Habeas corpus. Tentativa de roubo circunstanciado. Início da prática dos atos de execução. Tipicidade configurada.
Superior Tribunal de Justiça - STJ.
HABEAS CORPUS Nº 112.639 - RS (2008/0171130-0)
RELATOR: MINISTRO OG FERNANDES
IMPETRANTE: CHARLES LUIZ PAIM
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PACIENTE: PAULO CÉSAR PEREIRA MACHADO (PRESO)
EMENTA
HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. INÍCIO DA PRÁTICA DOS ATOS DE EXECUÇÃO. TIPICIDADE CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE DE ELEVAÇÃO DA PENA-BASE EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE PROCESSOS EM CURSO. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DO ROUBO ACIMA DO MÍNIMO EM RAZÃO DO NÚMERO DE MAJORANTES.
1. Pretensão de absolvição do paciente ao argumento de que sua conduta se restringiu aos preparatórios do roubo, não havendo falar em tentativa.
2. Matéria que esbarra na impossibilidade de se proceder, na via eleita do habeas corpus, ao revolvimento das provas já examinadas pelas instâncias ordinárias.
3. O Tribunal de origem, de forma fundamentada, concluiu, na espécie, ter o paciente dado início, juntamente com os demais corréus, aos atos executórios do crime de roubo, que somente não se consumou em razão da pronta intervenção policial.
4. A jurisprudência desta Corte tem proclamado que inquéritos ou ações penais em andamento não podem ser levados em conta para efeito de fixação da pena-base acima do mínimo, em respeito ao princípio da presunção de inocência.
5. Segundo entendimento pacífico deste Tribunal, ainda que se trate de roubo duplamente circunstanciado, a fixação do respectivo coeficiente de aumento exige fundamentação concreta, não bastando a alusão à quantidade de majorantes.
6. Ordem parcialmente concedida para, reduzido, de ofício, o coeficiente de aumento do roubo circunstanciado a 1/3 (um terço), estabelecer as penas a que foi condenado o paciente, na ação penal aqui tratada, em 4 (quatro) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a serem cumpridos inicialmente no regime fechado, e pagamento de 5 (cinco) dias-multa.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Nilson Naves e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Brasília, 25 de agosto de 2009 (data do julgamento).
MINISTRO OG FERNANDES
Relator
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO OG FERNANDES: A hipótese é de habeas corpus manejado em benefício de Paulo César Pereira Machado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, dando parcial provimento à apelação do Ministério Publico, condenou-o, pela prática de tentativa de roubo circunstanciado e formação de quadrilha, a 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão, inicialmente no regime fechado.
Pretende-se a absolvição do paciente no tocante ao roubo tentado, sustentando que a sua conduta é atípica, visto que circunscrita a meros atos preparatórios. Caso assim não se entenda, requer-se a redução da pena e o estabelecimento do regime menos gravoso.
Indeferida a liminar, a Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO OG FERNANDES (RELATOR): Colhe-se dos autos que o paciente, juntamente com outras pessoas, foi denunciado por tentativa de roubo circunstanciado e formação de quadrilha, em peça assim redigida, no que interessa (fls. 179/181):
No dia 04 de julho de 2001, cerca de 08h10min, na Avenida Praia de Belas, em frente à agência do Banco do Brasil, nesta Capital, os denunciados, em acordo de vontades e conjugação de esforços, tentaram subtrair, para si, mediante grave ameaça exercida com o emprego de armas de fogo, valores da agência bancária, somente não obtendo êxito na empreitada criminosa por circunstâncias alheias às suas vontades, eis que foram presos em flagrante delito por Policiais Civis e Militares.
Para perpetrar o delito, os denunciados André e Eder, no dia dos fatos, encontraram-se na Praça do Avião, em Canoas, cerca de 07h30min, e dirigiram-se para Porto Alegre, a bordo do automóvel marca Chevrolet, modelo Vectra, de cor branca, placas IEZ-3645 (auto de apreensão de fl. 27 do APF), passando a ser monitorados por policiais.
