Civil. Ação indenizatória. Agressões físicas. Lesões comprovadas. Dever de indenizar caracterizado.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.
Apelação Cível n. 2007.032717-2, de Timbó
Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben
CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AGRESSÕES FÍSICAS. LESÕES COMPROVADAS. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. DANOS MORAIS. CRITÉRIOS PARA O ARBITRAMENTO DA VERBA. RAZOABILIDADE E OBSERVÂNCIA DAS PARTICULARIDADES DA ESPÉCIE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
"Inquestionavelmente, a causação de lesões corporais em alguém, por interferir nos direitos fundamentais da pessoa humana, gera, para a vítima, direito ao ressarcimento de danos morais" (Desembargador Trindade dos Santos).
O valor da indenização do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz de maneira a servir, a um só tempo, de lenitivo para a dor psíquica do lesado e de fator pedagógico, além de séria reprimenda ao ofensor, a fim de evitar recidiva.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.032717-2, da comarca de Timbó (1ª Vara Cível e Criminal), em que é apelante Laurino Dalke e apelado Joady Gonçalves de Andrade:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, desprover o recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
Laurino Dalke apelou de sentença do doutor juiz de direito da 1ª Vara Cível e Criminal da comarca de Timbó que, em ação indenizatória, movida contra ele por Joady Gonçalves de Andrade, julgou procedente o pedido para condenar o réu apelante ao pagamento de R$ 4.000,00 por danos morais, por haver agredido fisicamente o autor com socos contra o seu rosto e o seu tórax.
Nas razões recursais (fls. 120-126) o apelante não negou a autoria das agressões, insistindo em dizer que agiu motivado pelas injustas agressões verbais do autor, pois, momentos antes, em reunião de pais de alunos e funcionários da prefeitura municipal, afirmou que o apelante desviava recursos públicos, valendo-se do cargo de Prefeito Municipal de Timbó. Ademais, disse haver tomado conhecimento das ofensas morais proferidas pelo autor, mediante informações prestadas por sua secretária de educação, uma das pessoas a participar da reunião, que ouviu as ofensas verbais ditas pelo apelado. Destarte, ao ser informado das injustas palavras do autor, foi ao local da reunião e entrou em atrito com o autor. Como este tivesse repetido as calúnias e injúrias, foi às vias de fato com o apelado, razão pela qual foi condenado judicialmente, por danos morais, em face de lesões corporais produzidas no apelado. Assim, requereu a reforma da sentença com vistas à improcedência do pedido, pedindo o reconhecimento da culpa exclusiva do autor ou o reconhecimento da reciprocidade de culpas. De outra parte, disse da falta de provas dos danos morais e, para possível manutenção da sentença quanto à sua responsabilidade civil, requereu a redução do valor dos danos morais fixados pelo magistrado em R$ 4.000,00.
Houve contrarrazões, pedindo a manutenção da sentença (fl. 135).
VOTO
É apelo de Laurino Dalke contra a sentença do doutor juiz de direito da 1ª Vara Cível e Criminal da comarca de Timbó que, em ação indenizatória que lhe move Joady Gonçalves de Andrade, julgou procedente o pedido, condenando-o ao pagamento de R$ 4.000,00, a título de danos morais, além dos ônus sucumbenciais.
Os litigantes divergem quanto à dinâmica dos acontecimentos, pois, enquanto o autor afirma ter sido injustamente agredido pelo réu, este afirma ter apenas reagido às agressões, depois de ouvir da Secretária Municipal da Educação que o autor proferiu calúnias e injúrias a seu respeito.
O réu apelante, contudo, realça que sua versão é coonestada pela prova testemunhal, razão por que requereu a reforma da sentença para a improcedência do pedido exordial ou para o reconhecimento da reciprocidade de culpas. De qualquer sorte, o apelante não nega ter ido às vias de fato com o réu, desferindo-lhe socos no rosto e no tórax.
Na verdade, se ofensas verbais ocorreram, tinha o apelante todo o direito à retorsão; jamais o de agredir fisicamente o autor apelado, de forma que no caso houve evidente excesso de parte do Senhor Alcaide. Ademais, o recorrente confessou ter-se encaminhado ao local da reunião de pais de alunos e de funcionários da Prefeitura, cujo assunto era o transporte de crianças a uma escola de futebol, depois de receber um telefonema da Secretária da Educação, uma das partícipes do encontro, que lhe informara as ofensas proferidas pelo apelado, todas no sentido de difamá-lo.
Conta o apelante que sua secretária informou-lhe, pelo telefone, que o apelado dissera, na reunião, que "alguém estava desviando" dinheiro destinado ao transporte das crianças, insinuando que o responsável seria o Prefeito Municipal.
