Indenização. Notícia e imagem veiculada em jornal eletrônico. Abusividade. Danos morais.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.
Número do processo: 1.0471.07.091636-9/001(1)
Relator: FABIO MAIA VIANI
Relator do Acórdão: FABIO MAIA VIANI
Data do Julgamento: 18/08/2009
Data da Publicação: 16/09/2009
Inteiro Teor:
EMENTA: INDENIZAÇÃO - NOTÍCIA E IMAGEM VEICULADA EM JORNAL ELETRÔNICO - ABUSIVIDADE - DANOS MORAIS. A liberdade de informar não constitui direito absoluto, sendo vedada a veiculação de notícia e imagens que exponham indevidamente a intimidade dos indivíduos.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0471.07.091636-9/001 - COMARCA DE PARÁ DE MINAS - APELANTE(S): ELZA VAZ GOMES POR SI E REPDO FILHO(S) FRANCÉLIO GOMES VAZ - APELADO(A)(S): RÁDIO ESPACIAL LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. FABIO MAIA VIANI
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR PRELIMINAR E DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Belo Horizonte, 18 de agosto de 2009.
DES. FABIO MAIA VIANI - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. FABIO MAIA VIANI:
VOTO
Cuida-se de apelação interposta por Elza Vaz Gomes da sentença (fls. 88-96) que, nos autos da ação de indenização por danos morais movida contra Rádio Espacial Ltda., julgou improcedente o pedido inicial.
Em suas razões (fls. 98-108), a autora alega, preliminarmente, a intempestividade da contestação, pois, apresentada fora do prazo de cinco dias determinado pela Lei de Imprensa.
No mérito, sustenta, em síntese, que a notícia e as imagens veiculadas pelo réu sobre a morte de seu filho são abusivas e ofensivas, tendo sido retiradas fotografias sem o devido consentimento, o que gera dano moral indenizável.
Ao final, pede o provimento do recurso, para que seja julgado procedente o pedido inicial, condenando-se o apelado ao pagamento de indenização por danos morais.
O réu, nas contra-razões (fls. 110-113), pugna pela manutenção da sentença.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.
A apelante suscitou a prefacial de intempestividade da contestação, sob a assertiva de que a presente ação segue o rito da Lei n.º 5.250/67, segunda a qual, o prazo para resposta é de cinco dias.
Sem razão a apelante.
Denota-se da petição inicial que essa não atendeu aos requisitos do rito especial da Lei n.º 5.250/67, deixando, por exemplo, de arrolar testemunhas conforme exige o artigo 57.
O feito tramitou pelo rito ordinário, tendo constado no despacho inicial e no mandado de citação que o prazo de defesa seria de 15 dias, contados da audiência preliminar.
Desta forma, não pode a autora pretender, após a impugnação, que seja decretada a revelia do réu ao fundamento de que a contestação foi apresentada após o prazo de cinco dias previsto na Lei n.º 5.250/67, sob pena de violação aos princípios da lealdade processual e boa-fé objetiva.
REJEITO A PRELIMINAR.
Quanto ao mérito, colhe-se dos autos que o réu, no dia 3/11/07, por meio de seu jornal eletrônico JC Notícias - www.jcnoticias.com.br - veiculou matéria com o seguinte título "Homem suspeito de furtar cabos elétricos em poste da Cemig morre ao levar um choque de quase oito mil volts". Esse homem se tratava do filho da autora.
O jornal veiculou a notícia da seguinte forma:
"Uma tentativa de furto terminou de forma trágica na tarde desta sexta-feira, em fazenda de Mata dos Pimentas, na região da Matinha, zona rural de Pará de Minas. Francélio Gomes Vaz, 23 anos, morreu eletrocutado por uma carga elétrica de quase oito mil volts.
Segundo a Polícia Militar, Francélio, que era morador do bairro Serra Verde e tinha uma passagem por tráfico de drogas, subiu em um poste da Cemig na Fazenda Aparecida, em Mata dos Pimentas, onde começou a cortar os cabos de alumínio com alma de aço, que saiam de um transformador e conduziam energia às fazendas e casas da região. Durante o crime, ele levou um choque de 7.900 volts e caiu de cima do poste, uma altura de aproximadamente 10 metros.
Fancélio, mais conhecido como Chupeta, sofreu queimaduras no braço esquerdo e na barriga. O desocupado ficou caído no chão sem sentir as pernas e gemendo de dor..."