Em Porto Alegre, em local ainda não identificado, mas certamente nas proximidades da agência do Banco do Brasil - Praia de Belas, André passou para o automóvel marca Chevrolet, modelo Astra, de cor branca, placas CEO-2388 (auto de apreensão de fl. 51 do APF), no qual já se encontravam os denunciados Luciano e Paulo Cesar, tendo Luciano, por sua vez, embarcado no automóvel Vectra, conduzido pelo denunciado Eder. Determinadas as duplas, dirigiram-se para o banco já mencionado.
Lá chegando, e sob monitoramento de policiais (vide depoimentos de fls. 12/18 do APF e depoimentos ora juntados), desceram dos veículos e dirigiram-se para a frente da agência bancária, quando pararam e logo a seguir, seguiram adiante, parando novamente poucos metros após, oportunidade em que foram abordados e presos pelos policiais que os estavam monitorando, circunstância alheia às suas vontades.
Com o denunciado Eder foi apreendida uma pistola marca Taurus, modelo PT 575, nº M09711, calibre 7,65 mm, municiada com treze (13) cartuchos, um telefone celular e documentos (auto de apreensão de fls. 29 e 33 do APF); com o denunciado Luciano foi apreendida um pistola marca Taurus, calibre 380, municiada com doze (12) cartuchos, com a numeração de série raspada, um aparelho celular, uma CNH, uma cédula de identidade e cartão de CPF/MF, todos adulterados com a foto de Luciano e em nome de Elias Ricardo Machado de Matos, além de diversos documentos em nome de Marta Andrade do Canto (auto de apreensão de fls. 26, 29 e 43 do APF); com o denunciado Paulo Cesar foram apreendidos diversos documentos e cartões magnéticos bancários, além de um aparelho celular (auto de apreensão de fls. 29 e 34/35 do APF); com o denunciado André foram apreendidos orçamentos de conserto do automóvel Gol placas ACD-9183 e um aparelho celular (auto de apreensão de fls. 29 e 40, do APF).
Os denunciados Eder Barbosa Ferreira e André Alberto Greff Freitas foram reconhecidos como autores do roubo tentado contra o Banrisul, agência Pab Redenção, nesta Capital, fato ocorrido no dia 03 de abril 01, cerca de 08h25min (termo de declarações e auto de reconhecimento, ora juntados). Também, o denunciado André Alberto Greff Freitas foi reconhecido como um dos autores do crime de roubo contra o Banco Sidredi, de Novo Hamburgo, fato ocorrido no dia 28 jun 01, cerca de 07h30min (termo de declarções e auto de reconhecimento, ora juntados). Ainda, os denunciados Eder Barbosa Ferreira, Paulo Cesar Pereira Machado e Luciano Andrade do Canto foram reconhecidos como os autores do roubo tentado contra o Unibanco, agência Assis Brasil, fato ocorrido no dia 18 jun 01, cerca de 13h45min, oportunidade em que foi mortalmente ferido o vigilante da casa bancária (termo de declarações e auto de reconhecimento, ora juntados).
Os denunciados Eder Barbosa Ferreira, André Alberto Greff Freitas, Luciano Andrade do Canto e Paulo Cesar Pereira Machado associaram-se, de forma estável, em quadrilha ou bando armado, para o fim de cometer crimes, nos moldes descritos no fato nº 1, supra. As funções dos denunciados na quadrilha ou bando eram idênticas, quais sejam, a de planejar e perpetrar crimes.
O Juiz de primeiro grau, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal, absolveu o paciente das referidas acusações.
O Tribunal de origem, dando parcial provimento ao recurso do parquet, condenou o paciente, pelos mencionados crimes, ao total de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão, inicialmente no regime fechado.
Buscando, especificamente, a absolvição no tocante à tentativa de roubo, sustenta o impetrante, no ponto, que a conduta do paciente é atípica, visto que não teria ultrapassado a fase dos atos preparatórios.