Relatou que, uma vez no local dos fatos, perguntou quem o havia chamado de ladrão e o tinha acusado de desviar verbas públicas, vindo o autor, em seguida, em sua direção, momento em que "o depoente desferiu um soco em direção do autor, mas ele desviou", iniciando-se "uma briga física entre os litigantes" (fl. 80). Isso porque "o depoente ficou irritado com o que ouviu e foi até o local da reunião para 'tirar a história a limpo" (fl. 80).
Entre as testemunhas, as do autor, Clarisse Tisano Roper (fl. 81), Magdalena Hinsching (fl. 82) e Ademir Voltolini (fls. 83/84) negaram que ele houvesse ofendido o réu durante a reunião. As duas últimas testemunhas a serem ouvidas também confirmaram a versão da vítima, relatando que o réu "veio pra cima do autor" e "passou a agredi-lo" (fls. 82 e 83) ao término do encontro. Destarte, não há dúvida de que o Alcaide agiu com extrema imprudência ao agredir o autor, sem ter certeza de que houvera sido ofendido por ele, tornando-se, por isto mesmo, o único responsável pelo evento danoso. Doutra parte, até mesmo as testemunhas do réu, ao relatarem o comportamento agressivo do autor ao longo da reunião, disseram que os desentendimentos ocorreram somente entre o autor e a Secretária Municipal, Arrabel Lenzi Murara, e que não houve agressões físicas.
Magrit Draeger Giovanella disse: "Em dado momento começou uma discussão entre Arrabel e o autor e esse último disse que havia verbas para o transporte dos alunos e que a prefeitura estaria desviando dinheiro para pagar o transporte coletivo".
Noutro momento, "o autor chamou Arrabel de mentirosa e disse que aquilo tudo era uma palhaçada" (fl. 85).
Os testemunhos de Mário Panoch (fl. 86) e da própria Arrabel Lenzi Murara (fls. 87-88) foram no mesmo sentido: "o autor chamou Arrabel de mentirosa e disse que aquilo tudo era uma palhaçada".
Não há dúvida, assim, sobre a existência de uma discussão entre o apelado e Arrabel Lenzi Murara durante a reunião, quando os ânimos tornaram-se exaltados diante de divergências de opiniões sobre o transporte de crianças para a escola de futebol do município. Contudo, o fato não bastava para que o apelante, que a nada assistira, agisse atavicamente ao término da reunião, vindo a agredir o apelado com socos, conforme os relatos de Magdalena Hinsching (fl. 82), Ademir Voltolini (fl. 83) e a própria confissão do réu (fl. 80).
Causa estranheza sobretudo o fato de as agressões terem partido do apelante, à época Prefeito Municipal de Timbó, pois, sendo ele homem público, deveria portar-se em conformidade com o decoro que o cargo exige, pois uma das virtudes do político é saber lidar com as críticas ao seu desempenho na administração da coisa pública.
Aliás, nem sequer tinha certeza de que as críticas eram-lhe dirigidas, pois nada lhe fora dito diretamente, havendo apenas discussão aberta entre o autor e a Secretária da Educação do município. De todo o modo, ainda que o réu houvesse sido ofendido, inicial e diretamente, com acusações maliciosas, sua reação não condiz com a elevação de seu cargo, sendo flagrantemente inadequada e desproporcional à propalada agressão, seja quanto ao tempo ou ao modo de perpetrá-la.
Na dicção do artigo 25 do Código Penal, entende-se em legítima defesa quem, "usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem" . No caso, o réu não usou moderadamente de meios necessários à repulsa de uma agressão injusta, pois esta, ao que tudo indica, nem sequer ocorreu. Assim, não havia também atualidade no uso moderado do meio defensivo, pois o Alcaide estava em sua casa quando foi chamado ao local da reunião, por sua Secretária da Educação. Doutra parte, a suposta agressão também não era iminente, pois não há uma prova sequer de que o autor tivesse sido o iniciador das vias de fato. Na verdade, à míngua de argumentos, ao longo da reunião, a Secretária da Educação, sentindo-se ofendida com as palavras do apelado, chamou o Prefeito e lhe deu informações distorcidas sobre o que ocorrera durante a reunião. E tanto isto é verdadeiro que o próprio Prefeito depôs dizendo ter ido ao local da reunião para "tirar a história a limpo" (fl. 80).
Evidente que, ao deslocar-se de casa para a reunião, fê-lo sob forte impacto emocional, chegando ao local com seu espírito armado, na direção de bater naquele a quem a secretária atribuíra palavras ofensivas ao Alcaide.
Agindo assim, o Prefeito desceu de seu pedestal de compostura para assumir atitude somente compatível com a Lei do Talião, mesmo sabendo que infâmias ou quaisquer outras ofensas direcionadas a autoridades deveriam ser resolvidas no Poder Judiciário, a ninguém sendo permitido o exercício arbitrário das próprias razões. Assim, provados o dano à integridade física do autor e o comportamento ilícito do réu, e estando presente o nexo de causalidade entre a lesão e o ato do ofensor, impõe-se a manutenção da sentença, no tocante à condenação do réu a indenizar, por danos morais, a vítima.