A notícia se fez acompanhar por várias fotografias retiradas da vítima no local dos fatos. As fotografias (fls. 16-18) mostram o filho da autora deitado no chão e especificamente a fotografia n.º 3 ele com as mãos sobre o rosto e com as calças abaixadas até o joelho, onde aparece a sua genitália.
Em matéria de responsabilidade civil, vige em nosso sistema jurídico a teoria subjetiva, segundo a qual para a procedência da ação reparatória, mister se faz a comprovação do dano, a relação de causalidade entre esse dano e o fato imputável, além da culpa do agente, nos termos do art. 186 do Código Civil:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Assim, impende perquirir se houve dano na publicação da referida reportagem para, num segundo momento, verificar a existência de ato ilícito na informação, assegurada constitucionalmente e regulamentado pela Lei n.º 5.250/67 (Lei de Imprensa):
"Art. 1º É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e difusão de informações e idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer."
No que se refere à responsabilidade estatui o artigo 49 da Lei 5.250/67, que:
"Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem fica obrigado a reparar os danos morais e materiais, nos casos previstos no artigo 16, II e IV, no artigo 18, e de calúnia, difamação ou injúria; os danos materiais nos demais casos".
No caso, a matéria publicada no jornal eletrônico JC é abusiva, porquanto, para relatar e transmitir os fatos à sociedade, não era necessário se reportar ao falecido filho da autora como "desocupado", nem mesmo veicular a foto na qual ele se encontrava despido.
A vida pregressa da vítima, as circunstancias nas quais foi encontrada não lhe retiram os direitos à intimidade e imagem, de modo que competia aos jornalistas mais cautela na veiculação da notícia e exposição das fotografias.
A atividade jornalística deve ser livre para informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, entretanto, o direito à informação não é absoluto, sendo vedada a veiculação de notícia e imagens que exponham indevidamente a intimidade dos indivíduos.
Nesse sentido já se manifestou o STJ:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA À HONRA DE ADVOGADO - LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE INFORMAÇÃO - DIREITOS RELATIVIZADOS PELA PROTEÇÃO À HONRA, À IMAGEM E À DIGNIDADE DOS INDIVÍDUOS - VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES E EXISTÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA DA EMPRESA JORNALÍSTICA - REEXAME DE PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ - QUANTUM INDENIZATÓRIO - REVISÃO PELO STJ - POSSIBILIDADE - VALOR EXORBITANTE - EXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
I - A liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constituem direitos absolutos, sendo relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
(...)
(STJ; REsp 783139/ES; Quarta Turma; Ministro Massami Uyeda; 18/02/2008).
Não há justificativa para se disponibilizar em jornal eletrônico de grande acesso na cidade a fotografia com a exposição das partes íntimas do filho da autora no momento de sua morte e, ainda de se reportar a ele como "o desocupado". Ressalta-se, que tais atos em nada contribuem para o desígnio de informar sobre o ocorrido, sendo extremamente desnecessários.
A sociedade estaria bem informada sobre o acontecido sem que para isso fosse necessário ilustrar a notícia com a fotografia da vítima despida. Além de sofrer com a perda do filho, a autora sofreu angústia, tristeza e vergonha ao se deparar com fotografias constrangedoras do momento da morte de seu filho, devida, portanto, devida a reparação pelos danos morais causados pelo abuso do direito de transmitir a informação.
Semelhante indenização é antes punitiva do que compensatória, pois se nenhum dinheiro compensa a dor do ofendido, uma boa e exemplar indenização serve ao menos de advertência contra a prática de condutas similares. Tanto mais exemplar quanto mais poderoso o infrator e mais vulnerável a vítima, como no caso dos autos.
Tenho, portanto, como razoável fixar a indenização em R$ 13.950,00, equivalente a 30 salários mínimos, de acordo com as especificidades do caso em concreto e em razão do ato condenável praticado pela apelada.
Pelo exposto, DOU PROVIMENTO à apelação para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais à autora, no valor de R$ 13.950,00, corrigido monetariamente a partir da publicação do acórdão e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso.
Custas recursais pelo apelante.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ARNALDO MACIEL e GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES.
SÚMULA: REJEITARAM PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
JURID - Indenização. Notícia e imagem veiculada em jornal eletrônico [24/09/09] - Jurisprudência
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