Enfatiza:
ao que se percebe, por estudiosos e outros julgados, majoritariamente adota-se o critério da teoria formal, em vista também, do princípio da reserva legal, pelo qual só é considerado crime o fato expressamente descrito em lei. Então, só será considerado início de execução uma conduta que viabilize diretamente a execução do tipo e, consequentemente, exponha a risco o bem jurídico penalmente tutelado, e no caso dos autos o bem nunca esteve em risco ou desprotegido, pelo contrário, o banco era naquele momento o estabelecimento mais bem vigiado da cidade. (fl. 7)
Tenho, contudo, que a pretensão do paciente esbarra na impossibilidade de se proceder, na via eleita do habeas corpus, como se sabe, ao revolvimento das provas examinadas nas instâncias ordinárias.
Além disso, o Tribunal de origem, de forma fundamentada, concluiu, na espécie, ter o paciente dado início, juntamente com os demais corréus, aos atos executórios do crime de roubo, que somente não se consumou em razão da pronta intervenção policial.
Leia-se o acórdão, na parte que trata da matéria (fls. 547/553):
O policial civil Sérgio Reis Dutra (fl. 866) contou que estava na força tarefa, a qual recebeu a notícia de que uma quadrilha preparava-se para cometer um assalto a banco. Relatou que lograram obter o número de telefone dos acusados, procedendo-se a escuta dos telefones. Descobriram que Éder, Luciano, Adré e outra pessoa iriam assaltar o Banco do Brasil. Relatou que, pelas escutas, depreenderam o dia e hora dos crimes, bem assim tiveram acesso a todos os detalhes de planejamento. Relatou que os réus vieram em dois carros: Vectra branco e Astra. Pela escuta telefônica obtiveram ciência de que o motorista do Vectra estaria encarregado de pegar um comparsa em Canoas, fato depois confirmado por uma viatura da polícia deslocada até o local para verificar tal informação. Referiu ter havido deliberação no sentido deter os acusados antes de entrarem na agência bancária, de sorte a evitar um possível tiroteio.
A testemunha João Calos Silveira Borges (fls. 741/743), policial militar, contou que a polícia estava monitorando os acusados, a partir de informações prestadas pelo Ministério Público. Referiu que, na manhã do dia 04 de junho, receberam a informação de que os acusados cometeriam um assalto a banco, montando observação no local indicado. Registrou que, quando os acusados distavam 07 metros da porta do banco, foram todos detidos. Contou que o acusado Éder portava uma valise com 02 armas de fogo. Por fim, narrou que um dos acusados, possivelmente Luciano, apresentou documentos falsos.
Alexandre Silvestre Loreto Jobin (fl. 745), igualmente oficial militar, esclareceu que fazia parte de um grupo especial da Brigada Militar e que a força-tarefa do Ministério Público estava monitorando os acusados em face de informações no sentido de que integrariam uma quadrilha que se voltava para assaltos a agências bancárias. Relatou que o Ministério Público recebeu uma informação de que realizariam um assalto na data e hora indicadas. Contou não saber precisar como o Ministério Público obteve ciência no que cinge à prática do delito, mas que acredita que tal ocorreu via escuta telefônica. Confirmou ter ido até Canoas para constatar possível encontro de parte dos acusados. Esclareceu que o os réus saíram do local de encontro, na cidade de Canoas, em um veículo Vectra branco. Acrescentou que rumaram para a agência bancária objeto do delito, onde já estavam postados outros policiais. Esclareceu ter visto os réus chegarem à pé, tendo antes estacionado na via pública nos carros Astra e Vectra, ambos de cor branca. Neste interregno, aduz que o "Gate" abordou os acusados e efetuou a prisão. Acrescentou que Éder carregava, em uma maleta, as armas de fogo. Por fim, esclareceu que resolveram abordar os réus antes de adentrarem no banco, temendo a hipótese de haver tiroteio.
Luiz Rogério Silva (fl. 750), igualmente policial militar, confirmou as versões narradas por seus colegas, destacando que, embora tenha presenciado a apreensão dos armamentos, os dois artefatos estavam em uma maleta.
Simone de Castro Agliardi nada referiu sobre o assalto ora em comento, mas sobre outro, no qual um dos acusados teria matado um vigilante (fl. 754).