Extrai-se da base de acórdãos deste Tribunal de Justiça:
Inquestionavelmente, a causação de lesões corporais em alguém, por interferir nos direitos fundamentais da pessoa humana, gera, para a vítima, direito ao ressarcimento de danos morais (Ap. Cív. n. 2005.008455-1, de Joaçaba, rel. Des. Trindade dos Santos, j. 29-10-2008).
São presumidos os danos morais derivados de agressões físicas sofridas pela autora, não necessitando de prova dos prejuízos concretos (Ap. Cív. n. 2006.030442-5, de Palhoça, rel. Des. Monteiro Rocha, j. 24-07-2008).
Naquilo que diz com o valor da indenização, a verdade é que inexistem limites monetários predefinidos na legislação a nortear o trabalho do julgador quando diante da complexa tarefa de quantificar o abalo moral sofrido pelo ser humano. Entretanto, seria contrário ao senso de justiça deixar de reparar lesões infligidas às vítimas. Assim, indeniza-se o dano moral, a dor psíquica, da mesma forma que se repara a lesão patrimonial ou o dano à integridade física. Aqui, constata-se, ainda, que o espancamento do autor ocorreu em plena via pública e diante de circunstantes, fato a ocasionar uma maior dor ou aflição à vítima.
Sabe-se que a fixação de um valor em pecúnia, para aliviar a dor da vítima e servir, a um só tempo, de fator preventivo/repressivo, deve atender a critérios básicos, tais como:
a) a intensidade e duração da dor sofrida; b) a gravidade do fato causador do dano; c) a condição pessoal (idade, sexo etc.) e social do lesado; d) o grau de culpa do lesante; e) a situação econômica do lesante. (Cf. Prof. Fernando Noronha) (Ap. Cív. n. 97.003972-7, de Mafra, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. 13-05-1999).
Evidente que, à míngua de parâmetros fixos com que trabalhar, o juiz depende quase só de seu bom senso para chegar a um valor condizente com a extensão da lesão produzida, cuidando para não esgotar as finanças do causador do dano moral.
A respeito de tão difícil tarefa judicial manifesta-se, na doutrina, o eminente José Raffaelli Santini:
na verdade, inexistindo critérios previstos por lei a indenização deve ser entregue ao livre arbítrio do julgador que, evidentemente, ao apreciar o caso concreto submetido a exame fará a entrega da prestação jurisdicional de forma livre e consciente, à luz das provas que forem produzidas. Verificará as condições das partes, o nível social, o grau de escolaridade, o prejuízo sofrido pela vítima, a intensidade da culpa e os demais fatores concorrentes para a fixação do dano, haja vista que costumeiramente a regra do direito pode se revestir de flexibilidade para dar a cada um o que é seu. [...] Melhor fora, evidentemente, que existisse em nossa legislação um sistema que concedesse ao juiz uma faixa de atuação, onde se pudesse graduar a reparação de acordo com o caso concreto. Entretanto, isso inexiste. O que prepondera, tanto na doutrina, como na jurisprudência, é o entendimento de que a fixação do dano moral deve ficar ao prudente arbítrio do juiz (Dano moral: doutrina, jurisprudência e prática. Campinas: Agá Júris, 2000. p. 45).
Assim, infere-se que a fixação de um importe indenizatório há de corresponder, tanto quanto possível, à situação socioeconômica de ambas as partes, sem perder de vista a necessidade de avaliação da repercussão do evento danoso no dia a dia da vítima.
Feitas essas considerações, na hipótese, a quantia fixada pelo eminente magistrado, R$ 4.000,00, afigura-me conformada aos padrões adotados nesta Câmara, norteada pelo princípio da razoabilidade.
Afora isso, em que pese a insistência do apelante com vistas à redução do valor indenizatório, por lhe faltarem condições financeiras para honrar o pagamento, não há atender ao pleito, porquanto nada consta dos autos a respeito de sua incapacidade econômico-financeira; e prova em tal sentido não era difícil de fazer, já que é funcionário público, e nada impediria que juntasse ao processo comprovante de seus rendimentos mensais. Logo, impõe-se a manutenção da sentença também nesta porção.
Os critérios de correção monetária das verbas reparatórias e de incidência de juros permanecem como estão postos na sentença, uma vez que não foram objeto de apelo.
Ante o exposto, conhece-se do recurso para desprovê-lo.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, por votação unânime, conheceram do recurso e desproveram-no.
O julgamento foi realizado no dia 23 de julho de 2009 e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Jaime Luiz Vicari e Carlos Adilson Silva.
Florianópolis, 28 de agosto de 2009.
Luiz Carlos Freyesleben
PRESIDENTE E RELATOR
Publicado em 08/09/09
JURID - Lesões comprovadas. Dever de indenizar caracterizado. [25/09/09] - Jurisprudência
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