magistrado chegar às profundezas de uma instrução exauriente, uma vez que estas são necessárias aos julgamentos definitivos." (c. da 6ª T. do TRF da 3ª R. - v. u. - Ag. 03029524/97 - Rel. Juiz AMÉRICO LACOMBE - j. 12.08.1996 - DJ 18.09.1996, p. 69698.) [Voltar]
JURID - Tratamento será concedido. [25/09/09] - Jurisprudência
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