O mesmo parece ter havido com a testemunha Iris da Silva Grandi (fl. 756), já que se refere a uma fita de vídeo não noticiada nestes autos.
Jenifer Cardoso não reconheceu os acusados (fl. 453).
Vinicius Marques da Silva (fl. 757) disse ter assistido as fitas de vídeos em que os réus praticavam crimes.
Luiz Ricardo (fl. 1134, reconhece o réu Luciano, mas nada narrou sobre o fato.
Conforme se depreende, as testemunhas presenciais resumem-se a policiais, o que, todavia, não invalida suas assertivas, como, de forma indireta, fez crer a sentença ao deixar de sopesar o relevo de tal prova.
Os referidos policiais, de forma uniforme, relataram que, no ensejo, após o contato efetuado pelo Ministério Público, postaram-se aos redores da agência vítima do roubo, aguardando a chegada dos autores.
Do mesmo modo, seguiram os réus desde o momento em que dois deles se encontraram em uma praça, na cidade de Canoas, até o ensejo no qual iniciaram a execução do ilícito, que não se confirmou pela intervenção policial.
Cabe registrar que face às degravações das conversas efetivadas entre os acusados (fls. 357/358 e 745/749), resta nítido o propósito delitivo, revelando ditas comunicações o agir organizado que envidavam, estudando a melhor forma de desempenharem o crime.
Retome-se que as degravações revelaram que os acusados já há muito estudavam a cena do crime, planejando organizadamente a empreitada delitiva, inclusive as circunstâncias e dia em que sucederia o evento. Estudaram os hábitos da agência bancária, a maior hora de fluxo de clientes no caixa eletrônico e o comportamento do segurança encarregado de cuidar da porta giratória.
Após esgotarem tal fase, deram início aos atos de execução propriamente ditos: dois dos réus lograram se encontrar em uma praça na cidade de Canoas e rumaram ao local do crime em um carro. Não se sabe, com certeza, como os demais lá aportaram, mas todos os agentes encontraram-se e trocaram de carro, estacionando os veículos em ruas adjacentes, para facilitar a fuga. Ao depois, caminhando, rumaram à agência do Banco do Brasil para a perpetração do crime. Um dos acusados carregava consigo duas armas de fogo em uma pasta.
Após tal desenrolar, quando já estavam praticamente na porta de acesso da agência bancária, a polícia, como se viu dos depoimentos dos agentes de segurança envolvidos na prisão, deliberou interceptá-los, evitando, assim, expor à vida dos demais cidadãos, já que se tratava de quadrilha organizada e audaz que, inclusive, por ocasião de outro fato delitivo assassinou sumariamente um vigia.
Vale ponderar que, hodiernamente, em certos casos, vem se abandonando a noção clássica de tentativa, consagrada pela teoria objetivo-formal, que exige a prática de verbos nucleares do tipo para se poder falar em início de execução. Não se pode esperar venha o agente a executar a ação delineada no tipo para tão-somente nesse caso interromper sua atividade, restando configurado o tentame. Imagine-se o caso de alguém que saca uma arma de fogo com o escopo de lesionar outrem, alardeando que atingirá o alvo em suas pernas. Somente se poderia falar em início de execução quando, apontado o artefato, desferisse o agressor o primeiro disparo, porque somente assim teria produzido ação capaz de atingir a integridade física da vítima. Antes do primeiro tiro, a ação do agressor não teria potencialidade lesiva e não se amoldaria à figura do crime de lesões corporais.
Por essa razão, crescente a aplicação das teorias objetiva-materiais, que afirmam o início de execução do crime como sendo caracterizado pela prática de atos que, segundo a experiência comum, revelam inequivocadamente venha a conduta do agente a acabar por se amoldar a elementares típicas de um ilícito.
