Direito de família e das sucessões. Ação de reconhecimento de sociedade de fato, proposta por ex-companheiro do "de cujus" em face do espólio.
Superior Tribunal de Justiça - STJ.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.080.614 - SP (2008/0176494-3)
RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE: S H - ESPÓLIO
REPR. POR: F M H - INVENTARIANTE
ADVOGADO: JOSÉ EDUARDO DE CARVALHO PINTO E OUTRO(S)
RECORRIDO: W D DE O
ADVOGADO: GAMALIEL ROSSI SEVERINO E OUTRO(S)
EMENTA
Direito de família e das sucessões. Ação de reconhecimento de sociedade de fato, proposta por ex-companheiro do "de cujus" em face do espólio. Alegação, por este, de sua ilegitimidade passiva, porquanto a ação deveria ser proposta em face dos herdeiros. Afastamento da alegação, pelo TJ/SP, sob o fundamento de que a legitimidade seria do espólio, facultado aos herdeiros ingressar no processo, como litisconsortes facultativos. Acórdão mantido.
- O art. 12 do CPC atribui ao espólio capacidade processual, tanto ativa, como passiva, de modo é em face dele que devem ser propostas as ações que originariamente se dirigiriam contra o "de cujus".
- O princípio da "saisine", segundo o qual a herança se transfere imediatamente aos herdeiros com o falecimento do titular do patrimônio, destina-se a evitar que a herança permaneça em estado de jacência até sua distribuição aos herdeiros, não influindo na capacidade processual do espólio. Antes da partilha, todo o patrimônio permanece em situação de indivisibilidade, a que a lei atribui natureza de bem imóvel (art. 79, II, do CC/16). Esse condomínio, consubstanciado no espólio, é representado pelo inventariante.
Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti.
Brasília (DF), 1º de setembro de 2009(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por S.H. - Espólio para impugnação de acórdão exarado pelo TJ/SP no julgamento de recurso de agravo de instrumento.
Ação: de reconhecimento de dissolução de sociedade de fato, proposta por W. D. de O. em face do Espólio de S.H. Ao contestar o pedido, o Espólio alegou ilegitimidade de parte, com fundamento em que o art. 1.572 do CC/16 dispunha que "aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". Para o recorrente, portanto, a legitimidade para figurar no pólo passivo da ação seria dos herdeiros, não do espólio.
Decisão: de saneamento do processo, afastando a ilegitimidade alegada, sob o fundamento de que "enquanto não concluída a partilha, o espólio é representado pela inventariante, sem prejuízo do ingresso dos demais herdeiros".
Agravo de instrumento: interposto pelo Espólio.
Acórdão: negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:
"UNIÃO ESTÁVEL. Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato 'post mortem' cumulada com partilha de bens em face do espólio - Rejeição da preliminar de ilegitimidade de parte passiva - Partilha ainda não efetivada nos autos do inventário - Hipótese em que o espólio se legitima para responder aos atos e termos da ação proposta - Herdeiros que poderão ingressar nos autos como litisconsortes facultativos - Decisão mantida - Agravo improvido."
Embargos de declaração: opostos, foram parcialmente acolhidos, unicamente para o fim de rejeitar o pedido de aplicação de pena por litigância de má-fé.
Recurso especial: interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. Alega-se violação aos arts. 267, VI, do CPC, bem como aos arts. 1.577, 1.572 e 1.580, do CC/16.
Admissibilidade: O recurso foi admitido na origem, motivando a interposição do Ag 1.026.950/SP, a que dei provimento para melhor apreciação da controvérsia.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
I - Delimitação da lide
Cinge-se a lide a estabelecer se o espólio é parte legítima para figurar no pólo passivo de ação de reconhecimento e dissolução de união estável, proposta pelo alegado ex-companheiro do de cujus.
II - O recurso quanto à violação
O recorrente alega que foram violados, pelo TJ/SP, os arts. 267, VI, do CPC, bem como os arts. 1.572, 1577 e 1.580 do CC/16, vigente à época da abertura da sucessão. Os arts. 1.577 e 1.580, todavia, não têm pertinência para a causa. Com efeito, não há controvérsia, nos autos, nem acerca da a capacidade para suceder no tempo da abertura da sucessão (art. 1.577), nem a respeito da indivisibilidade dos bens (art. 1.580). A discussão, aqui, diz respeito apenas à legitimidade passiva dos herdeiros ou do espólio neste processo, de modo que apenas os arts. 267, VI, do CPC e 1577 do CC/16 têm relevância para a causa.
