Lojas Ricardo Eletro terá de restituir valor de celular defeituoso.
Circunscrição: 1 - BRASÍLIA
Processo: 2008.01.1.137861-8
Vara: 1402 - SEGUNDO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
Processo: 2008.01.1.137861-8
Autor: JULIANA SOBREIRA BARBALHO BRITO
Réu: LOJAS RICARDO ELETRO
SENTENÇA
Dispensado o relatório na forma do artigo 38, caput, do CDC.
Cuida-se de ação de indenização por danos materiais e morais decorrentes de alegado vício de aparelho de celular adquirido que, segundo a parte autora, não corresponde com os termos da oferta.
Sem razão o réu quanto à preliminar de ilegitimidade passiva ad causam ao fundamento de que a responsabilidade do vendedor somente subsistirá nos casos em que o fabricante não puder ser identificado.
Com efeito, a hipótese, sub judice, cuida de responsabilidade pelo vício do produto, e não pelo fato do produto, eis que o alegado defeito afeta apenas a funcionalidade do produto, não trazendo danos à saúde, integridade física e segurança do consumidor. Dessa forma, é de se aplicar o disposto no artigo 18 do CDC que consagra a responsabilidade solidária entre todos os fornecedores do produto (ou seja, fabricante, comerciante, construtor, importador, dentre outros), não havendo que se falar na incidência do artigo 13 do CDC que cuida somente da responsabilidade pelo fato do produto, o que, a toda evidência, não é o caso dos autos.
Dessa forma, rejeito, a preliminar.
Superada a preliminar suscitada, e à falta de qualquer outra questão processual pendente, presentes os pressupostos processuais e condições da ação, passo à análise meritória.
Prefacialmente, analiso a prejudicial de mérito relativa à decadência do direito do autor alegada em sede de contestação.
Com efeito, é certo que o artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor reza que o direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em 90 (noventa) dias, quando se tratar de fornecimento de serviço ou de produtos duráveis.
No entanto, nos termos do § 3º do referido dispositivo, cuidando-se de vício oculto, como no caso em tela, o termo inicial da decadência não é a data da compra, mas sim o dia em que o produto apresentou defeito.
No caso em tela, o alegado vício foi constatado no dia 17.09.2008, sendo que, no dia 24.09.2008, a parte autora teve ciência de que este não poderia reparado, data em que o prazo de decadência, uma vez obstado, começou a correr novamente. Por outro lado, a ação foi ajuizada em 23.10.2008, portanto, dentro de prazo decadencial de 90 (noventa) dias.
Rejeito, pois, a prejudicial de decadência.
No exame da matéria de fundo, observo que a relação jurídica posta em juízo é de consumo, uma vez que parte autora se amolda à figura de consumidor e a parte ré se encaixa no conceito de fornecedor, de sorte que aplicável à espécie o Código de Defesa do Consumidor.
No caso em apreço, alega a parte autora que adquiriu um aparelho de telefone celular marca LG, desbloqueado. Afirma, porém, que, ao levar o produto para o conserto, foi informada de que o mesmo não poderia ser desbloqueado, consoante documentos de fls. 13/14.
Por sua vez, observo que a ré não se desincumbiu do seu ônus de comprovar a inexistência vício ou a correção da oferta, nos termos do artigo 38 do CDC.
Nesses domínios, o artigo 20 da Lei 8.072/80 prescreve que "o fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária", podendo, nessas hipóteses, o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha, a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível, a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou o abatimento proporcional do preço.
Por outro lado, o artigo 30 do CDC reza que "toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado".
Sendo assim, tenho como demonstrado do vício do produto em face da disparidade com os termos da oferta, não tendo a parte ré se desincumbido do seu ônus processual, razão pela qual, nos termos do artigo 20, inciso II, da Lei 8.072/80, é devida a restituição da quantia paga pelo aparelho.
No entanto, diversamente do alegado pela parte autora, observo que o aparelho celular teve o custo de R$ 712,43, e não de R$ 1.000,00, consoante cupom fiscal de fl. 13. Dessa forma, sendo este o prejuízo material efetivamente comprovado, e não tendo a parte autora na inicial sequer mencionado de que forma chegou ao valor de R$ 1.000,00 (o que prejudica a análise do pedido), tenho que a restituição deve ser pelo valor real do aparelho.
Ademais, a fim de evitar o enriquecimento sem causa, vedado pelos arts. 884 e 885, ambos do Código Civil, tenho que a restituição da quantia paga, deve estar condicionada à devolução do produto, tal como pleiteado pelo réu. Nesse sentido, já se posicionou a Eg. Turma Recursal:
"DIREITO DO CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO. FURO EM COLCHÃO. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA PELO CONSUMIDOR. ADIANTAMENTO NA ENTREGA DO PRODUTO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO.
I. A controvérsia deve ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), que por sua vez regulamenta o direito fundamental de proteção do consumidor (artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal).