E essa concepção moderna atenta aos ditames do Código Penal, porquanto nosso diploma repressivo fala em início de execução do crime, não em início de execução das elementares típicas. Deve-se deixar de lado a idéia formatada de conceito de delito. Hoje as ações criminosas estão cada vez mais especializadas, não se podendo esperar, sob pena de dar azo à impunidade, que venham os agentes a iniciar a execução das elementares típicas. Há determinados casos, tal como o retratado nos autos, nos quais fica claro que da ação dos agentes, interrompida por motivos externos a sua vontade, resultaria a consecução de um ilícito.
Neste sentido refere a doutrina. Guilherme Nucci, comentando acerca da teoria objetivo-material anota o seguinte:
(...) vêm crescendo na prática dos tribunais, especialmente porque, com o aumento da criminalidade, tem melhor servido à análise dos casos concretos, garantindo punição a quem está em vias de atacar o bem jurídico, sendo desnecessário aguardar que tal ser realize, desde que se tenha prova efetiva disso. (...) Não se trata de punir a intenção do agente, pois esta estaria consubstanciada em atos claros e evidentes de seu propósito (...).
Nesse sentido também já decidiu este órgão fracionário.
APELAÇÃO-CRIME.
FURTO TENTADO. MATERIALIDADE E AUTORIA. DOLO DO AGENTE. COMPROVAÇÃO.
Tendo sido o acusado flagrado no momento em que buscava passar por debaixo do portão arrombado que dá acesso ao pátio da residência da vítima e existindo nos autos elementos que permitem concluir que o furto somente não se perfectibilizou pela atuação de vigilante de segurança privada, tenho como comprovada a consecução do crime de furto tentado.
FURTO TENTATIVA. INÍCIO DA EXECUÇÃO DO CRIME.
A crescente especialização criminosa vem fazendo ganharem vulto as teorias objetivo-materiais tangentes à tentativa, que preceituam fazer parte da execução delituosa que, embora não se amolda às elementares típicas, é, segundo o senso comum e as peculiaridades do caso, caminho que levará necessariamente à consecução de um crime. Concepção que encontra amparo no Diploma Legal Repressivo, que, no artigo 14, inciso II, fala em início da execução do crime, não em início da execução da figura típica, devendo o ilícito ser aferido segundo ótica global, tomando em consideração as circunstâncias fáticas hábeis a revelar fosse o ato perpetrado pelo agente parte de conduta que resultaria em ilícito penal.
TENTATIVA. QUANTUM DE DIMINUIÇÃO.
Tendo sido o agente preso em flagrante antes mesmo de adentrar a residência da vítima, fica claro que recém havia iniciado o iter criminis do delito de furto, razão pela qual a mitigação em decorrência do reconhecimento da tentativa deve se dar em patamar máximo.
Desta forma, entendo caracterizada a tentativa no caso em apreço, não se podendo falar em prática de meros atos preparatórios, mas sim em atos de execução.
O Professor Guilherme de Souza Nucci, em seu Manual de Direito Penal, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., p. 303, embora reconheça o prestígio da teoria objetivo-formal, afirma que
(...) qualquer teoria, à luz do caso concreto, pode ganhar contornos diferenciados, pois tudo depende das provas produzidas nos autos do inquérito (antes do oferecimento da denúncia ou queixa, voltando-se à formação da convicção do órgão acusatório) ou do processo (antes da sentença, tendo por fim a formação da convicção do julgador).
Afirma, noutro passo, a impetração que:
(...) decisão proferida pela Oitava Câmara Criminal do TJRS não aplicou corretamente o artigo 59 do CP ao fixar a pena-base pela prática do delito de roubo tentado descrito na denúncia, tampouco apresentou qualquer motivação idônea para fixar o regime fechado para o início de cumprimento da pena carcerária, deixando de aplicar o art. 33, § 2º, "b", do CP, acabando por contrariar a legislação penal vigente. Além disso, o decisum apresenta fundamentos manifestamente contrários às provas dos autos, ferindo os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e necessidade. (fl. 7)
Enfatiza, ademais, que:
"o paciente é primário e de bons antecedentes, tanto é verdade que o Ministério Público reconheceu esta condição na fl. 97, e o magistrado utilizou esse fundamento (primariedade) quando concedeu a liberdade na fl. 101, e mais, existem no processo, além das informações policiais da vida pregressa do paciente das fls. 75/76, outras certidões cartorárias, fls. 113, 336, as quais atestam a primariedade do paciente, comprovando, assim, que o acórdão se afastou contundentemente das informações dos autos, merecendo, portanto, correção" (fl. 9).