É cediço que o espólio tem capacidade processual, tanto ativa, quanto passiva. O próprio art. 12 do CPC indica isso, ao dizer, em seu inciso V, que o espólio, em juízo, é representado pelo inventariante. Dessa norma decorre que, em regra, as ações que originariamente teriam de ser propostas contra o de cujus devem, após seu falecimento, ser proposta em face do espólio, de modo que a eventual condenação possa ser abatida do valor do patrimônio a ser inventariado e partilhado.
Tal regra pode comportar exceções, desde que expressamente dispostas em lei. O art. 363 do CC/16, ao tratar de ações investigatórias de paternidade, dispunha que "os filhos ilegítimos (...) têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação". A discussão sobre a legitimidade passiva do espólio em tais hipóteses foi trazida ao judiciário, tendo o TJ/AL decidido que "na ação de investigação de paternidade 'post mortem', partes legítimas passivas são os herdeiros e não o espólio', em acórdão confirmado pelo STJ no julgamento do REsp 331.842/AL (Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, 3ª Turma, DJ de 10/6/2002), sem, contudo, pronunciamento expresso quanto à legitimidade do espólio.
Independentemente desse julgamento, porém, a hipótese dos autos é de ação pleiteando o reconhecimento de sociedade de fato, e não de investigação de paternidade. Assim, não há exceção à regra geral quanto à legitimidade. O espólio pode figurar no pólo passivo da relação processual. Cada um dos herdeiros pode, querendo, pleitear seu ingresso no processo, mas não há ilegitimidade do espólio ou litisconsórcio unitário.
É importante observar que essa conclusão não é obstada pela regra do art. 1.572 do CC/16 que, com redação equivalente à do art. 1.784 do CC/02, que determina a imediata transferência da herança aos herdeiros, com a morte do de cujus (princípio da saisine). Essa norma, na verdade, destina-se a evitar que a herança permaneça em estado de jacência até sua distribuição aos herdeiros, como ocorria no direito português antigo, de inspiração romana (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes, Comentários ao Código Civil, Vol. 20, São Paulo: Saraiva, 2007, pág. 26). Com a morte, a transmissão do patrimônio se dá, diretamente, do de cujus para os herdeiros. Antes da partilha, porém, todo o patrimônio permanece em situação de indivisibilidade, a que a lei atribui natureza de bem imóvel (art. 79, II, do CC/16). Esse condomínio, por expressa disposição de lei, em juízo, é representado pelo inventariante. Não há, portanto, como argumentar que a universalidade consubstanciada no espólio, cuja representação é expressamente atribuída ao inventariante pela Lei, seja parte ilegítima para a ação proposta pelo herdeiro.
Destarte, ausente qualquer ofensa aos arts. 267, VI, do CPC, 1.572, 1577 e 1.580 do CC/16, como alegado pelo recorrente.
II - O recurso quanto à divergência
O acórdão que julgou o REsp 37.150/SP (Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, RSTJ 93/266), selecionado pelo recorrente como paradigma, enfrenta situação fática substancialmente diferente da hipótese deste processo. Ali, o STJ discutiu a legitimidade ativa (não passiva) de um dos herdeiros, isoladamente, para representar o espólio em ação na qual este busca o reconhecimento da existência de união estável. É situação totalmente diferente da deste processo, no qual o espólio é reu dessa ação. Não há, portanto, similitude fática que permita conhecer do recurso pela divergência.
Forte em tais razões, nego provimento ao recurso especial.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2008/0176494-3 REsp 1080614 / SP
Números Origem: 200800575321 4276504400 42765046 4276504601 4276504802 54292004
PAUTA: 01/09/2009 JULGADO: 01/09/2009
SEGREDO DE JUSTIÇA
Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidenta da Sessão
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: S H - ESPÓLIO
REPR. POR: F M H - INVENTARIANTE
ADVOGADO: JOSÉ EDUARDO DE CARVALHO PINTO E OUTRO(S)
RECORRIDO: W D DE O
ADVOGADO: GAMALIEL ROSSI SEVERINO E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti.
Brasília, 01 de setembro de 2009
MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária
Documento: 908792
Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 21/09/2009
JURID - Ação de reconhecimento de sociedade de fato. [30/09/09] - Jurisprudência
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