II. Consta dos autos que o consumidor adquiriu uma cama para presentear a sua mãe no Dia das Mães, programando a entrega do bem para o dia da festividade (sábado). Entretanto, a fornecedora entregou o bem adquirido pelo consumidor no dia anterior (sexta-feira), tendo o consumidor constatado vício no produto (furo no colchão), razão pela qual, na segunda-feira seguinte, solicitou a rescisão do negócio e a devolução do preço pago.
III. A r. sentença condenou a parte requerida a restituir ao requerente a quantia paga pelo produto e julgou improcedente o pedido relativo aos danos morais.
IV. O recurso do consumidor pretende a procedência do pedido de indenização por danos morais. O recurso da fornecedora objetiva a improcedência do pedido de devolução da quantia paga ou, eventualmente, o condicionamento da restituição à entrega do produto à fornecedora.
V. Os fatos evidenciados nos autos permitem concluir que o consumidor faltou com razoabilidade na resolução de problemas naturais da convivência em sociedade. Independentemente de tratar-se de presente para a sua mãe, o adiantamento da entrega do produto adquirido, assim como o vício do produto, não podem ser considerados como causa suficiente para configuração do dano moral. Como bem ressaltou o ilustre magistrado sentenciante, o comportamento intransigente do consumidor contribuiu para os transtornos iniciais. Com brilhantismo, registrou o ilustre juiz monocrático: "as relações sociais impõem alguma flexibilidade aos participantes, de forma que a antecipação da entrega do bem ou a impossibilidade de resolver um desarranjo em prazo exíguo não seriam, por si, suficientes a ocasionar as conseqüências declinadas na inicial" (fl. 28).
VI. Inexistente qualquer violação dos direitos da personalidade do consumidor, o dano moral não restou configurado.
VII. De acordo com as fotos acostadas aos autos, o consumidor recebeu o produto com grave perfuração no colchão, vício tão grave que não se afigura razoável exigir que o consumidor aguarde o prazo de trinta dias previsto no artigo 18, § 1º, do Código de defesa do Consumidor.
VIII. A hipótese, portanto, autoriza a aplicação do disposto no § 3º do dispositivo mencionado, segundo o qual "o consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial". A extensão do vício compromete a qualidade esperada do produto pelo consumidor, autorizando, pois, a rescisão contratual.
IX. Merece acolhida, contudo, o pedido da fornecedora, no sentido de que a devolução da quantia paga seja condicionada à restituição do produto viciado pelo consumidor, sob pena de enriquecimento sem causa deste último.
X. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso do consumidor e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da fornecedora, apenas para determinar que a devolução da quantia paga pelo produto seja condicionada à restituição do colchão.
XI. Cada recorrente arcará com os honorários de seus respectivos patronos. As custas processuais deverão ser suportadas em igual proporção pelas partes, ressaltando que, com relação ao requerente, a exigibilidade do pagamento ficará suspensa, nos termos do artigo 12, da Lei n. 1.060, de 05 de fevereiro 1950 (fl. 51).
XII. Acórdão lavrado conforme o artigo 46 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.(20060710115367ACJ, Relator HECTOR VALVERDE SANTANA, Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 19/06/2007, DJ 16/07/2007 p. 123)
Por outro lado, com relação ao pleito de dano moral, tenho que a pretensão autoral não merece acolhida.
Com efeito, nada obstante restar caracterizado um vício do serviço em face da disparidade com o contido na informação veiculada, observo que a existência de tal vício, conquanto tenha gerado certos transtornos e dissabores, não enseja dano moral passível de indenização, haja vista que não houve violação a nenhum direito da personalidade da parte autora. Com efeito, na espécie, não vislumbro ofensa à honra, à imagem, muito menos à dignidade da parte autora, de sorte que não existe dano moral a ser indenizado.