Veja-se o trecho do acórdão que cuida da aplicação da pena:
Fixação das penas em relação ao crime de roubo tentado.
A culpabilidade dos réus revela-se elevada, na medida em que possuíam total conhecimento da ilicitude do ato que praticavam. Vale registrar, neste tópico, o grau acentuado de reprovação deste vetor, tendo em conta o agir extremamente organizado de que se valiam os acusados, porquanto planejaram de forma detalhada o ilícito, estudando previamente a cena do crime.
Acerca da conduta social dos réus, nada há capaz de desaboná-la.
Quanto aos antecedentes, os acusados Éder (fl. 328), André (fl. 330), Paulo Cézar (fl. 331) e Luciano (fl. 333) são tecnicamente primários, porquanto à época do cometimento do fato, 04 de julho de 2001, não registravam outras condenações, o mesmo ocorrendo com Martilene.
Em relação à personalidade, Éder (fl. 328), André (fl. 330), Paulo Cezar (fl. 331) e Luciano (fl. 333), revelam estes tendências a cometimento de ilícitos penais, uma vez que todos registram envolvimentos em outros feitos, como se vê das mencionadas certidões.
Ainda neste ponto, de consignar que restou reconhecido que os citados réus cometeram outros assaltos a agências bancárias, bem assim que pretendiam continuar a delinquir, tendo em vista que já planejavam assalto a outro banco, denotando faziam do crime um meio de subsistência. Acresça-se que em um dos citados assaltos houve morte de um vigia e, mesmo assim, não se intimidaram, continuando na senda criminosa.
Já em relação à Martilene, sua personalidade também se revela desajustada, valorando-se negativamente tal vetor, uma vez que também tinha plena ciência da ilicitude do ato e, na medida do possível, auxiliava seu companheiro no escopo delitivo, atendendo a telefonemas e repassando àquele recados, contribuindo, de forma ativa, com este agir, na organização da empreitada criminosa em comento.
Os motivos revelam-se os naturais à espécie delitiva, destacando-se o lucro fácil neste tocante.
As circunstâncias do crime não favorecem os réus, tendo em vista que lograram escolher, para o cometimento do crime, horário previamente estudado, no qual a agência bancária estaria cheia de clientes, com especial movimento junto ao caixa eletrônico, o que dificultaria, por certo, a atuação dos seguranças do banco e, ainda, facilitaria a escolha de eventual refém.
Quanto às consequências do crime e comportamento da vítima, nada digno de nota, inclusive porque os policiais lograram deter os acusados quando ainda estavam na calçada.
Assim, relativamente aos acusados Éder, André, Paulo Cezar e Luciano, despontando negativamente os vetores da culpabilidade, esta em alto elevado, personalidade e circunstâncias, fixo a pena-base em 06 anos e 06 meses de reclusão.
Realmente, no tocante à personalidade, apontada pelo Tribunal como negativa, tem-se que, para esse fim, considerou-se a existência de processo criminal ainda em curso, consoante se vê da própria certidão indicada no acórdão atacado (fl. 331 dos autos originários).
Contudo, conforme reiterada jurisprudência desta Corte, inquéritos ou ações penais em andamento não podem ser levados em conta para efeito de fixação da pena-base acima do mínimo, em respeito ao princípio da presunção de inocência.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E RECEPTAÇÃO. NECESSIDADE DE CORRETA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES. DOSIMETRIA DA REPRIMENDA. CONSIDERAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES E PERSONALIDADE DESAJUSTADA COM BASE EM PROCESSOS EM ANDAMENTO E ATOS INFRACIONAIS. ORDEM CONCEDIDA.
1 - As decisões judiciais devem ser cuidadosamente fundamentadas, principalmente na dosimetria da pena, em que se concede ao Juiz um maior arbítrio, de modo que se permita às partes o exame do exercício de tal poder.
2 - Inquéritos policiais e ações penais em andamento não constituem maus antecedentes, má conduta social nem personalidade desajustada, porquanto ainda não se tem contra o réu um título executivo penal definitivo.
3 - Os atos infracionais praticados durante a adolescência do acusado não podem ser considerados como geradores de antecedentes, nem de personalidade desajustada.
4 - Se a maior parte das circunstâncias judiciais foram analisadas em favor do réu e o quantitativo da pena não ultrapassa quatro anos, não se tratando de réu reincidente, desde que o crime tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça justifica-se a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
5 - Ordem concedida para anular parcialmente à decisão, no que se refere a dosimetria da punição e para o réu Fábio Júnio reconhecer a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade.
(HC nº 81.866/DF, Relatora a Desembargadora Convocada JANE SILVA, DJU de 15/10/2007)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. VALORAÇÃO NEGATIVA DOS ANTECEDENTES, PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL. PROCESSOS EM CURSO. IMPOSSIBILIDADE. WRIT CONCEDIDO DE OFÍCIO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. PREENCHIMENTO DOS SEUS REQUISITOS. APLICAÇÃO RETROATIVA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. ART. 44 DO CP.
1. A existência de processos em andamento não se mostra adequada à caracterização de maus antecedentes, tampouco para a valoração da personalidade e conduta social do agente.
(...)
(HC 94744/MG, Relator p/ Acórdão Ministro PAULO GALLOTTI, DJe 03/08/2009)
PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 171, § 3º, DO CP. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO. PERSONALIDADE VOLTADA PARA PRÁTICA CRIMINOSA. PROCESSOS EM CURSO. NÃO CONFIGURAÇÃO. REDUÇÃO DA REPRIMENDA OPERADA POR ESTA CORTE. ADVENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. I
- Em respeito ao princípio da presunção de inocência, inquéritos e processos em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes para exacerbação da pena-base (Precedentes). Da mesma forma, não podem ser tomados como elementos negativos da personalidade do agente (Precedentes).
(...)
(REsp 930376/RS, Relator Ministro FELIX FISCHER, DJe 03/08/2009)
No mais, a pena-base foi fixada com razoável fundamentação, atendendo aos ditames do art. 59, c/c o art. 68, ambos do Código Penal, sendo valoradas a culpabilidade e as circunstâncias do crime, ambas, como visto, desfavoráveis ao agente, dado o grau de organização e planejamento do crime e a forma de sua execução.
De outra parte, consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, reconhecidas as ditas circunstâncias judiciais desfavoráveis, previstas no art. 59 do Estatuto Repressivo, é cabível a imposição regime prisional mais gravoso ao réu, a teor do disposto no art. 33, § 3º, do referido diploma.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL PARA O CUMPRIMENTO DA REPRIMENDA CORPORAL. IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL: 2 ANOS E 6 MESES DE RECLUSÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS SUBJETIVOS. ORDEM DENEGADA. 1. Fixada a pena-base acima do mínimo legal, em razão da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, pormenorizadamente individualizadas, não há qualquer ilegalidade ou abuso na fixação de regime mais gravoso para o início do cumprimento da reprimenda.
2. In casu, a exasperação da pena-base e a conseqüente imposição do regime semiaberto foram devidamente fundamentada pelo Magistrado sentenciante, que levou em consideração não somente o fato de o paciente responder mais dois processos criminais, mas também foram elencadas outras circunstâncias judiciais desfavoráveis, tais como a culpabilidade do réu; sua conduta social reprovável; sua personalidade desvirtuada; e as circunstâncias do crime.
3. (...)
4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer do MPF." (HC nº 84.543/MS, Relator o Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU 08/10/2007)
HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO (SEMI-ABERTO) DIANTE DO QUANTUM DA PENA INFLIGIDA. LEGALIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 59 E 33, § 2º, DO CÓDIGO PENAL.