Nesse rumo de idéias, é pacífica a jurisprudência das Turmas Recursais no sentido de que o mero vício do produto não configura dano moral, porquanto para que este exista é mister a violação de algum direito da personalidade, in verbis:
"CIVIL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL SUSCITADO POR DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. ASSINATURA DE REVISTAS. PROMOÇÃO DE VIAGEM AO EXTERIOR (NOVA IORQUE). INDICAÇÃO DE DATAS DE VIAGEM. MARCAÇÃO CONSOANTE DISPONIBILIDADE DOS ASSENTOS DA AERONAVE. COMPRA "SPONTE PROPRIA" DE PASSAGEM. ANTECIPAÇÃO EM RAZÃO DO INTERESSE DO RECORRIDO. DANOS MORAIS EM DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. EXCEPCIONALIDADE. INOCORRÊNCIA. MEROS ABORRECIMENTOS. DISSABOR RESULTANTE DAS CONTINGÊNCIAS DA PRÓPRIA VIDA, SOB PENA DE TORNAR-SE INSUPORTÁVEL A CONVIVÊNCIA SOCIAL. NÃO APONTADA SITUAÇÃO VEXATÓRIA E CONSTRANGEDORA. INEXISTÊNCIA DE FATO A DAR ENSEJO AO DANO MORAL. AUSENTE CARGA NECESSÁRIA A CAUSAR CONSTRANGIMENTO E VEXAME CAPAZES A ATINGIR O ÂMAGO E FERIR OS ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE. TRANSTORNOS DECORRENTES DA CONVIVÊNCIA EM COLETIVIDADE. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. MEROS ABORRECIMENTOS DO COTIDIANO. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME. 1. O inadimplemento contratual, por si só, não gera dano moral. A alegada "quebra do contrato" pelo fato de não ter havido disponibilidade de vagas nas datas sugeridas pelo interessado, em viagem promocional para os Estados Unidos, cidade de Nova Iorque, após oferta de assinatura de revista por período de 02 anos não foi capaz, em que pese os aborrecimentos, de gerar conseqüências maiores daqueles decorrentes de uma inadimplência contratual comum. Isto porque para configuração do dano moral há necessidade de haver violação de um direito da personalidade, de modo que tal ilícito seja capaz de alterar o estado psíquico da pessoa a acarretar um abalo emocional, uma variação psíquica. 2. Além do mais, deve-se ter muita cautela na condenação em indenização por dano moral a fim de se evitar que uma "indústria do dano moral" torne inviável a vida em comum com seus dissabores e contingências próprias. (...) Não há dano moral se não ofendidos direitos da personalidade, tais como a honra objetiva ou subjetiva, o nome, a intimidade, ou a própria dignidade. 5. Não havendo a constatação de fato gerador de dano moral "in casu", que impusesse ao recorrido à condição humilhante ou agressora; nem constatadas também condutas abusivas capazes de indicar ato ilícito, concessa vênia o inconformismo observado, o ato guerreado restou executado sem excessos, humilhação, não expondo o recorrido à situação vexatória ou constrangedora, não demonstrado qualquer ilícito apto a gerar a indenização buscada. 6. As modernas tendências protetivas, regulamentadas pelo Estado no CDC - Lei 8078/90, devem ser apreciadas com moderação sob pena de desviarem da sua finalidade instrumentalizadora e garantidora de direitos, descambando-se para um estímulo às atitudes casuísticas, destoantes do sistema, privilegiando abusos. Princípio geral de direito que é, e agora norma insculpida no CCB/02, art. 884, a ninguém é dado enriquecer-se sem causa. 7. Sentença reformada. Recurso conhecido e provido. Unânime." (20070110356816ACJ, Relator ALFEU MACHADO, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 04/03/2008, DJ 24/03/2008 p. 204 - sem destaques no original)
"RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. DEFICIÊNCIA AUDITIVA DE ALUNO. NEGATIVA DA FACULDADE NA ASSISTÊNCIA POR MEIO INTÉRPRETE DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DANO MORAL. ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. NEXO DE CAUSALIDADE.
(...)
3.2. Apenas o não-cumprimento de contrato não ocasiona o direito de reparação por dano moral, pois o inadimplemento, tal como na prestação de serviço defeituoso, é fato que pode ocorrer na vida em sociedade, e que não importa ofensa à honra, reputação ou imagem, nem justifica falar em dor ou em sofrimento, ou mesmo em humilhação. 3.3. Aliás, é firme a convicção com base em precedentes do Superior Tribunal de Justiça de que o inadimplemento de contrato, ou dissabor dele decorrente, não basta para configurar o dano moral, sendo preciso ofensa anormal à personalidade (REsp 202.564/RJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira). 3.4. Não havendo violação aos atributos da personalidade, malgrado o descumprimento do contrato, carece fundamento para reparação a título de dano moral por ausência de nexo de causalidade com o ato ilícito. 4. A Recorrente, vencida, deve ser condenada ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios que, no caso, são arbitrados em 10% do valor da causa, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95. 5. Recurso conhecido e não provido. 6. Acórdão lavrado na forma do artigo 46 da Lei 9.099/95."(20060710175709ACJ, Relator FÁBIO EDUARDO MARQUES, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 22/05/2007, DJ 15/06/2007 p. 118)
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para condenar o réu a restituir à parte autora a quantia de R$ 712,43 (setecentos e doze reais e quarenta e três centavos), corrigida monetariamente pelo INPC a partir do efetivo desembolso e juros legais de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação, sendo que a restituição da quantia paga fica condicionada à devolução do produto ao réu.
Por conseguinte, declaro resolvido o mérito da demanda, conforme o disposto no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Sem custas processuais e honorários advocatícios, em atenção ao disposto no artigo 55 da Lei 9.099/95.
Após o trânsito em julgado e efetuado a entrega do aparelho pela parte autora, deverá o vencido pagar a importância devida, no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10% (dez por cento) a incidir sobre o valor da condenação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília/DF, 31 de agosto de 2009.
LUCAS NOGUEIRA ISRAEL
Juiz de Direito Substituto
JURID - Loja terá que restituir valor pago. [29/09/09] - Jurisprudência
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