1. A instância ordinária, examinando as circunstâncias judiciais do caso concreto, as considerou desfavoráveis ao réu, razão pela qual, fundamentadamente, fixou a pena-base acima do mínimo legal. E, valendo-se da interpretação conjunta dos arts. 59 e 33, § 2º, ambos do Código Penal, sem qualquer ilegalidade, impôs regime prisional mais gravoso. Precedentes desta Corte Superior.
2. Ordem denegada". (HC nº 55.367/SP, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJU de 4/12/2006)
HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA. ALEGAÇÃO DE CRIME CULPOSO E NÃO DOLOSO. MATÉRIA DE PROVA. VIA INADEQUADA. REGIME SEMI-ABERTO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRÁTICA DE OUTRO CRIME. LATROCÍNIO. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. DEFICIÊNCIA DE DEFESA. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO (SÚMULA 523 DO STF). ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO. OFENDIDO. PREVISÃO DO ART. 268 DO CPP.
(...)
Em regra, o regime tem direta ligação com o quantum da pena, porém, diante de aspectos do caso, tais como, circunstâncias desfavoráveis, o Juiz pode fixar um regime mais gravoso do que o normal para o cumprimento da pena.
(...)
Ordem denegada. (HC 77967/SP, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 06/10/2008)
Verifico, ao fim, a existência de constrangimento ilegal a ser sanado de ofício.
Com efeito, vê-se que o aumento, na terceira etapa de aplicação da pena, foi estabelecido em metade com base unicamente no número de majorantes do roubo, o que vai de encontro à jurisprudência desta Corte.
Confiram-se estes precedentes:
1. (...)
2. (...)
3. Em se tratando de roubo com a presença de mais de uma causa de aumento, a majoração da pena acima do mínimo legal (um terço) requer devida fundamentação, com referência a circunstâncias concretas que justifiquem um acréscimo mais expressivo, não sendo suficiente a simples menção ao número de causas de aumento de pena presentes no caso em análise. (HC-68.641/SP, Relatora Ministra Maria Thereza, DJe de 26.5.08)
1. (...)
2. A presença de duas majorantes no crime de roubo (emprego de arma de fogo e concurso de agentes) não é causa obrigatória de majoração da punição em percentual acima do mínimo previsto, a menos que seja constatada a existência de circunstâncias que indiquem a necessidade da exasperação, o que não se deu na espécie. (HC-114.298/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 28.10.08)
Dito isso, a pena deve ser redimensionada, o que faço desde já.
Por persistirem, como observado, duas circunstâncias desfavoráveis - culpabilidade e circunstâncias do crime -, fixo a pena-base em 5 (cinco) anos de reclusão e 12 (doze) dias-multa.
Por conta da majorante de concurso de agentes e emprego de arma de fogo, elevo as penas em 1/3 (um terço), perfazendo 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, que, reduzidos em 2/3 (dois terços) pela tentativa, resultam em 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 5 (cinco) dias-multa.
Acrescidos 2 (dois) anos de reclusão, pela condenação pelo crime formação de quadrilha, tem-se a reprimenda final de 4 (quatro) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e 5 (cinco) dias-multa.
Diante do exposto, concedo parcialmente o habeas corpus para, reduzido, de ofício, o coeficiente de aumento do roubo circunstanciado a 1/3 (um terço), estabelecer as penas a que foi condenado o paciente na ação penal aqui tratada em 4 (anos), 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a serem cumpridos inicialmente no regime fechado, e pagamento de 5 (cinco) dias-multa.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA
Número Registro: 2008/0171130-0 HC 112639 / RS
MATÉRIA CRIMINAL
Números Origem: 107254808 70012252482
EM MESA JULGADO: 25/08/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro OG FERNANDES
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EITEL SANTIAGO DE BRITO PEREIRA
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE: CHARLES LUIZ PAIM
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PACIENTE: PAULO CÉSAR PEREIRA MACHADO (PRESO)
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Roubo Majorado
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Nilson Naves e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.
Brasília, 25 de agosto de 2009
ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário
Documento: 907362
Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 28/09/2009
JURID - Habeas corpus. Tentativa de roubo circunstanciado. [29/09/09] - Jurisprudência
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